Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1157/22.5T8BRR.L1-A.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 04/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NÃO ADMITIDO O RECURSO.
Sumário :

I- Para que a oposição de Acórdãos seja relevante no âmbito de um recurso para uniformização de jurisprudência, é necessário que sejam proferidos no domínio da mesma legislação.


II- A diversidade de soluções pode explicar-se sem que haja qualquer oposição pela diversidade da situação de facto.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 1157/22.5T8BRR.L1-A.S1 (Recurso de Fixação de Jurisprudência)

Acordam em Conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


AA interpôs recurso de impugnação judicial da decisão administrativa proferida pelo Centro Distrital de Segurança Social de ..., no âmbito da qual foi condenada na coima de € 22.000 pela prática de duas contra-ordenações de funcionamento de estabelecimento que não se encontra licenciado, previstas no art. 11.º, 39.º- B alínea a) e 39.º-E alínea a) do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14.03 e na sanção acessória de encerramento do estabelecimento denominado “C..... .. ... .........” por um período de dois anos.


Realizou-se a audiência.


Foi proferida Sentença em 12.10.2022, na qual se considerou improcedente a invocada nulidade por omissão de pronúncia e se decidiu o seguinte:


Pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos, o tribunal decide conceder parcial provimento à impugnação judicial e, consequentemente, decide:


- Revogar a decisão administrativa no que tange à prática de uma contraordenação de funcionamento de estabelecimento que não se encontra licenciado, previstas no art. 11.º, 39.º-B alínea a) e 39.º-E alínea a) do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14.03;


- Manter a decisão administrativa no que tange à condenação pela prática de uma contraordenação de funcionamento de estabelecimento que não se encontra licenciado, previstas no art. 11.º, 39.º-B alínea a) e 39.º-E alínea a) do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14.03;


- Alterar a decisão administrativa no que tange à coima aplicada, aplicando uma coima de € 25.000;


- Aplicar à arguida a sanção acessória de encerramento do estabelecimento denominado “C..... .. ... .........”.


Foi interposto recurso.


Em 14.09.2023, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se considerou improcedente o recurso. Neste Acórdão, o Tribunal da Relação considerou que quer a decisão administrativa, quer a sentença, continham um elenco de facto provados e não provados, bem como indicação das provas produzidas, pelo que não padeciam de nulidade.


Foi interposto Recurso Extraordinário para Uniformização de Jurisprudência com fundamento na contradição com os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto e de Guimarães proferidos, respetivamente nos processos nºs 5902/18.5T8MTS.P1 e 2688/07-2, tendo sido requerida a Uniformização de duas questões, uma a propósito da fundamentação de facto, mormente da indicação dos factos dados como não provados, e a outra a respeito da moldura da coima e da apreciação da natureza lucrativa ou não da arguida.


O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa apresentou contra-alegações.


Foi determinada a subida do recurso em separado.


Os autos foram com vista ao Ministério Público que apresentou Parecer, ao abrigo do disposto no artigo 440.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

Nesse Parecer o Ministério Público sustentou que:

“Analisando o presente recurso, verifica-se que o recorrente, no âmbito do mesmo, veio cumular duas questões de direito a uniformizar, indicando dois acórdãos fundamento, um em relação a cada questão. Pelo que, e desde logo com esse fundamento, o recurso deve ser rejeitado por não admissível, uma vez que não é legalmente permitido cumular questões de direito no mesmo recurso extraordinário, nem indicar mais do que um acórdão fundamento, o que se deve ao facto de não ser possível uniformizar no mesmo recurso interpretações judiciais essencialmente normativas sobre mais do que uma questão de direito. Com efeito, este é o entendimento jurisprudencial decisivamente maioritário (…)”.

Mas, e para a hipótese de assim não se entender, o Parecer sustenta que relativamente à primeira questão colocada pelo Recorrente o acórdão recorrido assentou a sua decisão no art. 25.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 107/2009, de 14.09 (RPCOLSS), por a infração em causa constituir uma contraordenação da Segurança Social, enquanto o acórdão fundamento aplicou o art. 374.º, n.º 2, do CPP, no âmbito de uma contraordenação ao licenciamento municipal prevista na Lei n.º 555/99, de 16.12 (RJUE). Em consequência, impor-se-ia, desde logo, a conclusão de que as decisões não foram proferidas no âmbito da mesma legislação.

E quanto à segunda questão destaca o Parecer que “no caso do acórdão recorrido a recorrente tinha dez utentes, pelo que na avaliação da prova, e pelas regras da experiência comum, foi considerado que se encontrava no âmbito da Portaria n.º 67/2012, de 21.3 – cf. o seu art. 6.º –, enquanto no caso do acórdão fundamento entendeu-se que a correspondente arguida tinha apenas duas pessoas passíveis de serem consideradas como utentes, pelo que não se enquadrava naquela Portaria, o que levou a decisões diferentes”, pelo que não se poderia falar de qualquer oposição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento: “daqui não resulta qualquer oposição entre as soluções de direito, uma vez que as decisões proferidas nos dois arestos têm como base uma factualidade diferente, ou seja, verificam-se questões distintas no plano factual que receberam soluções de direito diferentes”.

