Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
37/18.3GGSTB.S1
Nº Convencional: 54.ª SECÇÃO
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
PENA ÚNICA
MEDIDA DA PENA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PLURIOCASIONALIDADE
ROUBO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - Nos casos de concurso efectivo de crimes a lei penal portuguesa afastou o sistema da acumulação material de penas e instituiu um sistema de pena conjunta, resultante de um princípio de cúmulo jurídico.
II - Na determinação da pena conjunta, o primeiro passo a dar pelo tribunal é o de determinar a medida concreta da pena de cada crime em concurso, de acordo com o critério geral de determinação da medida da pena. No segundo passo, o tribunal fixa a moldura penal do concurso, procedendo à soma das penas concretas aplicadas aos vários crimes que integram o concurso, constituindo o somatório destas o limite máximo daquela moldura – mas que não pode ser ultrapassado pelos limites fixados na lei – e sendo a mais elevada das penas parcelares fixadas no passo anterior o limite mínimo da mesma moldura. No terceiro passo, o tribunal determina a medida concreta da pena conjunta do concurso, dentro dos limites da moldura penal do concurso, em função dos critérios gerais da medida da pena – culpa e prevenção – fixados no art. 71.º do CP, e do critério especial previsto no art. 77.º, n.º 1, parte final do CP, nos termos do qual, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Por fim, e sendo disso caso, o tribunal procede à substituição da pena conjunta por pena de substituição, de acordo com o critério geral de escolha da pena, previsto no art. 70.º do CP.
III - Nesta operação, o conjunto dos factos indicará a gravidade do ilícito global praticado – sendo particularmente relevante para a sua valoração a conexão que possa existir entre os factos integrantes do concurso –, enquanto a avaliação da personalidade do agente permitirá saber se o conjunto dos factos integra uma tendência desvaliosa ou se, pelo contrário, é apenas uma pluriocasionalidade que não tem origem na personalidade, sendo que, no primeiro caso, o concurso de crimes deverá ter um efeito agravante.
IV - Considerando a gravidade do ilícito global resultante de dois crimes de roubo, sendo um agravado, envolvendo cada um deles a apropriação de quantias de várias centenas de euros, da existência de antecedentes criminais pela prática, além do mais, de ilícitos da mesma natureza, do cometimento dos factos na vigência de período de liberdade condicional, e de uma personalidade unitária do arguido avessa ao direito, pouco sensível aos valores tutelados pelas normas infringidas e à ameaça das respectivas funções, à qual não repugna o uso da violência, quando necessária à obtenção dos fins visados, pouco responsável relativamente à adição verificada, influenciável e desculpabilizante das condutas praticadas, a pena única de cinco anos e dois meses de prisão – resultante das penas parcelares de dois anos e oito meses de prisão e de quatro anos de prisão – decretada ao arguido pela 1.ª instância, por ser necessária, adequada, proporcionada e se mostrar plenamente suportada pela medida da sua culpa unitária, não merece censura, sendo, por isso, de manter.
Decisão Texto Integral:

RECURSO Nº 37/18.3GGSTB.S1


Recorrente: AA.


Recorrido: Ministério Público.


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Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO


No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Central Criminal de ... – J... ., o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, do arguido AA, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em co-autoria material e concurso efectivo, de dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, b), com referência ao art. 204º, nº 1, e), ambos do C. Penal.


No decurso da audiência de julgamento foi comunicada ao arguido uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação e da qualificação jurídica dos mesmos.


Por acórdão de 23 de Junho de 2023, foi o arguido condenado pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, b), com referência ao art. 204º, nº 2, f), ambos do C. Penal, na pena de quatro anos de prisão, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do C. Penal, na pena de dois anos e oito meses de prisão e, em cúmulo, na pena única de cinco anos e dois meses de prisão.


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Inconformado com a decisão, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Évora, formulando no termo da motivação, as seguintes conclusões:


1. O Recorrente não se conforma com a decisão que o condenou a 5 (cinco) cinco anos e 2 (dois) meses de prisão, porquanto no seu entender o Tribunal a quo, condenou-o em pena manifestamente excessiva e severa, atendendo à saúde frágil do arguido sendo a sua situação clínica de difícil tratamento em meio prisional.


2. No caso concreto, o douto Tribunal já teve em consideração, o facto do arguido ser ainda relativamente jovem, ter hábitos de trabalho, conhecendo a inclusão social, profissional e familiar do arguido.


3. Considerou o Tribunal que ainda que o arguido tivesse demostrado uma postura confessória em julgamento, evidenciação de arrependimento, dependências aditivas vigentes no momento dos factos, suporte familiar e uma condição de fragilidade do seu estado de saúde que se justificava a aplicação de uma pena de prisão efectiva, porque superior a 5(cinco) anos, não susceptível de ser suspensa a sua execução.


4. Foi dado como não provado um único facto da contestação, que o arguido padecia de insuficiência renal ou que carecia de usar fralda devido a incontinência urinária, designadamente em período nocturno, pela ausência de referência dos mesmos em documentação clínica, sendo a ausência de uso de sistema de retenção de líquidos, referida pelo próprio arguido, ainda que a defesa admita que na documentação clínica que juntou com a contestação, não era feita referência expressa a tal condição clínica do arguido, e este não ter admitido em juízo a necessidade de usar fralda, certo é que tal admissão é constrangedora para os demais, sendo certo que o arguido referiu tomar medicação para tratamento da incontinência.


5. De igual modo, quer o arguido, quer a defesa fez referência de não ter relatórios médicos actualizados por força de ter faltado a várias consultas das especialidades, nomeadamente neurologia, endocrinologia e oftalmologia, por falta de pessoal (guardas prisionais) do EP de ..., que o levasse às referidas consultas, de que o Tribunal a quo tomou devida nota, pois o arguido ficou no EP de ..., por ordem do douto Tribunal, mesmo após leitura do acórdão, o que sucedeu no dia 23 de Junho de 2023, tendo comparecido a diversas consultas após essa data, nomeadamente com a sua médica assistente no dia 27 de Junho de 2023, que elaborou novo relatório médico actualizado.


6. Da leitura do relatório médico datado de 27 de Junho de 2023, que ora juntamos sob doc. N.º 1, é manifesto que o arguido padece de cegueira parcial (hemianopsia bitemporal) por conta do tumor cerebral que teve e que evoluiu durante vários meses, sem tratamento, por se encontrar em meio prisional e que provocou lesões por compressão dos nervos ópticos.


7. “O arguido também padece de hipotiroidismo e de diabetes, que tem sido de difícil controlo (poliúria com enurese nocturna), sobretudo pela dificuldade em adequar a posologia da desmopressina em ambiente prisional, mantendo-se a necessidade de ser acompanhado em consultas de neurologia-patologia hipofisiária e de endocrinologia para avaliação clínica e imageológica, havendo necessidade que o arguido volte ao seio familiar” – conforme consta do relatório médico actualizado que se juntou sob n.º 1.


8. Não pode a defesa deixar de salientar que as sequelas que o arguido padece, neurológicas, visuais e endócrinas, e que o afligem, são resultado directo da demora no tratamento médico ao arguido, que agonizou durante 7 meses com sintomas de perda de visão, cefaleias violentas, quedas e desmaios que o levaram a sofrer um traumatismo crânio encefálico e subsequente descoberta do tumor cerebral, que nessa altura comprimia os nervos ópticos (que afectavam a sua visão) e a hipófise (que controla o sistema endócrino) motivo pelo qual actualmente padece destas doenças, resultado das sequelas do tumor cerebral.


9. A postura e arrependimento sincero do arguido teve acolhimento pelo douto Tribunal a quo, que faz menção na decisão: chamado a reflectir, sob o distanciamento do tempo e à luz das vicissitudes registadas no seu percurso do estado de saúde, o arguido declarou-se arrependido do cometimento dos factos, aludindo a degradação da sua condição de saúde como um potenciador de uma nova visão da vida, manifestando pois o propósito de, após abandonar o meio prisional refazer a sua vida com desempenho profissional e junto dos seus familiares.


