Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
903/19.9T8LSB.L1.S1.S3
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: SEGURO DE VIDA
INVALIDEZ
INCAPACIDADE
OBJETO DO CONTRATO DE SEGURO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTOS ADMITIDOS POR ACORDO
FACTOS IRRELEVANTES
FACTOS NÃO PROVADOS
ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
DECISÃO SURPRESA
REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ANULADA
Sumário :
As situações de invalidez absoluta e definitiva, cobertas por contratos de seguro do Ramo Vida, em que nestes contratos se faz corresponder tais situações a uma incapacidade definitiva e total de exercer qualquer atividade remunerável, exigem um apuramento casuístico da situação anatómica-funcional e/ou psicossensorial da pessoa segura, em que todos os dados sobre ela são relevantes, mais do que o concreto nível ou grau ou percentagem de incapacidade atribuído medicamente ao aderente, tal como são relevantes todas as alterações no modo de vida, pessoal e profissional, ocorridas em consequência do sinistro.
Decisão Texto Integral:

I - Relatório

Os Autores intentaram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra as Rés, alegando, em resumo, o seguinte:

- celebraram com a 2.ª Ré dois contratos de mútuo com hipoteca, associado aos quais, por exigência desta Ré, subscreveram, em 17.10.2005, uma proposta de adesão a um seguro de grupo junto da 1.ª Ré;

- a subscrição dessa proposta ocorreu nas instalações da 2.ª Ré, sem haver qualquer contacto dos Autores com a 1.ª Ré, encontrando-se as cláusulas do contrato de seguro previamente estabelecidas, tendo os Autores se limitado a aceitá-las;

- o funcionário da 2.ª Ré, no respeitante à cobertura de invalidez por doença, explicou aos Autores apenas que a 1.ª Ré assumiria junto da 2.ª Ré o pagamento da dívida relativa aos créditos mencionados, desde que qualquer um dos Autores beneficiários apresentasse um grau de invalidez igual ou superior a 50%;

- o Autor marido acionou o referido seguro, em janeiro de 2018, por ser portador de uma incapacidade permanente global de 60%, mas que o impede de exercer qualquer atividade profissional ou lucrativa;

- a 1.ª Ré, porém, recusou o pagamento das indemnizações solicitadas, por entender não estarem reunidas as condições exigidas, nomeadamente, a necessidade de auxílio de terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária.

- a 2.ª Ré continua a debitar na conta dos Autores as prestações mensais relativas à amortização dos empréstimos e aos prémios do seguro em causa;

- a sobredita cláusula, na parte em que exige, para efeitos de qualificação da incapacidade permanente, a dependência do segurado da assistência de terceira pessoa para os atos normais da vida diária, é nula, nos termos dos artigos 12.°, 15.°, 16.° e 21.°, n. 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, por reduzir de forma substancial e desproporcionada os casos de verificação do risco de invalidez, fazendo uma exigência que nada tem que ver com a afetação da capacidade de trabalho e de obtenção de rendimentos, indo para além deste conceito e da razão de ser do contrato, ou por aplicação analógica do art.º 146.°, n.º 3 e 5, do RJCS;

- nos termos previstos nos artigos 5.°, n.º 1 e 2, 6.°, 8.°, als. a) e b), e 9.º, n.°s 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10, as Rés não podem prevalecer-se da cláusula contratual geral de coberturas, por violação dos deveres de comunicação e informação, pelo que o negócio deverá ser mantido com a cobertura de invalidez absoluta e definitiva por doença nos termos em que a mesma foi comunicada aos Autores.

Nessa base, pediram que:

a) - Fosse declarada parcialmente nula a sobredita cláusula na parte em que refere que a invalidez absoluta e definitiva é "a limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria que incapacite a pessoa segura para o exercício de qualquer atividade remunerada, necessitando de assistência de uma terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária", mantendo-se o demais clausulado, nomeadamente as coberturas por morte ou invalidez por doença ou acidente;

b) - Fosse condenada a 1.ª Ré a pagar à 2.ª Ré, Caixa Geral de Depósitos, S.A., os montantes emergentes dos contratos de mútuo com hipoteca referenciados que estiverem em dívida à data em que ocorrer o trânsito em julgado da decisão final. acrescidos dos juros devidos, imposto de selo e demais despesas que tenham sido pagas pelos Autores à 2.ª Ré;

c) - Fosse condenada a 1.ª Ré a pagar aos Autores as quantias que estes, por força dos
referidos contratos de mútuo, entretanto, liquidaram à 2.ª Ré e que se venceram desde janeiro de 2018, bem como as quantias que os mesmos liquidarão até efetivo e integral cumprimento por parte da 1.ª Ré do peticionado em b):

d) - Fosse condenada a 1.ª Ré a devolver aos Autores as quantias que estes, a título de prémios de seguro do contrato de seguro em causa nos autos, entretanto lhe pagaram e demais despesas, e que se venceram desde janeiro de 2018, bem como as quantias que os Autores liquidarão até efetivo e integral cumprimento por parte da 1ª Ré do peticionado em b);

e) - Fosse condenada a 1ª Ré a pagar aos Autores juros de mora sobre os montantes pedidos em c) e d), contabilizados à taxa legal, desde a data em que estes as desembolsaram e desembolsarão tais quantias até efetivo e integral pagamento.

As Rés contestaram, pronunciando-se pela improcedência da ação, sustentando a 1.ª Ré,
no que ora mais releva, o seguinte:

- a situação de invalidez participada pelo Autor não está coberta pelo contrato de seguro, porquanto este não carece de assistência de terceira pessoa para efetuar os atos ordinários da vida corrente;

- a cláusula contratual que define e delimita a cobertura de invalidez absoluta e definitiva não é nula nem abusiva, uma vez que a 1.ª Ré cobra pela assunção desse risco um valor de prémio mais baixo;

- nos boletins de adesão constavam várias situações de invalidez que a 1.ª Ré garante, tendo os Autores optado por cobrir situações de invalidez absoluta e definitiva e pago, em contrapartida, um prémio mais baixo.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo no final sido proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, decidindo:

- declarar nula a cláusula do contrato de seguro titulado pela apólice n.° 5.000.906. que define e delimita a cobertura de '"Invalidez Absoluta e Definitiva", na parte em que exige que o segurado necessite da assistência de uma terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária;

- absolver os Réus dos demais pedidos contra si formulados.

Inconformados os Autores interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de
Lisboa, em sede de impugnação de facto e de direito, no âmbito do qual foi proferido acórdão que julgou a ação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Os Autores vieram arguir perante o Tribunal da Relação a existência de várias nulidades apontadas ao acórdão que decidiu o recurso de apelação, tendo sido proferido acórdão indeferindo essa arguição.

Os Autores interpuseram também recurso de revista normal e, subsidiariamente, recurso de revista excecional.

Concluíram as suas alegações do seguinte modo:

1) Vem o presente recurso interposto da Douto Acórdão que manteve a decisão proferida em 1.ª instância que apesar de ter considerada procedente por provada a nulidade invocada pelos recorrentes na al. a) do pedido formulado na petição inicial considerou improcedentes os pedidos formulados pelos recorrentes nas al. b) a e) do pedido formulado na petição Inicial.

2) Não podendo o recorrente concordar com tal Acórdão, nomeadamente com a absolvição dos recorridos do peticionado nas alíneas b) a e) do pedido formulado na petição Inicial por o tribunal “ quo” por entender não estar verificado o risco que o contrato de seguro celebrado entre as partes visou acautelar, já que, a seu ver, ele enferma de vários vícios, no que toca à matéria de Direito e padece de um conjunto de nulidades previstas no artigo 615.º al. c) e d) do C.P.C, conforme infra se invocarão.

3) Vêm os recorrentes impugnar, pois, a decisão proferida pelo tribunal “a quo”, pelo Acórdão ser nulo, nulidade esta que desde já se invoca e se espera que venha a ser declarada e no que respeita à matéria de direito e à aplicação da lei processual, designadamente, quando faz errada aplicação do direito violando a lei substantiva e processual.

4) Das nulidades do acórdão artigo – 674 n.º al. c) e 615.º n.º 1 al. c) e d) todos do C.P.C. No seu Recurso interposto para o Tribunal da Relação vieram os recorrentes recorrer da matéria de facto para que fosse considerado provado ao invés de não provado os factos constantes na al. g) e o) da sentença proferida em 1.ª instância dado que tais factos já se encontravam provados por acordo das partes, o seguinte:

g) Que o A. não pode exercer qualquer actividade profissional pois não existe qualquer actividade, seja esta de que natureza for, em que não seja necessário, ainda que de forma ligeira, exercer qualquer actividade física;

o) Que o A. tenha ficado totalmente incapacitado para o desenvolvimento de quaisquer profissões ou atividades lucrativas compatíveis com as suas habilitações, conhecimentos e experiência;

5) pois resultou sempre assente por acordo das partes, nunca tendo estado essa materia em questão, que o autor é detentor de uma limitação funcional permanente sem possibilidade clínica de melhoria que o incapacita para o exercício de qualquer atividade remunerada, facto invocado no recurso, quer nas alegações, quer nas conclusões e não apreciado por este Tribunal da Relação conforme infra se demonstrará.

6) O que esteve sempre em causa na presente ação foi tão só se o Autor precisava ou não da ajuda de uma 3.ª pessoa, pois que a invalidez absoluta e definitiva para o exercício de qualquer actividade remunerada era uma matéria que há muito estava assente como aliás resulta à saciedade da Petição do Autor e da contestação da R. seguradora Fidelidade.

7) Ao contrário do que o Douto Tribunal da Relação diz, o artigo 23.º da P.I. é conclusivo e os artigos 20º e 22.º e seguintes não têm de todo a redação constante do Douto Acórdão da Relação. De facto resulta do teor integral da P.I. que demonstra à saciedade que não só o Autor não confessou que podia exercer uma profissão que não exija o exercício de actividade física, como também que o Autor interpôs a presente ação tendo por base que a companhia apenas não procedia ao pagamento da indemnização porque o Autor tão só não preenchia o requisito da necessidade de ajuda permanente da 3.ª pessoa.

