Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2652/16.0T8PTM.E2.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA, ORDENANDO-SE A BAIXA DO PROCESSO PARA AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
Sumário :

I- A reparação das consequências dos acidentes de trabalho resulta de imperativos de ordem pública inerentes ao estado de direito social, conforme decorre do artigo 59.º, n.º 1, al. f), da CRP, pelo que ao Tribunal cabe providenciar, anteriormente ou posteriormente à conclusão da perícia médico-legal, pela obtenção dos elementos pertinentes com reflexo na fixação das consequências do acidente e a respectiva ponderação.


II- Em caso de insuficiência da matéria de facto, o Supremo Tribunal de Justiça pode determinar a devolução dos autos ao Tribunal da Relação para a ampliação daquela (artigo 682º, nº 3, do CPC).


III- No caso, não contendo os autos todos os elementos que permitam apreciar as questões da IPATH e da aplicação do factor de bonificação estabelecido na alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidade, há que anular o acórdão recorrido e ordenar a ampliação da matéria de facto, ao abrigo do disposto nos artºs 662º, nº 2, al. c), 682º, nº 3, e 683.º, todos do CPC.

Decisão Texto Integral:

Processo 2652/16.0T8PTM.E2.S1


Revista


132/23


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


AA intentou acção emergente de acidente de trabalho, sob a forma de processo especial, contra Seguradoras Unidas, S.A. e Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., formulando os seguintes pedidos:


Nestes termos, e nos mais de direito, deve a presente ação ser julgada procedente e provada e, por via dela, considerar-se que:


1. O Autor foi vítima de acidente de trabalho, ocorrido a 30-08-2016, na ..., em consequência do qual sofreu traumatismo da coluna lombar e cervical;


2. Na altura em que ocorreu o acidente, o sinistrado exercia a profissão de vigilante de transporte de valores ao serviço da sociedade “E..., S.A.”, auferindo uma retribuição anual de € 17.174,90 [ (€ 962,33 x 14) + ( € 135,08 x 11) + ( € 184,70 x 12) ].


3. Que do acidente resultaram como consequência direta e necessária para o Autor, lesões que implicaram períodos de incapacidade temporária, pelo menos nos seguintes períodos:


3.1. Incapacidade temporária absoluta desde 31-08-2016 até 18-10-2016, e de 31-10-2016 até 28-01-2017, num total de 139 dias;


3.2. Incapacidade temporária parcial de 4 % desde 19-10-2016 até 30-10- 2016, num total de 12 dias.


4. Que o Autor ficou com algumas sequelas impeditivas do seu normal desempenho da atividade profissional;


5. Que essas sequelas, que são consequência direta e necessária do acidente de trabalho sofrido pelo Autor, determinaram que este se encontre afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial fixável em 2,00%, desde 29.01.2017 (caso se venha a concluir que a data da alta foi em 28.01.2017), ou de IPP de outro grau que venha a ser fixado e determinado na sequência do resultado do exame por junta médica que vai ser requerido.


E, consequentemente,


6. Devem as Rés “Seguradoras Unidas, S.A.” e “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” ser condenadas a pagar ao Autor/sinistrado:


6.1. Uma pensão anual e vitalícia relativa às incapacidades que vierem a ser fixadas e determinadas na sequência do resultado do exame por junta médica que vai ser requerido, devida desde o dia imediato ao da alta (artigo 48.º, n.º 3, alíneas b) e c) da Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro) – calculada com base no salário anual de € 17.174,90 (sendo que, continuando a ser atribuída ao Autor uma IPP de 2% e se a alta for fixada em 28.01.2017, as Rés deverão ser condenadas no pagamento do capital de remição calculado com base numa pensão anual e vitalícia de € 240,45, devida desde 29.01.2017);


6.2. Uma indemnização relativa aos períodos de incapacidade temporária sofridos pelo sinistrado, sendo que se se mantiverem os períodos de ITA e ITP indicados pela perícia médico-legal singular, o valor será no montante de € 4.594,21 [montante esse do qual o sinistrado já se encontra ressarcido do valor de € 1.613,74];


6.3. A quantia de € 1.609,72 relativa a despesas decorrentes do acidente que foram suportadas pelo sinistrado, relacionadas com consultas médicas, tratamentos, medicamentos, exames e deslocações.


7. As Rés devem ainda ser condenadas no pagamento de juros de mora sobre as referidas prestações, à taxa legal anual, vencidos e vincendos, desde a data do respetivo vencimento a até integral pagamento.


8. Devem ainda as Rés ser condenadas a assegurar o pagamento dos tratamentos de que o sinistrado continua a necessitar, designadamente os tratamentos de fisioterapia complementar”.


Citado, o Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de ... veio deduzir pedido de reembolso da quantia de € 8.768,34.


As Rés contestaram.


Foi proferido despacho saneador, no qual foi ordenada a organização do apenso para a fixação da incapacidade (Apenso A).