10. Manifesto é concluir que o arguido adoptou uma postura confessória, com demostração de arrependimento genuíno e colaboração com a justiça.


11. O arguido admitiu que a sua reincidência criminal se deveu essencialmente na recaída de consumos de drogas pesadas, por ter deixado de usufruir de acompanhamento para o tratamento da dependência, estando a trabalhar na altura com ajudante de mecânico, em que auferia 700 euros mensais, quantia que era insuficiente para assegurar o seu consumo e fazer face às despesas correntes normais, nomeadamente o pagamento da renda que partilhava com a sua então companheira, cuja mãe era médica e que já os ajudava no pagamento de despesas mensais.


12. Considera o arguido que ficou prejudicado o seu direito à defesa, por não ter à data do julgamento, informação médica actualizada pertinente, sobre o seu estado de saúde, uma vez que por motivos alheios à sua vontade (falta de guardas prisionais), faltou a diversas consultas que põe em causa o seu estado de saúde e impediram que juntasse informação crucial ao Tribunal a quo sobre a sua frágil condição de saúde que poderiam ter conduzido a um desfecho diferente, nomeadamente a aplicação de uma pena de prisão mais branda, até 5 (cinco) anos que permitiria a sua suspensão, ainda que reconheça a bondade da decisão que ora põe em causa, o que faz por uma questão de justiça, bem como de humanidade, estando o arguido no seio da sua família, onde retornou após ter cumprido até ao seu término a sua pena de prisão, encontrando em situação de liberdade desde o pretérito dia 05 de Julho de 2023, onde tem vindo a beneficiar do tratamento médico de que carece.


13. O recorrente não se conforma com tal decisão, porquanto no seu entender o Tribunal a quo deveria ter atendido à fragilidade do seu estado de saúde, à postura assumida em julgamento, ao arrependimento sincero, bem como à dependência aditiva vigente na prática dos factos, considerando-a excessiva e severa.


14. No caso concreto, o Tribunal a quo à data da decisão já teve em consideração, o facto do arguido ter hábitos de trabalho, conhecendo a sua inclusão social, profissional e familiar, bem como a sua condição médica.


15. Considerou o Tribunal a quo, que o arguido, atendendo ao seu passado criminal, que era necessária a aplicação de uma pena de prisão superior a 5(cinco) anos e por isso, atenta a gravidade da sua conduta e a prática dos factos durante a vigência de liberdade condicional, que veio a ser revogada, tendo cumprido o período remanescente da pena de prisão em falta.


16. O arguido adoptou uma postura confessória e assumiu e colaborou com as autoridades, por forma a assumir as suas responsabilidades, tendo beneficiado da desqualificação de um dos crimes de roubo, que passou a simples, bem como da aplicação das penas parcelares no primeiro terço da moldura abstracta.


17. Contudo, por força do arguido ter faltado a várias consultas das especialidades em que é seguido, por falta de pessoal do EP onde estava em cumprimento de pena, conduziu a que na data do julgamento o arguido apenas dispusesse de relatórios médicos desactualizados, sendo que no entender da defesa e salvo melhor opinião, se o presente relatório médico que ora se junta, tivesse sido realizado, após consulta que só veio a ocorrer a 27-06-2023 (4 dias depois da leitura do douto acórdão) antes do encerramento da audiência de julgamento, o desfecho poderia ser diferente, com a aplicação ao arguido de pena de prisão até 5 (cinco) anos e suspensa na sua execução, ainda que com regime de prova.


18. A defesa também não pode deixar de reiterar, que o percurso criminal do arguido e a sua delinquência reside na sua adição de produtos estupefacientes, que constitui um verdadeiro flagelo e constitui uma verdadeira doença, sendo que o risco deste voltar a consumir e delinquir, está afastado, uma vez que o seu delicado estado de saúde a medicação que toma para tratamento do hipotiroidismo e diabetes são incompatíveis com a toma de produtos estupefacientes, podendo causar a morte em caso de ingestão combinada com os medicamentos que toma diariamente (risco que o arguido conhece e para o qual foi advertido).


19. O arguido manifesta nesta data total disponibilidade para prestar total colaboração e submissão à decisão que V. Exas. Venerandos Desembargadores doutamente tomarem, comprometendo-se solenemente que se irá entregar voluntariamente, caso V. Exas. mantenham a presente decisão objecto de recurso.


20. De igual forma, teremos de atender à mudança da personalidade e alteração da sua conduta posteriormente à doença, que foi grave e colocou a sua vida em perigo, que lhe deixou graves sequelas e pode reincidir se não tiver tratamento médico adequado, a ameaça de nova prisão, sob regime de prova será mais de que suficiente para que o arguido arrepie caminho e se paute por uma vida normativa na sociedade.


21. Não podemos deixar de nos compadecer que o arguido ao estar preso, vê-se privado de cuidados de saúde de que carece, sendo difícil em meio prisional o seu tratamento, sendo aconselhado pela sua médica Assistente a sua permanência no seio familiar e não retorno ao meio prisional, conforme relatório médico acima mencionado e ora junto.


22. Assim ponderando tudo o que antecede, afigura-se que estão reunidas as condições legais para que seja revista a pena atribuída ao arguido, de modo a lhe ser aplicada pena de prisão que possa ser suspensa a sua execução.


23. Com efeito, ponderadas adequadamente todas as circunstâncias, desde o facto de ser relativamente jovem, estar social, familiar e profissionalmente inserido, bem como atendendo ao seu estado de saúde actual e dificuldade no seu tratamento em meio prisional e considerando o que dispõe o art. 50º do C. Penal, justifica-se e mostra-se adequado que lhe seja reduzida a pena e suspensa a execução da pena, como mais aconselhável e suficiente para o afastar da criminalidade, que tudo aponta ter sido uma situação do seu passado irreflectido, que sofreu uma transformação profunda atendendo à doença grave de que padeceu, que provoca a qualquer pessoa uma maior reflexão sobre a nossa vivência, escolhas e condutas futuras, sendo certo que a doença lhe deixou sequelas graves, que obstam ao regresso e risco de voltar a consumir drogas e delinquir, ficando assim satisfeitas as exigências de prevenção e reprovação do crime.


24. Pelo que antecede, foram violadas na douta sentença recorrida os seguintes preceitos art. 50º, 71º do C. Penal, pelo que a mesma deve ser revogada na parte em que condena o recorrente em prisão efectiva, superior a cinco anos, devendo, assim, ser revista a pena aplicada, reduzida para cinco anos e suspensa na sua execução.


NESTES TERMOS, E nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta decisão ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta.


Assim farão V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores, a esperada e costumada JUSTIÇA!


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Por despacho de 20 de Setembro de 2023 foi o recurso admitido para o Supremo Tribunal de Justiça, com o entendimento de o mesmo versar apenas matéria de direito.


O mesmo despacho indeferiu, por extemporaneidade, os documentos juntos com a motivação do recurso.


