Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1469/18.2T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO TAVEIRA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
SERVIÇOS MÉDICO-DENTÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
Nº do Documento: RP202403191469/18.2T8STS.P1
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para se considerarem provados factos não basta que as partes ou as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.
II - A apreciação de estados clínico e médicos e das sequelas que advieram de uma intervenção médica, está sujeita a uma avaliação cientifica e tal operação exige especiais conhecimentos científicos, devendo a mesma obedecer a parâmetros e padrões que a ciência exige e impõe.
III - Estando em causa actos médicos contratados entre o médico e o paciente, pelos quais se prestam serviços clínicos, como ocorre no caso em análise, existe um contrato de prestação de serviços a que se aplicam as regras próprias do contrato de mandato.
IV - Em matéria de responsabilidade civil contratual não está o paciente, se for Autor, dispensado de alegar a factualidade integrante da acção ou omissão médica, mas já terá facilitada a matéria relativa à culpa, posto que, como se sabe, neste domínio existe o princípio da inversão do ónus da prova da culpa consagrado, entre nós, no artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil.
V - As obrigações do médico são consideradas, em regra, meras obrigações de meios, só excepcionalmente assumindo obrigações de resultado.
VI - As intervenções médico-dentárias com fins predominantemente estéticos, tais como colocação de próteses, restauração de dentes e até a realização de implantes, reconduzem a obrigação do médico a uma obrigação de resultado.
VII - A responsabilidade da clínica/hospital onde o médico praticou os actos susceptíveis de basear a sua responsabilidade radica no disposto no art.º 800.º do Código Civil e no que tiver sido acordado no contrato que o doente tenha celebrado com aqueles.
VIII - A contagem dos juros de mora, na indemnização por danos não patrimoniais, faz-se a partir da data da decisão actualizadora, e não a partir da citação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. N.º[1] 1469/18.2T8STS.P1
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Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Local Cível de Santo Tirso - Juiz 2

RELAÇÃO N.º 116

Relator: Alberto Taveira

Adjuntos: Alexandra Pelayo

                João Diogo Rodrigues


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

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I - RELATÓRIO.

AS PARTES


A.: AA

R.: A... S.A

Interv: B..., S.A.

R.:BB

Interv: C..., S.A.


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A[2] A., intentou a vertente acção de processo comum contra as RR., peticionando a condenação dos Réus a pagar:

a) com a quantia de € 30.000,00 para reparação dos danos morais aludidos nos artºs 15º a 27º;

b) com os juros legais incidentes sobre as quantias pedidas na alínea anterior a contar da sua citação para esta ação.

Alega, sinteticamente, que:

(i) A. contratou com a RR a prestação de serviços de cuidados de saúde médico-dentários a prestar na referida unidade hospitalar, concretamente uma intervenção cirúrgica bilateral mandibular para exodontia de peças dentárias posteriores e colocação de 4 implantes, dois no lado esquerdo da mandíbula e dois no lado direito da mesma, sendo que a intervenção cirúrgica se realizou no dia 27/02/2015;

(ii) Tal intervenção foi efetuada pela 2ª Ré que ali exercia a sua atividade profissional de médica dentista por conta da 1ª Ré;

(iii) Sucede que, em resultado da intervenção, e logo no próprio dia da mesma, a Autora ficou a padecer de uma sensação anormal na face, correspondente a insensibilidade no rosto (como se ainda estivesse anestesiada), acompanhada de forte dor;

(iv) No dia subsequente, a 2ª Ré contactou telefonicamente a Autora, sendo que, em função das queixas desta, determinou fosse efetuada radiografia e TAC e subsequentemente a alteração da posição do implante para alívio do trajeto nervoso do lado esquerdo;

(v) Como nos dias subsequentes a dormência, insensibilidade e a dor não passassem, voltou a ser vista pela a 2ª Ré, a qual aconselhou a nova alteração da posição do implante para alívio do trajeto nervoso do mesmo lado;

(vi) A Ré padecia de dor neuropática oro facial por lesão primária do nervo dentário inferior, ramo do nervo trigémeo, pós-implante dentário, provocando parestesia como lesão irreversível.


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O Réu A... S.A. deduziu contestação, arguindo a exceção de prescrição e impugnando as alegações da Autora relativas à ilicitude da intervenção e aos danos invocados.

