Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
92/23.4JELSB.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
ILICITUDE
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - De acordo com o critério legal de determinação da medida da pena, previsto no art. 71.º do CP, a determinação da medida da pena é feita, dentro da moldura penal abstracta aplicável, em função das exigências de prevenção e da culpa do agente, devendo na operação, ser atendidas todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor, designadamente, as enunciadas nas diversas als. do seu n.º 2.
II - Tendo a pena por finalidade a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a ressocialização do agente, e que não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, a sua medida concreta resultará da medida da necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), sem ultrapassar a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo, onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela.
III - Estando em causa à actividade de uma rede internacional de tráfico de cocaína na qual o arguido desempenhava um papel de coordenação de nível não elevado, tendo este na sua posse 5953 gramas daquele estupefaciente e a quantia de € 29 000,00 resultante da referida actividade ilícita, a pena de 7 anos de prisão, fixada pela 1.ª instância, mostra-se necessária, adequada, proporcional e plenamente suportada pela culpa do arguido, pelo que deve ser mantida.
Decisão Texto Integral:

RECURSO Nº 92/23.4JELSB.L1.S1


Recorrente: AA.


Recorrido: Ministério Público.


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Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO


No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Central Criminal de ... – J... ., o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, dos arguidos BB, AA e CC, todos com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B anexa.


O Ministério Público requereu ainda a condenação do arguido BB na pena de expulsão do território nacional, nos termos do disposto nos arts. 34º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro e 134º, nº1, e) e f), 140º, nº 2 e 151º, todos da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho.


Por acórdão de 11 de Outubro de 2023, foi o arguido BB condenado, pela prática do imputado crime, na pena, especialmente atenuada, de três anos de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de cinco anos, com interdição de nele entrar, foi a arguida CC condenada, pela prática do imputado crime, na pena, especialmente atenuada, de três anos e três meses de prisão e foi o arguido AA condenado, pela prática do imputado crime, na pena de sete anos de prisão.


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Inconformado com a decisão, recorre o arguido AA para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando no termo da motivação, as seguintes conclusões:


I – Vem o presente recurso interposto do Douto Acórdão de 11.10.2023 do Juízo Central Criminal de ... – J... . que condenou o Recorrente AA pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artº 21º nº 1 do DL 15/93, na pena de sete anos de prisão.


II – Pese embora uma cuidadosa fundamentação no que respeita à qualificação jurídica dos factos por que o Arguido vinha acusado, não podemos deixar de discordar da pena aplicada ao Recorrente, que peca pelo exagero.


III – Dispensamo-nos de reproduzir a matéria de facto dada como provada, limitando-nos a mencionar os factos que em nosso entender são determinantes para a fixação das penas aplicadas aos arguidos:


- No dia 27.2.2023, o arguido BB desembarcou no Aeroporto ..., em … (FP 7), transportando duas malas de cor azul (FP 9), as quais, sujeitas a revista, revelaram conter duas embalagens de cocaína com o peso de 5368,80 gramas (FP 9);


- Após a sua detenção, o Arguido BB decidiu colaborar com as autoridades (FP 11), e depois de receber uma mensagem do Arguido AA, dando-lhe indicações para se dirigir ao Hotel A...., sito na Rua ..., em ... (FP 12), deslocou-se, acompanhado pelos inspetores da PJ, ao referido hotel, onde aguardou pela chegada do AA, o qual o informou que um indivíduo do sexo feminino iria ao Hotel recolher as malas (Nota: entretanto já apreendidas pela PJ) – FP`s 13 e 14;


- Após a chegada da Arguida CC ao Hotel, a mesma foi abordada por elementos da PJ, e as malas em questão novamente apreendidas (FP 20); nessa altura decidiu colaborar com as autoridades (FP 22), e conduziu os inspetores da PJ á sua residência, onde residia também o Recorrente AA (FP 23);


- Aqui chegados, a arguida CC entregou as malas ao Recorrente AA, tendo os inspetores da PJ procedido a nova apreensão das mesmas (FP 27);


- na posse do Recorrente foram encontradas duas embalagens de cocaína e a quantia de 29.000 euros (FP 28);


- os arguidos não possuem antecedentes criminais (FP 38); o arguido AA arrendou por 350 euros um quarto da casa pela qual pagava 1200 euros (FP 67), e trabalhava como estafeta da UBER EATS (FP 68).


IV – Na sua Fundamentação, o Douto Acórdão recorrido estabelece uma distinção entre a actuação dos arguidos BB, CC e AA, primeiro porque aqueles terão colaborado com as autoridades (ao contrário do Recorrente), e segundo porque “A situação dos arguidos BB e CC perfilha-se como vulgares “correios de droga”, que não são, os donos da droga que lhes foi apreendida”, e “Pelo contrário o arguido AA já não pode ser chamado como “correio de droga” atento todo o circunstancialismo apurado”.


V – Ora, no que respeita à colaboração dos Arguidos, que lhes valeu uma atenuação especial da pena que se ficou em 3 anos e 3 anos e 3 meses de prisão, sempre se dirá que é hipervalorizada, uma vez que, tendo sido apanhados em flagrante, um a transportar e outro a receber a droga apreendida, outra alternativa não tinham senão confessar e colaborar com a PJ, com vista a limitar os danos. Resulta aliás da experiência comum que a sugestão dessa colaboração parte desde logo dos inspetores da PJ, interessados, como é seu dever, em obter o máximo de informação possível sobre os factos ilícitos. Nada nos diz porém que idêntica sugestão tenha sido feita ao Arguido AA, talvez por se deduzir que fosse o destinatário final do produto, o qua dadas as circunstâncias e o seu modo de vida, resulta claramente que não.