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Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:


1ª – Embora impugne (tão-só) a alínea A) dos “Factos não provados”, é o próprio Recorrente a reconhecer que não foi feita prova pessoal, documental ou pericial que permitisse dar como provada a condição clínica ali referida;


2ª – Na verdade, o que alega é que à data do julgamento não dispunha de informação actualizada sobre o seu estado de saúde – circunstância que diz ter acarretado prejuízo para o seu direito à defesa –, fazendo acompanhar o recurso de um relatório médico;


3ª – Todavia, no despacho que admitiu o recurso o Mmº Juiz considerou a junção desse documento inadmissível, por extemporaneidade, em inteira obediência às disposições legais aplicáveis;


4ª – Por conseguinte, tal relatório médico nenhum reflexo poderá assumir na decisão do recurso, devendo a matéria de facto julgada não provada permanecer inalterada;


5ª – Contra o Recorrente sobressaem o grau de ilicitude dos factos (não despiciendo em ambos os crimes em face da expressão das quantias monetárias subtraídas; elevado quanto ao crime de roubo simples porquanto foi pelo Recorrente utilizada uma chave para troca de pneus de automóvel como instrumento de intimidação), o seu modo de execução (denotando planeamento prévio, em comunhão de intentos e esforços com outra pessoa por forma a potenciar a eficácia do resultado pretendido e visando estabelecimentos comerciais abertos ao público), a modalidade do dolo (directo e de intensidade acentuada), a gravidade das consequências dos factos (receio naturalmente experimentado por funcionárias e clientes dos estabelecimentos visados), a conduta anterior aos factos (traduzida em onze condenações em outros tantos processos, por um total de vinte e cinco crimes de variada natureza, sendo onze deles de roubo), as prementes exigências de prevenção geral e as fortíssimas necessidades de prevenção especial;


6ª – As penas parcelares de prisão cominadas para os dois crimes em concurso mostram-se acentuadamente benévolas e a pena única revela-se equilibrada e justa, evidenciando que o tribunal valorou devidamente todas as circunstâncias que o Recorrente agora vem invocar em seu abono;


7ª – Tais penas deverão ser mantidas por delas não emergir ofensa dos critérios contemplados nos arts. 71º nºs 1 e 2 e 77º nºs 1 e 2 do C.P. nem desrespeito pelas finalidades das penas consagradas no artº 40º nº 1 do mesmo código;


8ª – Ainda que, por hipótese (que só por dever de ofício se equaciona), a pena única de prisão venha a ser reduzida para medida não superior a cinco anos, não deverá haver lugar à suspensão da respectiva execução;


9ª – Com efeito, é impossível sustentar que a mera censura dos factos e a ameaça da prisão satisfazem previsivelmente as finalidades da punição (protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade) quando nem a prévia condenação em cinco penas de prisão efectiva – designadamente, também pela prática de crimes de roubo – e a plena vigência de liberdade condicional demoveram o Recorrente de voltar a delinquir;


10ª – Não resultou provado que o Recorrente, actualmente preso em cumprimento de pena, careça de cuidados que não podem ser-lhe providenciados em meio prisional e, caso assim venha a suceder, competirá ao Tribunal de Execução de Penas decidir de eventual modificação da execução da pena de prisão.


Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso interposto e ser mantido na íntegra o douto acórdão recorrido.


V. Exªs, porém, melhor apreciarão, decidindo conforme for de JUSTIÇA.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste mais Alto Tribunal emitiu parecer, no termo do qual, além do mais, fez constar, «Concluindo, a pena conjunta/única aplicada respeita os princípios constitucionais da intervenção mínima, da proporcionalidade das penas e da igualdade, e sobretudo o princípio da culpa, pois a realização da justiça penal num Estado de Direito democrático tanto se alcança na proibição da punição sem culpa ou para além da culpa (nulla poena sine culpa – princípio da proibição do excesso), como se cumpre por meio de uma punição adequada dos culpados, quando necessária for, para salvaguarda do interesse púbico subjacente ao respeito pelo Direito do próprio Estado (nulla culpa sine poena – princípio da realização do Estado de Direito); ou seja, a adequada proteção de bens jurídicos, enquanto finalidade principal das penas, deve estar alinhada com a reintegração tão rápida quanto possível do arguido em sociedade e que no caso concreto não teve prognóstico positivo.


Afigura-se-nos, assim que, de forma suficiente, na determinação da medida da pena, o tribunal a quo alicerçou-se corretamente na consideração da culpa e da prevenção como princípios regulativos dessa medida, e foi fiel à medida da necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto, refletindo também na pena única os critérios legais com a necessária ponderação.


Neste contexto, por fim, não estando preenchido o pressuposto formal de condenação em pena de prisão não superior a 5 anos, não há que ponderar a respetiva suspensão.


Acompanham-se, deste modo, as alegações do Ministério Público na 1.ª instância, não se mostrando, a nosso juízo, violados os preceitos legais invocados pelo recorrente.», e concluiu pela improcedência do recurso.


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Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.


O recorrente respondeu ao parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, repetindo argumentos levados à motivação de recurso, afirmando a deficiente assistência médica que lhe foi prestada no estabelecimento prisional, determinante de atraso no diagnóstico do seu problema oncológico, vendo-se impedido de ir a consultas médicas quando se encontrava em cumprimento de pena e, em consequência, de juntar documentação médica actualizada, o que prejudicou a sua defesa e impediu a aplicação de pena de prisão suspensa na respectiva execução, e concluiu pela procedência do recurso.


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Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência.


Cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO


A) Factos provados


A matéria de facto provada que provém da 1ª instância é a seguinte:


“(…).


[Resultantes da acusação pública:]


1) Em data não concretamente apurada, mas seguramente antes de 7/02/2018, o arguido e um indivíduo do sexo masculino cuja identidade é ainda desconhecida elaboraram um plano com vista a apossarem-se do dinheiro da farmácia “I....”, em ....


2) Assim, em estrito cumprimento do previamente combinado entre ambos, no dia 7/02/2018, cerca das 14h.58m., o arguido e o indivíduo de identidade desconhecida, fazendo uso do veículo automóvel de marca “Seat”, modelo “Altea”, preto, com a matrícula ..-DT-.., propriedade daquele, dirigiram-se ao..., da Avenida ..., em ..., local onde fica a farmácia “I....”.


3) Aí chegados, o arguido estacionou a viatura, saiu da mesma, juntamente com o indivíduo de identidade desconhecida, e dirigiu-se à farmácia.


4) Ato continuo, o arguido e o indivíduo de identidade desconhecida entraram pela porta principal, encaminharam-se e introduziram-se, imediatamente, no lado interior do balcão, onde, de modo não concretamente apurado, abriram as três gavetas das caixas registadoras e retiraram todo o dinheiro que nelas havia, no montante total de 860,42€ (oitocentos e sessenta euros e quarenta e dois cêntimos).


5) Concomitantemente, o arguido e o indivíduo de identidade desconhecida, empunhando o primeiro objeto com a aparência exterior de uma faca com uma lâmina com cerca de 20 cm de comprimento, proferiram, em tom de voz alto e agressivo, na direção de BB e de CC, a seguinte expressão: “afasta-te que nenhum mal te acontece”.


6) Na posse da supra referida quantia em dinheiro, o arguido e o indivíduo do sexo masculino de identidade desconhecida abandonaram imediatamente o local, introduzindo-se novamente no veículo automóvel, levando consigo todo o dinheiro, que fizeram seu.


7) Com medo, BB e CC cumpriram, sem ripostar, todas as determinações proferidas pelo arguido e pelo indivíduo cuja identidade não possível apurar.


8) O supra referido montante pertencia a BB, proprietária da farmácia.


9) O arguido e o indivíduo do sexo masculino de identidade desconhecida sabiam perfeitamente que ao atuarem em grupo, de surpresa, na posse de um objeto com uma lâmina com o comprimento de cerca de 20 centímetros, junto de BB e CC, os intimidariam, causando-lhes, naturalmente, medo e inquietação, o que realmente aconteceu.


10)Ao atuar do modo acima descrito, o arguido e o indivíduo do sexo masculino de identidade desconhecida agiram de forma deliberada, livre e consciente, em comunhão de esforços e intentos, mediante o cumprimento de um plano previamente gizado entre ambos, com o propósito concretizado de, com ilegítima intenção de apropriação para si, subtrair coisa móvel alheia, nomeadamente a quantia total de 860,42 € (oitocentos e sessenta euros e quarenta e dois cêntimos), que se encontrava guardada e fechada na gaveta da máquina registadora, a BB, por meio de ameaça com perigo iminente para a integridade física.


11) Em data não concretamente apurada, mas seguramente antes de 9/02/2018, o arguido e um indivíduo do sexo masculino cuja identidade é ainda desconhecida elaboraram um plano com vista a apossarem-se do dinheiro da farmácia “A.....”, no ....


12) No dia 9/02/2018, cerca das 19h.25m., em cumprimento do plano previamente gizado, o arguido e o indivíduo do sexo masculino de identidade desconhecida, fazendo uso do veículo automóvel de marca “Seat”, modelo “Altea”, preto, com a matrícula ..-DT-.., dirigiram-se à farmácia “A.....”, sita em Rua ..., no ....