E o Parecer concluía, por conseguinte, pela rejeição do presente recurso de uniformização de jurisprudência, por falta dos pressupostos específicos para a sua admissibilidade, nos termos dos artigos 437.º, n.º 1 e 444. n.º 1 do Código de Processo Penal.

A Recorrente respondeu ao Parecer.

Na sua resposta sublinhou que a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça não é pacífica quanto à admissibilidade de um recurso de uniformização de jurisprudência que incida sobre duas questões distintas, apresentando o Recorrente um Acórdão fundamento para cada uma delas. E citou nesse sentido o Acórdão do STJ de 04-11-2010, proferido no Processo n.º 242/08.0TTCSC.L1.S1; o Acórdão de 03-07-2014, proferido no Processo n.º 1431/11.6PEARVR.C1-A.S1; o Acórdão de 22-10-2014,proferido no Processo n.º 154/11.0PAPNI.L1-A.S1; e o Acórdão de 08-10-2015, proferido no Processo n.º 804/03.2TAALM-B.S1.

Foram apresentadas as seguintes conclusões no Recurso Extraordinário para Fixação de Jurisprudência:


CONCLUSÕES:


1. Nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 437.º do Código de Processo Penal, se no domínio da mesma legislação, o Tribunal da Relação proferir acórdão em oposição com outro da mesma ou de diferente Relação, relativamente à mesma questão fundamental de direito, pode recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.


2. Mas, tal oposição só é relevante se os mesmos preceitos legais aplicados a factos idênticos foram interpretados em oposição entre eles, exigindo-se que essa oposição seja expressa.


3. De fixar, sobretudo, que para haver a oposição requerida por lei é necessário que as situações de facto e o seu enquadramento jurídico sejam idênticas, pois se o não são, os acórdãos, podem decidir de modo diferente essas situações, sem que, por isso entrem, consigo mesmo, em conflito de jurisprudência.


4. Ora diz a recorrente que, a propósito da fundamentação da decisão administrativa se verificam soluções opostas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento este do Tribunal da Relação de Guimarães de 06.03.2008, proferido no processo nº 2688/07-2, publicado in www.dgsi.pt que se invoca.


5. Destrate, se entre estes dois acórdãos existe uma oposição quanto à fundamentação, isto porque enquanto o Acórdão sob recurso entende que a fundamentação da decisão administrativa deve ser feita de uma forma célere e de simplicidade processual, já o acórdão fundamento indicado em 4, aponta para que na aplicação do direito nas decisões administrativas nestas deva fazer-se constar os factos provados e n/provados.


6. Os Acórdãos indicados são divergentes sobre este ponto de direito, alinhando o Acórdão fundamento de que para a aplicação do direito, conforme o disposto no artº 75º, nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82 (RGCO) deve estar definitivamente fixada a matéria de facto, a fim de ser respeitada a exigência estabelecida no artigo 374º nº2 do CPP., ou seja., a enumeração dos factos provados e não provados.


7. Mais acrescenta o douto Acórdão fundamento que: “o legislador pretende, à semelhança com o que exige no artº 283º, nº 3, al. b), do CPP, é que se especifiquem na decisão os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena”.


8. A decisão administrativa, relativamente à recorrente, contém diversos factos e circunstâncias que importa delimitar (também estas últimas são relevantes) com rigor, sob pena de violação do direito de defesa.


9. Ainda no seguimento do que sustenta o Acórdão fundamento, aponta este para que “da impugnação do arguido, é necessário inserir os factos pertinentes que se tiverem por não provados para que se perceba a versão da sua defesa, pois só assim se poderá perceber a coerência dos factos provados e dos não provados ou detetar eventuais contradições”.


10. Volvendo aos autos e na sequência do Acórdão fundamento é facto incontornável que na decisão administrativa a entidade recorrida estava obrigada a pronunciar-se sobre os factos e as questões jurídicas suscitadas pela recorrente, mas nela nada consta quanto à matéria não provada e quanto à matéria provada esta também é parcialmente omissa quanto a factos que deviam ser levados à matéria dada como provada.


11. Destrate, para se ter um conteúdo substancial, efetivo, implica a obrigatoriedade da decisão que vier a ser tomada se pronuncie sobre os factos e as questões jurídicas suscitadas pelo arguido, julgando os primeiros como provados ou não provados e as segundas como procedentes ou improcedentes, sempre com fundamentação adequada.


12. E fundamentação adequada é aquela que permite ao arguido saber por que razão os factos por si alegados foram julgados provados ou não provados e as razões de direito por si suscitadas foram ou não acolhidas pela autoridade decisora. Sem isso, o direito de defesa seria uma mera formalidade sem conteúdo substancial.