VI – Com efeito, embora o Recorrente tivesse na sua posse avultada quantia em dinheiro, para uma correcta análise crítica da prova teria de se questionar por que razão, tendo tanto dinheiro na sua posse, precisava de andar a trabalhar como estafeta da “UBER EATS”, e de arrendar um quarto à sua amiga CC, que dessa forma o ajudava a pagar a renda da casa. A única conclusão lógica, é que nem o dinheiro nem a droga apreendida lhe pertenciam, sendo, como os outros, um mero “elo da corrente” que a referida organização constituía. Como se refere na douta decisão recorrida, “A coautoria pressupõe uma execução conjunta, traduzida numa participação direta do coautor, ou seja, numa participação co-decisiva, em que o seu contributo seja tido como essencial ou determinante para a produção do facto (teoria do domínio funcional do facto)”. Ora, no caso presente, a participação de todos os arguidos foi de igual modo determinante para a produção do facto ilícito. E se o destinatário final não era o Arguido AA (pelo menos tal não resulta dos factos provados), então também ele actuaria como “correio de droga”, ou mero “depositário” da mesma, pois nada nas sua condições de vida nos indica que fosse o proprietário dela.


VII – Aqui chegados, e partindo da culpa do Arguido, teremos de considerar que a pena aplicada ao Recorrente é exagerada, até por não ter em conta uma importante circunstância atenuante: é que tendo as malas de drogas ido de imediato apreendidas no aeroporto (ficando sob o domínio da Polícia Judiciária), a partir desse momento deixou de se verificar o perigo de a droga entrar em circulação (sendo cedida a terceiros), pois passou a ser acompanhada por inspetores da PJ. E tratando-se aqui de um crime de perigo, obviamente terá de se concordar que esse perigo só existiu enquanto a droga esteve na posse do primeiro interveniente (o Arguido BB). Quando os demais Arguidos intervieram na acção ilícita, já a mesma se tinha tornado impossível de concretizar, ou pelo menos de produzir os danos a ela associados.


VIII – O Arguido é jovem (nasceu em... 1983), não tem em Portugal antecedentes criminais, e pela profissão que exercia (penosa e mal remunerada) resulta evidente que actuou por dificuldades económicas; por outro lado, revela hábitos de trabalho, o que facilitará a sua reinserção social, que é uma das finalidades das penas. Ao ignorá-la, o douto acórdão violou o disposto no artº 40º nº 1 do CP, e bem assim o Artº 18º nº 2 da Constituição da República (proibição do excesso na limitação da liberdade).


TERMOS EMQUE DEVE SERPARCIALMENTEANULADA A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE APLIQUE AO ARGUIDO UMA PENA DE PRISÃO NÃO SUPERIOR A CINCO ANOS, ASSIM RESPEITANDO O PRINCÍPIO DA CULPA, E REALIZANDO A MELHOR JUSTIÇA!


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O recurso foi admitido por despacho de 22 de Maio de 2023.


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Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:


1. O arguido, não se conformando com tal decisão no que à medida da pena respeita, veio dela recorrer pugnando pela redução da pena em que foi condenado;


2. Defende, em síntese, que a pena é exagerada e insurge-se contra a mesma por entender que não teve em conta uma importante atenuante.


3. Todavia, contrariamente à postura assumida não se verifica qualquer circunstância atenuante.


4. O crime pelo qual o arguido foi condenado é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos de prisão, pelo que aplicar uma pena de 5 ano de prisão, como pretende o recorrente, será aplicar o mínimo legal.


5. Para o efeito, teríamos de concluir que, no caso concreto, não se verifica qualquer circunstância que justifique situar a pena acima do limite mínimo da moldura penal, nomeadamente tendo em conta os elementos previstos – de forma não taxativa - no artigo 70º, 2, do Código Penal.


6. Atenta a gravidade da conduta praticada pelo arguido torna infundada a alegação de que deveria ser aplicada uma pena no limite mínimo da moldura penal, tornando a pena concreta aplicada adequada à gravidade da conduta.


7. Consideramos, assim, que o tribunal teve presente que as penas visam a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que a pena não pode ultrapassar a medida da culpa, devendo o juiz na operação de determinação da medida da pena conduzir-se por duas ideias fundamentais: a culpa e a prevenção, quer geral quer especial, respeitando o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal e acentuar o papel preponderante das finalidades preventivas e das exigências de ressocialização. Fê-lo criteriosamente e a pena que lhe foi cominada mostra-se, em nosso entender, equilibrada e justa.


8. Por todo o exposto, o douto acórdão recorrido não merece qualquer censura, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.


Porém, VOSSAS EXCELÊNCIAS, decidindo, farão como sempre a costumada JUSTIÇA!


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Por despacho de 4 de Janeiro de 2024 foi ordenada a remessa dos autos para o Tribunal da Relação de Lisboa.


Por despacho da Exma. Sra. Juíza Desembargadora relatora do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Janeiro de 2024 foi ordenada a subida dos autos a este Supremo Tribunal.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste mais Alto Tribunal emitiu parecer, realçando que, tendo em vista as finalidades de prevenção, a pena aplicada ao recorrente de sete anos de prisão é justa, adequada e proporcional, pois estão em causa quase seis quilogramas de cocaína, a posse de € 29000 produto da venda de droga e a posse de uma máquina de contar notas, tendo o recorrente quarenta anos de idade, que não revelou sinais de sincero arrependimento e concluiu que «o tribunal a quo, ao aplicar a pena, apreendeu e valorou devidamente a natureza e gravidade do facto-crime e a personalidade do arguido, na sua relação dialéctica e expressão ético-social, aplicando uma pena bem perto do seu limite mínimo abstracto» motivo por que deve o recurso ser julgado improcedente.