13) Aí chegados, o arguido estacionou a viatura, saiu da mesma, juntamente com o indivíduo de identidade desconhecida, e dirigiu-se à farmácia.


14) Ato continuo, o arguido e o indivíduo de identidade desconhecida entraram pela porta principal, introduziram-se no lado interior do balcão, onde, de modo não concretamente apurado, abriram todas gavetas das caixas registadoras e retiraram todo o dinheiro que nelas havia, no montante de, pelo menos, 1.000,00 € (mil euros).


15 ) Concomitantemente, o arguido e o indivíduo de identidade desconhecida, sempre empunhando o primeiro uma chave para troca de pneus de automóveis, proferiram, em tom de voz alto e agressivo, na direção de DD e EE, a seguinte expressão: “afasta-te que nenhum mal te acontece”.


16) Na posse da supra referida quantia em dinheiro, o arguido e o indivíduo do sexo masculino de identidade desconhecida abandonaram imediatamente o local, introduzindo-se novamente no veículo automóvel, levando consigo todo o dinheiro, que fizeram seu.


17) Com medo do que lhe pudesse acontecer, DD e EE cumpriram, sem ripostar, todas as determinações proferidas pelo arguido e pelo indivíduo cuja identidade não possível apurar.


18) O supra referido montante pertencia a DD, proprietária da farmácia.


19) O arguido e o indivíduo do sexo masculino de identidade desconhecida sabiam perfeitamente que ao atuarem em grupo, de surpresa, na posse de um objeto pesado e adequado a causar graves agressões físicas, junto de DD e de EE, as intimidariam, causando-lhes, naturalmente, medo e inquietação, o que realmente aconteceu.


20) Ao atuar do modo acima descrito, o arguido e o indivíduo do sexo masculino de identidade desconhecida agiram de forma deliberada, livre e consciente, em comunhão de esforços e intentos, mediante o cumprimento de um plano previamente gizado entre ambos, com o propósito concretizado de, com ilegítima intenção de apropriação para si, subtrair coisa móvel alheia, nomeadamente a quantia total de 1.000,00€ (mil euros), que se encontrava guardada e fechada na gaveta da máquina registadora, a DD, por meio de ameaça com perigo iminente para a integridade física.


21) O arguido e quem o acompanhava nas situações acima descritas, sabiam que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.


[Factos extraídos da contestação:]


22) O arguido, no ano de 2021, já em meio prisional, foi acometido de fortes dores de cabeça e dificuldades visuais.


23) Acabou por registar queda com traumatismo crânio-encefálico, que ditou o seu transporte a unidade hospitalar, em fevereiro do indicado ano, sendo-lhe aí detetado um tumor cerebral (crâniofaringioma papilar de grau 1).


24) Neste momento, o arguido evidencia atenuação da sua acuidade visual.


25) Tem ainda diagnóstico de diabetes e hipotiroidismo.


[Da postura assumida em julgamento pelo arguido:]


26) O arguido confessou globalmente os factos, face aos quais verbalizou arrependimento.


[Do enquadramento vivencial do arguido:]


27) AA encontra-se preso desde 14/02/2018 e foi afeto ao Estabelecimento Prisional de ... em 18/12/2020, após transferência do Estabelecimento Prisional de ....


28) Os factos subjacentes aos presentes autos são pouco anteriores àqueles que determinaram a sua prisão preventiva e condenação posterior na pena de prisão em curso.


29) À data, AA encontrava-se em liberdade condicional e residia em ... há cerca de 3 anos, com uma companheira que havia conhecido no decurso do período de reclusão anterior.


30) Dessa relação resultou o nascimento da sua filha mais nova, em abril de 2016.


31) De diversos relacionamentos anteriores, o arguido tem mais duas filhas, com 23 e 18 anos de idade, cujos processos de desenvolvimento decorreram junto das respetivas mães, embora com manutenção de vínculos à família paterna.


32) O agregado apresentava algumas dificuldades económicas, decorrentes das situações de precariedade e instabilidade laboral, quer por parte do arguido quer da companheira.


33) Apesar de AA manter uma atitude ativa na procura de trabalho, apenas conseguiu colocações temporárias como indiferenciado nos setores industrial, da agricultura, das mudanças e, ultimamente, da reparação automóvel.


34) A companheira encontrava-se desempregada, com subsídio atribuído.


35) A mãe desta, médica, contribuía para a economia do casal, tendo inclusivamente adquirido o apartamento onde o mesmo passou a residir, com boas condições de habitabilidade e localizado numa zona da cidade sem problemáticas sociais.


36) O arguido, que em fases anteriores da sua vivência havia mantido hábitos aditivos, sobretudo relativamente ao consumo de haxixe e álcool, teve nesta altura uma recaída nos consumos, passando a consumir cocaína, reportando forte instabilidade.


37) Em 2015 havia sido acompanhado pela Comissão de Dissuasão da Toxicodependência na sequência da posse de haxixe aquando da reclusão anterior e no final desse ano beneficiou temporariamente de acompanhamento especializado no SICAD (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências) devido a uma recaída no consumo de haxixe e bebidas alcoólicas.


38) Cessou essa intervenção por sua opção, por entender já não carecer de apoio especializado.


39) Na fase inicial da reclusão em curso readquiriu abstinência em meio prisional, devidamente comprovada, com recurso a medicação ansiolítica e acompanhamento psicológico.


40) Tendo a relação com a mãe da filha mais nova findado no decurso da reclusão atual, o arguido tem vindo a ser apoiado em meio prisional pela sua família de origem.


41) No decurso da reclusão estabeleceu uma relação de namoro, entretanto finda.


42) No seu retorno ao meio livre, AA tenciona integrar o agregado dos pais, constituído apenas pelos mesmos.


43) Este núcleo familiar reside no Concelho de ..., numa casa arrendada, com boas condições de habitabilidade, porém inserida em zona conotada com algumas problemáticas sociais e/ou criminais.


44) A família apresenta uma situação económica estável, sendo os rendimentos provenientes dos desempenhos laborais regulares dos pais, que trabalham ambos como cozinheiros de forma efetiva há vários anos, a mãe num centro paroquial local e o pai num hotel no ….


45) Aferem-se na atualidade dinâmicas familiares de coesão afetiva e de funcionalidade, apesar de o historial de interação anterior com os pais suscitar algumas reservas no que respeita à capacidade de ascendência destes sobre o comportamento do próprio.


46) Em fevereiro de 2021 foi diagnosticado a AA um craniofaringioma (tumor cerebral benigno do sistema nervoso central), referido como causa de cefaleias e dificuldades visuais progressivas.


47) Para debelação do problema foi sujeito a 3 intervenções cirúrgicas no Hospital ….


48) Pese embora a ausência de relatório clínico atualizado, a nota de alta de neurocirurgia faz alusão a uma melhoria significativa da cefaleia, boa cicatrização das feridas operatórias, sem outros défices neurológicos, para além de ligeira diplopia e manutenção de defeitos campimétricos.


49) Relativamente aos dados mais relevantes do percurso existencial do arguido, salienta-se que o seu processo de desenvolvimento decorreu em ambiente familiar perturbado pelo consumo etílico apresentado pelo pai (entretanto cessado), promotor de alguma disfuncionalidade e conflituosidade no agregado.


50) Este, embora encarado pela família com condescendência, o que permitiu laços de coesão e de afeto, terá promovido deficiências no exercício parental.


51) O seu percurso escolar pautou-se por motivação reduzida e insucesso, não tendo concluído o 5.º ano de escolaridade até ao limite de idade.


52) A nível profissional não apresenta experiências significativas, para além daquelas mantidas em momento anterior à reclusão em curso.


53) Na juventude, o arguido privilegiou o envolvimento com pares com características desviantes, com quem iniciou o consumo de haxixe, assim como apresentou práticas ilícitas que suscitaram a intervenção tutelar.