Por requerimento de 8.05.2018 o Instituto de Segurança Social, I.P., veio ampliar o pedido formulado para o montante de € 16.047,55.


A ampliação foi admitida por despacho de 23.05.2018.


Realizado o exame por junta médica ao sinistrado, no âmbito do incidente apenso foram fixados os períodos de incapacidade temporária e o grau e natureza da incapacidade permanente de que ficou a padecer.


Foi realizada a audiência de julgamento e em 15.06.2018 foi proferida sentença que:


1 - considerou que o Autor, por via do acidente de trabalho de que foi vítima em 30.08.2016, esteve com ITA entre 31.08.2016 e 18.10.2016 e entre 31.10.2016 e 28.01.2017, com ITP de 4% entre 19.10.2016 e 30.10.2016, e ficou afectado de uma IPP de 2,00%, a partir de 28.01.2017.


2 - condenou as Rés a pagarem ao Autor, na proporção de 50% para cada uma:


- as quantias de € 4.578,40 e € 15,81 a título de indemnizações devidas pelos períodos de ITA e ITP (descontado das quantias já pagas) acrescidas de juros;


- o capital de remição calculado em função de uma pensão anual e vitalícia de € 240,45 devida desde 29.01.2017, acrescida dos juros de mora contados à taxa legal;


- a quantia de € 593,63 a título de despesas suportadas pelo mesmo em consequência do acidente;


3 – condenou as Rés, na proporção de 50% para cada uma, a reembolsarem o Instituto da Segurança Social, I.P. pelas prestações respeitantes a subsídio de doença pago ao autor no período compreendido entre 31.10.2016 e 28.01.2017.


O Autor interpôs recurso de apelação.


Por acórdão de 15.11.2018, os juízes do Tribunal da Relação acordaram em julgar o recurso procedente e, em consequência, anularam a decisão recorrida, para que fossem solicitados esclarecimentos à junta médica e, se necessário, realizados exames complementares que o tribunal de 1.ª instância considerasse pertinentes, sendo posteriormente proferida nova decisão sobre a fixação da incapacidade.


Por requerimento de 8.12.2022, o Autor veio requerer a ampliação do pedido de condenação das Rés no pagamento das despesas que suportou, no decurso do processo, para o montante de € 19.929,67, o que foi deferido por despacho de 5.01.2023.


No apenso A e em cumprimento da decisão do Tribunal da Relação, foram realizadas as diligências tidas por adequadas a esclarecer as questões indicadas naquela, nomeadamente exame por junta médica da especialidade de neurocirurgia.


No decurso dessas diligências, por requerimento de 5.05.2021, o Autor veio juntar deliberação da comissão de verificação de incapacidades da Segurança Social que considerou o Autor em situação de invalidez relativa a partir de 18.12.2019.


Por requerimento de 8.12.2022 e com fundamento no facto de se encontrar em situação de invalidez relativa desde 18.12.2029, o Autor veio requerer que os peritos esclarecessem se a IPP seria de 23% com IPATH e subsidiariamente que fosse agendada uma nova perícia, vocacionada para a medicina do trabalho a fim de ser fixada a IPATH.


Por despacho de 5.01.2023, o requerimento foi indeferido.


Por decisão de 31.01.2023, no apenso A foram fixados os períodos e os coeficientes de incapacidade temporária e o grau e natureza da incapacidade permanente de que ficou a padecer o sinistrado, bem como a data da alta clínica.


Em 29.05.2023, nos autos principais, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:


Nestes termos e por tudo o exposto:


a. Julga-se o sinistrado AA, por via do acidente de trabalho ocorrido a 30-08-2016, afectado:


i. de uma Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) de 31-08-2016 até 18-10-2016 e de 22-01-2018 a 23-04-2018 (49+92= 141 dias);


ii. de uma Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 40% desde 19-10-2016 até 21-01-2018 (460 dias);


iii. de uma Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 30% desde 24-04-2018 até 09-04-2019 (351 dias);


iv. a partir de 09-04-2019, data da alta clínica, uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 23%, sendo as sequelas físicas de que ficou a padecer subsumíveis aos itens 1.1.1.c) e 2.2.3.d) do Capítulo I e n.º 7 do Capítulo III, ambos da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.


