Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04P4831
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: HABEAS CORPUS
FUNDAMENTOS
REEXAME DOS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA
IRREGULARIDADE
RECURSO PENAL
Nº do Documento: SJ200501050048315
Data do Acordão: 01/05/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário : 1 - O habeas corpus, tal como o configura a lei (art. 222.º do CPP), é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido e que tem, em sede de direito ordinário, como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão:
- a incompetência da entidade donde partiu a prisão;
- a motivação imprópria;
- o excesso de prazos.
2 - Para que possa merecer acolhimento o pedido de habeas corpus é ainda necessário que a ilegalidade da prisão seja actual, actualidade reportada ao momento em que é apreciado aquele pedido, como tem sido a jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça.
3 - O habeas corpus não é um recurso, mas um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais.
4 - Se o requerente requereu o reexame dos pressupostos da prisão preventiva e o Relator na Relação entendeu que tal deveria ter lugar na 1.ª instância, aquele deve requer a prolação de um acórdão em conferência e, em caso de confirmação, recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça desse acórdão, pois a falta de reexame é uma irregularidade que não integra os fundamentos do pedido de habeas corpus.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1.1.
A cidadã AMSR, arguida com os sinais nos autos, representada por advogado, pedir a sua restituição à liberdade, em virtude de prisão ilegal indicando as seguintes razões e fundamentos:

«1 - A ora peticionante encontra-se preventivamente privada de liberdade, à ordem dos presentes autos desde 8.3.2002;

2 - Desde 1 de Julho de 2004, que não é dado cumprimento ao disposto no art. 213.°, n.º 1 do CPP, Consequentemente,

3 - Foi solicitado em 10.12.2004 ao Tribunal onde se encontravam os presentes autos, que fossem reapreciados os pressupostos da prisão preventiva da dita cidadã. O que foi feito nos seguintes termos:

"Venerandos Juízes-Desembargadores"

AMSR, Arguida/Recorrente nos autos em epígrafe referenciados, notificada que foi do Doutíssimo Acórdão proferido por esse Venerando tribunal em 7.12.2004, vem mui respeitosamente expor e requerer, tal como segue:

1 - A Arguida, desde 8 de Março de 2002 que se encontra preventivamente privada da liberdade, no Estabelecimento Prisional Regional de Odemira;

2 - Desde 1.7.2004, que inexiste qualquer despacho judicial que tenha reapreciado os pressupostos da prisão preventiva imposta à Arguida AMSR. Pelo menos que tenha sido notificado a qualquer dos mandatários da mesma.

3 - Nos termos do disposto no art.º 213°, n° 1 do CPP, os pressupostos da subsistência da prisão preventiva, devem ser reavaliados de três em três meses.

4 - Quanto a tais pressupostos, e, na esteira do Doutíssimo Acórdão tirado por Vossas Excelências nestes autos, resulte claro e manifesto que,

6 - Os indícios imputados ab initio à Arguida AMSR, mesmo após audiência de julgamento perante Tribunal Colectivo, resultaram atenuados, pelo menos no que tange ao preenchimento do tipo de crime que a mesma foi sentenciada em primeira instância - tráfico de heroína e cocaína, p. e p. pelo 21.°, n.° 1 do Dec. Lei n.° 15/03 de 22/1;

6 - Em suma, tendo Vossas Excelências analisado minuciosamente todas as provas documentais constantes dos autos, muito bem concluíram que, de facto, mesmo após tantas sessões de julgamento, o Acórdão anulado enfermava mesmo do vicio de insuficiência de matéria de facto para a decisão - de condenação por crime a que corresponda pena de prisão superior a 5 anos (atento o disposto no art.° 25°, al. a) do Dec. Lei n.º 15/93 de 22/1 - quantidades).