Concluiu, propugnando a improcedência da ação e peticionando a intervenção principal provocada da D..., S.A..


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A Ré BB contestou a ação, arguindo a exceção de prescrição e impugnando as alegações da Autora relativas à ilicitude da intervenção e aos danos invocados.

Concluiu, propugnando a improcedência da ação e impetrando incidente de intervenção principal provocada da C..., S.A..


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Proferiu-se despacho que admitiu os incidentes de intervenção principal provocada da C..., S.A. e de D..., S.A. na qualidade de associadas dos Réus.

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A interveniente C..., S.A. deduziu contestação, advogando a exceção de prescrição e impetrando a improcedência da ação.

A interveniente D..., S.A., S.A. deduziu contestação, advogando a exceção de prescrição e pugnando a improcedência da ação.


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Exarou-se despacho saneador, o qual julgou a exceção de prescrição improcedente, bem como o despacho que identificou o objecto do litígio e enunciaram os temas da prova.

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DA DECISÃO RECORRIDA


Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida SENTENÇA julgando totalmente improcedente a demanda, nos seguintes termos:

A) Absolver os Réus A... S.A., BB, C..., S.A. e D..., S.A. do peticionado;

B) Condenar a Autora AA no pagamento das custas processuais.“.


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DAS ALEGAÇÕES

A A., vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:

“Termos em que pelo exposto, pelo mérito dos autos e pelo que doutamente será suprido deve à apelação ser concedida provimento, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se provada e procedente a ação. porque assim se fará justiça“.


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A ora recorrente apresenta as seguintes CONCLUSÕES:

1. Deverão ser aditados os seguintes pontos da matéria de facto:

a) A Autora não possuía a altura mínima de segurança para colocar os implantes.

b) Em consequência do mencionado em 31), a Autora sofreu temor, e receio pelas sequelas a que a sujeição ao tratamento determinaram.

c) Em consequência do mencionado em 31), a Autora sofreu diminuição de humor, desmotivação, desânimo, cansaço fácil, dificuldades cognitivas, ideias mórbidas acerca do presente e futuro.

d) Em consequência do mencionado em 31), a Autora passou a tomar medicamentos anti depressivos.

e) Em consequência do mencionado em 31), a Autora sente-se em baixo, triste.

f) Em consequência do mencionado em 31), a Autora sai menos à rua.

g) Em consequência do mencionado em 31), com frequência, a comida aloja- se nos dentes, o que lhe provoca ainda mais dores.

2. Os concretos meios de prova que impõem a decisão acabada de referir são:

Facto a)

Contestação e Declarações de Parte da Ré BB nas seguintes passagens: 05:31 – 05:39.

Facto b)

Depoimento da testemunha CC nas seguintes passagens:

09:31 – 10:11.

Facto c)

Depoimento da testemunha DD, nas seguintes passagens:

09:45 – 10:18;

Facto d)

Declarações de Parte da Autora, nas seguintes passagens;

17:40 – 19:26;

Depoimento da testemunha DD, nas seguintes passagens:

08:06 – 8:43.

Depoimento da testemunha CC nas seguintes

passagens:

10:12 – 10:47

Facto e)

Depoimento da testemunha CC nas seguintes passagens:

08:40 – 09:30.

Depoimento da testemunha EE nas seguintes passagens:

04:31 – 5:21;

Facto f)

Depoimento da testemunha DD, nas seguintes passagens:

10:24 – 10:31;

Depoimento da testemunha EE nas seguintes passagens:

08:05 – 08:33

Facto g)

Declarações de Parte da Autora, nas seguintes passagens;

19:27 – 19:34

Depoimento da testemunha DD, nas seguintes passagens:

10:34 – 10:44.

3. Além ou independentemente da responsabilidade do A... por atos dos seus auxiliares, existe também uma responsabilidade própria, pessoal, dos médicos, auxiliares de cumprimento das obrigações do Hospital para com a Autora. A lesão do direito à integridade física gera também responsabilidade delitual pessoal do médico perante o paciente ao abrigo do artº 483º, nº 1, do CCivil.

4. A lesão por parte da Ré BB do nervo alveolar da Autora deve ser considerada como que desligada do contrato em execução (porque estranha à execução do mesmo), consubstanciando por isso uma agressão à integridade física da Autora e, por esse facto, geradora de responsabilidade civil, tendo objetivamente ocorrido uma lesão da integridade física da Autora, não exigida pelo cumprimento do contrato; a ilicitude está, por isso, verificada.