8) Até porque se pergunta ao Douto Tribunal da Relação se o Autor tivesse efetivamente confessado (como o Douto Tribunal da Relação vem afirmar) que podia exercer uma profissão que não exija o exercício de actividade física como refere o último parágrafo da última folha do Acórdão, ora em causa, e estando (se estivesse) esta matéria confessada “ab initio” porque razão teria sido esta ação julgada já que a declaração de nulidade de parte da cláusula relativa à necessidade de ajuda de 3.ª pessoa (tendo o Autor confessado que preenchia a segunda parte da mesma) levaria ao mesmo resultado (improcedência desde logo da ação) já que as condições são cumulativas; pelo que a ação teria logo sido julgada improcedente à partida (e até antes de qualquer contestação) o que não foi e nem podia ser o caso, porque nunca o A. confessou tal facto; até porque tal facto, isto é a sua invalidez absoluta e definitiva para o exercício de qualquer actividade remunerada nunca esteve em causa nos presentes autos!!!! Note-se que, como resulta da P.I. e das declarações do Autor, este é reformado por invalidez e portanto não pode exercer qualquer actividade remunerada

9) Pelo que resulta claro que o autor estava a transcrever o que resultava do relatório e nada mais, conforme consta do artigo 20.º da redação que este efetivamente tem e que o artigo 23.º limita-se a concluir que face a tudo o supra referido na P.I., nomeadamente ao quadro clínico do Autor, que não existe qualquer actividade seja esta de que natureza for em que não seja necessário exercer qualquer esforço físico ainda que ligeiro, logo o Autor não pode exercer qualquer actividade profissional. É isto que claramente lá está escrito!

10) Mais se dúvidas existissem (que não existem) pois é impossível não perceber que o conteúdo artigo 23.º da P.I. é claramente conclusivo pois começa com a palavra “Ora” e que o artigo 20.º se limita a transcrever o que está no relatório médico já que começa com a frase “Mais referindo o dito relatório” assim como os subsequentes continua a P.I. a referir o que igualmente se transcreve:“(…)39.º Este quadro demonstra que o 1.º A. está incapaz de exercer qualquer profissão ou actividade lucrativa, pois tanto a natureza das sequelas, com interferência não só na locomoção mas também na prática de pequenos actos da vida diária, como a sua gravidade, revelada pelo défice funcional verificado, levam-nos a concluir que o mesmo ficou incapaz para o exercício de actividade profissional lucrativa.

11) Pelo que resulta claro que o Autor afirma claramente o oposto, isto é, que o Autor é incapaz de exercer qualquer actividade profissional lucrativa (embora gostasse de ver esclarecido por o Douto Tribunal da Relação, face ao quadro Patológico do Autor e aos factos invocados, segundo o critério do homem comum, qual seria a profissão que esta Relação entende que o Autor poderia desempenhar e (mais) quem é que o Douto Tribunal da Relação consideraria que contrataria o Autor face ao seu quadro patológico) e que o Autor sempre entendeu, pelo que lhe foi comunicado pela Companhia, a aqui R. Fidelidade, pela contestação da própria R. Fidelidade que confirmou o que lhe havia sido dito e depois como infra se demonstrará pelo desenrolar do próprio julgamento que todas as partes tinham como certo e consequentemente expressamente aceite que o Autor padece de uma invalidez absoluta e definitiva para o exercício de qualquer actividade remunerada, razão pela qual tal questão nunca esteve em causa nos presentes autos.

12) A R. Fidelidade em consonância com o que havia sido invocado pelos Autores, e confirmando o que estes haviam invocado em sede de P.I., considera, conforme resulta do artigo 11.º a 18.º da contestação que o Recorrente AA padece da dita invalidez absoluta e definitiva que o impede de exercer qualquer actividade remunerada, mas que no entanto, o Recorrente AA não preenche o último requisito previsto nas condições particulares da apólice para que seja determinada uma invalidez absoluta e definitiva por doença, nomeadamente não preenche a exigência de necessitar o 1.º A. de assistência de terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária.

13) Pelo que se encontra confessado pela R. Fidelidade e aceite pelos AA. que a R. Fidelidade considera que o Recorrente AA padece de uma limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria que o incapacita para o exercício de qualquer atividade remunerada, ou seja encontra-se provado que o Recorrente não pode exercer qualquer actividade física remunerada.

14) E se dúvidas eventualmente existissem quanto a esta confissão da recorrente Fidelidade, o que só hipoteticamente se concebe dado que a contestação é clara ao afirmar que o Autor AA tão só não necessita da ajuda de uma terceira pessoa (já que o demais está preenchido pois de toda a contestação apresentada pela R. Fidelidade em momento algum esta afirma que o R. pode desempenhar uma profissão remunerada), resulta da audiência preliminar que foi realizada em 17/06/2019 que efetivamente, da cláusula em questão apenas é controvertido o facto do Recorrente AA precisar ou não da ajuda de 3.ª pessoa

15) De facto da audiência preliminar, conforme se poderá verificar na ata da audiência prévia realizada em 17/06/2019, resultou como objeto do processo o seguinte: 1 – Da nulidade parcial da cláusula do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 5.000.906 que considera invalidez absoluta e definitiva “a limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria que incapacite a Pessoa Segura para o exercício de qualquer atividade remunerada, necessitando de assistência de uma terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária”; 2 – Da obrigação da 1ª R. pagar à 2ª R. os montantes em dívida à data do trânsito em julgado da sentença, relativos aos contratos de mútuo com hipoteca referido na P.I.; 3 – Da obrigação da 1ª R. pagar aos AA. as quantias por estes liquidadas à 2ª R, desde Janeiro de 2018 e até integral cumprimento por parte da 1ª R. do referido no nº 2 do objeto do processo; 4 – Da obrigação da 2ª R. devolver aos AA. as quantias por estes pagas a título de prémio de seguros desde Janeiro de 2018 e até ao cumprimento por parte da 1ª R. do referido no nº 2 do objeto do processo.

16) Mais resultou da audiência preliminar realizada que a 2.ª R. Caixa Geral de depósitos «(…) dá por aceites todos os factos alegados pelo A. relativos à existência da doença, nos precisos termos em que a co-R. Fidelidade os admitiu.”

17) Mais ainda da dita audiência preliminar resulta ainda (foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal - a gravação do minuto 00:24:10 até aos 00:33:01) os seguintes excertos que melhor podem acima ser compreendidos: Juiz – A Fidelidade não impugnou os factos relativos à participação do sinistro nem aquilo que o autor alegava como sendo a sua incapacidade, entende é que o autor não reúne uma das condições do contrato que é a da assistência da terceira pessoa; (…) o essencial deste processo se calhar não é saber se o autor padece da doença que alegou, mas se necessita ou não de assistência de 3ª pessoa, que é isso que no fundo a seguradora põe em causa. (…) também é evidente que o tribunal terá outro tipo de apreciação das provas quando a própria seguradora admite determinado tipo de doenças por parte do autor como é evidente. (…) Se a própria seguradora impugnasse essas doenças, se calhar tínhamos que partir para uma perícia, mas se calhar assim com a prova documental junto ao processo se calhar é suficiente; (…) é no sentido de dizer que tenho uma pessoa que diz que sofreu esta doença e quer acionar um seguro, diga-me lá Fidelidade se você acha se ela sofreu essa doença ou não sofreu, ah e a Fidelidade diz ah a questão não é essa a questão é a da assistência à 3ª pessoa, pronto então eu contesto o que vocês contestam. (…) Mandatário 2ª Ré Caixa Geral de Depósitos - relativos existência da doença; Mandatário 1ª Ré Fidelidade – à exceção da necessidade de 3.ª pessoa Mandatário 2ª Ré Caixa Geral de Depósitos - Como? Mandatário 1ª Ré Fidelidade – à exceção da necessidade de 3.ª pessoa Mandatário 1ª Ré Fidelidade (…) a Fidelidade aceitou tudo o que é alegado quanto à doença e respetivo grau, causa da doença, aqui não há problemas prévios não há nada disso e o grau de incapacidade reconhecido, agora a questão de saber se o autor está incapacitado e carece da ajuda da terceira pessoa é o ponto que aqui está em causa. (…)”

18) Pelo que em consequência do supra referido, e tão só em consequência do supra referido foi então enunciado os temas da prova que ficaram a ser os seguintes: A) Do cumprimento dos deveres de comunicação, de informação e entrega de documentos relativamente ao contrato de seguro referido no nº 1 do objeto do processo, por parte das RR.; B) Da desnecessidade, por parte da A., da assistência de terceira pessoa para efetuar os atos ordinários da vida corrente; C) Da falta de solicitação, por parte A. à 1ª R., de esclarecimentos sobre o conteúdo das cláusulas contratuais ou de um exemplar escrito das mesmas; D) Da opção dos AA. por cobrir, apenas, as situações de invalidez absoluta e definitiva, com o intuito de pagarem um prémio de seguro mais baixo.

19) Ora como facilmente se verifica não consta como tema da prova a capacidade ou não do recorrente AA para exercer uma profissão remunerada nem o demais previsto na 1.ª parte da cláusula ora em causa, sendo certo que tal não resulta dos temas da prova, porque conforme o Meritíssimo juiz “a quo” referiu não é matéria controvertida, pois que a única matéria controvertida é a desnecessidade, por parte da A., da assistência de terceira pessoa para efetuar os atos ordinários da vida corrente.

20) Aliás tal facto foi novamente aflorado no final da audiência discussão e julgamento em sede de réplica de alegações onde a mandatária dos AA. refere:“(…)Mandatária autor – E só aqui para….. O Senhor Dr. agora ali em sede de alegações invoca outra circunstância… é assim o único fundamento para a recusa do…., aliás resulta da carta e da própria contestação da ré o único fundamento da qual consta nos temas da prova invocado é o não preencher o requisito da ajuda da 3ª pessoa e não o de uma incapacidade definitiva para o trabalho (…) E de seguida o Meritíssimo Juiz do Tribunal “ a quo” refere: Juiz – É tudo Sra. Dra.? Srs. Drs. não se esqueçam de uma coisa, as alegações são um espaço livre para os Srs. Drs. na minha perspetiva dizerem aquilo que querem centrado obviamente no objeto do processo, sem que o tribunal possa interferir no quer que seja, agora quando eu vejo que as alegações podem ter pressupostos realidades que não são essas e portanto levar a expectativas que depois venham a ser frustradas na sentença e eu tenho que dizer alguma coisa, nos temas da prova está a assistência a 3ª pessoa apenas, porque é só isso que é controvertido, não está controvertido que o autor padeça de uma incapacidade de 60% e com tudo mais que lá vem descrito, portanto isso é facto provado por acordo das partes, não está nos temas da prova e não significa que a ré não se prevaleça desse facto provado para fazer as suas alegações de direito também. Pronto está encerrada então a audiência final a sentença será proferida dentro do prazo legal.”