54) Contudo, ao não demonstrar responsividade pessoal à intervenção no sentido da mudança atitudinal e comportamental, surge o envolvimento no sistema de justiça penal, que tem vindo a ocorrer de forma reiterada.


55) O arguido regista antecedentes criminais significativos, resultado de um padrão desviante precoce, persistente e variado, essencialmente pela prática de crimes rodoviários (associados à ausência de habilitação legal para o exercício da condução) e patrimoniais.


56) Vivencia presentemente a segunda experiência de privação de liberdade, tendo a reclusão anterior decorrido entre novembro de 2005 e março de 2015.


57) A mesma foi ampliada pela revogação de medidas probatórias aplicadas anteriormente, dela tendo sido libertado cerca de 1 ano antes do 5/6 das penas em execução, após um percurso prisional instável em termos comportamentais.


58) Em situação de liberdade condicional foi supervisionado pelos Serviços de Reinserção Social até à data da reclusão atual, contexto em que se revelou colaborante, mas pouco responsável relativamente aos seus problemas aditivos.


59) Acabou por cometer os factos subjacentes à presente reclusão no decurso dessa medida, o que implicou a respetiva revogação.


60) O arguido já cumpriu, à ordem do Proc.º 53/18.5..., Tribunal Judicial da Comarca … – Juízo Central Criminal de ... – J... ., uma pena de 2 anos e 2 meses de prisão pela prática de um crime de roubo.


61) Presentemente cumpre o remanescente de 3 anos, 2 meses e 22 dias de prisão, decorrente da revogação da liberdade condicional suprarreferida – Proc.º 757/05.2... – Juízo Central Criminal de ....


62) AA revela capacidade de entendimento sobre a imputação criminal que lhe é feita no âmbito dos presentes autos.


63) Reconhece-lhe abstratamente ilicitude, bem como detém alguma noção dos bens jurídicos protegidos e dos prováveis impactos para a sociedade de condutas similares às deduzidas na acusação.


64) Embora revele uma perspetiva difusa relativamente aos comportamentos que lhe são atribuídos, que contextualiza nos lapsos de memória, revela apreensão relativamente ao desfecho do processo, receando ver aumentado o tempo de prisão a cumprir.


65) Não obstante o reconhecimento dos factos, adota perante os mesmos um discurso com tendência para a desculpabilização por dificuldades económicas pontuais, pelos hábitos aditivos e pela imaturidade.


66) A análise ao percurso de vida do arguido aponta para lacunas em termos de responsabilização, do pensamento consequencial, da descentração e da resistência a influências externas desviantes, desencadeando instabilidade a vários níveis.


67) Tem também revelado tendência para, sobretudo em fases de permeabilidade aditiva, agir de forma imediatista, centrada exclusivamente nos seus interesses e necessidades momentâneas, alheando-se da noção de ilicitude de determinadas opções comportamentais ou das hipotéticas consequências decorrentes, seja para si seja para terceiros.


68) AA enuncia expectativas de reinserção responsável, assentes na maior maturidade decorrente da idade e do seu estado de saúde.


69) Contudo, tal discurso aponta para uma consciencialização superficial quanto à necessidade de realizar alterações comportamentais futuras com vista à adequação às normas e valores pró-sociais.


70) Além disso, mantém no plano comportamental algumas dificuldades de atuação coerente com tais propósitos.


71) Em meio prisional o arguido tem revelado dificuldades de adequação comportamental.


72) A sua afetação ao Estabelecimento Prisional de ... foi determinada por motivos de ordem e segurança, por suspeitas de envolvimento em factos ilícitos no estabelecimento prisional precedente que, aparentemente, não se comprovaram disciplinarmente.


73) Até então apenas havia sido sancionado pela posse de objetos proibidos, por factos de fevereiro de 2020.


74) Já após o diagnóstico e tratamento dos seus problemas de saúde protagonizou, em outubro de 2021, fevereiro e dezembro de 2022, infrações disciplinares, essencialmente atinentes à posse de artigos proibidos, cuja gravidade relativiza e perante as quais se desculpabiliza.


75) Embora tenha revelado interesse relativamente à rentabilização construtiva do tempo através do desempenho laboral, o que chegou a proporcionar-se no estabelecimento prisional precedente, mais recentemente tem vindo a manter-se inativo, por razões comportamentais e de saúde.


76) O arguido tem vindo a ser visitado regularmente em meio prisional e apoiado em termos económicos pelos pais.


77) Junto dos mesmos beneficiou, em janeiro de 2021, de uma licença de saída jurisdicional, que decorreu sem anomalias e foi objeto de avaliação familiar positiva, não tendo dado continuidade às medidas de flexibilização de pena por surgimento subsequente da pendência processual nos presentes autos.


78) A sua reclusão tem implicado alguns constrangimentos de natureza emocional no agregado familiar, sobretudo desde o surgimento dos problemas de saúde.


79) Subsiste indefinição relativamente à possibilidade de reenquadramento laboral, decorrente da evolução futura da sua situação clínica.


80) Caso se mantenham as limitações atuais de saúde para o desempenho laboral, é referida a intenção de solicitar a atribuição de uma pensão de invalidez.


[Dos antecedentes criminais do arguido:]


81) Do CRC do arguido constam os seguintes averbamentos criminais:


a) por 1 crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3 de janeiro, por factos ocorridos em 16/08/1999, sancionados por sentença de 29/09/2000, transitado em julgado em 7/03/2000, na pena 70 dias de multa (Proc. N.º 1542/99.4... do Tribunal Judicial de ...);


b) por cometimento do mesmo tipo de ilícito, ocorrido em 11/10/2000, sancionado por sentença de 12/10/2000, transitada em julgado em 27/10/2000, na pena de 30 dias de multa (Proc. N.º 712/00.9... do .. Juízo Criminal de ...);


c) pela autoria de 1 crime de furto de uso de veículo, p. e p. pelo artigo 208º, n.º 1 do Código Penal, por factos datados de 20/09/2000, por sentença de 19/10/2000, devidamente transitado em julgado em 9/11/2000, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos e 6 meses (Proc. N.º 670/00.0... do .. Juízo do Tribunal de ...);


d) pelo cometimento de 1 crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.º 2 do DL n.º 2/98, de 3 de janeiro, por factualidade ocorrida em 28/07/2001, por sentença de 1/04/2002, transitado em julgado em 1/04/2002, na pena de 120 dias de multa (Proc. N.º 1409/01.8... do .. Juízo Criminal de...);


e) por sentença proferida em 12/03/2003, e transitada em 8/05/2003, alusiva ao cometimento de 2 crimes de condução inabilitada de veículo (p. e p. nos moldes legais atrás indicados), e de 5 crimes de roubo (p. e p. pelo artigo 210º do Código Penal), respetivamente associados às datas de 21/03/2000 e 21 e 22/03/2000, sancionados nas penas de 50 dias de multa e de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa por 3 anos, sujeita a regime de prova, cuja suspensão viria a ser revogada (Proc. N.º 688/00.2... do .. Juízo Criminal de...);


f) pelo cometimento de 1 crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º do Código Penal, ocorrido em 21/07/2003, sancionado por sentença de 29/06/2004, transitada em julgado em 29/06/2004, na pena de 60 dias de multa (Proc. N.º 893/03.0... do .. Juízo Criminal de...);


g) pelo cometimento, em 31/07/2004, de 1 crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, sancionado por sentença de 21/02/2007, transitada em julgado em 8/03/2007, na pena de 8 meses de prisão efetiva e proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 meses (Proc. N.º 40/04.0... do .. Juízo Criminal de C......);


h) pelo cometimento de 1 crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º do Código Penal, por factos tidos lugar em 3/09/2005, sancionados por sentença de 22/06/2007, devidamente transitada em julgado em 9/07/2007, na pena de prisão de 2 anos, a cumprir sob regime de efetividade (Proc. N.º 1013/05.1... do .. Juízo Criminal de ...);