7 - Assim, devendo sempre prevalecer um juízo de in dúbio pro reo, na pior das hipóteses, será de esperar em novo julgamento que, muito dificilmente, virá a Arguida a ser sentenciada em pena de prisão efectiva superiora 5 anos. Ora

6 - Considerando que, nesta data, a Arguida Já se encontra detida preventivamente há cerca de três anos, não custará muito vislumbrar que inexiste um grau de probabilidade tal que permita supor que venha a ser aplicada à Arguida urna pena de prisão definitiva, descontando o tempo de prisão preventiva, superior e 3 anos. Especialmente tendo era conta que,

9 - A Arguida foi pronunciada por crime a que correspondia uma pena de prisão situada entre os 5 e os 15 anos - no final da produção de prova em primeira instância, passou para crime com pena de prisão entre os 4 e os 12 anos. E, neste momento com a prolação do Douto Acórdão dessa Veneranda Relação, verifica-se que nem existe ainda fundamentação suficiente para sentenciar a Arguida Ana Rua com o crime previsto no art.° 21°, n.º 1 (entre 4 e 12 qnos). Resumidamente,

10 - Resulta por demais manifesto que, com o decurso das diversas fases processuais, só têm vindo a diminuir os indícios imputados inicialmente à ora Recorrente.

Assim, nos termos das razões e fundamentos apontados, nos demais do lei do Direito e nos do sempre Mui Douto Suprimento de Voasse Excelências, Venerandos Juízes-Desembargadores, requer-se mui respeitosamente que seja proferido Douto despacho a que alude o art° 213.°, n° 1 do CPP, revogando-se de mediato a prisão preventiva da Arguida AMSR, ficando a mesma a aguardar a repetição de Julgamento em primeira instância, e dos demais ulteriores termos do processo, em liberdade, se bem que, ainda que sujeita a diferente e menos gravosa medida de coacção.

Desde já se fez consignar que a Arguida AMSR prescinde do prazo para recorrer do Doutíssimo Acórdão proferido nestes autos por esse Tribunal Superior datado de 7.12.2004, conformando-se inteiramente com o mesmo." -: Fim de transcrição.

4 - Ora, acontece que, mesmo após o sobredito requerimento, continuam sem ser reapreciados os pressupostos da prisão preventiva, Que, diga-se em abono de verdade, se encontra manifestamente desactualizados, em face do último Doutíssimo Acórdão proferido pela Veneranda Relação de Évora.»

1.2.

No mesmo dia, o Sr. Juiz Desembargador prestou, nos termos do art. 233.º do Código de Processo Penal, a seguinte informação:
Em rigor, face ao teor do despacho exarado em 23DEZ04, a fls. 2113 V, a providência de habeas corpus deveria ser processada na 1.ª instância.

Atendendo, porém, ao seu carácter de urgência prestar-se-à de imediato a informação a que alude p art. 223.º, n.º 1 do CPP.

Liminarmente, porém, dir-se-á que a requerente (arguida AMSR) louva o pedido de habeas corpus, em substância, na circunstância de não ter sido reexaminada a substância dos pressupostos que determinaram a sua prisão preventiva, na sequência do requerimento que apresentou em 10DEZ04, cujo teor transcreve na petição de habeas corpus.

Sobre esse requerimento recaiu o mencionado despacho proferido em 23.DEZ04, nos termos do qual "na 1.ª instância será dado cumprimento ao disposto no art. 21.3.º do CPP, pois entendemos que após a condenação em 1.ª instância não cabe na competência da Relação (ou do Supremo) apreciar tais pressupostos" (de harmonia, aliás, com, entre outros, o Ac. do STJ, de 27JUN96, BMJ 458-204).

Desse despacho foi a peticionante notificada, via "fax", em 23DEZ04 não tendo (ainda) contra ele reagido.