21) Portanto resulta por demasiado obvio que está provado por acordo das partes que o Recorrente AA é detentor de uma limitação funcional permanente sem possibilidade clínica de melhoria que o incapacita para o exercício de qualquer atividade remunerada.

22) Pelo que não se entende, face a tudo o supra referido porque veio em sede de sentença, o Meritíssimo juiz do tribunal “a quo” referir que uma das questões que havia a analisar (além da nulidade parcial da cláusula em causa nos presentes autos, na parte em que exige que o segurado necessita de assistência de terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida corrente) é se o Recorrente AA ficou afectado de uma doença que o impede de exercer uma profissão remunerada, quando tal facto está provado por acordo de todas as partes, nunca foi posto em causa, e nem sequer, pelos motivos supra expostos, constou dos temas da prova!!!

23)Tal análise efetuada pelo Meritíssima juiz “a quo” constituiu claramente uma decisão surpresa, contrária à matéria de facto dada como provada, mesmo antes da audiência de discussão e julgamento!!!

24)Assim estando tal matéria provada por acordo das partes, obviamente que se encontra provado o que consta das alínea g) e o) da matéria de facto não provada devendo assim esta ser eliminada da matéria de facto não provada e aditada à matéria de facto provada, pois que está provado que Autor AA padece de uma limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria que o incapacita para o exercício de qualquer atividade remunerada.

25) Nada disto apesar de invocado em sede de alegações e conclusões de recurso foi apreciado por o Douto Tribunal da Relação e até os próprios fundamentos utilizados por o Douto Tribunal da Relação são contraditórios, ambíguos e ininteligíveis na medida em que refere que o Autor confessa um facto que à cabeça determinava a imediata improcedência da ação e que o próprio juiz da 1.º instância não considerou confessado e que das próprias diligências e peças processuais resulta exatamente o oposto. Mais o Douto Tribunal da Relação deixa de se pronunciar sobre factos de extrema importância como os que foram efectivamente confessados pelos RR., o conteúdo da audiência preliminar e os temas da prova e a nulidade invocada, pelo que (por todos os fundamentos) também há omissão de pronúncia e consequentemente é nulo acórdão proferido o que se invoca e se espera que venha a ser declarado, pelo que ao decidir como decidiu violou o Tribunal “a quo” o disposto no artigo 674.º n.º 1 al. c) e 615.º n.º 1 al. c) e d).

26) Mas como se referiu, e esta é efetivamente a verdade, e conforme se verifica de tudo o supra referido para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido par os devidos efeitos legais o Meritíssimo Juiz do Tribunal de 1.ª instância, na boa verdade, aprecia questão que não estava sequer sujeita a sua apreciação dado que – aceite como estava por todas as partes que o Autor é detentor de uma limitação funcional permanente sem possibilidade clínica de melhoria que o incapacita para o exercício de qualquer atividade remunerada – apenas havia que apreciar a questão relacionada com a validade ou invalidade da parte da cláusula que exigia a ajuda da terceira pessoa sendo certo que tendo sido esta considerada nula, e estando o remanescente da cláusula preenchida por aceitação de todas as partes, não restava ao Mmo. Juiz «a quo» senão condenar as RR nos termos peticionados.

27) O Tribunal da Relação de Lisboa não pode ignorar as alegações e conclusões de recurso efetuadas pelos Autores quanto a esta matéria, nem o que resulta do teor gravado da audiência prévia, nem o que resulta dos temas da prova!!

28) Se efetivamente tal questão fosse para analisar, nomeadamente se o Autor é ou não detentor de uma limitação funcional permanente que o incapacita para o exercício de qualquer atividade remunerada, esta teria obrigatoriamente de ser controvertida face ao teor da P.I. e teria de constar dos temas da prova para que o Autor pudesse fazer prova (caso coubesse a ele fazê-la, o que se duvida) que efetivamente, atento o seu quadro clínico, não existe qualquer profissão remunerada que ele pudesse desempenhar!!

29) A decisão tomada além de ser uma decisão surpresa e ir para além do objecto do processo fixado face aos temas da prova – pois, como se referiu, ninguém pôs em causa que o Autor é detentor de uma limitação funcional permanente sem possibilidade clínica de melhoria que o incapacita para o exercício de qualquer atividade remunerada, ainda para mais – impediu o Autor de se defender e provar a sua incapacidade para desempenhar uma actividade remunerada violando claramente o principio do contraditório, o que também foi invocado em sede de recurso e que também não foi analisado pelo Douto Tribunal da Relação.

30) De facto invoca o recorrente em sede de recurso junto do Tribunal da Relação de Lisboa, quer em sede de alegações, quer em sede de conclusões, conjeturando, e tão só por mero dever de raciocínio, caso esse Douto Tribunal viesse a entender, o que só por hipótese se concebia, que efetivamente não estava provado que o A. estava impossibilitado de exercer uma qualquer actividade remunerada e/ou que a incapacidade para o exercício da profissão habitual, independentemente da possibilidade de exercício de outra actividade compatível com os conhecimentos e capacidades do lesado, não corresponde a uma invalidez absoluta definitiva, que nesse caos o princípio do contraditório havia sido violado com a sentença proferida, facto que igualmente também não foi analisado pelo Douto Tribunal da Relação.

31) A necessidade da contradição, aflorada, em diversas disposições do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, vem genericamente concretizada no artigo 3º, que, sob a epígrafe Necessidade do pedido e da contradição, presentemente, de modo mais justo, abrangente e amplo, dispõe: O Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição; O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

32) O princípio do contraditório, visto como o direito de influenciar a decisão, é uma garantia de participação efetiva das partes no desenrolar do litígio, acompanhando-o em toda a sua longevidade, mediante a possibilidade de as mesmas a influenciarem em todos os planos - quer no âmbito da alegação fáctica, quer na âmbito das provas quer quanto ao direito -, manifestando a sua perspetiva, garantindo-se a ambas condições de absoluta igualdade ou paridade.

33) Ao nível do direito, o princípio do contraditório impõe que, antes de ser proferida a decisão final, seja facultada às partes a discussão de todos os fundamentos de direito em que a ela vá assentar, sendo aquele princípio o instrumento destinado a evitar as decisões surpresa. É, pois, uma decorrência do princípio do contraditório a proibição da decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes, como dispõe o nº 3, do referido artigo 3º.

34) Com este princípio quis-se impedir, essencialmente, que as partes pudessem ser surpreendidas, no despacho saneador ou na decisão final, com soluções de direito inesperadas, por não discutidas no processo, as quais, no regime anterior, eram permitidas.

35) Assim, o princípio processual segundo o qual “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação do direito” tem, presentemente, de ser compatibilizado com a proibição das decisões surpresa tendo, desse modo, antes da prolação da decisão, de ser facultado às partes o exercício do contraditório sempre que a qualificação jurídica a dar não corresponda ao previsto pelas partes e plasmado no processo.

36) São, pois, proibidas as decisões surpresa, isto é, as decisões baseadas em fundamento que não tenha sido previamente analisado pelas partes. A surpresa que se visa evitar não se prende com o conteúdo, com o sentido, da decisão em si mas com a circunstância de se decidir uma questão não prevista. Visa-se evitar a surpresa de se decidir uma questão com que se não estava legitimamente a contar.

37) O juiz tem o dever de participar na decisão do litígio, participando na indagação do direito – iura novit curia –, sem que esteja peado ou confinado à alegação de direito feita pelas partes. Porém, a indagação do direito sofre constrangimentos endoprocessuais que atinam com a configuração factológica que as partes pretendam conferir ao processo.(…) Há decisão surpresa se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correcta e atinada decisão do litígio. (…) Não tendo as partes configurado a questão na via adoptada pelo juiz, cabe-lhe dar a conhecer a solução jurídica que pretende vir a assumir para que as partes possam contrapor os seus argumentos.

38) Ora no caso dos presentes autos estamos perante uma decisão-surpresa pois que foi dada uma solução jurídica, com base em matéria de facto que não estava sujeita a prova, por confessada pelas RR. conforme supra se referiu – não constou sequer nos temas da prova – pois que, segundo até o próprio Meritíssimo juiz do Tribunal de 1.ª instância e todos os intervenientes, tal matéria encontrava-se provada por confissão, conforme igualmente supra se referiu, não tendo o Meritíssimo Juiz facultado a possibilidade ao A. ou até às RR. (dependendo de quem tinha de fazer tal prova – a nós parece-nos que cabe ao RR. provar tal questão e não ao A.) de tomar posição sobre os factos e sobre a concreta questão jurídica.

39) E não se diga, como disse o Meritíssimo Juiz do Tribunal do tribunal de 1.ª instância que o A. não requereu qualquer prova pericial para provar que não pode exercer qualquer actividade remunerada, pois que não só o A. invocou na sua P.I. que não podia exercer qualquer actividade remunerada, como também não requereu tal perícia porque tal matéria NUNCA constou dos temas da prova; não a requereu porque o Meritíssimo Juiz do Tribunal “ a quo”, conforme resulta da audiência preliminar disse que a única matéria controvertida era a desnecessidade de ajuda de terceira pessoa (note-se que aqui até colocou o ónus da prova nas RR.) e que nem sequer seria necessário (a perícia), face à prova documental já existente nos autos; o A. não a requereu porque as RR. nunca puseram tal facto em causa (como resulta da contestação da Ré Fidelidade e da audiência preliminar quanto à R. Caixa e não a requereu porque no seu entendimento, e de todos os outros intervenientes estava provado por acordo de todas as partes que o a. não pode exercer qualquer actividade remunerada.

40) Existia assim o dever de audição prévia, pois que estão em causa factos e questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão. A não observância do contraditório, no sentido de não se conceder às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão a conhecer, na medida em que possa influir no exame ou decisão da causa, constitui uma nulidade processual, nos termos do art. 195.º, que tem de ser arguida, de acordo com a regra geral prevista no art. 199.º do C.P.C., e que foi.