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Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.


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Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência.


Cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO


A) Factos provados


A matéria de facto provada que provém da 1ª instância é a seguinte [com excepção dos factos relativos às condições pessoais dos co-arguidos do recorrente]:


“(…).


1. Desde, pelo menos, fevereiro de 2023, que o arguido AA, atuando de forma concertada com outros indivíduos, cujas identificações não se lograram apurar, integram uma organização que se dedica ao tráfico de cocaína do Brasil para a Europa, por via aérea.


2. Para tanto, eram recrutados pelos membros da organização indivíduos, vulgarmente conhecidos como “correios”, que transportavam a cocaína dissimulada no interior de bagagem que transportavam do Brasil até Portugal, recebendo, para esse efeito, quantias monetárias.


3. Quando chegavam a território nacional, estes indivíduos eram contactados pelo arguido BB que lhes dava instruções sobre como deviam proceder para entregarem a cocaína à arguida CC, que ia ao seu encontro, para receber este produto.


4. Assim, em data não concretamente apurada, mas anterior a 26 de fevereiro de 2023, o arguido BB foi recrutado, como “correio”, para transportar cocaína do Brasil para Portugal.


5. Proposta esta que aceitou, por, para tanto, lhe ter sido prometida quantia não apurada.


6. Na concretização desse plano previamente acordado, em data não concretamente apurada, este arguido recebeu, no Brasil, de indivíduos não identificados 2 embalagens com cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 5368,800 gramas.


7. Após, o arguido BB viajou para território Nacional, tendo, no dia 27 de fevereiro de 2023, pelas 08h39, desembarcado no Aeroporto ..., em …, procedente do ... – ... (Brasil), no voo AD..., com destino a esta cidade.


8. De seguida, o arguido BB apresentou-se nos serviços da Alfândega, no corredor verde “nada a declarar”.


9. Após, foi sujeito a revisão de bagagem, no decurso da qual foram detetadas, dissimuladas na estrutura das duas malas de porão, de marca “Samsonite”, de cor azul, que o arguido transportou, com as etiquetas ns.º .... ......75 e .... ......99 apostas, registadas em seu nome, que reconheceu como sendo suas:


- 2 embalagens contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 5368,80 gramas.


10. Nessa altura, o arguido BB tinha, ainda, consigo:


-1 (uma) mala de viagem, do tipo “trolley”, de maior dimensão (19kg (dezanove quilogramas)), da marca “SAMSONITE”, de cor azul escura, com fechos à frente em laranja;


- 1 (uma) mala de viagem, do tipo “trolley”, de menor dimensão (12kg (doze quilogramas)), da marca “SAMSONITE”, de cor azul escura, com fechos à frente em laranja;


- € 706,45 (setecentos e seis euros e quarenta e cinco cêntimos), em notas e moedas emitidas pelo Banco Central Europeu;


- $ 52 (cinquenta e dois reais) em notas emitidas pela República Federativa do Brasil;


- 1 (uma) etiqueta de bagagem da Companhia aérea AZUL, correspondente ao /oo AD 8752, em nome de TRINDADEDECAMAR datada de 26 de fevereiro de 2023, com o n.° .... .. ....75, a qual se encontrava na mala do tipo “trolley” ‘de maiores dimensões (19kg (dezanove quilogramas);


- 1 (uma) etiqueta de bagagem da Companhia aérea AZUL, correspondente ao voo AD 8752, em nome de TRINDADEDECAMAR datada de 26 de fevereiro de 2023, com o n.° .... .. ....99, a qual se encontrava na mala do tipo “trolley” de menores dimensões (12kg (doze quilogramas);


- (um) cartão de embarque, em nome de TRINDADEDECAMARGO/FR, referente ao voo ... (...), contendo em apósito, na parte de trás, os canhotos autocolantes referentes a bagagem, da companhia aérea AZUL, com os números .... .. ....75 e .... .. ....99;


- 1 (um) itinerário de viagem em nome de BB, BB, com o número de reserva ..........00, referente ao voo da A... ... com saída de Lisboa, e destino a ..., ..., datado de 05 de março de 2023, às l0h00;


- 1 (um) telemóvel da marca iPhone, modelo iPhone Xr, de cor preta, com os IMEIS .............66 e .............23, contendo no seu interior um cartão SIM da VIVO, com o n.º............60.


11. De seguida, após ter detido, o arguido BB decidiu colaborar com as autoridades.


12. Enquanto estava nas instalações da A.T., o arguido BB recebeu uma mensagem, através da aplicação “Watsapp”, pelo arguido AA, utilizador do n.º .......74, que lhe disse que apanhasse um táxi e seguisse para o “Hotel A....”, sito na Rua ..., nesta cidade, que fizesse o check-in e aguardasse novo contacto.


13. O arguido BB, acompanhado pelos Inspetores da P.J., deslocou-se ao mencionado hotel, onde ficou alojado, no quarto n.º ..., e comunicou ao arguido AA a sua chegada.


14. Nessa altura, o arguido AA informou o arguido BB que, cerca das 14h30, um indivíduo de sexo feminino iria ao seu encontro para proceder à recolha das malas e receber a cocaína, e que iria fornecer o seu contacto telefónico a esse indivíduo.