De resto, "não integra qualquer dos fundamentos de habeas corpus designadamente o previsto no art. 222.º, n.º 2, al. c) do CPP, a não realização do reexame da subsistência dos pressupostos que motivaram a prisão preventiva, imposta pelo art. 213.º do mesmo diploma" (Ac. do STJ de 20FEV97, BMJ 646-420)

À informação a que alude o art. 223.º, n.º 1 do CPP prestada no âmbito do Proc. de habeas corpus n.º 1814/04 - 3.ª Secção (também transcrita no Ac. do STJ de 5MAI04 proferido nesse processo) - a que deu origem o pedido também formulado pela arguida AMSR - adita-se o seguinte:

1 - Após aquela informação (datada de 26ABR04) a subsistência dos pressupostos que determinaram a prisão preventiva da requerente foi reexaminada, nos termos do art. 213.º do CPP, por despacho de 1JUL04 (fls. 2293);

2 - Por acórdão desta Relação, de 10DEZ04, proferido a fls 2353 e ss, foi decidido, além do mais:

2. a) Anular o acórdão recorrido (proferido em 19ABR04, pelo Tribunal Colectivo da Comarca de V. Real de St.º António, no âmbito do proc. n.º 28/01).

2. b) Anular o julgamento, por insuficiência da matéria de facto para a decisão, e ordenar a sua repetição, nos termos dos art.ºs 426.º e 426.º-A;

3 - Notificada do referido acórdão desta Relação, apresentou a arguida AMSR, em 10DEZ04, o também mencionado requerimento em que solicita "que seja proferido douro despacho que alude o art. 213.º, n.º 1 do CPP revogando-se de imediato a prisão preventiva da arguida AMSR, ficando a mesma a aguardar a repetição de julgamento em primeira instância e dos demais e ulteriores termos do processo, em liberdade, se bem que, ainda que sujeita a diferentes e menos gravosa medida de coacção".

4 - Sobre aquele requerimento recaiu o aludido despacho proferido em 23DEZ04 que determinou que na 1.ª instância seria dado cumprimento ao disposto no cit. Art. 213.º

Considerando que à arguida é imputada a autoria material de um crime de tráfico de heroína e cocaína, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22JAN, está presa preventivamente desde 8MAR02, sendo de quatro anos o prazo máximo de prisão preventiva, nos termos do art. 215.º, n.ºs 1, al. d) e 3 do CPP, sem necessidade de declarar de especial complexidade o processo, uma vez que a elevação dos prazos de duração máxima da prisão preventiva nos termos do n.º 3 daquele art. 215.º decorre directamente do disposto no n.º 3 do art. 54.º do cit. DL 15/93, conforme Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 11FEV04, publicado no DR Série-A, de 23ABR04, e, finalmente, pelas razões apontadas mantêm-se, porque legal, a prisão preventiva da arguida AMSR.»

2.

Entrada a petição neste Supremo Tribunal, teve lugar a audiência a que alude o n.º 3 do art. 223.º do CPP, pelo que cumpre conhecer e decidir.

E conhecendo.

3.1.

A requerente tem legitimidade e pode formular, como formulou, a petição - n.º 2 do art. 222.º do CPP.

Mantém-se a prisão, como resulta da informação do Sr. Juiz - n.º 2 do art. 223.º do CPP.

O habeas corpus, tal como o configura a lei (art. 222.º do CPP), é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que tem, em sede de direito ordinário, como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão (art. 222.º do CPP).

A requerente não invoca especificamente nenhum desses três fundamentos - incompetência da entidade donde partiu a prisão [al. a)], motivação imprópria [al. b)] e excesso de prazos [al. c)].

Invoca, no entanto, uma prisão ilegal actual, actualidade reportada ao momento em que é apreciado aquele pedido (como é jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça - cfr Acs de11.2.93, Acs do STJ n.º 1, 196, de 23.11.95, proc. n.º 112/95, de 21.5.97, proc. n.º 635/97, de 9.10.97, proc. n.º 1263/97, de 26.10.00, proc. n.º 3310/00-5, de 25.10.01, proc. n.º 3551/01-5 e de 24.10.01, proc. n.º 3543/01-3), ilegalidade que advém da falta de reexame atempado dos seus pressupostos.