41) Dada a relevância e primordial importância do contraditório, como analisamos, é indiscutível que a inobservância desse princípio, com prolação de decisão-surpresa, é suscetível de influir no exame ou decisão da causa, pelo que esta padece de tal nulidade (constituindo a referida inobservância uma omissão grave e representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa), a qual se invocou no recurso e não foi apreciada.

42) Restava senão, salvo melhor entendimento, por concluir pela violação do contraditório, elevado, na verdade, até, à categoria de princípio constitucional, questão esta invocada mas que não foi de todo analisada pelo Tribunal da Relação, pelo que também aqui o juiz de 1.ª instância apreciou questão que não podia ter tomado conhecimento, tendo violado o disposto no artigo 615 n.º 1 al. d) sendo nula sentença proferida em 1.ª instância o que foi invocado

43)E, face ao supra exposto e o Tribunal da Relação de Lisboa, apesar de tal facto ter sido invocado não se pronuncia razão pela qual quanto à sentença proferida pela 1.ª instância o tribunal conhece de questão que não podia conhecer e quanto ao Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação há omissão de pronúncia e, consequentemente, é nulo do acórdão proferido o que se invoca e se espera que venha a ser declarado, pelo que ao decidir como decidiu violou o Tribunal “a quo” o disposto no artigo 674.º n.º 1 al. c) e 615.º n.º 1 al. c) e d).

44) Mais recorreram os Autores da matéria de facto querendo que a mesma fosse reapreciada passando a constar da matéria de facto provada) ao invés da matéria de facto não provada) a matéria contante nas alíneas h), i), j), k), l), m), n) e q).

45) Entendeu este Douto Tribunal da Relação que o Tribunal “a quo” não cumpriu o estipulado no Art. 607.º n.º 4 do C.P.C., pois não procedeu, relativamente aos enunciados de facto não provados descritos em 3.1.2. h), i), j), k), l), m), n) e q), à análise crítica de qualquer prova.

46) No entanto, apesar do supra referido entendeu este Douto Tribunal da Relação invocando os princípios da utilidade, economia e celeridade processuais, que não devia reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação são, na sua perspetiva, insuscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, assumirem relevância jurídica.

47) Pelo que se recusou este Tribunal da Relação a conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto relativamente aos enunciados não provados transcritos em 3.1.2. h), i), j), k), l), m), n) e q).

48) Ora com o devido respeito pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o Autor não tem tal entendimento, pois há que ter em atenção a cláusula em si e não só parte desta. De facto a cláusula refere: “risco coberto de invalidez absoluta e definitiva é definido como a “limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria, que incapacite a pessoa segura para o exercício de qualquer atividade remunerada, necessitando de assistência de uma terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária” (sublinhado nosso)

49) Ora tais factos ao serem dados como provados, como estão (e na boa verdade ainda que parte deles possam não estar – o que se conjetura), sendo certo que a capacidade de o autor poder ou não exercer uma actividade remunerada é uma conclusão que se retira, tendo em atenção o critério do homem médio, analisando o conjunto factológico provado conjuntamente com o quadro patológico do Autor igualmente provado, demonstram à saciedade que o Autor não consegue exercer qualquer actividade e muito menos uma que seja remunerada pois que no seu quadro patológico certamente ninguém o contratará.

50) Pelo que a apreciação de tal matéria de facto é essencial, até porque admitido como está pelo Tribunal da Relação que tal matéria não está devidamente fundamentada e que esta não é a última instância de Recurso (pois poderá ainda o Autor Recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça) cabia ao Tribunal da Relação conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto relativamente aos enunciados não provados transcritos em 3.1.2. h), i), j), k), l), m), n) e q), por forma a permitir ao Autor, face ao que vier a ser decidido sobre a matéria de facto, se tal decisão é ou não suscetível de Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo certo que ao recusar-se a conhecer das impugnações à matéria de facto apresentadas está o Douto Tribunal da Relação a impedir que o Autor exerça o seu direito de recorrer desta decisão acaso, já que entende o Autor que a reapreciação de tais matérias poderá levar a outra soluções jurídicas que não a decidida, como aliás igualmente foi invocado em sede de recurso e que também não foi apreciado por este Douto Tribunal da Relação.

51) Razão pela qual não só os próprios fundamentos utilizados por o Douto Tribunal da Relação são contraditórios, ambíguos e ininteligíveis para justificar a não apreciação da tal matéria de facto mas como também há omissão de pronúncia e consequentemente é nulo o acórdão proferido o que se invoca e se espera que venha a ser declarado, pelo que ao decidir como decidiu violou o Tribunal “a quo” o disposto no artigo 674.º n.º 1 al. c) e 615.º n.º 1 al. c) e d).

52) Mais veio esta Relação dar como provado (por aditamento à matéria de facto provada) que, além de sofrer das patologias supra referidas, o A. não pode exercer a sua actividade profissional de técnico industrial de decapagem e pintura.

53) Tendo em atenção o supra referido agora aditado à matéria de facto provada pelo Douto Tribunal da Relação, hipótese esta até já invocada em sede de recurso, quer nas alegações, quer nas conclusões, a primeira questão que se coloca é a qualificação da situação do A. como de invalidez absoluta e definitiva, que a primeira instância entendeu não ocorrer, na medida em que, apesar de se ter demonstrada a ocorrência de uma incapacidade definitiva de 60 %, não se provou que o A. não poderia exercer uma qualquer outra actividade remunerada (que não a sua).

54) Ficou provado que, das propostas de subscrição, fazia parte um documento que caracterizava a invalidez absoluta e definitiva como uma limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria, que incapacite a pessoa segura para o exercício de qualquer atividade remunerada (…).

55) A jurisprudência dominante tem reconhecido que as cláusulas de um contrato de seguro deste tipo, negociadas entre a Seguradora e o Banco tomador do seguro, ao qual o segurado se limita a aderir, estão sujeitas ao Regime das Cláusulas Contratuais Gerais (RCCG) – DL 446/85, de 25 de Outubro – nomeadamente às regras relativas ao cumprimento dos deveres de informação e de comunicação (arts. 5.º e 6.º), e às que proíbem a inserção de cláusulas contratuais gerais contrárias ao princípio da boa-fé (arts. 15.º e 16.º), devendo ser ponderados os valores fundamentais do direito relevantes na situação considerada, assim como a confiança suscitada pelo sentido global das cláusulas, e o objetivo visado pelas partes e outros elementos atendíveis.

56) A imposição de uma cláusula desta natureza (impossibilidade de exercício de uma qualquer actividade remunerada) provoca um significativo desequilíbrio contratual entre as partes, na medida em que o consumidor/aderente do contrato de seguro deixa de poder prevenir uma situação de impossibilidade de obtenção de rendimentos do seu trabalho (e não de um qualquer trabalho/profissão) e consequente incumprimento do contrato de mútuo.

57) De facto uma invalidez absoluta e definitiva será, para um declaratário normal, um estado da pessoa que o deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua actividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência.

58) No caso dos autos, resulta provado que A. AA apresenta sequelas incompatíveis com o exercício da sua actividade profissional de técnico industrial de decapagem e pintura e que sofre de doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) com enfisema pulmonar grave e com insuficiência respiratória parcial, patologia osteoarticular com atingimento preferencial da coluna cervical, sendo que o A. não pode exercer a sua profissão em virtude do ambiente profissional ser prejudicial para a sua saúde e agravar as queixas respiratórias, concluindo pela atribuição de um nível de incapacidade definitiva de 60 %, com incompatibilidade para o exercício da actividade habitual do A. de técnico industrial de decapagem e pintura, com carácter irreversível.

59) Do recurso da matéria de direito: Ora a questão alvo dos presentes autos é de saber se está a R. Fidelidade está ou não obrigada por efeitos do contrato de seguro celebrado com os AA. a proceder ao pagamento, além do demais peticionado, à R. Caixa Geral de Depósitos do montante em divida à data em que o A. acionou o respetivo seguro por efeitos de o A. se encontrar numa situação de Invalidez Absoluta e Definitiva definida como uma limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria, que incapacite a pessoa segura para o exercício de qualquer atividade remunerada, necessitando de assistência de uma terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária.

60) Ora quanto ao último segmento da cláusula, nomeadamente quanto “necessitando de assistência de uma terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária” o tribunal “ a quo decidiu que este é nulo. Pelo que resolvida que está esta questão, igualmente já transitada em julgado, única controvertida, resta então saber se está a R. Fidelidade e as demais RR. estão ou não obrigados a pagar o peticionado nos moldes supra referidos.

61) De facto como supra se referiu e para o qual e remete e aqui se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais, está aceite pelas RR. Fidelidade e Caixa Geral de Depósitos, S.A. que o Recorrente AA padece de uma limitação funcional permanente sem possibilidade clínica de melhoria, que o incapacite para o exercício de qualquer atividade remunerada, dado que resultou provado a doença de que o autor padece que este não tem possibilidade clinica de melhoria e que está impossibilitado de exercer qualquer actividade remunerada.

62) Pelo que, como já se referiu, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” ao proferir a sentença que proferiu fá-lo em clara violação dos factos provados (seja pela via da confissão seja pela via da matéria de facto provada), ignorando por completo que tal matéria estava confessada pela RR. (impossibilidade de exercer qualquer actividade remunerada) e profere uma decisão surpresa que certamente nenhum dos intervenientes estava claramente à espera.

63) A decisão proferida é contrária á lei e contrária aos factos que estão efetivamente se encontram provados!!!!

64) Ora tendo em atenção o disposto no artigo 684.º n.º 1 do C.P.C. e sendo considerada procedentes as nulidades invocadas em especial a supra referida, nomeadamente a nulidade supra identificada em que o juiz de 1.º instância conhece sobre questão que não devia pronunciar-se uma vez que estava confessado pelos RR. e aceite pelos AA. e por isso constituía matéria assente não controvertida (e que por isso não ter sido levada aos temas da prova) que o A. AA padece de uma limitação funcional permanente sem possibilidade clínica de melhoria, que o incapacite para o exercício de qualquer atividade remunerada, violando assim o principio do contraditório e o principio da proibição das decisões surpresa, não poderia o Juiz analisar como analisou se estaria ou não preenchido esse segmento da clausula dado que o mesmo já se encontrava provado.