b. Condenam-se, em conformidade, as rés “Seguradoras Unidas, S.A.” e “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.”, na proporção de 50% para cada uma, a pagar ao autor AA a quantia de € 12.559,55 (doze mil, quinhentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos), a título de remanescente (valor ainda não satisfeito) da indemnização pela incapacidade temporária absoluta sofrida, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde o seu vencimento e até efectivo e integral pagamento;


c. Condenam-se as rés “Seguradoras Unidas, S.A.” e “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.”, na proporção de 50% para cada uma, a pagar ao autor AA o capital de remição calculado em função de uma pensão anual e vitalícia de € 2.765,16 (dois mil, setecentos e sessenta e cinco euros e dezasseis cêntimos), devida desde 10-04-2019, acrescida dos juros de mora contados à taxa legal de 4%, desde o seu vencimento e até efectivo e integral pagamento;


d. Condenam-se as rés “Seguradoras Unidas, S.A.” e “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.”, na proporção de 50% para cada uma, a pagar ao autor AA, a título de consultas, exames de diagnóstico, análises e tratamentos que suportou em consequência do acidente de trabalho em mérito, no valor de € 990,55 (novecentos e noventa euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, contados desde a data da notificação para contestar e até efectivo e integral pagamento;


e. Condenam-se as rés “Seguradoras Unidas, S.A.” e “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.”, na proporção de 50% para cada uma, a pagar ao autor AA, a título de custos que suportou com deslocações, em consequência do acidente de trabalho dos autos, tudo no valor de € 2.573,96 (dois mil, quinhentos e setenta e três euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, contados desde a data da notificação para contestar e até efectivo e integral pagamento;


f. Improcede o demais peticionado pelo autor, absolvendo-se as rés dessa parte do pedido;


g. Julga-se parcialmente procedente o pedido reembolso formulado pelo “Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de ...” contra as rés “Seguradoras Unidas, S.A.” e “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” e, em consequência, condenam-se estas, na proporção de 50% para cada uma, a reembolsar o Instituto da Segurança Social, I.P. pelas prestações respeitantes a subsídio de doença pago ao autor, no montante global de € 3.929,67 (três mil, novecentos e vinte e nove euros e sessenta e sete cêntimos), a deduzir das prestações devidas pelas rés ao autor, improcedendo o demais peticionado”.


O Autor interpôs novo recurso de apelação.


No seu parecer o Ministério Público veio, na Relação, defender a revogação da sentença e a devolução dos autos à 1.ª instância para que fosse determinada a realização de inquérito ao posto de trabalho do Recorrente e a junção pela empregadora de todas as fichas de aptidão para o trabalho do sinistrado e a informação sobre se aquele retomou as suas funções na sequência do acidente dos autos e se foi possível a sua reconversão no anterior posto de trabalho, ou se ocorreu modificação na sua categoria profissional ou no seu posto de trabalho ocasionadas pelas lesões decorrentes do acidente.


Por acórdão do Tribunal da Relação de 14.09.2023 foi decidido julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença.


O Autor veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões (aperfeiçoadas na sequência de convite do Relator):


1. Andou mal o Tribunal da Relação ao confirmar a sentença proferida em sede de 1.ª Instância, não dando assim provimento ao recurso interposto pelo ora recorrente;.


2. É fundamento do presente Recurso a clara contradição existente com douto Acórdão proferido pelo mesmo Tribunal da Relação de Évora a 11 de Maio de 2023, já transitado em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito;


3. As questões sobre as quais versavam ambos os recursos interpostos, prendiam-se com a exação de IPTAH e aplicação de bonificação no âmbito do n.º 5 da TNI aprovada pelo DL 352/2007 de 23 de Outubro;


4. Sendo que, no âmbito no proc. n.º 379/17.5T8FAR foi proferido Acórdão pelos Juízes Desembargadores, favorável ao recurso interposto, por se entender que o Tribunal de 1.ª Instância não se encontrava devidamente elucidado sobre a história proissional do sinistrado, e análise do seu posto de trabalho, algo especialmente relevante quando está em causa a determinação de IPATH;


5. Em completa contradição, no âmbito dos presentes autos, os mesmos Juízes Desembargadores concluíram pela improcedência do recurso interposto, por entenderem que os peritos médicos teriam conhecimentos técnicos para determinar a IPATH, o que não veio a acontecer:


6. Sucede que, em ambas as situações, nenhum médico perito afirmou ter conhecimentos específicos acerca da situação profissional dos sinistrados, como também das funções que compõem a mesma, pelo que nunca foi aposto em qualquer relatório pericial que qualquer um dos sinistrados estaria afectado de IPATH, em consequência das lesões decorrentes do acidente de trabalho;


7. Note-se que em ambos os processos, a Mandatária signatária requereu a realização de perícia vocacionada para a medicina do trabalho, a fim de ser fixada a IPATH, que, em ambos os casos, foi indeferida pelo Mmº Juiz a quo;


8. Pelo que, em ambos os processos à data da interposição dos recursos, a informação constante nos laudos periciais das juntas médicas era no seu essencial a mesma, bem como não haviam sido realizados quaisquer exames e pareceres complementares necessários para que fosse tomada uma decisão consciente e informada do processo;


9. Assim sendo, não faz qualquer sentido, tendo-se chegado à conclusão no processo 379/17.5T8FAR, serem necessárias mais diligências que levem a uma decisão consciente e informada;


10. Que o mesmo não aconteça nos presentes autos e, ao invés, hajam sido atingidas conclusões tão dispares!


11. Pelo que, estiveram bem os Juízes Desembargadores ao entender, no âmbito do Proc. 379/17.5T8FAR.E1, ao dar provimento ao recurso e mal ao decidirem exactamente o contrário nos presentes autos!