3.2.
- A arguida AMSR encontra-se em prisão preventiva desde o dia 8.3.02 (fls. 585 a 593);
- Mantém-se na situação de presa preventiva á ordem destes autos de forma ininterrupta, até ao presente;
- Em 2.10.02 foi proferido despacho judicial a declarar que os prazos máximos de prisão preventiva, nos presentes autos, são os constantes do art. 215.║, n.║ 3, por referência ao n.║ 1, e 24.║. al. j) do CPP (fls. 1030/1031 e 1034);
- Foi proferida acusação em 12.2.03, na qual lhe foi imputada a prática de um crime de tráfico de estupefaciente agravado dos art.║s 21.║, n.║ 1 e 24.║, al. j) do DL n.░ 15/93, de 22 de Janeiro (fls. 12190 a 1311);
- Em 9.5.03 foi proferida decisão instrutória que pronunciou a arguida pela prática dos factos imputados na acusação (fls 1586 a 1592);
- Em 2.4.04, em cumprimento do disposto no art. 213.░ do CPP, foi reexaminada a prisão preventiva aplicada à arguida, tendo sido mantida (fls. 2071);
- Em 19.4.04 foi proferida decisão condenatória em 1.ª instância, (fls, 2081-fls- 2117) da arguida na pena de 7 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21.║, n.║ 1 do DL n.║ 15/93, que não chegou a transitar em julgado.
- Para além do despacho judicial de 2.10.02, não foi proferido despacho a declarar a especial complexidade do processo.
- A mesma arguida requereu uma providência de habeas corpus por prisão ilegal, por não ter sido o processo declarado de especial complexidade, que foi indeferida por acórdão deste Supremo Tribunal de 5.5.04 (proc. n.º 1814/04-3.ª Secção), face ao Ac. de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2004 (DR IS-A de 2.4.04) que estabelece a desnecessidade daquela declaração judicial perante o n.º 3 do art. 54.º do DL n.º 15/95, como era o caso.
- A subsistência dos pressupostos que determinaram a prisão preventiva da requerente foi reexaminada, nos termos do art. 213.º do CPP, por despacho de 1.7.04 (fls. 2293);

- Por acórdão da Relação de Évora, de 10.12.04 (fls 2353 e ss), foi decidido, além do mais:

(a) anular o acórdão condenatório do Tribunal Colectivo de V. Real de St.º António;

(b) anular o julgamento, por insuficiência da matéria de facto para a decisão, e ordenar a sua repetição, nos termos dos art.ºs 426.º e 426.º-A do CPP;

- Notificada desse acórdão, a arguida apresentou, em 10.12.04, o requerimento transcrito no presente pedido de habeas corpus em que solicitou o reexame a que alude o art. 213.º, n.º 1 do CPP com a revogação de imediato da prisão preventiva a que está sujeita e a sua libertação para aguardar a repetição de julgamento eventualmente sujeita a diferente e menos gravosa medida de coacção;

- Sobre esse requerimento recaiu, em 23.12.04, um despacho do Senhor Desembargador Relator que decidiu que na 1ª. instância será dado cumprimento ao disposto no art. 21.3.║ do CPP, pois entendemos que após a condenação em 1ª. instância não cabe na competência da Relação (ou do Supremo) apreciar tais pressupostos (de harmonia, aliás com, entre outros, o Ac. do STJ, de 27JUN96, BMJ 458-204)". Despacho notificado à arguida por fax, no mesmo dia, que ainda não reagiu contra ele.

3.4.

O fundamento invocado para presente pedido de habeas corpus: falta de reexame trimestral dos pressupostos da prisão preventiva da requerente, não procede.

Vem entendido este Supremo Tribunal de Justiça, sem discrepâncias, que a falta de reexame dos pressupostos da prisão preventiva, nos termos do art. 213.º do CPP, não integra os fundamentos da petição de habeas corpus do art. 222.º do CPP nem gerando, só por si, a ilegalidade da prisão.