15. Pelas 14h34, o arguido BB foi contactado, via “Watsapp”, pela arguida CC (utilizadora do cartão telefónico com o n.º.......96), que o informou que dali a cerca de 30 minutos chegaria ao “Hotel A....”.


16. Pelas 15h07, a arguida chegou ao referido hotel.


17. Nesse momento, o arguido BB recebeu uma mensagem da arguida a informá-lo da sua chegada.


18. De seguida, o arguido BB saiu do quarto onde estava alojado e foi para o exterior do hotel.


19. Ao vê-lo, de imediato, a arguida CC dirigiu-se junto do arguido BB e recolheu as duas malas que continham as 2 embalagens contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 5368,800 gramas, sendo do seu conhecimento que tal substância se encontrava no interior das malas.


20. Nesse momento, a arguida foi abordada por elementos da P.J. que encontraram na sua posse e apreenderam as referidas malas que continham a cocaína.


21. Nessas circunstâncias, a arguida tinha, ainda, consigo:


- 1 (um) telemóvel da marca iPhone, modelo iPhone 8, de cor branca e rose gold, com uma capa cor de rosa, com o IMEI .............84, com o PIN ..., com o PIN de acesso ao equipamento..., contendo no seu interior um cartão SIM da MEO, com o n.° .......96.


22. Nessa altura, a arguida CC também decidiu colaborar com as autoridades.


23. Assim, a arguida informou os Inspetores de que deveria transportar as malas com a cocaína para a sua residência sita na Rua ..., ..., para as entregar ao arguido AA, que também vivia lá.


24. De seguida, fazendo-se acompanhar pelos Inspetores da P.J., a arguida deslocou-se para a sua habitação, e deixou a porta entreaberta, para permitir a sua entrada.


25. De imediato, a arguida CC informou o arguido AA de que tinha chegado, que tinha na sua posse as malas com cocaína e entregou-lhas.


26. Seguidamente, o arguido AA recolheu as malas, sabendo que continham cocaína no interior.


27. Nesse momento, o arguido AA foi abordado por Inspetores da P.J. que encontraram na sua posse e apreenderam as malas que continham:


- 2 embalagens contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 5368,800 gramas.


28. Nessa altura, o arguido AA tinha, ainda, consigo:


- a quantia de 29.000 euros (vinte e nove mil euros);


- 1 (uma) máquina de contagem de notas de marca DETECTALIA, n° de série ......11;


- 1 (um) telemóvel de marca IPHONE, modelo 14 pro MAX com IMEI .............05 e IMEI2 .............05. código de debloqueio 202320 e com n° .......84;


- 1 (um) telemóvel de marca IPHONE. modelo 11 com o IMEI .............07 e IMEI2 .............. 6, com código de desbloqueio 202320 e com o n.º .......69;


- 1 (um) telemóvel de marca IPHONE, modelo 8 PLUS, com o IMEI .............97, com n.º .......74;


- 2 embalagens contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 584,200 gramas.


29. Todos os arguidos conheciam perfeitamente a natureza e as características estupefacientes do produto que o arguido BB transportou do Brasil para Portugal e que lhe foi apreendido, que pretendiam ceder a terceiros.


30. O arguido AA conhecia, ainda, a natureza e as características estupefacientes da cocaína que tinha consigo, no interior da sua residência.


31. A quantia monetária que lhes foi apreendida era produto da atividade de tráfico de estupefacientes.


32. Os telemóveis e cartões telefónicos apreendidos aos arguidos foram utilizados nos contactos que estabeleceram para recolher a cocaína apreendida.


33. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a detenção, o transporte e a comercialização de cocaína eram proibidos e punidos por lei.


34. Acresce que, o arguido BB é natural do Brasil, residindo e trabalhando no país da sua naturalidade, não possuindo quaisquer ligações familiares e/ou profissionais em Portugal, só se encontrando em Portugal para transportar a cocaína.


35. Deste modo, existe fundado receio de que o arguido BB continue a cometer crimes da natureza do imputado, caso permaneça em território nacional.


36. O arguido BB admitiu a prática dos factos e mostrou-se arrependido.


37. A arguida CC admitiu a prática dos factos.


38. Os arguidos não registam antecedentes criminais.


(…).


67. AA, natural do Brasil, encontra-se em Portugal desde 2021 a residir na morada indicada tratando-se de um apartamento arrendado por 1200 €, mas que o arguido subarrendava um quarto à arguida CC pelo valor de € 350,00.


68. Trabalhava como estafeta, através do mercado online da Uber Eats.


69. Não possuiu autorização de residência, o que não lhe permitia uma integração laboral.


70. Mantinha um relacionamento de namoro com uma conterrânea que conheceu em Portugal trabalhando a mesma numa casa de massagens.


71. O seu processo de desenvolvimento decorreu no seu agregado de origem, em ... no ..., ..., com uma irmã mais velha, num ambiente que descreve como estável, equilibrado afetivamente e com a satisfação das necessidades garantidas, fruto do trabalho do progenitor como camionista. A progenitora já se encontra falecida desde 2012.


72. Em termos escolares completou o equivalente ao 12º ano de escolaridade, iniciando-se a trabalhar aos 17 anos de idade, numa oficina de montagem.


73. Tem duas filhas de relacionamentos diferentes e já terminados, de 8 e 5 anos de idade.


74. Assume ter anteriores contactos com o sistema da justiça brasileira pela prática de um assalto, vindo a ser condenado numa pena de 6 anos de prisão, que terminou em 2021, antes de vir para Portugal.


(…)”.