13. É por isso que nos processos de contra- ordenação é assegurado ao arguido o direito de audiência e defesa, nos termos do art. 50º do DL 433/82, não se limitando esse direito à possibilidade de o arguido ser ouvido, mas abrangendo também o direito de intervir no processo, apresentando provas e requerendo diligências.


14. Da impugnação do arguido, é necessário que se insiram os factos pertinentes que se tiverem por não provados, para que se perceba a versão da sua defesa, pois só assim se poderá perceber a coerência dos factos provados e dos não provados ou detetar eventuais contradições.


15. Da decisão administrativa não se alcança como é que foi desatendida a sua defesa, isto é, não se entende o decidido no caso em apreço.


16. Destrate, dizemos que o incumprimento dos requisitos descritos no n.º 1 do artigo 58.º do RGCO implica a verificação da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a) do CPP, aplicável ao processo contraordenacional ex vi do artigo 41.º do primeiro dos referidos diplomas, que deve ser suprida pela autoridade administrativa competente.


17. A natureza tendencialmente mais simplificada e menos formal do procedimento contraordenacional, o que foi seguido pelo acórdão recorrido, não pode constituir justificação para a não descrição de modo compreensível da fundamentação da decisão administrativa, quanto aos factos provados e não provados.


18. Tal omissão, constituindo violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 58.º do RGCOC, determina, por aplicação da al. a) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, ex vi do art. 41.º do primeiro dos referidos diplomas, a nulidade da decisão administrativa.


19. Mais: na impugnação judicial a arguida /recorrente suscita a questão da nulidade da decisão administrativa, por falta da descrição dos fatos n/provados e por omissão de factos que deveriam ter sido levados à matéria dada como assente.


20. Ainda, assim, o tribunal “a quo” recebeu a acusação (cfr. artigo 62º, nº 1, do RGCO), mas sem que este procedesse à apreciação das nulidades suscitadas.


21. O tribunal “a quo” deveria rejeitar a acusação por manifestamente infundada, conforme resulta do disposto nos artigos 311º, nº 1 e 2, alínea a) do Código de Processo Penal ex-vi artigo 58º e 41º, nº 1, da RGCO.


22. Ou, decidir tais questões, por despacho, nos termos do disposto no artigo 64º, do RGCO.


23. Não o fez e permitiu a realização do julgamento, quando devia ter remetido os autos à autoridade administrativa para sanação daquela.


Com efeito,


24. Conforme o preceituado no nº 1 do artigo 58º (sob a epígrafe Decisão Condenatória) do DL n.º 433/82, de 27 de Out.:


A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:


a) A identificação dos arguidos;


b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas,


c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;


d) A coima e as sanções acessórias.


25. O RGCO não contém qualquer disposição que preveja a consequência jurídica para a preterição de algum desses requisitos, pelo que, como bem sublinha a sentença recorrida, tem a doutrina e a jurisprudência divergido acerca da qualificação do vício decorrente da inobservância dos requisitos formais a que alude o artigo 58º, n.º 1 do RGCO, para uns nulidade, insanável ou sanável, ou até mesmo de mera irregularidade.


26. Para António Beça Pereira (Regime Geral das Contraordenações e Coimas Anotado, 6ª Edição, Almedina, pág. 109) “a inobservância de alguns dos requisitos estabelecidos no n.º 1 do citado artigo 58º consubstancia uma irregularidade, e será segundo as regras deste instituto (art. 123º do CPP) que se apurará da possibilidade de aproveitamento (ou não) do processado desde a decisão administrativa (inclusive) ”.


27. E acrescenta que, “não se afigura correto aplicar, subsidiariamente (ex vi art. 41º), o disposto no artigo 379º do CPP (nulidades da sentença), uma vez que, se o arguido interpuser recurso da decisão condenatória/administrativa, esta, nos termos do n.º 1, do artigo 62º do RGCO, converte-se em acusação”.


28. Mais acrescenta que “não se afigura como correto aplicar, subsidiariamente, o disposto no nº 3 do artigo 283º do CPP (nulidades da acusação) uma vez que, se não for interposto recurso da decisão condenatória, esta não se converte em acusação”.


29. Contrariamente, os Senhores Juízes Conselheiros Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, “Contraordenações, Anotações ao Regime Geral, 2.ª edição, Dezembro de 2002, Vislis Editores, págs. 334 e 335, anotação 4) consideram que “ a falta de observância dos requisitos constantes do n.º 1 do artigo 58º do RGCO constitui uma nulidade da decisão de harmonia com o preceituado nos artigos 374º, n.ºs 2 e 3 e 379º, n.º 1, al. a), ambos do CPP, aplicável ao processo contraordenacional ex vi do artigo 41º RGCO”.