65) Razão pela qual tendo sido declarado nulo o último segmento da cláusula ora em causa e estando provado, pelos motivos supra expostos que o A. preenche todas as condições referidas no 1.º segmento da referida cláusula, padecendo assim, nos termos definidos no contrato de uma situação de Invalidez Absoluta e Definitiva, resta senão concluir que está verificado o risco que o contrato de seguro celebrado entre as partes visou acautelar, pelo que está a 1.ª R. obrigada a pagar o valor do capital seguro, devendo assim proceder os pedidos formulados sob as als. b) a e) do petitório do A.

66) Neste entendimento deverá ser revogada a sentença e o Acórdão ora proferida e ser substituída por outro que, por qualquer um dos fundamentos supra referidos considere que está verificado o risco que o contrato de seguro celebrado entre as partes visou acautelar, devendo assim condenar a R. Fidelidade a pagar ao Banco Caixa Geral de Depósitos, S.A., aqui 2.ª R., os montantes que ainda estiverem em dívida à data em que ocorrer o trânsito em julgado, referente aos contratos intitulados de "Mútuo com Hipoteca" outorgados entre os AA. e o Banco Caixa Geral de Depósitos, S.A., aqui 2.ª R., em 17/10/2005, acrescido dos juros devidos e imposto de selo e demais despesas/montantes que tenham sido pagas pelos AA. ao referido Banco Caixa Geral de Depósitos, S.A., aqui 2.ª R. em consequência dos supracitados mútuos assim como o demais peticionado na ação, nomeadamente nas al. b) a e) da petição inicial.

67) Pelo que ao decidir como decidiu violou o tribunal “a quo” o disposto nas condições gerais e particulares do contrato de seguro em causa e referido no artigo 3.º da matéria de facto provada e o artigo 615.º al. b), c) d), e e) todos do C.P.C.

68) Mais ainda que assim não se venha a entender, o que só hipoteticamente se concebe, é igualmente certo que se encontra provado, por aditamento à matéria de facto provada realizada pelo Tribunal da relação de Lisboa, para o que aqui interessa, o seguinte: 1) O 1.º autor sofre, desde 21 de Agosto de 2012, de doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) com enfisema pulmonar grave e com insuficiência respiratória parcial, patologia osteoarticular com atingimento preferencial da coluna cervical;2) Em consequência dessa doença: a) O autor não pode exercer a sua actividade profissional de técnico industrial de decapagem e pintura. (…)”

69) Pelo que resulta claramente demostrado que A. não pode exercer actividade de técnico industrial de decapagem e pintura, que obviamente é a sua actividade habitual, note-se que o Acórdão da Relação refere que o Autor não pode exercer a sua profissão.

70) Tendo em atenção o supra referido a primeira questão que se colocada é a qualificação da situação da A. como invalidez absoluta e definitiva, que a primeira instância entendeu não ocorrer e que o Acórdão da Relação entendeu não analisar, na medida em que, apesar de se ter demonstrada a ocorrência de uma incapacidade definitiva de 60 %, não se provou que a A. não poderia exercer uma qualquer outra actividade remunerada (que não a sua).

71) Ficou provado que, das propostas de subscrição, fazia parte um documento que caracterizava a invalidez absoluta e definitiva limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria, que incapacite a pessoa segura para o exercício de qualquer atividade remunerada (…).

72) A jurisprudência dominante tem reconhecido que as cláusulas de um contrato de seguro deste tipo, negociadas entre a Seguradora e o Banco tomador do seguro, ao qual o segurado se limita a aderir, estão sujeitas ao Regime das Cláusulas Contratuais Gerais (RCCG) – DL 446/85, de 25 de Outubro – nomeadamente às regras relativas ao cumprimento dos deveres de informação e de comunicação (arts. 5.º e 6.º), e às que proíbem a inserção de cláusulas contratuais gerais contrárias ao princípio da boa-fé (arts. 15.º e 16.º), devendo ser ponderados os valores fundamentais do direito relevantes na situação considerada, assim como a confiança suscitada pelo sentido global das cláusulas, e o objetivo visado pelas partes e outros elementos atendíveis.

73) A imposição de uma cláusula desta natureza (impossibilidade de exercício de uma qualquer actividade remunerada), provoca um significativo desequilíbrio contratual entre as partes, na medida em que o consumidor/aderente do contrato de seguro deixa de poder prevenir uma situação de impossibilidade de obtenção de rendimentos do seu trabalho (e não de um qualquer trabalho/profissão) e consequente incumprimento do contrato de mútuo.

74) De facto uma invalidez absoluta e definitiva será, para um declaratário normal, um estado da pessoa que o deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua actividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência.

75) No caso dos autos, resulta provado que A. AA apresenta sequelas incompatíveis com o exercício da sua actividade de técnico industrial de decapagem e pintura (actividade habitual) e que sofre de doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) com enfisema pulmonar grave e com insuficiência respiratória parcial, patologia osteoarticular com atingimento preferencial da coluna cervical, sendo que o A. não pode exercer a sua profissão em virtude do ambiente profissional ser prejudicial para a sua saúde e agravar as queixas respiratórias, concluindo pela atribuição de um nível de incapacidade definitiva de 60 %, com incompatibilidade para o exercício da sua actividade (habitual) de técnico industrial de decapagem e pintura, com carácter irreversível.

76) Ora ainda que se admita que uma IPP de 60 % não corresponde, apenas por si, a uma incapacidade absoluta (embora seja definitiva como resulta dos documentos juntos aos autos), deveremos recordar que o A. foi considerada incapaz para o exercício da sua profissão (habitual) de técnico industrial de decapagem e pintura, com a consequente impossibilidade de exercício da actividade profissional que desenvolvia antes daquelas doenças terem assumido a gravidade descrita nos autos, e determinado a correspetiva perda de remunerações.

77) Como já se escreveu – no Acórdão da Relação de Guimarães de 31.05.2011, relatora Rosa Tching uma incapacidade para o “exercício da profissão habitual, associada à perda de remuneração por incapacidade de a angariar, não pode deixar de corresponder a uma incapacidade absoluta e definitiva, por, de harmonia com o disposto nos arts. 236.º e 238.º, n.º 1, do Código Civil, ser este o entendimento que um destinatário médio e de boa-fé ao aderir ao contrato de seguro de grupo”, retiraria de um cláusula garantindo, como no caso dos autos, o risco de invalidez absoluta e definitiva.

78) Tendo o A. um enfisema pulmonar grave, seriíssima dificuldade respiratórias, associado aos problemas sérios na coluna cervical, conjugado com a sua idade e a debilidade física de que claramente este padece, podemos concluir que um qualquer observador razoável aceitará que o conjunto de incapacidades que afetam o A. tornam-no incapaz para o exercício da sua profissão e também o impossibilitam de exercer qualquer outra actividade remunerada.

79) Tanto mais que, admitindo o relatório (Doc. n.º 7), que o A. poderia exercer outras atividades desde que não envolvam qualquer esforço físico ainda que ligeiro, não está demonstrado que tais atividades possam ser remuneradas ou que garantam o nível de remuneração que minimamente lhe permitisse satisfazer as responsabilidades financeiras decorrentes dos mútuos contratados com o Banco.

80) Ponderando, ainda, que o objetivo dos AA., ao celebrar o contrato de seguro, foi ter coberto o risco de uma incapacidade para o trabalho, de modo permanente, entendemos que a situação retratada nos autos integra o conceito de invalidez absoluta e definitiva que um declaratário normal e razoável retiraria do contrato de seguro.

81) Mais este Venerando Supremo Tribunal de Justiça vem reconhecendo que uma incapacidade para o exercício da sua profissão, ou seja da profissão habitual, independentemente da possibilidade de exercício de outra actividade compatível com os conhecimentos e capacidades do lesado, corresponde a uma invalidez absoluta e definitiva.

82) Razão pela qual tendo sido declarado nulo o último segmento da cláusula ora em causa e estando provado, pelos motivos supra expostos, que o A. preenche padece de uma situação de Invalidez Absoluta e Definitiva, resta senão concluir que está verificado o risco que o contrato de seguro celebrado entre as partes visou acautelar, pelo que está a 1.ª R. obrigada a pagar o valor do capital seguro, devendo assim proceder os pedidos formulados sob as als. b) a e) do petitório do A.

83) Também por esta via deverá ser revogada a sentença e o Acórdão ora proferida e ser substituída por outra que, por qualquer um dos fundamentos supra referidos considere que está verificado o risco que o contrato de seguro celebrado entre as partes visou acautelar, devendo assim condenar a R. Fidelidade a pagar ao Banco Caixa Geral de Depósitos, S.A., aqui 2.ª R., os montantes que ainda estiverem em dívida à data em que ocorrer o trânsito em julgado, referente aos contratos intitulados de "Mútuo com Hipoteca" outorgados entre os AA. e o Banco Caixa Geral de Depósitos, S.A., aqui 2.ª R., em 17/10/2005, acrescido dos juros devidos e imposto de selo e demais despesas/montantes que tenham sido pagas pelos AA. ao referido Banco Caixa Geral de Depósitos, S.A., aqui 2.ª R. em consequência dos supracitados mútuos, assim como o demais peticionado na acção, nomeadamente nas al. b) a e) da petição inicial.

84) Pelo que ao decidir como decidiu violou a Meritíssima Juiz do tribunal “ a quo” o disposto nas condições gerais e particulares do contrato de seguro em causa e referido no artigo 3.º da matéria de facto provada, artigo 5.º, 6.º, 15.º, 16.º do DL 446785 de 25/10, artigo 236.º e 238.º do Código Civil e o artigo 615.º al. b), c) d), e e) todos do C.P.C.

85) Pelo que ao decidir como decidiu violou a Meritíssima Juiz do tribunal “a quo” o disposto nos artigos 3.º, 4.º, 195.º, 197.º, 199.º e 615.º al. b), c) d), e e) e 674.º al. a) e c) todos do C.P.C.

Respondeu a 1.ª Ré, pronunciando-se pela inadmissibilidade do recurso e, subsidiariamente, pela sua improcedência.

A revista normal foi rejeitada pelo Tribunal da Relação com base na ocorrência da dupla conformidade decisória, mas mandada seguir a título de revista excecional.