i) pelo cometimento concursal de 4 crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do Código Penal (factos de novembro de 2005), 2 crimes de furto de uso de veículo, p. e p. Pelo artigo 208º do Código Penal (praticados no mesmo mês e ano), 2 crimes de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º do Código Penal (factos de novembro de 20115), e de 1 crime de coação sexual, p. e p. pelo artigo 163º do Código Penal (praticado em novembro de 2005), sancionados por acórdão de 16/01/2008, transitado em julgado em 12/02/2008, na pena única de 9 anos e 6 meses de prisão efetiva (Proc. N.º 732/05.7... do Tribunal de ...);


j) pela autoria de 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 6º da Lei n.º 22/97, de 27/06, praticado em 3/09/2002, mediante sentença de 9/04/2008, transitada em julgado em 29/04/2008, na pena de 4 meses de prisão efetiva (Proc. N.º 46/02.4... do .. Juízo Criminal do Tribunal de ...);


k) pela autoria de 1 crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º do Código Penal, por factos de 23/08/2005, sancionado por sentença de 17/06/2008, transitada em julgado em 7/07/2008, na pena de 2 anos de prisão efetiva (Proc. N.º 757/05.2... do .. Juízo Criminal de ...) ;


l) por sentença cumulatória proferida em 13/05/2009 no Processo n.º 757/05.2..., transitada em julgado em 2/06/2009;


m) pelo cometimento de 1 crime roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal, por factos ocorridos em 13/02/2018, sancionados por acórdão de 4/07/2018, transitado em julgado em 3/08/2018, numa pena de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva (Proc. N.º 53/18.5... do Juízo Central Criminal de ...).


(…)”.


B) Factos não provados


A matéria de facto não provada que provém da 1ª instância é a seguinte:


“ (…).


[Factos extraídos da contestação]


A) Que o arguido padeça de insuficiência renal ou que careça atualmente de usar fralda devido a incontinência urinária, designadamente em período noturno. (…)”.


C) Fundamentação de direito quanto à escolha e determinação da medida da pena


“(…).


Como acima se deixou dito, o arguido incorreu na prática, em autoria material, na forma consumada, e em concurso real e efetivo, dos seguintes ilícitos:


- 1 (um) crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal, punível com pena de prisão de 3 a 15 anos (Farmácia I....):


- 1 (um) crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal, punível com pena de prisão de 1 a 8 anos (Farmácia A.....).


De seguida, importaria determinar a medida concreta das penas (parcelar e única) a aplicar ao arguido e, dando cumprimento ao disposto no artigo 70º do Código Penal, a primeira operação que urge levar a cabo (caso tal se mostre possível) é a de optar entre uma pena privativa da liberdade ou uma pena não detentiva, dando prevalência à segunda sempre que se configure apta a realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.


Tais finalidades são as constantes do artigo 40º, n.º 1 do Código Penal, ou seja, a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.


Como escreve a este propósito a Prof.ª Maria Fernanda Palma, “A proteção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A proteção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente eventual” – cfr. autora citada, in Casos e Materiais de Direito Penal, 2.ª edição, Almedina, 2002, a pág. 32. Nesse sentido vide também o Ac. STJ de 30/11/2000, ASSTJ, n.º 45, pág. 89.


A determinação da medida em concreto da pena, dentro dos limites definidos na lei, é pois feita em observância da medida da culpa do agente, atentas as exigências de prevenção, sempre se entendendo que, em caso algum, por força do disposto no artigo 40º do CP, poderá a medida da pena ultrapassar a medida da culpa.


Como refere Figueiredo Dias, culpa e prevenção são pois os dois elementos referenciais num binómio, com auxílio do qual, deverá determinar-se em concreto a medida da pena (in Direito Penal – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, a pág. 214).


A escolha da pena terá assim de ser perspetivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objetivos estipulados no referido artigo 40º, sendo certo que, de acordo com o binómio já atrás mencionado, a culpa do agente consubstanciará limite máximo e inultrapassável da medida da pena, manifestando-se por outro lado as exigências de prevenção, designadamente de prevenção geral positiva ou de integração, que se traduzem na necessidade de proteção dos bens jurídico-penais e de reafirmação das normas violadas.


Entre estes dois polos, serão ainda tidas em atenção as considerações de prevenção especial e de socialização, que visam evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade. São estas as considerações de prevenção especial de ressocialização que vão determinar, em último termo, a medida da pena – cfr. Figueiredo Dias, obra citada, a págs. 238.


Por último, e em observância do disposto no artigo 71º do Código Penal, deverá ainda o Tribunal ponderar, na determinação em concreto da medida da pena, para além da culpa e das já mencionadas exigências de prevenção, todas as demais circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.


Ora, dentro da moldura penal abstrata, as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depõem a favor ou contra o agente são, designadamente:


- O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);


- A intensidade do dolo ou negligência;


- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;


- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;


- A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;


- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.


Atentos estes vetores, a natureza do facto punível, a sua gravidade e a forma de execução, decidirá o tribunal, aplicando o direito, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, conformando-se, enquanto limite máximo, com a culpa do agente.


Posto isto, in casu, é de ponderar o seguinte:


Do ponto de vista preventivo, ressaltam-se as necessidades de prevenção geral, as quais se poderão colocar em patamar muito elevado, considerando que comportamentos como os assumidos pelo arguido geram um clima de intranquilidade pública, em redor do património de cada um, criando ainda um sentimento de alarme social na comunidade.


No plano da prevenção especial, importará considerar: EM FAVOR DO ARGUIDO:


- a postura assumida em julgamento (com confissão genérica dos factos);


- a evidenciação de arrependimento;


- eventuais dependências aditivas vigentes no momento dos factos;


- o suporte familiar do mesmo;


- a desconsideração, como verdadeiro antecedente, da condenação sofrida no processo n.º 53/18;


- a condição de fragilidade do seu estado de saúde.


EM SEU DESFAVOR:


- a expressividade do prejuízo ocasionado;


- a violência, perigosidade e preparação das ações apreendidas;


- o passado criminal do arguido (contando já com plúrimos sancionamentos por crimes de furto e roubo);


- a ocorrência dos factos em pleno período de vigência de liberdade condicional (entretanto já revogada).


Tudo visto e ponderando, afigura-se-nos ainda possível firmar as penas parcelares a aplicar no primeiro terço da moldura abstrata, refletindo para tanto a postura confessória do arguido e a situação de saúde atual do arguido, não podendo em todo o caso deixar de atender ao seu expressivo passado criminal.


Assim, julgam-se ajustadas as seguintes penas parcelares:


- para o crime de roubo qualificado (Farmácia I....), a pena de 4 (quatro) anos de prisão;


- para o crime de roubo simples (Farmácia A.....), a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.


*


Atento o disposto no artigo 77º do Código Penal, verificando-se a situação de concurso de crimes, cumprirá, em observância com o disposto nos n.ºs 1 e 2 daquele preceito legal, determinar, em cúmulo jurídico, uma pena única, na qual será o arguido condenado, a qual terá “(...) como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.


In casu, o limite mínimo aplicável corresponderá a 4 (quatro) anos de prisão e o limite máximo a 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão.


Posto isto, atendendo às penas concretamente apuradas, e ao critério da sua quantificação, tomando ainda em consideração os factos vertidos nos autos, entendemos ser de aplicar a pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.


Atenta a duração da pena única apurada, a mesma impõe-se ser cumprida sob regime de efetividade.


(…)”.


*


*


*


Âmbito do recurso


Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.


As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.


Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.


Deste modo, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões. Quando tal não acontece deve entender-se que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.


Por outro lado, também não deve ser conhecida questão referida nas conclusões, que não tenha sido tratada no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes).


Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir no presente recurso, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, por ordem de precedência lógica, são:


- A de saber se foi incorrectamente determinada a medida concreta da pena única de prisão;


- A de saber se deve a pena de prisão ser substituída.