12. Devendo assim, alterar-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, decidindo-se em conformidade, com o Acórdão proferido no âmbito do Proc. 379/17.5T8FAR.E1,


13.Decorre do Parecer elaborado pela Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes da Segurança Social, em 05/05/2021, e junto aos Autos, que o Sinistrado é portador de IPATH;


14. Até essa data, esta questão nunca havia surgido, tal como sucedeu nos Autos com o n.º 379/17.5T8FAR.E1, tendo sido posteriormente colocada pela Mandatária Signatária ao requerer perícia vocacionada para a medicina do trabalho e indeferida pelo Mmº Juiz a quo;


15. No que concerne à atribuição da bonificação, a que se refere a al. a) do n.º 5 da TNI, entende-se que a mesma deveria ter sido aplicada, uma vez que o Sinistrado deixou de poder continuar a exercer as suas funções em consequência do acidente de trabalho discutido nos presentes autos e o seu contrato de trabalho foi declarado cessado em consequência de caducidade;


16. Face à notória existência de dúvidas e questões, o Tribunal a quo deveria ter determinado a realização do estudo do posto de trabalho e qualquer outro exame complementar que pudesse esclarecer a presente situação;


17. Note-se que, em nenhuma das Juntas Médicas realizadas foram estas questões esclarecidas pelos Médicos Peritos, apesar de suscitadas nos presentes autos;


18. Entende-se assim, que foram violadas as normas constantes no n.º 7 do art.º 139.º do CPT, bem como a Instrução Geral nos seus números 8 e 13 da TNI aprovada pelo DL 352/2007, de 23 de Outubro e a al. c) do n.º 2 do art.º 662 do CPC;


19. Perante a existência de dúvidas, deveria ter sido determinada a realização de exames complementares, pelo Mmº Juiz a quo, faculdade essa que lhe é permitida, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art.º 139.º do CPT, o que não veio a acontecer,


20. sendo que só com a realização de um estudo do posto de trabalho seria possível ao Tribunal a quo concluir se o Sinistrado manteria capacidade para exercer as suas funções ou


se,


21. Caso não mantivesse, concluir pela aplicação de IPTAH e bonificação referida na al. a) do n.º 5 da TNI;


22. Sucede que, os Médicos Peritos não detêm informação suficiente para fundamentar devidamente as suas conclusões, conforme Instrução Geral n.º 8 da TNI;


23. Na falta de informação suficiente nos laudos periciais das juntas médicas essencial para que fosse tomada uma decisão consciente e informada do processo acerca da fixação de IPTAH e aplicação da bonificação referida na al. a) do n.º 5 da TNI, deveria ter sido decidida pela anulação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, ao abrigo do disposto na al. c) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC, o que não veio a acontecer.


24. Face ao exposto, requer-se a V.ªs Ex.ªs seja dado provimento ao recurso, anulando-se a decisão proferida em sede de Acórdão e determinada:


a) a realização de inquérito descritivo da história profissional do sinistrado;


b) a realização de análise do seu posto de trabalho, com caracterização dos riscos profissionais e sua quantificação, se tecnicamente possível;


c) a requisição à empregadora de todas as fichas de aptidão para o trabalho realizadas ao sinistrado após o acidente, bem como informação sobre se retomou as suas funções profissionais ou se, pelo contrário, não foi possível a sua reconversão no seu anterior posto de trabalho;


d) ainda à empregadora, informação sobre o percurso profissional do sinistrado na empresa e, em especial, as modificações na sua categoria profissional ou no seu posto de trabalho ocasionadas pelas lesões sofridas no acidente; e,


e) a posterior realização de junta médica, com intervenção de médicos da especialidade de neurocirurgia, para determinar a fixação de IPTAH e aplicação da bonificação constante na al. a) do n.º 5 da TNI, aprovada pelo DL 352/2007, de 23 de Outubro.


A Ré contra-alegou.


O Exmº PGA emitiu parecer no sentido de ser concedida a revista.


x


Temos, como questões a decidir:


-se os autos contêm todos os elementos que permitam apreciar as questões da IPATH e da aplicação do factor de bonificação estabelecido na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidade e


-se o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil.


x


É a seguinte a factualidade a ter em conta:


1. AA nasceu no dia ...-...-1969.


2. No dia 30-08-2016, pelas 11h00, em ..., o autor AA foi vítima de um acidente de trabalho, sofrendo traumatismo da coluna lombar e cervical, quando, no desempenho das suas funções, efetuava a tarefa de recolha de valores no hipermercado “P.... ....”, transportando um saco de moedas e uma mala de segurança, com notas.