Com efeito, «a não realização do exame da subsistência dos pressupostos que motivaram a prisão preventiva, imposto pelo art. 213° do CPP não extingue essa prisão preventiva, dando apenas motivo a que possa ser requerido tal exame» (Ac. do STJ de 25.11.93, proc. nº 51/93); «a não reapreciação da prisão preventiva nos prazos a que alude o art. 213º do CPP não constitui uma nulidade, mas sim uma mera irregularidade» (Ac. do STJ de 10.7.96, proc. nº 873/96, Ac. do STJ de 23.6.03, proc.o nº 2543/03-5, Ac. do STJ de 24.9.03, proc. nº 3302/03-3); «a falta de reexame da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva (art.º 213.º, do CPP) não é determinante da extinção daquela medida coactiva (art.º 214.º, do mesmo Código) nem, por si só, integra fundamento de habeas corpus (Ac. do STJ de 25.10.01, proc. nº 3544/01-5, Ac. do STJ de 17.9.03, proc. nº 2923/03-5, Ac. do STJ de 23.6.03, proc.o nº 2543/03-5), designadamente «da al. c) do n.º 2 do art. 222.º daquele diploma» (Ac. do STJ de 12.12.01, proc. nº 4236/01-3); «o retardamento desses reexames trimestrais, por motivos não explicitados, não pode ser equiparado (ou mesmo apodado) de abuso de poder (art.º 31.º, da CRP), não integrando qualquer dos fundamentos de habeas corpus, designadamente o previsto no art. 222.º, n.º 2, al. c), do CPP» (Ac. do STJ de 6.12.01, proc. nº 4125/01-5).

«(1) A providência de habeas corpus, pela sua natureza e finalidade, é caracterizada pelo princípio de actualidade, no sentido de que só é de decretar se no momento da decisão se verificar ou persistir uma situação de prisão fundada em ilegalidade proveniente de alguma das circunstâncias enumeradas na lei.

(2) Ainda que se mostre excedido (em um dia) o prazo legal de reexame da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva (art. 213.º, do CPP), a manutenção desta não é ilegal, pois dessa irregularidade não resulta a extinção da medida (art. 214.º, do CPP) nem o excesso do prazo máximo da prisão preventiva, prazo esse determinado em função apenas das circunstâncias fixadas no art. 215.º, do mesmo Código.

(3) O ter sido excedido o aludido prazo para reexame da prisão preventiva não integra nenhum dos fundamentos da providência de habeas corpus (art. 222.º, n.º 2, do CPP) (Ac. do STJ de 6.2.02, Acs STJ, X, 1)

«Não será a falta ou o atraso do reexame trimestral da prisão preventiva (art. 213.º, n.º 1, do CPP) - mas, simplesmente, a ultrapassagem dos prazos [«de duração máxima da prisão preventiva»] fixados no art. 215.º - que poderá fundamentar, a pretexto de se «manter para além dos prazos fixados pela lei», a concessão, entretanto, da providência de habeas corpus» (Ac. do STJ de 5.9.03, proc. nº 2919/03-5, Ac. do STJ de 19.2.04, proc. nº 737/04-5).
Se não se procedeu ao reexame trimestral dos pressupostos da prisão preventiva, de acordo com o estipulado no art. 213.º do CPP, pode sempre o sujeito afectado requerê-lo (Ac. do STJ de 25.11.93, proc. nº 51/93), certo que é passível de recurso decisão que incida sobre tal requerimento - cfr. art. 219.º do CPP (Ac. do STJ de 17.7.03, proc. nº 2868/03-3).

Pode dizer-se, em síntese com o Ac. deste Tribunal de 15.10.03 (proc. nº 3543/03-3), que a providência de habeas corpus funciona como remédio excepcional para situações em si mesmas também excepcionais, na medida em que se traduzam em verdadeiros atentados ilegítimos à liberdade individual das pessoas, só sendo por isso de utilizar em casos de evidente ilegalidade da prisão.