30. Segundo estes Autores, em anotação ao artigo 58º do RGCO, “os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício dos seus direitos”.


31. Já os Senhores Juízes Conselheiros Oliveira Mendes e Santos Cabral (Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, 2ª Edição, Almedina, pág. 157) consideram que “a polémica deverá ser resolvida com apelo às razões que levaram à consagração da necessidade de fundamentação da sentença penal, pois, a decisão administrativa proferida em processo contraordenacional segue a estrutura da sentença em processo penal – cfr. artigo 374º do CPP – embora de uma forma simplificada e proporcionada à fase administrativa daquele processo”.


32. “Colocada a necessidade da fundamentação, e radicando a mesma num incontornável direito a conhecer as razões do sancionamento, é evidente que o mesmo é comum aos dois tipos de processo e, consequentemente entende-se que o incumprimento dos requisitos enumerados no n.º 1 implica a existência de uma nulidade nos termos cominados no artigo 379º do Código de Processo Penal”.


33. Face às questões suscitadas no recurso de impugnação judicial, a sentença recorrida não se pronunciou sobre a falta de fundamentação da decisão administrativa no sentido de que dos elementos dos autos, não obstante a extensão da decisão, sobre as normas e finalidades das mesmas, certo é que omite factos, sendo que não possui totalmente aqueles que deviam ser dados como provados assim como não possui factos n/provados.


34. Logo a decisão administrativa proferida nos presentes autos é nula.


35. Tal nulidade, porque não foi retirada a acusação (artigo 65º-A do RGCO), determina que, nos termos do artigo 64º do mesmo diploma, sejam arquivados os autos por falta de objeto.


36. É verdade que as decisões administrativas não constituem efetivamente verdadeiras sentenças e a aplicação subsidiária das disposições processuais penais têm de ser analisada de harmonia com a natureza dos processos contraordenacionais e da sua especificidade, para que sejam adequadamente compreendidas as exigências contidas naquele artigo 58º do RGCO, as quais se aproximam de algum modo dos requisitos previstos para a acusação referidos no artigo 283º do CPP.


37. Contudo, de acordo com o entendimento de Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, “Contraordenações, Anotações ao Regime Geral, 2.ª edição, Dezembro de 2002, Vislis Editores, págs. 334 e 335, anotação 4”, que acompanhamos, a exigência de fundamentação é requisito também da decisão administrativa - art. 58º, n.º 1, al. c) – do RGCO.


38. Destrate, a decisão administrativa, apesar de toda a sua especificidade e com vista à finalidade que prossegue, terá de cumprir as formalidades descritas no artigo 58º do RGCO e que, caso não as cumpra, por via do art. 41º do RGCO - por aplicação subsidiária, com a necessária harmonização, atentando em que as autoridades administrativas estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, também com as necessárias adaptações -, incorrerá em nulidade, com a disciplina do artigo 379º do CPP, com as consequências previstas no artigo 122º do mesmo Código - tornando inválido o ato em que se verificarem, bem como todos os atos que dele dependerem e que possam por eles ser afetados.


39. E existindo nulidade por não se mostrarem cumpridas as formalidades descritas no artigo 58º do RGCO, esta não está sanada, o que não significa que não deva ser suprida pela autoridade administrativa que inicialmente tramitou o processo, por referência ao nº 2 do artigo 374º do CPP. cfr. acórdão do STJ de 21-12-2006, proferido no proc. Nº 06P3201; Acórdãos do STJ, de 21-9-2006, no proc. Nº 06P3200 e, de 6-11-2008, no proc. Nº 08P2804; da RL de 28-4-2004, no proc. Nº 1947/2004-3 e de 19-2-2013, no proc. Nº 854/11.5TAPDL.L1-5; da RE de 3-12-2009, no proc. Nº 2768/08.7TBSTR.E1 e, de 25-9-2012 no proc. Nº 82/10.7TBORQ.E1; todos disponíveis in www.dgsi.pt.


40. Chegados aqui e sem mais considerandos, segundo o Acórdão fundamento que segue o entendimento supra exposto e alinhando também ao lado do entendimento de Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, “Contraordenações, Anotações ao Regime Geral, 2.ª edição, Dezembro de 2002, Vislis Editores, págs. 334 e 335, anotação 4” e ao contrário do Acórdão recorrido, pelos fundamentos supra referidos, a omissão total da enumeração dos factos não provados e a omissão parcial dos factos que deviam ter sido levados à matéria dada como provada, são vícios que integram as nulidades previstas no artº 379º, nº 1, al. a), com referência ao artº 374º, nº 2 do CPP., nulidades essas que são de conhecimento oficioso e que devem ser supridas, com a reabertura da audiência se tanto se for entendido como útil.