3. Como sequelas, resultou para o autor radiculopatia cervical esquerda e lombar direita com rigidez lombo-sagrada.


4. Desse acidente resultou para o sinistrado:


a) uma Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) desde 31-08-2016 até 18-10-2016 e de 22-01-2018 a 23-04-2018 (49+92= 141 dias);


b) uma Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 40% desde 19-10-2016 até 21-01-2018 (460 dias);


c) uma Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 30% desde 24-04-2018 até 09-04-2019 (351 dias);


d) A partir de 09-04-2019, data da alta clínica, uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 23%.


5. Na altura em que ocorreu o acidente, o autor exercia a profissão de vigilante de transporte de valores, ao serviço da sociedade “E..., S.A.”, auferindo uma retribuição anual no montante de € 17.174,90 [(€ 962,33×14) + (€ 184,70×12)].


6. Nessa data, a entidade patronal do autor tinha a sua responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho ocorridos com aquele transferida para as rés “Seguradoras Unidas, S.A.” (ao tempo, “Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A.”) e “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.”, em regime de co-seguro, na proporção de 50% para cada uma delas, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 798385, pelo valor da aludida retribuição anual.


7. As rés pagaram ao autor o montante de € 1.613,74 a título de indemnização por incapacidade temporária.


8. O autor efetuou as despesas constantes dos documentos de fls. 90, 91, 93 a 98, 104, 107, 109 a 111, 116, 117, 197, 198, 201, 202, 204, 238, 241, 246 e 250 a 252, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, nas datas dos mesmos constantes.


9. O autor efetuou as deslocações indicadas no documento de fls. 125-126, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, sendo que a distância a percorrer entre a residência do autor e a Clínica ..., em ..., é de cerca de 71,4 km (em cada percurso e incluindo 60 km em autoestrada), para o Hospital da ..., em ..., é de cerca de 238 km (em cada percurso e incluindo 196 km em autoestrada), para o Hospital ..., em ..., é de cerca de 267 km (em cada percurso, incluindo 225 km em autoestrada), para a Clínica de Fisioterapia – ..., em ..., é de 2,9 km (em cada percurso), para a Clínica de Ressonância Magnética ..., em ..., é de cerca de 73,6 km (em cada percurso e incluindo 60 km em autoestrada), para o Consultório do Dr. BB, em ..., é de cerca de 268 km (em cada percurso e incluindo 227 km em autoestrada), para a Clínica de Fisioterapia ..., em ..., é de cerca de 2,5 km (em cada percurso) e para o Hospital Particular ..., é de 3,5 km (em cada percurso).


10. Em consultas médicas, em ..., com o Dr. CC, no ..., nos Hospitais ... e Hospital ..., como também na ..., na Clínica ... e, em ..., na Clínica ..., e exames efetuados, nomeadamente RM Coluna Cervical, TC Coluna Lombar, EMG, o autor suportou o montante global de € 990,55.


11. Com o pagamento de horários do perito médico por si indicado para intervir nas juntas médicas da especialidade de neurocirurgia, realizadas em ..., nos dias 30-09-2022, 28-10-2022 e 02-12-2022, o autor despendeu a quantia de € 3.115,00.


12. Em deslocações em transporte próprio, o autor efetuou as seguintes viagens:


a) Três deslocações a ... (dias 03-02-2017, 10-02-2017 e 10-03-2017), correspondente a 273 km x 2 [ida e volta] = 546 km x 3 viagens = total de 1.638 km;


b) Uma deslocação ao Hospital da ... em ... (dia 20-02-2017), correspondente a 239 km x 2 = 478 km (ida e volta);


c) Três deslocações à Clínica ... - Clínica ..., para realização de exames (dias 04-05-2018, 14-06-2018 e 28-11-2018), correspondente a 251 km x 2 [ida e volta] = 502 km x 3 viagens = total de 1.506 km;


d) Duas deslocações à Clínica Neurociência ..., para realização de exames (dias 02-05-2018 e 11-05-2018), correspondente a 2,5 km x 2 [ida e volta] = 5 km x 2 viagens = total de 10 km;


e) Duas idas à Clínica ..., para consultas (dia 20-03-2018 e 06-04-2018), correspondente a 2,9 km x 2 [ida e volta] = 5,8 km x 2 viagens = total de 11,60 km;


f) Quatro deslocação ao Hospital ..., para consultas de neurocirurgia (nos dias 29-08-2017, 03-10-2017, 23-10-2018 e 01-01-2019), correspondentes a 537 km x 2 [ida e volta] = 1074 km x 4 viagens = total de 4.296 km;


g) Uma deslocação à Clínica ..., para realização de exame RM (dia 07-12-2018), correspondente a 517 km x 2 [ida e volta] = 1.034 km;