Interposta reclamação desse despacho do Desembargador Relator, foi a mesma indeferida, tendo sido ordenada a remessa dos autos à Formação referida no n.º 3 do artigo 672.º, do Código de Processo Civil, a qual proferiu acórdão que admitiu o recurso de revista excecional do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que julgou improcedente o recurso de apelação

*

II – Do objeto do recurso

Atentas as conclusões das alegações de recurso e o conteúdo do acórdão recorrido são as seguintes as questões que cumpre apreciar:

- o acórdão recorrido é nulo?

- - encontram-se provados, por acordo das partes, os factos julgados não provados nas alíneas g) e o)?

- os factos julgados não provados sob as alíneas h), i), j), k), l), m), n) e q), são relevantes para a decisão da causa?

- a incapacidade que afeta o Autor encontra-se coberta pelo contrato de seguro a que este aderiu?

*

III – Da nulidade do acórdão recorrido

Os Autores vieram imputar ao acórdão recorrido os seguintes vícios geradores da sua nulidade:

- na decisão da impugnação da matéria de facto, omissão de pronúncia sobre alguns dos fundamentos invocados no recurso de apelação, para que os factos constantes das alíneas g) e o) dos factos não provados, fossem julgados provados;

- omissão de pronúncia sobre a violação do princípio do contraditório pela sentença proferida na 1ª instância, por constituir uma decisão surpresa;

- na decisão sobre a impugnação da matéria de facto, excesso de pronúncia por ter considerados não provados os factos constantes das referidas alíneas g) e o), quando os mesmos se encontravam assentes por acordo das partes;

- na decisão sobre a impugnação da matéria de facto, omissão de pronúncia, por não ter apreciado o mérito da impugnação no que respeita aos factos julgados não provados sob as alíneas h), i), j), k), l), m), n) e q).

Apesar dos Autores terem reclamado junto do Tribunal recorrido da existência das referidas nulidades, tendo esse tribunal proferido acórdão indeferindo essa reclamação, isso não obsta a que aqui se conheça deste fundamento de recurso.

Na verdade, tendo o recurso de revista excecional sido admitido sem restrições pela Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e devendo as nulidades de uma decisão judicial serem arguidas perante o tribunal de recurso quando esse recurso seja admissível (artigo 615.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), deve esse tribunal, neste caso o Supremo Tribunal de Justiça, verificar a existência das denunciadas nulidades.

A circunstância de, indevidamente, elas terem sido também arguidas e apreciadas junto do tribunal recorrido, não afasta a competência do tribunal de recurso para as apreciar, devendo a pronúncia emitida pelo Tribunal da Relação ser encarada como a mera apreciação não definitiva prevista no artigo 617.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ou seja uma mera pronúncia de sustentação do decidido.

1. Da omissão de pronúncia sobre alguns dos fundamentos invocados no recurso de apelação, para que os factos constantes das alíneas g) e o) dos factos não provados, fossem julgados provados.

Alegam os Autores que no recurso de apelação alegaram vários fundamentos para que se considerasse que os factos constantes das alíneas g) e o) fossem julgados provados, por se encontrarem assentes, por acordo das partes, designadamente os factos confessados pelos Réus, o conteúdo da audiência preliminar e os temas de prova e a nulidade invocada que não foram ponderados na decisão recorrida.

Da leitura da decisão recorrida constata-se que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, relativamente à factualidade considerada não provada, foi objeto de análise e decisão, nos seguintes termos:

a) quanto às alíneas g) e o):

Importa começar por dizer que não corresponde à verdade que os enunciados considerados não provados, vertidos em 3.1.2. g) e o), alegados pelos autores na petição inicial, se mostram provados por acordo das partes.

A matéria constante do ponto de facto não provado 3.1.2. g) foi alegada pelos autores no art. 23.º da petição inicial: «Ora o 1.º A. não pode assim exercer qualquer actividade profissional pois não existe qualquer actividade, seja esta de que natureza for, em que não seja necessário, ainda que de forma ligeira, exercer qualquer actividade física.».

Este artigo da petição inicial surge na sequência do alegado nos arts. 20.º e 22.º do mesmo articulado, onde os próprios autores afirmam:

- que o 1.º autor apenas poderá «exercer uma profissão que não exija o exercício de actividade física pois não tem capacidade para esforço mesmo ligeiro» - art. 20.º;

- que em consequência da doença que lhe foi diagnosticada, «foi atribuído ao 1.º A. incapacidade permanente global de 60%».

São, pois, os próprios autores que alegam que em consequência da doença que lhe foi diagnosticada «apenas pode exercer uma profissão que não exija o exercício de actividade física, pois não tem capacidade para esforços mesmo ligeiros».

Pugnaram pelo aditamento à matéria de facto provada de um novo enunciado, com o nº 55, nos termos que acima se deixaram transcritos, tendo este tribunal de recurso considerado provado que «Em consequência dessa doença:

a) O autor não pode exercer a sua atividade profissional de técnico industrial de decapagem e pintura;

b) O autor apenas pode exercer uma profissão que não exija o exercício de atividade física, por não ter capacidade para fazer esforços, mesmo ligeiros» - ponto de facto 3.1.1.16-A.

Perante isto, constituiria uma evidente contradição considerar provado o ponto de facto não provado 3.1.2.g), sendo certo, acrescente-se, que o mesmo contém matéria de cariz conclusivo.

A matéria constante do ponto de facto não provado 3.1.2.o) foi alegada pelos autores no art. 34.º da petição inicial: «A partir do momento em que lhe foi detectada doença do foro respiratório e que esta atingiu um estado tal que levou à declaração do seu estado de invalidez, o 1.º A. ficou totalmente incapacitado para o desenvolvimento da sua actividade ou de quaisquer outras compatíveis com as suas habilitações, conhecimentos e experiência.»

O que está em causa nesta ação e, por conseguinte, neste recurso, é determinar se em consequência da doença que lhe foi diagnosticada, o 1.º autor, ficou, ou não, a padecer de «invalidez absoluta e definitiva», ou seja, se ficou, ou não, com uma «limitação funcional permanente e sem possibilidade de melhoria», incapacitante do «exercício de qualquer atividade remunerada, (...) necessitando de assistência de uma terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária», e não se «ficou totalmente incapacitado para o desenvolvimento da sua actividade ou de quaisquer outras compatíveis com as suas habilitações, conhecimentos e experiência».

Por isso, se desatende, nesta parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

O acórdão recorrido pronunciou-se, fundamentando a pronúncia, sobre a questão que lhe foi colocada, sem que tenha aflorado todos os argumentos invocados pelos Autores nas alegações do recurso de apelação. Como é jurisprudência consolidada, não constitui nulidade por omissão de pronúncia de uma decisão, a ausência de referência e análise de todos os argumentos invocados pelas partes em defesa da sua posição, sendo suficiente que a questão, relativamente à qual esses argumentos tenham sido convocados, tenha sido objeto de análise e decisão, o que sucedeu, pelo que não se verifica esta causa de nulidade invocada pelos Autores.

2. Da omissão de pronúncia sobre a inobservância do princípio do contraditório, por as partes não terem sido auscultados sobre o sentido da sentença, antes desta ter sido proferida.

No recurso de apelação os Autores, além de terem imputado outras nulidades à sentença proferida na 1.ª instância, alegaram que esta foi uma decisão surpresa, uma vez que foi dada uma solução jurídica, com base em matéria de facto que não estava sujeita a prova por se encontrar confessada pelos Réus, tendo sido violado o princípio do contraditório, uma vez que não foi dada oportunidade às partes de se pronunciarem previamente sobre a solução jurídica adotada, o que constitui uma nulidade, nos termos do artigo 195.º do Código de Processo Civil.

O acórdão recorrido dedicou um capítulo à arguição de nulidades de onde consta o seguinte:

É evidente, sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, por absolutamente desnecessários, que a sentença recorrida não padece de qualquer uma das nulidades a que aludem as citadas alíneas do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C., pois que:

- nela estão especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

- os seus fundamentos não estão em oposição com a decisão, nem ocorre qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

- o juiz a quo não de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, nem conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento;

- não condenou em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Aliás, o que parece resultar, quer da motivação, quer das conclusões do recurso, é que os apelantes confundem nulidades processuais (cujo regime, incluindo o da arguição, está previsto nos arts. 195.º-201.º, do C.P.C.) com nulidades da sentença (taxativamente previstas no art. 615.º, n.º 1, als. a) a e), do C.P.C.).

Acresce que, a verificar-se a nulidade da sentença por qualquer um dos fundamentos previstos nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C., sempre teria aplicação ao caso concreto o disposto no art. 665.º, n.º 1, do C.P.C., ou seja, sempre este tribunal de recurso deveria conhecer do objeto da apelação, como efetivamente vai fazer.

O acórdão recorrido pronunciou-se de um forma genérica sobre a arguição de nulidades deduzida pelos Autores no recurso de apelação, indeferindo-as. A referência específica à incorreta invocação de uma nulidade do processado, prevista no artigo 195.º do Código de Processo Civil, só se pode referir precisamente à invocação da ausência de contraditório, uma vez que esta foi a única nulidade que não era apontada à sentença recorrida, pelo que ao não a apreciar, com fundamento em não se tratar de uma nulidade da sentença, não deixou de proferir uma decisão sobre a questão suscitada, embora no sentido do seu não conhecimento, pelo que não se verifica uma omissão de pronúncia que provoque a nulidade do acórdão recorrido.

3. Do excesso de pronúncia por terem sido considerados não provados os factos constantes das referidas alíneas g) e o).

Os Autores acusam o acórdão recorrido de, ao manter como não provados os factos constantes das alíneas g) e o), ter incorrido em excesso de pronúncia uma vez que esses factos se encontram provados por acordo das partes.

Há excesso de pronúncia quando o tribunal se pronuncia sobre uma questão que não podia conhecer.

Este não é o caso. O acórdão recorrido entende que esses factos não se provaram, enquanto os Autores sustentam que eles estão provados por acordo das partes. Há, pois, apenas uma divergência quanto ao juízo de prova sobre esses factos, não existindo qualquer excesso de pronúncia, uma vez que o tribunal recorrido estava obrigado a conhecer da impugnação da matéria de facto deduzida pelos Autores. O facto de o ter feito em sentido divergente ao defendido pelos Autores, não é um excesso de pronúncia, podendo apenas ser um erro de julgamento sobre matéria de facto, na hipótese dos Autores terem razão.