41. Mais diz a recorrente que, e agora a propósito do limite máximo e mínimo da coima a aplicar resultante da decisão administrativa se verificam soluções opostas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento este do Tribunal da Relação do Porto de 18.11.2019, proferido no processo nº5902/18.5T8MTS.P1, publicado in www.dgsi.pt que se invoca.


42. Este Acórdão fundamento resolve esta questão começando por dizer que decorre do disposto no art. 39º-G, nº 1, do citado DL 64/2007, que “1. Os limites máximos e mínimos das coimas previstas no presente decreto-lei aplicam-se quer às pessoas singulares quer às pessoas coletivas, sendo reduzidos a metade quando aplicáveis a entidades que não tenham finalidade lucrativa”.


43. No caso dos autos, da matéria dada como assente a recorrente não tinha finalidade lucrativa.


Isto porque,


44. Não se apura da matéria de facto dada como provada, fixada pelo Tribunal de 1ª Instância, de que a recorrente tivesse obtido contrapartida por tal atividade, apesar de ter em sua casa dez pessoas.


45. Segundo o Acórdão fundamento indicado em 41, este argumento poderá relevar, mas apenas no que concerne à determinação dos limites máximo e mínimo da coima, como decorre do disposto no citado art. 39º-G, nº 1 do DL 64/2007.


46. E contínua o Acórdão fundamento a dizer, que pese embora a finalidade lucrativa não seja relevante para a verificação da infração, a mesma, no caso e salvo melhor opinião, já o será no que toca à determinação dos limites mínimo e máximo da coima considerados na sentença que, nos termos do art. 39º-E, al. a), é respetivamente, €20.000,00 e de €40.000,00, mas tendo sido aplicada a coima no seu valor mínimo de €20.000,00, que no caso dos autos foi de € 25.000,00.


47. Destrate, dispõe o art. 39º-E, al. a) que a infração muito grave prevista na al. a) do art. 39º-B é punida com coima entre €20.000,00 e €40.000,00.


48. Não obstante, como se disse supra, determina o art. 39º-G, nº 1, que “1. Os limites máximos e mínimos das coimas previstas no presente decreto-lei aplicam-se quer às pessoas singulares quer às pessoas coletivas, sendo reduzidos a metade quando aplicáveis a entidades que não tenham finalidade lucrativa”.


49. E tais circunstâncias, não se encontrando provado que as pessoas, que a recorrente albergava em sua casa, era com intuito lucrativo, quer antes ou depois da ação inspetiva, isto é, que a recorrente não obtinha nenhuma contrapartida financeira e nem estava constituída sob a forma de sociedade, de acordo com o Acórdão fundamento, nos termos dos arts. 39º-E, al. a), e 39º-G, nº 1, a moldura abstrata mínima e máxima da coima deverá ser reduzida a metade, ou seja, passando a variar entre €10.000,00 e €20.000,00.


50. Com os supra expendidos fundamentos propõe-se que seja fixada jurisprudência quanto à falta de fundamentação na decisão administrativa, de acordo com o acórdão fundamento proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães de 06.03.2008, proferido no processo nº 2688/07-2, publicado in www.dgsi.pt que nos diz o seguinte: “No recurso que é restrito à matéria de direito, conforme o disposto no artº 75º, nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82 (RGCO) deve estar definitivamente fixada a matéria de facto. Não estando feita a enumeração dos factos provados e não provados, não se sabe qual é a matéria de facto em causa. O que o legislador pretende, à semelhança com o que exige no artº 283º, nº 3, al. b), é que se especifiquem na decisão os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena. No caso dos autos, pois a decisão administrativa, relativamente ao arguido, contém diversos factos e circunstâncias que importa delimitar (também estas últimas são relevantes) com rigor, sob pena de violação do direito de defesa. Do mesmo modo, da impugnação do arguido, é necessário que se insiram os factos pertinentes que se tiverem por não provados, para que se perceba a versão da sua defesa, pois só assim se poderá perceber a coerência dos factos provados e dos não provados ou detetar eventuais contradições. Também não basta para contributo de convicção o dizer- se que as testemunhas apresentadas pelo recorrente revelaram de modo coerente, isento e seguro, conhecimento direto dos factos em discussão, ficando apenas a conhecer-se essa qualidade, mas não o sentido dos depoimentos nem os juízos que levam à sua aceitação. É, pois, fácil de ver que da decisão não resulta um conjunto de factos estruturados que façam perceber as razões pelas quais o arguido foi condenado, nem se alcança como é que foi desatendida a sua defesa, isto é, não se entende o julgamento do caso em apreço. Os vícios apontados - omissão da enumeração dos factos provados e não provados integram as nulidades previstas no artº 379º, nº 1, al. a), com referência ao artº 374º, nº2 nulidades essas que são de conhecimento oficioso e que, no caso, deverão ser supridas, com reabertura da audiência se tanto se for entendido como útil”.