h) Uma deslocação à Clínica ..., para realização de exame TAC (dia 10-08-2018), correspondente a 13 km x 2 [ida e volta] = 26 km;


i) Duas deslocações ao Hospital da ..., para consulta e realização de cirurgia à coluna lombar (dias 21-12-2017 e 22-01-2018), correspondente a 543 km x 2 [ida e volta] = 1.086 km x 2 viagens = total de 2.172 km;


j) Cinco deslocações às juntas médicas que decorreram no Hospital de ..., em ..., (dias 15-06-2020, 18-01-2021, 15-03-2021, 24-05-2021 e 29-11-2021), correspondente a 274 km x 2 [ida e volta] = 548 km x 5 viagens = total de 2.740 km;


k) Três deslocações às juntas médicas que decorreram neste Juízo de Trabalho de ... (dias 30-09-2022, 28-10-2022 e 02-12-2022-2021), correspondente a 3 km x 2 [ida e volta] = 6 km x 3 viagens = total de 18 km.


13. O Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital ... pagou ao autor, a título de subsídio de doença, no período compreendido entre 22-10-2016 e 21-10-2019, o montante global de € 31.614,31 (trinta e um mil, seiscentos e catorze euros e trinta e um cêntimo).


x

- o direito:

Impõem-se umas considerações prévias:


O Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1.ª Instância, sem qualquer voto de vencido. No entanto, e tal como se considerou no despacho liminar, não se pode considerar que se verifica uma situação de dupla conforme.


Com efeito, o acórdão recorrido pronunciou-se sobre as questões de saber se o sinistrado deveria ser considerado afectado de IPATH e sobre se deveria ser aplicado o factor de bonificação 1,5, previsto na Instrução Geral n.º 5, alínea a) da TNI, concluindo negativamente quanto ambas as questões.


Ora, compulsadas a sentença proferida no processo principal e sentença do apenso de fixação de incapacidade, verifica-se que o Tribunal de 1.ª Instância não se pronuncia sobre nenhuma destas questões.


Na verdade, as questões da IPATH e do factor de bonificação surgem pela primeira vez no requerimento do Autor de 8.12.2022, no qual este requere que sejam solicitados esclarecimentos aos peritos sobre a questão da IPATH e subsidiariamente a realização de nova junta médica na área da medicina do trabalho. Este requerimento foi indeferido por despacho de 5.01.2023, não tendo sido objecto de impugnação (admissível quanto ao indeferimento do pedido de nova perícia). Não há qualquer outra pronúncia da 1.ª instância quanto a estas questões.


Deste modo, dado que as questões objecto do acórdão recorrido não foram apreciadas na sentença (nem na sentença proferida no apenso de fixação de incapacidade), não se pode falar de fundamentação essencialmente idêntica.


Daí a revista ter sido admitida em termos gerais.


Por outro lado, o Autor vem invocar a insuficiência da matéria de facto e que esta apenas será suprível mediante a anulação da sentença e subsequente realização das diligências probatórias em falta, pelo que o Tribunal da Relação, ao não anular a sentença, violou o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil.


O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que, quanto à decisão da matéria de facto, pode sindicar a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova ou que fixe o valor de determinado meio de prova (artigo 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil), bem como a violação de lei adjectiva. Pode ainda apreciar da suficiência ou insuficiência da matéria de facto para a decisão da causa.


Verificando-se a insuficiência da matéria de facto não suprível nos termos do n.º 1 do artigo 662.º, a não utilização das faculdades previstas no n.º 2 do mesmo preceito configurará a violação de norma adjectiva.


Por outro lado, em caso de insuficiência da matéria de facto, o Supremo Tribunal de Justiça pode determinar a devolução dos autos ao Tribunal da Relação para a ampliação daquela (artigo 682.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).


Podendo esta faculdade ser utilizada oficiosamente, as partes poderão igualmente invocar a necessidade dessa ampliação.


No caso vertente, o que o Autor pretende é que o Tribunal sindique o facto do acórdão recorrido não ter anulado a sentença, ou seja a alegada violação pelo Tribunal da Relação da norma adjectiva que determina que, nos casos de insuficiência da matéria de facto que não pode ser suprida com base nos meios de prova realizados, a sentença seja anulada para ampliação da matéria de facto (artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil).


O Autor pretende assim que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie da suficiência da matéria de facto.


Dito isto e passando à apreciação das questões, supra enunciadas, objecto do recurso, parece-nos inequívoco que o acórdão recorrido incorre, salvo o devido respeito, num erro decisivo, no sentido de que a situação de invalidez atribuída pelo SNS foi exclusivamente determinada por doença natural, ou, por outras palavras, as patologias que estiveram na base da declaração de invalidez relativa eram apenas decorrentes de doença natural.