A ratio do art. 213.º, n.º 1, do CPP, visa, essencialmente, o controle e acompanhamento actualizado do estatuto processual do arguido em prisão preventiva e o reexame trimestral dos pressupostos da prisão preventiva é mais uma obrigação do juiz ("procede oficiosamente") do que um direito ou uma garantia de defesa do arguido, e a falta, antecipação, ou atraso desse reexame não passa de uma irregularidade processual, facilmente sanável através de simples requerimento por banda do arguido afectado, e nunca através de habeas corpus, cujos fundamentos não preenche.

Esses fundamentos enunciados no CPP revelam que a ilegalidade da prisão que lhes está pressuposta se deve configurar como violação directa e substancial e em contrariedade imediata e patente da lei: quer seja a incompetência para ordenar a prisão, a inadmissibilidade substantiva (facto que não admita a privação da liberdade), ou a directa, manifesta e auto-determinável insubsistência de pressupostos, produto de simples e clara verificação material (excesso de prazo).

Deste controlo estão afastadas todas as condicionantes, procedimentos, avaliação prudencial segundo juízos de facto sobre a verificação de pressupostos, condições, intensidade e disponibilidade de utilização in concreto dos meios de impugnação judicial, condições que podendo ser objecto - típico - de recursos ordinários, estão inteiramente fora dos pressupostos, nominados e em numerus clausus, da providência extraordinária (neste sentido também o Ac. do STJ de 29.10.03, proc. nº 3750/03-3).

É certo que a requerente invoca omissão de reexame dos pressupostos da prisão preventiva

Mas parece esquecer que a providência de habeas corpus, como expediente extraordinário que é de salvaguarda da liberdade, se destina exactamente a garantir essa salvaguarda e não a reexaminar decisões judiciais. Para tal estão previstos recursos no âmbito dos quais podem e devem se examinadas questões tais como vêm colocadas pelo requerente.

Com efeito, tem entendido o STJ que o habeas corpus, tal como o configura a lei (art. 222.º do CPP), é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que não um recurso; um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais.

Por isso que a medida não pode ser utilizada para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria para a sua reapreciação. O acento tónico do habeas corpus é posto na previsão constitucional, o que vale por dizer na ocorrência de abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, na protecção do direito à liberdade, reconhecido constitucionalmente, uma providência a decretar apenas nos casos de atentado ilegítimo à liberdade individual - grave e em princípio grosseiro e rapidamente verificável - que integrem as hipóteses de causas de ilegalidade da detenção ou da prisão taxativamente indicadas nas disposições legais que desenvolvem o preceito constitucional.

E que não contemplam, como é jurisprudência constante deste Tribunal, a falta de reexame dos pressupostos da prisão preventiva.
Por outro lado, como resulta do relatado, a requerente solicitou na Relação aquele reexame e a sua libertação. Esse requerimento foi apreciado pelo Relator que, por despacho de 23.12.04 e na senda do decidido pelo STJ nos Acs. de 13.11.93, BMJ 411-450 e de 27.6.96, BMJ 458-204, remeteu para a 1.ª instância tal reexame.

A requerente, notificada de tal despacho não reagiu contra ele, designadamente não requereu que sobre ele recaísse um acórdão, em conferência, para, na eventualidade de confirmação, poder recorrer para este Supremo Tribunal (cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 6.11.02, proc. nº 3096/02) para fazer reexaminar a solução dada pela Relação.

Não o tendo feito, não é agora nem o momento, nem este o expediente próprio para o fazer.

4.

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir, por falta de fundamento legal, o pedido de habeas corpus deduzido pela requerente.

O requerente pagará taxa de justiça que se fixa em 4 Uc (art. 84.º, n.º 1, do CCJ).
Lisboa, 5 de Janeiro de 2005
Simas Santos (Relator)
Soreto de Barros
Sousa Fonte
Santos Monteiro