51. Mais se propõe que seja fixada jurisprudência e quanto aos limites mínimos e máximos da coima a aplicar de acordo com o Acórdão fundamento proferido pelo Tribunal da Relação de Porto de 18.11.2019, proferido no processo nº 5902/18.5T8MTS.P1, publicado in www.dgsi.pt, onde se escreve que: “ A finalidade lucrativa, ou não, relevará para a determinação dos limites mínimos e máximo da coima nos termos do artigo 39-G. nº1, do citado DL 64/2007. Não se encontrando a arguida constituída sob a forma de alguma figura jurídica (designadamente sociedade) que, por si só, permitisse concluir no sentido da finalidade lucrativa (ou não) da atividade levada a cabo e provando-se apenas que só duas das quatro utentes pagavam contrapartida financeira por tal atividade, deverá entender-se que a atividade não é prestada com finalidade lucrativa.


É que, se a Portaria 67/2012, no seu art. 6º, nº 1, exige que a estrutura residencial tenha uma capacidade mínima para quatro utentes, afigura-se-nos mais ajustado ao espírito da lei, bem como lógico e coerente que, para que a atividade se possa considerar como prestada por entidade que tenha finalidade lucrativa, que tal finalidade se encontre presente em relação a, pelo menos, quatro utentes”.


52. Face ao exposto fácil é concluir que há uma nítida, patente e notória oposição entre o acórdão recorrido e os dois acórdãos que vimos citando, por serem opostas a interpretação e aplicação dada ao artigo 58º do RGCO e ao art. 39º-G, nº 1 do DL 64/2007.


53. Violadas foram as disposições legais supra referidas pelo acórdão recorrido.


Nestes termos, deve pois, em Conferência decidir-se que existe, no domínio da mesma legislação, a apontada oposição entre o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o recorrido, e os acórdãos fundamento respetivamente do Tribunal da Relação de Guimarães e do Tribunal da Relação do Porto, já identificados, sobre as mesmas questões fundamentais de direito, e ordenar-se que os autos prossigam os seus termos de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.


A Recorrente suscita, assim, duas questões, invocando em relação a cada uma delas um Acórdão fundamento, a saber:


- Se na fundamentação de facto da decisão judicial devem constar, não apenas os factos provados, mas também os factos não provados, sob pena de nulidade da mesma.


- E como calcular a medida abstrata da coima aplicável, tendo em conta designadamente o disposto no artigo e mormente no atinente à valoração da qualidade lucrativa ou não lucrativa da atividade da arguida para efeitos de fixação da moldura da referida coima


Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada nas instâncias:


“A. A arguida mantinha em funcionamento, a 28.05.2020 e 15.10.2020, uma ERPI denominada C..... .. ... ........., sita na ..., sem que para o efeito dispusesse da respetiva licença ou autorização provisória de funcionamento.


B. O estabelecimento em causa, que se encontrava a funcionar pelo menos desde maio/2008, à data das visitas inspetivas, acolhia 10 utentes.


C. A arguida atuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e censurável e que, para iniciar a atividade e manter em
funcionamento uma ERPI, necessitava, previamente, obter a respetiva licença.



D. A arguida deu início ao seu processo de legalização, tendo apresentado um
projeto de arquitetura.

E. O facto vertido em D. tem sido acompanhado pela Segurança Social.”

De Direito

O artigo 437.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Fundamento do recurso” (para fixação de jurisprudência) dispõe que:


1 - Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o Ministério Público, o arguido, o assistente ou as partes civis podem recorrer, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.


2 - É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.


3 - Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente na resolução da questão de direito controvertida.


4 - Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.


5- O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.”


Antes de mais, importa decidir se é possível que o mesmo recurso de uniformização incida sobre duas questões.


A este respeito, e sem ignorar a divergência existente ao nível da jurisprudência deste Supremo Tribunal, aderimos à fundamentação do Acórdão de 22-10-2014, proferido no Processo n.º 154/11.0PAPNI.L1-A.S1:


“Ela [a tese oposta] baseia-se fundamentalmente num argumento de ordem meramente literal: a referência do art. 437.º do CPP à necessidade de a oposição se referir à mesma questão de direito.


É, porém, evidente que esse enunciado não afasta a possibilidade de existirem várias questões de direito no recurso interposto. Em parte alguma a lei fala de uma única questão. É certo que impõe que a oposição incida sempre sobre a mesma questão. Mas não poderia ser doutra forma, pois se não há contradição sobre uma concreta e determinada questão, o recurso de fixação de jurisprudência não teria sentido…


Porém, essa exigência não impede que sejam suscitadas várias oposições. O que impõe é que, sendo várias, relativamente a cada uma delas seja indicada uma decisão que se oponha ao acórdão recorrido.