Com efeito, aí se considerou, após a enunciação de todos os elementos documentais periciais constantes dos autos :


Infere-se dos mesmos que o sinistrado foi presente a múltiplas perícias médicas que analisaram a sua situação clínica, sabendo que o mesmo exercia as funções de Vigilante de Transportes de Valores.


Por nenhum dos peritos médicos, com conhecimentos técnicos específicos que o tribunal não possui, alguma vez foi emitido parecer no sentido de que o sinistrado estava afetado de IPATH, em consequência das lesões decorrentes do acidente de trabalho.


No que respeita à situação de invalidez relativa atribuída pelo SNS, não podemos esquecer que a mesma foi determinada por “DOENÇA NATURAL” e a avaliação clínica considerou diversas patologias.


Em suma, inexistindo qualquer perícia médica que especialmente refira que as lesões decorrentes do acidente de trabalho devem determinar a atribuição de IPATH ao sinistrado, e inexistindo quaisquer outros meios probatórios consistentes que originem dúvidas sobre a possibilidade de o sinistrado estar afetado de tal incapacidade, não há fundamento para a atribuição de tal incapacidade.


Pelo exposto, bem andou o tribunal a quo ao não considerar que o sinistrado está afetado de IPATH.”


Socorreu-se o acórdão, entre os referidos elementos clínicos, da Deliberação da Comissão de Verificação da Segurança Social, datada de 22-01-2020, junta pelo sinistrado e onde se afirma designadamente o seguinte:


“O examinado, encontra-se em situação de incapacidade permanente que o impede de auferir, na sua profissão, mais de um terço da remuneração correspondente ao seu exercício normal, presumindo-se que o mesmo não recupere a capacidade de auferir, no desempenho da sua profissão, mais de 50% da retribuição correspondente, dentro dos próximos 3 anos.


Por esse motivo, foi considerada a situação de invalidez relativa a partir de 2019/12/16”.


Desta passagem retirou o acórdão recorrido que “No que respeita à situação de invalidez relativa atribuída pelo SNS, não podemos esquecer que a mesma foi determinada por “DOENÇA NATURAL” e a avaliação clínica considerou diversas patologias.”


Acontece que, e como muito bem se salienta no Parecer do MºPº, “consta do Parecer/Deliberação, no seu ponto 2. Parecer, a descrição de um conjunto de queixas e de patologias da coluna cervical e da coluna lombar decorrentes do acidente de trabalho de 2016 e, ainda, a menção à colocação de uma prótese total do joelho.


Esta informação reproduz textualmente o que consta do ponto 3.1 do Relatório Médico anexo a esse Parecer/Deliberação.


No ponto “4.2 Específico (face às queixas do examinando)” desse Relatório Médico consta:


“claudicação da marcha marcha com auxiliar Laseque+à dta


Ligeira diminuição da força muscular nos membros superiores”.


No ponto 6. Informação do mesmo Relatório Médico consta “A situação clínica avaliada resultou de ACIDENTE DE TRABALHO”. Nesta situação concorre doença natural por si só incapacitante”


No ponto 7. (Conclusões e fundamentação do perito médico relator) desse Relatório escreveu-se o seguinte:


«Devido às patologias osteoarticulares e após ter efetuado diversas cirurgias e tratamentos de MFR penso que não se encontra em condições clínicas de desenvolver a sua profissão ou qualquer outra que envolva levantar objetos pesados.


Contudo poderá desenvolver outras profissões que não envolvam esforços moderados/intensos.


Por esse motivo, foi considerada a situação de invalidez relativa a partir de 2019/12/16.”.


Por sua vez, no ponto 3. (Informação) do Parecer /Deliberação que incorpora como seu documento integrante o referido Relatório consta que “A situação clínica avaliada resultou de DOENÇA NATURAL”.


Dizendo o referido parecer, também com acerto, que comparando esta informação com o que se refere no Relatório do Médico em que se apoia o Parecer/Deliberação, só se pode concluir que esta última informação não é rigorosa e pode induzir, como parece ter induzido, em erro.


Ora, no auto de exame por junta médica de 02-12-2022, realizada no apenso, os peritos consideraram, por unanimidade, que “as sequelas são as seguintes:


-radiculopatia cervical esquerda e lombar direita com rigidez lombo-sagrada.”


Por outro lado, foram dados como provados os factos seguintes:


- o sinistrado sofreu traumatismo da coluna lombar e cervical (facto 2);


- como sequelas, resultou para o autor radiculopatia cervical esquerda e lombar direita com rigidez lombo-sagrada. (facto 3).


E no ponto 6. do Relatório Médico anexo ao Parecer/Deliberação da Segurança Social consta que “A situação clínica avaliada resultou de ACIDENTE DE TRABALHO”. Nesta situação concorre doença natural por si só incapacitante”.