*


*
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Da incorrecta determinação da pena única de prisão


1. Afirma o arguido ora recorrente – conclusão 1 – que a pena de cinco anos e dois meses de prisão imposta pela 1ª instância é manifestamente excessiva, atenta a sua frágil situação clínica, de difícil tratamento em meio prisional, alegando que – conclusões 2 a 11 – o acórdão recorrido teve em conta a sua relativa juventude, os seus hábitos de trabalho, a sua inclusão social e familiar, a sua conduta confessória revelando arrependimento, mas, ainda assim, entendeu justificável a aplicação de uma pena de prisão efectiva, quando o recorrente referiu tomar medicação para a incontinência e a sua defesa referiu não lhe ter sido possível apresentar relatórios médicos actualizados, por ter faltado a consultas de diversas especialidades médicas, devido a falta de disponibilidade do estabelecimento prisional onde se encontrava para nelas o fazer comparecer, que padece de cegueira parcial causada por tumor cerebral que evoluiu vários meses sem tratamento adequado por se encontrar preso, que também padece de hipotiroidismo, diabetes e enurese nocturna, doenças que são o resultado directo da demora no tratamento, sendo certo que também admitiu que a sua conduta reincidente se deveu à recaída em consumo de drogas, por ter deixado de usufruir do respectivo acompanhamento e à insuficiência dos rendimentos que auferia como mecânico para satisfazer a sua adição. E, continua – conclusões 12, 15 e 18 –, foi prejudicado no seu direito de defesa porque, não tendo informação médica actualizada na data do julgamento, pelas referidas razões, ficou afastada a possibilidade de ter sido condenado em pena de prisão até cinco anos, bem como prejudicada ficou a possibilidade de ver suspensa a respectiva execução, o que não sucedeu devido ao seu passado e à circunstância de ter praticado os factos na vigência de um período de liberdade condicional, quando o seu passado radica na adição de estupefacientes, risco que desapareceu pois que a sua débil saúde e a medicação que toma para o hipertiroidismo e para a diabetes é incompatível com tais consumos, podendo a sua toma coincidente causar a morte.


Uma nota prévia cumpre fazer.


Parte das patologias de que o arguido diz padecer e respectivas consequências estão, segundo afirma, comprovadas num relatório médico que juntou com o presente recurso (cfr. conclusões 7 e 17).


Acontece que, como se deixou referido no Relatório, no despacho de 20 de Setembro de 2023 o Mmo. Juiz a quo, para além de ter admitido o recurso, indeferiu a junção do documento em causa, por a considerar extemporânea, não tendo o arguido reagido quanto a esta decisão. E na sequência do indeferimento da junção e respectivo trânsito em julgado, foi o documento desentranhado dos autos.


De qualquer forma, a argumentação apresentada pelo recorrente relativa a matéria de facto que não consta dos factos provados, resulta inaproveitável, sendo insusceptível de valoração por este Supremo Tribunal.


Quanto ao mais.


2. Estando em causa a [in]correcta determinação da medida concreta da pena única de prisão, somos remetidos para a problemática da determinação da pena em caso de concurso de crimes.


Dispõe o art. 77º do C. Penal, com a epígrafe «Regras da punição do concurso», na primeira parte do seu nº 1 que, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.


Pressuposto da aplicação deste regime especial de determinação da pena é pois, que o agente tenha praticado mais do que um crime antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, devendo esta pluralidade de crimes traduzir-se num concurso efectivo, real ou i...., homogéneo ou heterogéneo, ficando afastado o concurso legal, e ainda que, a prática dos crimes tenha ocorrido antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, sendo este aspecto o que distingue os casos de concurso dos casos de reincidência.


Verificado este pressuposto, o agente é condenado numa pena única.


A lei penal portuguesa afastou o sistema da acumulação material de penas e instituiu um sistema de pena conjunta, resultante de um princípio de cúmulo jurídico (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas/Editorial Notícias, pág. 283 e seguintes e Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 2013, Coimbra Editora, pág. 56 e seguintes).


Com efeito, dispõe o nº 2 do art. 77º do C. Penal que, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limites mínimos a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.


Deste modo, o primeiro passo a dar pelo tribunal é o de determinar a medida concreta da pena de cada crime em concurso, de acordo com o critério geral de determinação da medida da pena.


No segundo passo, o tribunal fixa a moldura penal do concurso, procedendo à soma das penas concretas aplicadas aos vários crimes que integram o concurso, constituindo o somatório destas o limite máximo daquela moldura – mas que não pode ser ultrapassado pelos limites fixados na lei – e sendo a mais elevada das penas parcelares fixadas no passo anterior o limite mínimo da mesma moldura.


No terceiro passo, o tribunal determina a medida concreta da pena conjunta do concurso, dentro dos limites da moldura penal do concurso, em função dos critérios gerais da medida da pena – culpa e prevenção – fixados no art. 71º do C. Penal, e do critério especial previsto no art. 77º, nº 1, parte final do C. Penal, nos termos do qual, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.


Finalmente, o tribunal procede à substituição da pena conjunta por pena de substituição, de acordo com o critério geral de escolha da pena, previsto no art. 70º do C. Penal.


Assim, podemos dizer que o conjunto dos factos indicará a gravidade do ilícito global praticado – sendo particularmente relevante para a sua valoração a conexão que possa existir entre os factos integrantes do concurso –, enquanto a avaliação da personalidade do agente permitirá saber se o conjunto dos factos integra uma tendência desvaliosa ou se, pelo contrário, é apenas uma pluriocasionalidade que não tem origem na personalidade, sendo que, só no primeiro caso, o concurso de crimes deverá ter um efeito agravante, sendo igualmente importante a análise do efeito previsível da pena sobre a conduta futura do agente (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 290 e seguintes). No mesmo sentido pode ver-se, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Fevereiro de 2013, processo nº 455/08.5GDPTM, in www.dgsi.pt, no qual se escreveu, além do mais, «[f]undamental na formação da pena do concurso é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse espaço de vida com a personalidade.».


3. Revertendo para o caso concreto, temos que o arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo, na pena de dois anos e oito meses de prisão, e pela prática de um crime de roubo agravado, na pena de quatro anos de prisão, o que fixa a moldura penal do concurso em pena de quatro a seis anos e oito meses de prisão.


Tendo presente que os factores enumerados no art. 71º do C. Penal, considerados como um todo, podem servir de guia para a determinação da medida da pena única do concurso, verificamos que no acórdão recorrido foram considerados, em sede de determinação da medida concreta das penas parcelares;


- O nível muito elevado das exigências de prevenção geral, por as condutas assumidas pelo arguido serem geradoras de clima de intranquilidade quanto ao património de cada um e de alarme social;


- Quanto às exigências de prevenção especial, em abono do arguido, a confissão dos factos, a evidenciação de arrependimento, eventuais dependências aditivas vigentes nas datas dos factos, o suporte familiar e a fragilidade do seu estado de saúde, e em seu desabono, o valor do prejuízo causado, a violência, perigosidade e preparação das ações apreendidas, e o passado criminal do arguido com várias condenações pela prática de crimes de furto e de roubo e a prática dos factos na vigência de período de concessão de liberdade condicional.


Pois bem.


Relativamente às exigências de prevenção geral, atentando o roubo, crime pluriofensivo que é, contra o património, a integridade física, a liberdade e, no limite, a própria vida, o seu cometimento é sempre causador de grande alarme social, potenciado, aliás, pela significativa frequência com que continua a ser praticado, razões pelas quais, não podemos deixar de concordar com a consideração de serem, in casu, muito elevadas as exigências de prevenção geral.


Estamos também de acordo com o acórdão recorrido, quanto a não serem de desprezar as consequências das condutas do arguido, face aos valores monetários apropriados [€ 860,42 na Farmácia I.... e € 1000 na Farmácia A.....], quanto à gravidade do modo de execução do crime de roubo simples, devido à utilização de instrumento adequado a causar lesões graves, se usado como meio de agressão [chave de rodas para automóvel], e quanto ao passado criminal do arguido [sem consideração da condenação imposta no processo nº 53/18.5... do Juízo Central Criminal de..., por respeitar a factos de por factos de 13 de Fevereiro de 2018], com várias condenações, além do mais, por crimes de roubo, e à circunstância de ter praticado os factos que integram o objecto dos autos em plena vigência de período de concessão de liberdade condicional, que veio a ser revogada, que não abonam o arguido.