Se o argumento literal não serve, também não colhe apelar à teleologia do recurso para fixação de jurisprudência. Este recurso visa, por um lado, fixar para o futuro, e dentro dos limites de eficácia impostos pelo art. 445º, nº 3, do CPP, a solução da questão controversa. Mas tem ainda eficácia interna, nos termos do nº 1 do mesmo artigo. Esta dupla eficácia não contende, porém, com a apreciação de diversas questões jurídicas suscitadas pela mesma decisão. Não seguramente se todas elas forem apreciadas no mesmo recurso. E também não, se forem apreciadas separadamente. Neste caso, a eficácia externa não é minimamente afetada. Só a eficácia interna pode envolver alguns problemas, já que a decisão recorrida pode vir a ser modificada sucessivamente por decisões separadas.


Em qualquer caso, porém, não é admissível recusar o conhecimento de todas as questões jurídicas que tenham tido solução oposta, pelo facto de ocorrerem na mesma decisão.


Desde logo, seria incongruente que se admitisse ou não o recurso extraordinário, conforme a oposição verificada fosse ou não a única ocorrida naquele processo. A ser assim, a restrição do recurso a uma única questão, no caso de ocorrerem duas ou mais oposições, obrigaria o recorrente a optar por uma delas, privando-o de recorrer quanto às demais.


Ou seja, dar-se-ia uma autêntica espoliação do direito a um recurso previsto na lei, por razões de mera contingência processual (ter a oposição ocorrido conjuntamente com outra), o que é totalmente inaceitável.


Conclui-se, pois, que nada obsta a que no mesmo recurso para fixação de jurisprudência sejam suscitadas duas (ou mais) oposições. Ponto é que, relativamente a cada uma, seja indicada a respetiva decisão oposta”.


Na esteira do Acórdão que vimos citando, admite-se, por conseguinte, que no mesmo recurso de uniformização de jurisprudência sejam suscitas, como ocorre no caso vertente, duas oposições.


Importa, pois, determinar se existe a oposição invocada pela Recorrente entre o Acórdão recorrido e os Acórdãos fundamento que invoca para cada uma das duas questões.


Relativamente à primeira


- No Acórdão recorrido está em causa a impugnação de uma decisão proferida pelo Centro Distrital de Segurança Social de ..., condenando a Recorrente numa coima de €22.000 pela prática de duas contraordenações de funcionamento de estabelecimento que não se encontra licenciado, previstas no artigo 11.º, 39.º- B alínea a) e 39.º-E alínea a) do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14.03 e na sanção acessória de encerramento do estabelecimento denominado “C..... .. ... .........” por um período de dois anos. Esta decisão veio a ser alterada, vindo a condenar-se a Recorrente apenas por uma contraordenação e aumentando-se a coima para €25.000.


- No Acórdão fundamento proferido no processo 2688/07-2 estava em causa a impugnação de uma decisão administrativa aplicada pela Câmara Municipal de ..., através da qual foi aplicada ao arguido a coima de € 950,00, por ter incorrido na contraordenação prevista pela al. a) do n.º 1 do artigo 98.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 177/02, e punível nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.


Sucede que no Acórdão Recorrido, a propósito dos requisitos de fundamentação da decisão impugnada, o Tribunal aplicou o disposto no artigo 25.º da Lei n.º 107/2009 de 14.09. quanto à decisão administrativa e o artigo 39.º quanto à Sentença.


Prevê o artigo 25º:


Decisão condenatória


1 — A decisão que aplica a coima e ou as sanções acessórias contém:


a) A identificação dos sujeitos responsáveis pela infração;


b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;


c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;


d) A coima e as sanções acessórias.


2 — Da decisão consta também a informação de que:


a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos dos artigos 32.º a 35.º;


b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso os sujeitos responsáveis pela infração, o Ministério Público e o assistente, quando exista, não se oponham, mediante simples despacho.


3 — A decisão contém ainda a ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão.


4 — Não tendo o arguido exercido o direito de defesa nos termos do n.º 2 do artigo 17.º e do n.º 1 do artigo 18.º, a descrição dos factos imputados, das provas, e das circunstâncias relevantes para a decisão é feita por simples remissão para o auto de notícia, para a participação ou para o auto de infracção.


5 — A fundamentação da decisão pode consistir em mera declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas de decisão elaborados no âmbito do respectivo processo de contra-ordenação.”


Prevê o artigo 39º:


Decisão judicial


1 — O juiz decide do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.


2 — O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.


3 — O despacho pode ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação.


4 — O juiz fundamenta a sua decisão, tanto no que respeita aos factos como no que respeita ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção, podendo basear -se em mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa.


5 — Em caso de absolvição, o juiz indica porque não considera provados os factos ou porque não constituem uma contra -ordenação.”.