B) Factos não provados


A matéria de facto não provada que provém da 1ª instância é a seguinte:


“ (…).


a) Desde, pelo menos, fevereiro de 2023, que a arguida CC, atuando de forma concertada com outros indivíduos, cujas identificações não se lograram apurar, integram uma organização que se dedica ao tráfico de cocaína do Brasil para a Europa, por via aérea.


(…)”.


C) Consta do acórdão recorrido a seguinte fundamentação quanto à determinação da medida da pena:


“(…).


A moldura penal prevista e punida no artigo 21.º do DL 15/93 para o crime de tráfico de estupefacientes é de 4 a 12 anos de prisão e especialmente atenuada é de 9 meses e 18 dias a 8 anos de prisão, pelo que cumpre agora determinar o “quantum".


A determinação da pena tem como princípios regulativos essenciais a culpa e a prevenção (artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal), sendo o modo como estes princípios regulativos influem no processo de determinação do quantum da pena determinado pelo programa político-criminal em matéria dos fins das penas, que, resumidamente, se reconduz a dois postulados ou pressupostos: o de que as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na comunidade, e o de que toda a pena há-de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, cuja medida não poderá em caso algum ultrapassar (artigo 40.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal).


Tendo em conta estes parâmetros, a medida concreta ou judicial da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura cujo limite máximo é dado pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias depositadas na norma violada, sem ultrapassar contudo a medida da culpa, e cujo limite mínimo há-de corresponder às exigências de prevenção geral no seu grau mínimo; dentro desta moldura, o quantum concreto de pena há-de, em último termo, ser dado pelas necessidades de socialização do agente.


Como fatores concretos da medida da pena, deverão ser levadas em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente (artigo 71.º, n.º 1), nomeadamente as circunstâncias elencadas no artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal, designadamente, o grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente.


A circunstância do grau de ilicitude da conduta das arguidas ter relevado no precedente momento da determinação da moldura penal, sendo fundamental nessa escolha, não impede aquela outra intervenção. Com efeito, como sucede com vários outros tipos de crime previstos no Código Penal, a ilicitude intervém para agravar ou privilegiar o crime de tráfico de estupefacientes, numa primeira operação de determinação da medida da pena: a moldura penal abstrata. Numa segunda operação, é dentro dessa moldura penal, que funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:


- A intensidade do dolo ou negligência;


- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;


- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;


- A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;


- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.


A pena tem, pois, como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, o que quer dizer que não pode haver uma pena sem culpa, por um lado, e que é a culpa que determina a pena, por outro lado.


Sendo a culpa pressuposto da validade da pena e seu limite máximo, a pena concreta tem de fixar-se entre um limite mínimo já adequado a ela, e um limite máximo ainda adequado à mesma, ambos determinados também com a consideração das finalidades próprias da punição.


Quanto à pena concreta a fixar, dir-se-á que é elevada a ilicitude dos factos (estão em jogo múltiplos bens jurídicos que podem ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública), o dolo é direto, os arguidos tinham como objetivo o de arranjar dinheiro fácil, assim denunciando uma personalidade desconforme á Ordem Jurídica e antissocial pois procuraram e exploraram o mal dos seus concidadãos para proveito material próprio, quando podiam através de uma atividade licita e de relevo social, angariar o seu sustento e dos seus, como faz a generalidade dos cidadãos contribuindo assim para o bem social, como é seu dever.


São especialmente prementes as exigências de prevenção geral deste tipo de crimes, atenta a sua natureza, a gravidade das suas consequências nos indivíduos consumidores e na própria sociedade e a dimensão que o fenómeno atingiu, e de prevenção especial, atento o perigo de afastar as arguidas da prática de novos crimes.


Traficar, é fazer conscientemente mal a outrem, ato dotado de ressonância ética, punível dentro de uma moldura penal de 4 a 12 anos de prisão, por aplicação do artigo 21.º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93.


A punição do narcotráfico, mais do que uma luta localizada, é um combate que se dirige a um flagelo à escala universal, conhecendo o consumo entre nós de heroína uma estabilização, o de cocaína um aumento ligeiro, tendo a nível do consumo de haxixe, como aliás a nível europeu, registado um acréscimo mais significativo, sobretudo a nível das classes estudantis.


O traficante é insensível à desgraça alheia, cria alarme e insegurança e descrença nos órgãos aplicadores da lei caso estes não ofereçam um ponto ótimo de quantum punitivo capaz de assegurar uma tutela efetiva e consistente dos bens jurídicos, não sendo aconselhável descer abaixo de um limiar mínimo abaixo do qual, comunitariamente, a punição não realiza a sua finalidade, além do mais de proteção dos importantes bens jurídicos que põe em crise – cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, § 306.


Por isso importa pela via da medida concreta da pena atuar sobre o comum dos cidadãos, dissuadindo-os do cometimento de futuros crimes, que, pela sua reiteração, criam alarme, insegurança e descrença nos órgãos aplicadores da lei caso estes não atinjam um ponto ótimo capaz de assegurar uma tutela efetiva e consistente dos bens jurídicos.


Assim, no caso sub judice e como supra se referiu, estamos perante uma situação em que a ilicitude dos factos se mostra muito elevada, considerando, o bem jurídico tutelado, a saúde pública, a modalidade da ação, a quantidade e qualidade do estupefaciente (cocaína) e o modo de execução.