Por esta razão improcede também esta arguição de nulidade.

4. Da omissão de pronúncia, por não ter sido apreciado o mérito da impugnação da matéria de facto, no que respeita aos factos julgados não provados sob as alíneas h), i), j), k), l), m), n) e q).

Os Autores impugnaram a decisão sobre a matéria de facto no recurso de apelação, discordando de terem sido julgados não provados os factos constantes das alíneas h), i), j), k), l), m), n) e q).

O acórdão recorrido, sobre esta impugnação entendeu não a conhecer, por considerar que estes factos, perante a factualidade já apurada eram irrelevantes para a decisão da causa, pelo que, também aqui não estamos perante uma situação de omissão de pronúncia. O Tribunal decidiu no sentido de não conhecer a impugnação da matéria e isso é uma pronúncia que recai sobre a impugnação do juízo probatório que recaiu sobre aqueles factos.

Improcede, pois, também esta última arguição de nulidade.

*

IV – Os factos

1. Da prova, por acordo das partes, dos factos julgados não provados das alíneas g) e o)

Na sentença proferida na 1.ª instância sob as alíneas g) e o) da lista dos factos julgados não provados consta o seguinte:

g) - que o A. não possa exercer qualquer actividade profissional pois não existe qualquer actividade, seja esta de que natureza for, em que não seja necessário, ainda que de forma ligeira, exercer qualquer actividade física,

o) - que o A. tenha ficado totalmente incapacitado para o desenvolvimento de quaisquer profissões ou atividades lucrativas compatíveis com as suas habilitações, conhecimentos e experiência.

Os Autores no recurso de apelação impugnaram a decisão da matéria de facto quanto a estes pontos, sustentando que os mesmos deveriam ser incluídos na lista dos factos provados, uma vez que se tinha verificado um acordo das partes quanto à sua veracidade.

O acórdão recorrido não atendeu a esta impugnação, com a seguinte fundamentação:

Importa começar por dizer que não corresponde à verdade que os enunciados considerados não provados, vertidos em 3.1.2. g) e o), alegados pelos autores na petição inicial, se mostram provados por acordo das partes.

A matéria constante do ponto de facto não provado 3.1.2. g) foi alegada pelos autores no art. 23.º da petição inicial: «Ora o 1.º A. não pode assim exercer qualquer actividade profissional pois não existe qualquer actividade, seja esta de que natureza for, em que não seja necessário, ainda que de forma ligeira, exercer qualquer actividade física.».

Este artigo da petição inicial surge na sequência do alegado nos arts. 20.º e 22.º do mesmo articulado, onde os próprios autores afirmam:

- que o 1.º autor apenas poderá «exercer uma profissão que não exija o exercício de actividade física pois não tem capacidade para esforço mesmo ligeiro» - art. 20.º;

- que em consequência da doença que lhe foi diagnosticada, «foi atribuído ao 1.º A. incapacidade permanente global de 60%».

São, pois, os próprios autores que alegam que em consequência da doença que lhe foi diagnosticada «apenas pode exercer uma profissão que não exija o exercício de actividade física, pois não tem capacidade para esforços mesmo ligeiros».

Pugnaram pelo aditamento à matéria de facto provada de um novo enunciado, com o nº 55, nos termos que acima se deixaram transcritos, tendo este tribunal de recurso considerado provado que «Em consequência dessa doença:

a) O autor não pode exercer a sua atividade profissional de técnico industrial de decapagem e pintura;

b) O autor apenas pode exercer uma profissão que não exija o exercício de atividade física, por não ter capacidade para fazer esforços, mesmo ligeiros» - ponto de facto 3.1.1.16-A.

Perante isto, constituiria uma evidente contradição considerar provado o ponto de facto não provado 3.1.2.g), sendo certo, acrescente-se, que o mesmo contém matéria de cariz conclusivo.

A matéria constante do ponto de facto não provado 3.1.2.o) foi alegada pelos autores no art. 34.º da petição inicial: «A partir do momento em que lhe foi detectada doença do foro respiratório e que esta atingiu um estado tal que levou à declaração do seu estado de invalidez, o 1.º A. ficou totalmente incapacitado para o desenvolvimento da sua actividade ou de quaisquer outras compatíveis com as suas habilitações, conhecimentos e experiência.»

O que está em causa nesta ação e, por conseguinte, neste recurso, é determinar se em consequência da doença que lhe foi diagnosticada, o 1.º autor, ficou, ou não, a padecer de «invalidez absoluta e definitiva», ou seja, se ficou, ou não, com uma «limitação funcional permanente e sem possibilidade de melhoria», incapacitante do «exercício de qualquer atividade remunerada, (...) necessitando de assistência de uma terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária», e não se «ficou totalmente incapacitado para o desenvolvimento da sua actividade ou de quaisquer outras compatíveis com as suas habilitações, conhecimentos e experiência».

Por isso, se desatende, nesta parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Note-se que o fundamento do indeferimento da impugnação apresentada quanto aos dois “factos” foi diverso. Enquanto, relativamente, ao que consta do “facto” g) se entendeu que não se verificava um acordo das partes quanto à veracidade desse facto, quanto ao “facto” o) considerou-se o mesmo irrelevante para a decisão da causa, pelo que acabou por não se conhecer da impugnação deduzida.

Previamente importa, contudo, referir que, apesar do Supremo Tribunal de Justiça ter fortes limitações na definição da matéria de facto provada, não se podendo imiscuir na atividade de livre exercício da apreciação da prova efetuada pelos tribunais de 1.ª instância e pelos Tribunais da Relação (artigo 682.º, n.º 2, e 674.º, n. 3, 1.ª parte, do Código de Processo Civil), é-lhe permitido controlar a atribuição do grau de força probatória aos meios de prova produzidos (artigo 674.º, n.º 3, in fine, do Código de Processo Civil).

Essa faculdade permite-lhe verificar se determinado facto se encontra provado “por acordo das partes”, atenta a força probatória pleníssima deste comportamento processual.

O acordo das partes sobre a realidade de um determinado facto num processo pode ser expresso, integrando uma confissão para quem o facto é desfavorável, ou tácito, podendo inclusive resultar de uma conduta silente (vide artigos 574.º, n.º 2 e 567.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil). Apesar de se verificar uma diferença nos elementos objetivos da estrutura destes comportamentos processuais, consistindo o primeiro numa declaração expressa de reconhecimento da veracidade de um facto que é desfavorável e os segundos numa declaração concludente de um mesmo reconhecimento ou numa omissão, face a uma alegação pela contraparte de um facto desfavorável ao destinatário da alegação, todos têm, por regra (há factos que são inconfessáveis, partes que não têm capacidade para confessar e situações que desvalorizam a confissão), o mesmo efeito probatório - o facto fica provado, com força pleníssima.

Relativamente ao “facto” g), tal como o acórdão recorrido não deixou de referir, o mesmo reconduz-se à exposição de um raciocínio conclusivo, segundo o qual, se o Autor não pode exercer uma atividade profissional que exija esforços físicos, então não pode exercer qualquer atividade profissional, uma vez que não existe qualquer actividade, seja esta de que natureza for, em que não seja necessário, ainda que de forma ligeira, exercer qualquer actividade física. Não reunindo o conteúdo da alínea g) uma natureza fáctica, antes se traduzindo num raciocínio que pretende traduzir regras de experiência, não deve o mesmo figurar na lista de factos, seja nos provados, seja nos não provados, pelo que deve o seu conteúdo ser eliminado da lista dos factos não provados, sem que transite para a lista dos factos provados como pretendiam os Autores.

Quanto ao “facto” o), foi o mesmo alegado no artigo 34.º da petição inicial.

A 1.ª Ré nos artigos 18.º e 19.º da contestação impugnou o alegado no artigo 34.º da petição inicial, pelo que não é possível considerar que nos articulados tal facto foi admitido por acordo das partes, nos termos do artigo 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Quanto ao alegado pelos Autores, relativamente a afirmações proferidas pelo mandatário da 1.ª Ré e pelo juiz do processo, quanto à incapacidade do Autor, independentemente de tais afirmações poderem ser interpretadas no sentido pretendido pelos Autores, o que não nos parece certo pelas transcrições da gravação das audiências feitas pelos Recorrentes, nunca meras declarações verbais feitas nas audiências podem, por um lado, constituir uma confissão com efeito probatório pleníssimo (artigo 358.º do Código Civil), ou uma decisão judicial, com força de caso julgado.

Assim, independentemente da relevância do facto o) para a decisão da causa, não se revela que tenha existido acordo das partes quanto à sua veracidade, pelo que não há razão para que o mesmo seja excluído da lista dos factos não provados.

Improcede, pois, este fundamento do recurso, devendo apenas eliminar-se a alínea o) da lista dos factos não provados.

1. Da necessidade do conhecimento da impugnação da decisão que considerou não provados os factos descritos sob as alíneas h), i), j), k), l), m), n) e q).

Os factos constantes destas alíneas foram julgados não provados pela sentença proferida na 1.ª instância.

São os seguintes esses factos:

h) que o A. não consiga falar por médios ou longos períodos de tempo;

i) que, no desempenho das atividades referidas no n.º 20, o A. peça ajuda a alguém que se encontre em sua casa;

j) que, para além do que consta do n.º 22 dos factos provados, o A. evite subir ou descer qualquer pavimento com inclinação e que o simples facto de o fazer lhe cause também sérias dificuldades respiratórias;

k) que o A. não consiga estar muito tempo junto de um computador a escrever ou a fazer pesquisas e que o ato da escrita, face ao teor das suas mazelas, nomeadamente os problemas respiratórios sérios associados à patologia ostioarticular com atingimento preferencial da coluna cervical, lhe provoque dificuldades respiratórias e dores insuportáveis;

l) que o A., quando se desloca ao supermercado, tenha de ser auxiliado a transportar um simples saco de compras pois não consegue nem pode o transportar;

m) que, para além do que consta do n.º 23 dos factos provados, o A. evite sair de casa desacompanhado, com receio de que ocorra um episódio respiratório grave que lhe provoque inclusivamente a morte;

n) que a posição referida no n.º 24 dos factos provados seja a única posição de conforto em que o A. pode estar e que só essa posição lhe permita respirar razoavelmente, por forma a evitar esforços físicos desnecessários;

q) que, desde os 17 anos, o A. sempre tenha exercido a mesma actividade de técnico industrial de decapagem e pintura, que nos últimos 11/12 anos tão só tenha exercido tais funções na área da indústria naval, que esta seja a única actividade que o A. sabe desempenhar e que o A. não tenha quaisquer conhecimentos ou experiência para desempenhar quaisquer outras.