Havendo, pois, que concluir que, pese embora também ocorra doença natural, só por si incapacitante, esse Relatório Médico aponta inequivocamente no sentido de que as lesões e sequelas a nível cervical e lombar consideradas para aquela avaliação de invalidez relativa são resultantes de acidente de trabalho.


Embora havendo doença natural, não se podem desprezar, para efeitos de consideração e adequada avaliação, as menções ao acidente de trabalho, a referência às lesões e sequelas que dele resultaram e à incapacidade que provocaram.


E tendo-se em conta o disposto no artº 11º, nº 2, da LAT:


2 - Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei.


Não se nos afigura como correcta a conclusão do acórdão recorrido de que inexistem nos autos outros meios probatórios consistentes que originem dúvidas sobre a possibilidade de o sinistrado estar afetado de IPATH.


E como mais uma vez com acerto se discorre no Parecer do MºPº, não se sabe, sequer, se a junta médica de 02-12-2022 realizada no apenso A avaliou ou não aqueles Parecer/Deliberação e Relatório Médico da Segurança Social, dado que, não obstante já se encontrarem nos autos aquando da realização da junta médica, os peritos que a integraram não lhe fazem qualquer referência. Desconhece-se se essa omissão se deveu ao facto de não terem os peritos sido confrontados com a existência desses documentos nos autos ou se, tendo tomado conhecimentos dos mesmos, os não tiveram por relevantes devido à acima aludida menção errónea da doença natural como causa única das lesões e sequelas do sinistrado.


Também não resulta dos autos que tenha sido pedido aos peritos médicos que se pronunciassem expressamente sobre se o sinistrado apresenta IPATH, pelo que também fica por saber se os mesmos ponderaram ou não essa possibilidade.


Por outro lado, desconhece-se se existiu avaliação dos serviços de medicina do trabalho da empregadora a que o sinistrado teria de ser necessariamente submetido após a alta na sequência do acidente de trabalho, tal como é imposto na al c) do nº 3 do artº 108º do Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho (aprovado pela Lei nº 102/2009, de 10 de Setembro).


Também nada se apurou acerca da eventual retoma pelo sinistrado do mesmo posto de trabalho na empresa empregadora ou se esta fez cessar a relação contratual, invocando, nomeadamente, a caducidade fundada em impossibilidade absoluta e superveniente de o sinistrado continuar a prestar o seu trabalho.


Não é possível afastar essas dúvidas sem a correspondente realização das adequadas diligências probatórias, que deverão passar, também e não exclusivamente, pela realização de um parecer ocupacional, conforme se prevê no n.º 4 do art.º 21.º da LAT (e no art.º 139.º, n.º 7, do CPT).


Sendo que a requisição de parecer ocupacional, prevista nos referidos artigos, deve ocorrer após a consolidação das lesões sofridas pelo sinistrado no acidente de trabalho e a definição das eventuais sequelas delas resultantes, por referência à Tabela Nacional de Incapacidades- Ac. do STJ de 06-07-2022, proc. n. º 41/19.4T8VRL-A.G1.S1


E a reparação das consequências dos acidentes de trabalho resulta de imperativos de ordem pública inerentes ao estado de direito social, conforme decorre do artigo 59.º, n.º 1, al. f), da CRP, pelo que ao Tribunal cabe providenciar, anteriormente ou posteriormente à conclusão da perícia médico-legal, pela obtenção dos elementos pertinentes com reflexo na fixação das consequências do acidente e a respetiva ponderação- Ac. do STJ de 08-06-2021, Proc. n.º 3004/16.8T8FAR.E1.S1.


Essas diligências deverão ser as sugeridas no Parecer do MºPº:


1 - a realização de parecer ocupacional (pelo IEFP), com vista à realização de análise do posto de trabalho do sinistrado e sobre se o mesmo pode ou não continuar a desempenhar as funções habituais após o acidente de trabalho;


2 - a requisição à empregadora de todas as fichas dos exames de aptidão para o trabalho a que foi submetido o sinistrado após o acidente, bem como informação sobre se retomou as suas funções profissionais ou se, pelo contrário, não foi possível a sua reconversão no seu anterior posto de trabalho;


3 – a requisição à empregadora de informação sobre o percurso profissional do sinistrado na empresa e, em especial, as modificações na sua categoria profissional ou no seu posto de trabalho ocasionadas pelas lesões sofridas no acidente.


Com a consequente anulação da decisão recorrida e as correspondentes ampliação da matéria de facto e prolação de nova decisão – artºs 662º, nº 2, al. c), 682º, nº 3, e 683.º, todos do CPC.


x


Decisão:


Concede-se a revista, anulando-se o acórdão recorrido e ordenando-se, nos termos expostos, a ampliação da matéria de facto, devendo ser proferida nova decisão.


Custas pelas Recorridas.


Lisboa, 06/03/2024


Ramalho Pinto (Relator)


José Eduardo Sapateiro


Domingos José de Morais





Sumário (da responsabilidade do Relator).