Com efeito, o produto estupefaciente transportado pelos arguidos BB e CC e depois entregue ao arguido BB e na posse deste, poder-se-á dizer que é droga dura, com consequências devastadoras na saúde dos consumidores. A situação dos arguidos BB e CC perfilha-se como vulgares “correios de droga”, que não são, os donos da droga que lhes foi apreendida. Os correios de droga são seduzidos tão só pelo móbil económico, não resistindo à tentação de angariar dinheiro com um simples transporte, apesar dos inerentes riscos a tal atividade. Nesta medida, um correio de droga não é um traficante no sentido vulgar do termo, contudo importa não olvidar que sem correios era de todo impossível a formação de organizações de narcotráfico.


Pelo contrário o arguido AA já não pode ser chamado como “correio de droga” atento todo o circunstancialismo apurado.


Todas as considerações expendidas são relevantes no caso sub judice, sendo manifesto o elevado grau de ilicitude do facto, desde logo pela quantidade e qualidade de produto estupefaciente apreendido.


O dolo dos arguidos, que reveste a modalidade de dolo direto e é particularmente acentuado.


As condições pessoais e a situação económica dos arguidos que resultaram provadas e que aqui se dão por reproduzidas, com relevância que o arguido BB estava desempregado e o arguido AA tinha uma ocupação laboral não estável.


O nível do comportamento posterior aos factos, leva-se em linha de conta que os arguidos BB e CC admitiram a prática dos factos a final da produção de prova.


O arguido BB mostrou-se arrependido.


O arguido AA negou a prática dos factos, não beneficiando assim de qualquer atenuação.


Há que também ter em conta que nos termos do artigo 29.º do Código Penal cada comparticipante deverá ser punido segundo a sua culpa, levando a que se tenha em conta o diferente papel desempenhado pelos arguidos.


Por tudo isto justifica-se relativamente ao arguido BB uma pena mais próxima dos mínimos legais. Já quanto à arguida CC impõe-se a aplicação de pena um superior à que vier a ser aplicada a este arguido. Ao arguido AA, considerando tudo o que acima se referiu, mostra-se necessário a aplicação de uma pena acima do meio da pena abstratamente aplicável.


A favor dos arguidos milita o facto de não terem antecedentes criminais.


Há que ponderar, ainda, as exigências de prevenção geral e especial, sendo indubitavelmente elevadas as necessidades de prevenção geral, numa sociedade em que se assiste a um constante aumento do tráfico e consumo de estupefacientes e o alarme social que ocasionam, não se podendo ignorar o número crescente de pessoas que se dedicam a atividade desta natureza, bem como as suas consequências nefastas em termos de saúde pública e o aumento da criminalidade.


Assim, dadas as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir, e de forma a fazer os arguidos compreender a necessidade de não adotar condutas semelhantes no futuro, entende-se adequado fixar as seguintes penas:


- para o arguido BB, a pena de 3 (três) anos de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido no artigo 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-B, anexa ao referido diploma legal, atenuada nos termos do artigo 31.º do DL n.º 15/93 e 73.º do Código Penal.


- para a arguida CC, a pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido no artigo 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-B, anexa ao referido diploma legal, atenuada nos termos do artigo 31.º do DL n.º 15/93 e 73.º do Código Penal.


- para o arguido AA, a pena de 7 (sete) anos de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido no artigo 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-B, anexa ao referido diploma legal.


(…)”.


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Âmbito do recurso


Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.


Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.


Deste modo, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões. Quando tal não acontece deve entender-se que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.


Por outro lado, também não deve ser conhecida questão referida nas conclusões, que não tenha sido tratada no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes).


Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir no presente recurso, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se foi incorrectamente determinada a medida concreta da pena de sete anos de prisão decretada pela 1ª instância.


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Questão prévia


O ponto 3 dos factos provados do acórdão recorrido tem a seguinte redacção:


- Quando chegavam a território nacional, estes indivíduos eram contactados pelo arguido BB que lhes dava instruções sobre como deviam proceder para entregarem a cocaína à arguida CC, que ia ao seu encontro, para receber este produto.


Existe manifesto lapso de escrita neste ponto, no segmento em que refere que os correios recrutados, uma vez em Portugal, eram contactados pelo arguido BB, que lhes dava instruções para a entrega da droga, quer pelo teor dos pontos 1 e 2 da factualidade provada [dos quais resulta que o arguido AA, ora recorrente, integrava uma organização que se dedicava ao tráfico de cocaína do Brasil para a Europa, para tanto, recrutando indivíduos para fazerem o seu transporte para Portugal, dissimulada na bagagem, mediante o recebimento de quantias monetárias], quer, sobretudo, pelo teor dos pontos 4 a 6 da factualidade provada, dos quais resulta que o arguido BB foi um dos correios recrutados pela organização, e pelo teor dos pontos 7 a 10 e 12 a 19 da mesma factualidade, dos quais resulta que, uma vez aterrado em Lisboa, o arguido BB recebeu instruções do arguido AA sob a forma como deveria proceder para entregar a droga que trazia à arguida CC, instruções que seguiu.


Assim, onde no ponto 3 dos factos provado se lê, «(…) pelo arguido BB (…)», deverá ler-se, «(…) pelo arguido AA (…)».


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Da incorrecta determinação da medida concreta da pena de prisão


1. Não vem posta em causa no recurso a qualificação jurídica dos factos provados relativamente à conduta do recorrente, sendo certo que ela, tal como decidiu a 1ª instância, preenche o tipo, objectivo e subjectivo, do crime de tráfico e outras actividades ilícitas, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B anexa, a que corresponde a moldura penal de pena de prisão de quatro a doze anos.


Como se disse, o objecto do recurso fixado pelo arguido restringe-se à medida concreta da pena de prisão fixada no acórdão recorrido, entendendo o recorrente que a mesma é excessiva, devendo ser fixada por tempo não superior a cinco anos.