Os Autores impugnaram essa decisão, sustentando que foi feita prova suficiente sobre os mesmos, nas alegações do recurso de apelação.

O acórdão recorrido, após reconhecer que o juízo probatório desses factos não se encontrava suficientemente fundamentado, decidiu não conhecer da impugnação deduzida pelos Autores, com a seguinte fundamentação:

No caso concreto, o que sucede é que não se encontra devidamente motivada a decisão sobre os pontos de facto não provados descritos em 3.1.2. h), i), j), k), l), m), n) e q).

O leitor da decisão sobre a matéria de facto provada e não provada fica sem saber a concreta razão pela qual a razão pela qual o tribunal a quo julgou não provados os enunciados descritos em 3.1.2. h), i), j), k), l), m), n) e q).

Impunha-se que o tribunal a quo explicitasse, lógica, racional e coerentemente, as razões essenciais pelas quais os depoimentos das testemunhas CC, AA e DD não lograram convencer o tribunal, por exemplo no confronto com o teor do documento intitulado «Relatório de Avaliação de Incapacidade», datado de 27 de março de 2018 e que consta de fls. 89-90 (documento n.º 7 junto com a petição inicial), onde o Dr. EE, médico assistente do 1.º autor desde dezembro de 2015, afirma qua a assistência de uma terceira pessoa «não é indispensável» para o 1.º autor «efetuar os atos ordinários da vida corrente», nomeadamente, «alimentar-se», «vestir-se», tratar da sua «higiene pessoal» e para se locomover.

Seja como for, ainda que este tribunal recurso, ignorando o teor do documento acabado de referir, considerasse provados os enunciados vertidos naquelas alíneas do ponto 3.1.2., a verdade é que não deixaria de subsistir provado que:

a) o 1.º autor sofre, desde 21 de agosto de 2012, de doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) com enfisema pulmonar grave e com insuficiência respiratória parcial, patologia osteoarticular com atingimento preferencial da coluna cervical;

b) que em consequência dessa doença:

- lhe foi atribuída uma incapacidade permanente global de 60%;

- não pode exercer a sua atividade profissional de técnico industrial de decapagem e pintura,

c) pode, no entanto, exercer uma profissão que não exija o exercício de atividade física, por não ter capacidade para fazer esforços, mesmo ligeiros.

O direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não subsiste a se mas assume um caráter instrumental face à decisão de mérito do pleito.

Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processuais, o tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação forem insuscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, assumirem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.

Dito de outra forma, o princípio da limitação dos atos, consagrado no art. 130º do C.P.C., deve ser observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projete na decisão de mérito a proferir.

Assim, este tribunal não irá conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto relativamente aos enunciados não provados transcritos em 3.1.2. h), i), j), k), l), m), n) e q).

O acórdão recorrido entendeu que, não sendo os factos em discussão relevantes para a decisão da causa, atenta a matéria fáctica já apurada, era um ato inútil apurar do mérito da impugnação deduzida, pelo que não conheceu desta parte da impugnação do julgamento da matéria de facto na 1.ª instância.

A opção adotada pelo acórdão recorrido tem o conforto do princípio da economia processual, justificando-se sempre que seja indiferente para a decisão da causa o juízo probatório sobre os factos impugnados, correspondendo a uma prática que vem sendo seguida nos tribunais da Relação.

Vejamos se isso acontece, relativamente aos factos julgados não provados na 1.ª instância e que se encontram elencados sob as alíneas h), i), j), k), l), m), n) e q).

Na presente ação, os Autores pretendem acionar um contrato de seguro do “Ramo Vida Grupo” celebrado entre as Rés, ao qual os Autores aderiram, por na sua perspetiva o Autor ter ficado incapaz total e permanentemente, situação que se encontra coberta pelo mencionado contrato de seguro.

As Rés opuseram-se, questionando que o Autor se encontre na situação cujo risco se encontra seguro pelo mencionado contrato.

De acordo com a cláusula 1.ª das Condições Especiais do contrato referido no n.º 3, «relativamente a cada Pessoa Segura, a Seguradora garante, em caso de Invalidez Absoluta e Definitiva, causada por doença ou acidente, o pagamento do capital (…), de valor indicado nas Condições Particulares»; e de acordo com a cláusula 2.ª das Condições Especiais do mesmo contrato «a Pessoa Segura e considerada no estado de Invalidez Absoluta e Definitiva, quando, em consequência de acidente ou doença, susceptível de constatação médica objectiva, fique total e definitivamente incapacitada de exercer qualquer actividade remunerável e necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária, não sendo possível prever qualquer melhoria, com base nos conhecimentos médicos actuais.

A sentença recorrida já declarou nula esta última cláusula na parte em que exige que o segurado necessite da assistência de uma terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária, tendo esse segmento decisório transitado em julgado.

Quanto à verificação da invalidez absoluta e definitiva, enquanto incapacidade definitiva e total de exercer qualquer atividade remunerável, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a sustentar em diversos acórdãos 1 que essa situação se traduz em restrições que subsistem a título definitivo em sede anatómica-funcional e/ou psicossensorial, as quais restringem significativamente a capacidade do aderente realizar quaisquer atividades remuneradas. Essas restrições são casuísticas e todos os dados sobre elas são relevantes, mais do que o concreto nível ou grau ou percentagem de incapacidade atribuído medicamente ao aderente, tal como são relevantes todas as alterações no modo de vida, pessoal e profissional, ocorridas em consequência do sinistro.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.02.2020, referido na nota 2 deste acórdão, para esse juízo sobre o reflexo do sinistro, há que ter em conta, numa ponderação múltipla e não individualmente exclusiva, nomeadamente, a actividade anteriormente desenvolvida como fonte de rendimentos, a idade e o tempo restante de vida ativa profissional, a perda de independência psico-motora, o tipo de doença ou restrição de saúde, as habilitações e capacidades literárias e profissionais da pessoa segura e a possibilidade de reconversão para actividade compatível com essas habilitações e capacidades com igual ou aproximada medida de rendimentos, sempre com enquadramento na situação remuneratória concreta (e projeção na “capacidade de ganho”) do segurado após a estabilização das sequelas do sinistro.

Atenta a necessidade de recolher a maior informação possível sobre a situação do sinistrado, relacionada com a sua capacidade de manter/obter um trabalho remunerado, todos os factos relacionados com a sua situação com influência nesse domínio são relevantes para o desfecho da causa.

Assim, tem importância para o desfecho desta ação saber:

- se o A. não consegue falar por médios ou longos períodos de tempo;

- se, no desempenho das atividades referidas no n.º 20, pede ajuda a alguém que se encontre em sua casa;

- se evita subir ou descer qualquer pavimento com inclinação e o simples facto de o fazer lhe causa também sérias dificuldades respiratórias;

- se não consegue estar muito tempo junto de um computador a escrever ou a fazer pesquisas e que o ato da escrita, face ao teor das suas mazelas, nomeadamente os problemas respiratórios sérios associados à patologia ostioarticular com atingimento preferencial da coluna cervical, lhe provoque dificuldades respiratórias e dores insuportáveis;

- se, quando se desloca ao supermercado, tem de ser auxiliado a transportar um simples saco de compras pois não consegue nem o pode transportar;

- se, para além do que consta do n.º 23 dos factos provados, evita sair de casa desacompanhado, com receio de que ocorra um episódio respiratório grave que lhe provoque inclusivamente a morte;

- se a posição referida no n.º 24 dos factos provados é a única posição de conforto em que o A. pode estar e que só essa posição lhe permite respirar razoavelmente, por forma a evitar esforços físicos desnecessários;

- se desde os 17 anos, sempre tenha exercido a mesma actividade de técnico industrial de decapagem e pintura,

- se nos últimos 11/12 anos tão só tenha exercido tais funções na área da indústria naval, sendo esta á única atividade que sabe desempenhar e que não tenha quaisquer conhecimentos ou experiência para desempenhar quaisquer outras.

O facto de se encontrar provado que o A. não pode exercer a sua atividade profissional de técnico industrial de decapagem e pintura e que apenas pode exercer uma profissão que não exija o exercício de atividade física, por não ter capacidade para fazer esforços, mesmo ligeiros, não retira relevância ao conjunto de factos acima referidos, uma vez que estes, a serem considerados provados, como os Autores pretendem, terão influência no juízo que se faça sobre as efetivas possibilidades do Autor poder vir a exercer uma qualquer profissão remunerada que não envolva esforços físicos.

Os factos constantes das alíneas h), i), j), k), l), m), n) e q) são, pois, factos com interesse para a decisão da causa, pelo que a justificação dada pelo acórdão recorrido para não conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quanto a eles, não merece acolhimento, impondo-se, pois, que aquele tribunal se pronuncie sobre o mérito da respetiva impugnação.

Não tendo o tribunal recorrido apreciado a impugnação da decisão da matéria de facto quanto aos factos julgados não provados constantes das alíneas h), i), j), k), l), m), n) e q), deve o acórdão recorrido ser anulado e determinar-se que o tribunal a quo conheça da impugnação da decisão relativa à referida matéria de facto acima referida e profira nova decisão que aprecie as questões que ainda não foram apreciadas por este acórdão.


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Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e, em consequência, anula-se o acórdão recorrido e determina-se que o Tribunal da Relação conheça da impugnação da decisão relativa à matéria de facto que consta da lista dos factos não provados sob as alíneas h), i), j), k), l), m), n) e q) e profira nova decisão sobre as questões ainda não decididas por este acórdão.


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Custas do recurso pelos Réus.

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Notifique.

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Lisboa, 18 de abril de 2024

João Cura Mariano (relator)

Fernando Baptista

Isabel Salgado

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1. De 31.01.2024, Proc.23306/16 (Rel. Ana Resende), de 20.06.2023, Proc. 9827/16 (Rel. Maria João Tomé), de 02.11.2023, Proc. 1132/20 (Rel. Ana Resende), e de 27.02.2020, Proc. 125/13 (Rel. Ricardo Costa).