Com efeito, o cometimento, além de outros, de vários crimes de roubo, espaçados no tempo, é certo, e a violação da liberdade condicional [pela prática dos factos que integram o objecto dos autos], revelam no arguido traços de uma personalidade avessa ao direito, pouco sensível aos valores tutelados pelas normas infringidas e à ameaça das respectivas funções, à qual não repugna o uso da violência, quando necessária à obtenção dos fins visados.


Relativamente às circunstâncias abonatórias consideradas, é certo que o arguido confessou os factos. Porém, no que respeita ao arrependimento, o que consta da factualidade provada é que “verbalizou arrependimento” [ponto 26 dos factos provados] e, “verbalizar arrependimento” não é sinónimo de “estar arrependido”.


É certo que o arguido tem suporte familiar [pontos 40, 42 a 45, 76 e 77 dos factos provados], mas também o tinha, se bem que com distinta configuração, quanto praticou os factos [pontos 29, 30 e 35 dos factos provados].


É também certo que o arguido era consumidor de haxixe e de álcool, tendo tido acompanhamento que veio a abandonar por iniciativa própria [pontos 36 a 38 dos factos provados], e que no tempo da prática dos factos agravou os seus consumos, passando a consumir cocaína [pontos 36 a 38 dos factos provados]. Sucede que a adição do arguido relativa a estupefacientes não é, propriamente, uma circunstância atenuante.


Finalmente, da matéria levada aos pontos 22 a 25 e 46 a 48 dos factos provados do acórdão recorrido, resulta ter o arguido uma situação de saúde complexa, dada a detecção de um tumor cerebral benigno, causador de cefaleias e dificuldades de visão, tumor a que foi cirurgicamente intervencionado, registando melhoria significativa quanto às cefaleias e não tendo outros défices neurológicos, além de ligeira diplopia [perturbação da visão caracterizada pela percepção de duas imagens de um só objecto, Manuel Freitas e Costa, Dicionário de Termos Médicos, 2012, Porto Editora, pág. 349] e manutenção de defeitos campimétricos ou seja, atenuação da sua acuidade visual, sendo que também padece de diabetes e hipotiroidismo.


Do confronto das mencionadas circunstâncias agravantes e atenuantes resulta, além do mais, serem igualmente elevadas as exigências de prevenção especial.


4. Convocando agora o critério especial previsto no art. 77º, nº 1, parte final do C. Penal, relativamente à gravidade do ilícito global, ponderando o que se deixou dito no ponto que antecede, referido agora ao conjunto dos factos, considerando a conexão existente entre os crimes em causa, decorrente da mesma natureza de crime, da sua gravidade, da proximidade temporal da sua prática [entre eles, mediaram dois dias], da identidade do modus operandi e do ambiente envolvente de dependência de drogas, concluímos estar perante uma ilicitude global de grau médio.


Relativamente à personalidade unitária do arguido, para além dos traços que já referimos em 3., que antecede, temos que o mesmo se mostra pouco responsável relativamente à sua adição, revela uma perspectiva difusa quanto às condutas praticadas, reconhece a prática dos factos mas adopta quanto a eles, um discurso desculpabilizante, revela pouca resistência a influências externas desviantes, e revela tendência para, nos períodos de crise aditiva, agir de forma impulsiva e centrada apenas nos interesses e necessidades do momento, alheando-se das consequências (pontos 58 e 64 a 67 dos factos provados).


Ponderando o que acabamos de referir conjuntamente com o passado criminal do arguido, com especial destaque para as várias condenações já sofridas pela prática de crimes de roubo [quatro distintas condenações, pela prática de onze crimes], podemos concluir que o mesmo apresenta alguma tendência para a prática deste tipo de ilícito, tendência a que não será alheia o seu problema aditivo, mas não podemos dizer. atentos os períodos que medeiam entre as várias condenações e os factos objecto dos autos [sentenças de Março de 2003, de Junho de 2007, Janeiro de 2008 e Junho de 2008], que estamos perante uma carreira criminosa.


Assim, considerando a moldura penal aplicável ao concurso – quatro a seis anos e oito meses de prisão – a pena de cinco anos e dois meses de prisão decretada pela 1ª instância, situada entre o primeiro quarto e o meio daquela moldura, evidencia que o concurso de crimes não teve um efeito agravante na sua determinação, e mostra-se, outrossim, e contrariamente ao entendimento do arguido, necessária, adequada, proporcionada e plenamente suportada pela medida da sua culpa unitária, sendo, por isso, de manter.


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Da substituição da pena de prisão


5. Alega o arguido conclusões 20 a 23 que a alteração da sua personalidade e da sua conduta, posteriormente à doença grave que o afectou e que pode recidivar, bem como a dificuldade do seu tratamento adequado em meio prisional, conjugadas com a sua relativa juventude, a sua inserção social, familiar e laboral, e a circunstância de a doença que o afectou ter deixado sequelas que obstam ao regresso ao consumo de drogas e à delinquência, permitem concluir que a simples ameaça da prisão, com sujeição a regime de prova será suficiente para que paute a sua vida futura de forma socialmente responsável, pelo que, nos termos do disposto no art. 50º do C. Penal, deve a pena de prisão, no pressuposto da sua redução para tempo não superior a cinco anos, ser suspensa na respectiva execução.


A pretensão do recorrente tem como pressuposto, conforme referido, que a pena única de prisão fixada pela 1ª instância, seja fixada, pela via do presente recurso, em não mais de cinco anos de prisão, precisamente porque, a pena de substituição de suspensão da execução da prisão tem como pressuposto formal que a medida da pena de prisão a substituir não seja superior a cinco anos (art. 50º, nº 1 do C. Penal).


Porque, no caso, e pelas razões sobreditas, não se verifica este pressuposto, não pode proceder a pretensão do recorrente de ver substituída a pena única de cinco anos e dois meses de prisão que lhe foi imposta no acórdão recorrido.


Ainda que assim não fosse, tão-pouco haveria lugar à pretendida substituição da pena única de prisão, pela não verificação do pressuposto material da pena de substituição em causa.


Com efeito, presidindo ao instituto, como finalidade de política criminal, o afastamento do arguido da prática de novos crimes, portanto, o conteúdo mínimo da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 343 e seguintes), a sua aplicação ao caso concreto depende, também, da formulação, pelo tribunal, de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as suas condições de vida, as circunstâncias do crime e a sua conduta anterior e posterior a este, a mera censura do facto e a ameaça da prisão dão adequada e suficiente realização às finalidades da punição.


Sucede que, como se viu já, o arguido revela traços de uma personalidade avessa ao direito, indiferente aos valores tutelados pelas normas violadas e à ameaça das respectivas sanções, imatura, influenciável, focada na realização dos seus interesses imediatos e violenta, quando necessário àquela realização. Acresce que tem um extenso cadastro criminal, onde se inclui a prática, entre outros, de mais de uma dezena de crimes de roubo. Por outro lado, a circunstância de ter praticado os crimes de roubo que integram o objecto dos autos em plena vigência de um período de liberdade condicional, demonstra a sua incapacidade para entender o significado da confiança que em si depositou a comunidade, e a oportunidade de ressocialização em liberdade que aquela concessão, entretanto, revogada, significou.


Assim, a gravidade dos factos praticados pelo arguido conjugada com os revelados traços da sua personalidade, sempre impediriam a formulação, razoável e objectivamente, de um juízo de prognose favorável, no sentido de que a simples reprovação do facto e ameaça da prisão bastariam para o afastar da prática de novos crimes.


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III. DECISÃO


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o acórdão recorrido.


Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCS. (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. Processo Penal, art. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).


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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal).


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Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024


Vasques Osório (Relator)


João Rato (1º Adjunto)


Orlando Gonçalves (2º Adjunto)