Para tanto, alegou o arguido – conclusões IV a VIII – que o acórdão recorrido distinguiu as condutas dos co-arguidos BB e CC qualificando-os de vulgares correios de droga, não sendo donos dela, enquanto a sua [do arguido] conduta como tal não foi qualificada, com a justificação de não o permitir o circunstancialismo apurado, que a colaboração dos co-arguidos com as autoridades, e que lhes valeu a atenuação especial da pena, foi hipervalorizada, quando resulta da experiência comum que a sugestão dessa colaboração partiu dos inspectores da Polícia Judiciária, mas nada permite inferir que a mesma sugestão lhe foi feita, talvez por terem deduzido que seria o destinatário final da droga e seu proprietário, dedução que é afastada pelas circunstâncias e pelo seu modo de vida, pelo que também seria então um correio de droga ou um mero depositário da mesma, que tendo as malas da droga sido logo apreendidas no aeroporto e ficado sob a custódia da Polícia Judiciária, o perigo da sua disseminação foi anulado, que é jovem, não tem antecedentes criminais em Portugal, exercia uma actividade laboral o que facilita a sua reinserção social e actuou por dificuldades económicas, razão pela qual, ao fixar a pena nos moldes em que a fixou, o acórdão recorrido violou o disposto no art. 40º, nº 1 do C. Penal e o art. 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.


Vejamos.


2. Dispõe o art. 40º, nº 1 do C. Penal, com a epígrafe «Finalidades das penas e das medidas de segurança» que, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e estabelecendo o seu nº 2 que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.


Prevençãogeral e especial – e culpa constituem, assim, os factores a ter em conta na determinação da medida concreta da pena, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite inultrapassável da pena (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e ss.).


O critério legal de determinação da medida da pena encontra-se previsto no art. 71º do C. Penal.


Dispõe o seu nº 1 que a determinação da medida da pena é feita, dentro da moldura penal abstracta aplicável, em função das exigências de prevenção e da culpa do agente, estabelecendo o seu nº 2, que na operação devem ser atendidas todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor, designadamente, as enunciadas nas diversas alíneas deste mesmo número.


Pode, pois, dizer-se que toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84).


Tendo presente que a pena tem por finalidade a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a ressocialização do agente, e que não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da sua culpa, a sua medida concreta resultará da medida da necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), sem ultrapassar a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo, onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela (Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 43 e seguintes) ou, como, de forma cristalina, se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Julho de 2014, proferido no processo nº 1081/11.7PAMGR.C1.S1 (in www.dgsi.pt), a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.


A determinação da medida da pena não resulta, pois, de um poder discricionário do juiz em consequência da sua arte de julgar, mas da aplicação ao caso concreto de um critério legal, resultando aquela determinação de um procedimento juridicamente vinculado.


Porém, porque estamos perante a aplicação de um critério legal que comporta diversos parâmetros, o resultado final, o quantum da pena, não é alcançável com precisão matemática, razão pela qual a intervenção do tribunal de recurso, nesta sede, só deve tornar-se efectiva quando seja evidente a violação de tal critério – por falta de razoabilidade ou violação das regras da experiência comum – na configuração das operações necessárias à determinação da pena.


3. Revertendo para o caso dos autos.


Nesta operação, o tribunal recorrido ponderou serem prementes as exigências de prevenção geral relativamente ao crime de tráfico, atenta a sua natureza e à gravidade das suas consequências, quer nos consumidores, quer na comunidade.


Considerou ser muito elevado o grau de ilicitude do facto, atento o bem jurídico tutelado, a modalidade da acção, a quantidade e qualidade do estupefaciente envolvido.


Considerou muito elevada a intensidade do dolo com que actuaram os arguidos.


Valorou as apuradas condições pessoais e a situação económica dos arguidos, realçando, quanto ao recorrente, ter o mesmo uma ocupação laboral não estável.


Ponderou ainda que o recorrente – contrariamente aos co-arguidos – não beneficia de qualquer atenuação, derivada da admissão da prática dos factos e/ou do arrependimento.


Contrapõe o recorrente que, face aos factos provados, também deve ser considerado um correio de droga ou um mero depositário e não, seu final destinatário, que a imediata apreensão das malas com droga logo no aeroporto anularam o perigo da sua disseminação, que é jovem, que exercia uma actividade laboral, que actuou por dificuldades económicas e não tem antecedentes criminais em Portugal.


Vejamos, então.


a. Concordamos com a 1ª instância quanto a serem muito elevadas as exigências de prevenção geral, quer pelas razões apontadas, quer pela inusitada frequência com que o crime de tráfico continua a ser praticado, não obstante a severidade com que é sancionado, e o enorme esforço de meios utilizados no seu combate. Aliás, in casu, estamos perante um crime de tráfico internacional, com conexões intercontinentais.


Concordamos também serem muito elevados, o grau de ilicitude do facto – pois está em causa o tráfico internacional de cocaína, portanto, de um estupefaciente que, pelo seu elevado poder aditivo e pelos efeitos destrutivos produzidos na saúde de quem o consome, é designado por droga dura, numa quantidade de 5368,8 gramas, a que acrescem os 584,2 gramas detidos pelo recorrente na sua residência, no total de 5953 gramas de estupefaciente – e a intensidade do dolo dos arguidos, posto que todos agiram com dolo directo.


Relativamente às condições pessoais e situação económica do recorrente, para além de, como foi considerado, exercer o mesmo uma ocupação laboral não estável, até porque não possui título de residência, há a considerar que reside em Portugal desde 2021 e tem duas filhas menores.