Ao invés, no Acórdão Fundamento, a propósito também dos requisitos da fundamentação da decisão administrativa impugnada, o Tribunal aplicou apenas o artigo 374º 1, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem qualquer alusão aos artigos 25.º e 39.º da Lei n.º 107/2009, que não se aplica ao caso concreto. Foi por força da aplicação dessa norma, do n.º 2 do artigo 374.º do Código Penal que expressamente refere que da fundamentação deve constar designadamente a enumeração dos factos provados e não provados que o Tribunal concluiu pela nulidade da decisão à luz do artigo 379.º n.º 1 alínea a) ou, pelo menos, do artigo 410.º n.º 2 alínea b).


Os Acórdãos não traduziram, em suma, a aplicação da mesma legislação.


Acresce que, conforme resulta do Acórdão Recorrido, a sentença proferida no âmbito do presente processo contém uma descrição dos factos provados, não efetuando uma mera remissão para o teor da decisão administrativa, ao contrário do que ocorreu no processo nº 2688/07-2do Acórdão Fundamento que determinou a anulação da Sentença precisamente por ter sido efetuada apenas uma remissão nos seguintes termos “ Todos os factos típicos objetivos e subjetivos (respeitantes à pessoa do arguido e ora recorrente) constantes da decisão do Gabinete de Contra-Ordenações da Câmara Municipal de ... vertida a fls. 14ss. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido”.


Não se admite, por conseguinte, o recurso de uniformização quanto à primeira das questões suscitadas.


Relativamente à segunda questão, a respeitante à moldura da coima.


Tanto no Acórdão Recorrido, como no Acórdão Fundamento proferido no processo nº 5902/18.5T8MTS.P1, está em causa a impugnação de decisões administrativas da Segurança Social que condenaram as arguidas por contraordenações por violação do disposto nos artigos 11º n.º 1 e 39º-B, al. a), do Decreto-lei n.º 64/2007 de 14/03, na versão republicada em anexo ao Decreto-lei n.º 33/2014 de 04/03 e puníveis pelo artigo 39º-E, al. a), do mesmo diploma. Nos dois Acórdãos aplica-se a mesma legislação, mormente o artigo 39º-G do Decreto-Lei n.º 33/2014, de 04.03, o qual com a epigrafe “Limites máximos e mínimos das coimas” prevê que “1 - Os limites máximos e mínimos das coimas previstas no presente decreto-lei aplicam-se quer às pessoas singulares quer às pessoas coletivas, sendo reduzidos a metade quando aplicáveis a entidades que não tenham finalidade lucrativa.”


Num dos casos – o Acórdão fundamento – o Tribunal considerou não provada a existência de atividade lucrativa, ao passo que no outro, o do Acórdão recorrido, o Tribunal pronunciou-se pela existência de uma atividade lucrativa.


Mas é claro que tal não basta para concluir pela oposição de Acórdãos, bem podendo suceder que o diferente resultado se explique pela diversidade das situações de facto com as quais os respetivos Tribunais se confrontaram, como muito bem destaca o Parecer do Ministério Público junto deste Tribunal.


No Acórdão fundamento estavam em causa apenas quatro utentes e o Tribunal entendeu que “se a Portaria 67/2012, no seu art. 6º, nº 1, exige que a estrutura residencial tenha uma capacidade mínima para quatro utentes, afigura-se-nos mais ajustado ao espírito da lei, bem como lógico e coerente que, para que a atividade se possa considerar como prestada por entidade que tenha finalidade lucrativa, que tal finalidade se encontre presente em relação a, pelo menos, quatro utentes”.


No Acórdão recorrido, estando em causa dez utentes, o Tribunal afirmou que “[n]o presente caso, não está demonstrado que a Arguida constitua qualquer entidade sem fins lucrativos. Assim, uma vez que o estabelecimento (ERPI) se encontra a funcionar há vários anos, de acordo com as regras da vida e da experiência, não pode deixar de concluir-se que a Arguida obteve ganhos e proventos com a correspondente atividade”.


Com efeito, decorre dos factos A e B que o estabelecimento se encontrava a funcionar há cerca de 12 anos e que acolhia dez utentes. Perante estes factos o Tribunal lançou mão de uma presunção de experiência de que a atividade da arguida era lucrativa. Tais factos são bem diversos dos factos provados no processo em que foi proferido o Acórdão fundamento, pelo que não existe qualquer oposição por não ter sido invocada nesse processo uma presunção similar.


Decisão:


Rejeita-se o recurso interposto, nos termos do artigo 441.º n.º 1 do CPP.


Condena-se o Recorrente ao pagamento de 2 UC de taxa de justiça.


Lisboa, 17 de abril de 2024


Júlio Gomes (Relator)


Mário Belo Morgado


Ramalho Pinto





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1. Artigo 374.º - Requisitos da sentença

1 - A sentença começa por um relatório, que contém:

a) As indicações tendentes à identificação do arguido;

b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;

c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;

d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.

2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém:

a) As disposições legais aplicáveis;

b) A decisão condenatória ou absolutória;

c) A indicação do destino a dar a animais, coisas ou objetos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas;

d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;

e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal.↩︎