No que à prevenção especial respeita, embora o recorrente não registe antecedentes criminais em Portugal, certo é que admitiu ter um anterior contacto com o sistema de justiça do Brasil, onde foi condenado.


b. A pretensão do recorrente de que, face aos factos provados, também deveria ser considerado correio de droga ou um mero depositário da mesma é, para o caso, irrelevante.


Em todo o caso, certo é que, não tendo transportado estupefaciente, no corpo, junto ao corpo ou em mala de viagem, a sua conduta não se coaduna com o conceito comum de correio de droga. Por outro lado, a atenuação especial da pena de que beneficiaram os co-arguidos não resulta de serem considerados correios de droga, mas da colaboração relevante que tiveram com as autoridades policiais. E aqui, independentemente de o recorrente ter ou não sido instado pelos inspectores da Polícia Judiciária a colaborar com a investigação, sempre poderia, motu proprio, ter optado por tal colaboração, o que não fez.


Finalmente, no que respeita a ser mero depositário da droga cumpre notar que em lado algum do acórdão recorrido é afirmado que o recorrente era o destinatário final da droga transportada do Brasil. Parece esquecer, no entanto, que estamos no âmbito da actividade de uma organização que se dedica ao tráfico de cocaína do Brasil para a Europa, por via aérea que, para este fim, arregimenta correios de droga, organização que o recorrente também integra, e a quem competia, em Portugal, estabelecer contactos com os correios, instruí-los na forma de procedem à entrega do estupefaciente transportado, no caso, à co-arguida, e receber, no derradeiro passo, o estupefaciente, bem como, recolher os proventos da venda de estupefacientes, no caso, volumosos, como resulta, quer da quantidade de cocaína apreendida, quer da quantia monetária detida e apreendida, quer da detenção de uma máquina de contar notas.


A crítica do recorrente de que não foi considerada a relevante circunstância de ter sido anulado o perigo de disseminação do estupefaciente, pela apreensão deste pelas autoridades policiais, ainda no aeroporto, com ressalva do respeito devido, carece de fundamento, na medida em que o tráfico é um crime de perigo abstracto, de empreendimento e exaurido.


Tendo o recorrente nascido, como consta do Relatório do acórdão recorrido, no dia 14 de Dezembro de 1989, na data da prática dos factos tinha trinta e três anos de idade. É, seguramente, um cidadão relativamente jovem, mas que atingiu já uma idade madura.


Não se descortina pois, que efeito atenuante possa ter esta circunstância.


Por último, entende o recorrente que actuou por dificuldades económicas, como é evidenciado, em sua opinião, pela profissão que exercia (penosa e mal remunerada).


Não consta dos factos provados que o móbil da sua conduta tenha sido o indicado, como também deles não constam os proventos que retirava como estafeta nem a penosidade desta tarefa, nem as dificuldades económicas com que se deprava.


Por outro lado, não se justificando repetir as considerações supra feitas quanto à integração do recorrente numa organização dedicada ao tráfico internacional de estupefacientes e à posição por si, nela, ocupada, basta atentar no volume de cocaína apreendida e no montante monetário apreendido para concluir que não terão sido dificuldades económicas a determinarem a sua permanência na dita organização.


c. Sendo muito elevadas as exigências de prevenção geral, sendo muito elevada a ilicitude do facto praticado, ilustrada pela significativa quantidade [5953 gramas] e pela qualidade [cocaína] de estupefaciente aprendido, e integrando o arguido uma rede de tráfico internacional, na qual desempenha um papel de coordenação, se bem que, a um nível, que não será elevado [longe, portanto, da tarefa de correio de droga], tudo isto evidenciando um grau de culpa muito elevado, considerando a moldura penal abstracta aplicável, não descortinamos razões justificativas do exercício de um juízo de discordância quanto à pena fixada pela 1ª instância, porque situada, precisamente, entre o primeiro quarto e metade daquela moldura.


Com efeito a pena de sete anos de prisão, atento o circunstancialismo dos autos e pelas sobreditas razões, mostra-se necessária, adequada, proporcional e plenamente suportada pela culpa do arguido, respeitando integralmente o art. 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, sendo certo que se encontra em linha com o referente deste Supremo Tribunal (entre muitos outros, acórdãos de 23 de Novembro de 2023, processo nº 794/22JAPDL.L1.S1, de 8 de Novembro de 2023, processo nº 8/21.2FIPDL.L1.S1, de 26 de Outubro de 2023, processo nº 202/22.9JELSB.L1.S1, de 11 de Outubro de 2023, processo nº 504/22.4JELSB.L1.S1, de 13 de Setembro de 2023, processo nº 176/22.6JELSB.L1.S1, de 1 de Março de 2023, processo nº 68/22.)JAPDL.S1, de 28 de Outubro de 2020, processo nº 475/19.4JELSB.S1, de 14 de Janeiro de 2015, processo nº 76/14.3JELSB.L1.S1, de 11 de Junho de 2014, processo nº 346/13.8JELSB.S1, todos in www.dgsi.pt).


Em suma, sendo necessária, adequada e proporcional, deve manter-se a pena de sete anos de prisão, fixada no acórdão recorrido.


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Improcedem, pois, as conclusões do recorrente.


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III. DECISÃO


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o acórdão recorrido.


Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCS. (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. Processo Penal, art. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).


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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal).


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Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024


Vasques Osório (Relator)


Albertina Pereira (1ª Adjunta)


Jorge Bravo (2º Adjunto)