5. Não estando a intromissão na integridade física da Autora abarcada pelo consentimento por ela prestado e não sendo essa lesão exigida pelo cumprimento daquele ajuste, é de considerar que estamos em face de um facto ilícito, sendo que a ligação intrínseca entre essa lesão e o acordo significa que o regime da responsabilidade contratual é o aplicável às consequências da mesma.

6. Haveria unicamente que ponderar da exclusão da ilicitude pelo consentimento informado da Autora quanto aos riscos próprios da intervenção, mas essa seria sempre matéria cujo ónus de alegação e prova caberia às Rés e não à Autora, sendo que as Rés não obstante terem alegado a prestação de tal informação, não o conseguiram provar.

7. Face à alegação do artº 35. da p.i., não podia o Tribunal recorrido afirmar que a Autora não alegou a responsabilidade decorrente de uma postergação do direito ao consentimento informado.

8. Compete à instituição de saúde e/ou ao médico provar que prestou ao paciente as informações devidas e adequadas para que este pudesse livre e esclarecidamente exercer o seu direito de autodeterminação sobre o próprio corpo e sobre os serviços de saúde.

9. Perante a violação ilícita e culposa de deveres de informação, por parte da instituição de saúde e/ou do médico, e a ocorrência de danos que aqueles visam prevenir, acolhe-se uma presunção de comportamento conforme à informação, dispensando o paciente da prova da causalidade que intercede entre o fundamento da responsabilidade e os danos que o cumprimento correto daqueles deveres visa prevenir, presumindo-se que o paciente, se houvesse sido adequadamente esclarecido, não teria consentido, assim se respeitando a regra estabelecida no artº 563.º do CC.

10. O consentimento, prestado desta forma meramente genérica, não preenche, só por si, as condições do consentimento devidamente informado.

11. No caso dos autos, os riscos eram superiores ao normal, pelo que era imperativo que os RR. fizessem prova de que a A. fora informada de tais riscos acrescidos. Não foi feita prova bastante para preencher as exigências do consentimento devidamente informado.

12. Considerando-se que a ocorrência da lesão do nervo alveolar configura sem mais, ilicitude do resultado, a ausência de consentimento devidamente informado do lesado conduz à não exclusão da ilicitude

13. Considerando-se que é de exigir a prova da ilicitude da conduta do médico, a ausência de consentimento devidamente informado configura, por si só, um ato ilícito autónomo (e, por aplicação do regime do artº 799º, nº 1, do CC, presuntivamente culposo).

14. Quer se siga a conceção da ilicitude do resultado quer a conceção da ilicitude da conduta, os RR. e respetivas seguradoras encontram-se solidariamente obrigados a reparar os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela A. com fundamento em falta de consentimento devidamente informado da A. para a realização da intervenção de colocação dos implantes dentários.

15. O relatório pericial considerou que, quando o implante é removido em 36 horas, os sintomas dos doentes regridem, enfatizando que os sintomas melhoraram em 78,6% dos doentes que realizaram a remoção do implante no período de 2 dias e que a intervenção cirúrgica para substituição do implante na zona 45 e a manutenção do implante na zona do 47/48 mantiveram a justaposição e a projeção mo canal mandibular inferior provocada pelos implantes, pelo que, não puderam contribuir para a desejada reversibilidade da parestesia, ato cirúrgico que não respeitou as leges artis.

16. A Ré BB, em vez de ter de imediato procedido à explantação dos implantes, como reconheceu a perícia efetuada nos autos e havia sido aconselhado por mais dois especialistas, optou por não o fazer e só o veio a executar no dia 14 de março de 2015, mais de quinze dias após a cirurgia e apenas porque a Autora o exigiu.

17. Ao fazê-lo, impediu a Autora de reverter a parestesia com que ficou e que apresenta uma taxa de sucesso, de acordo com a perícia, de 78,6%, se efetuada num período de dois dias.

18. A Autora logrou provar que, no caso concreto, a médica que interveio na intervenção a que foi submetida a Autora poderia e deveria ter, nas circunstâncias em causa, agido de maneira diferente. Sendo que a mesma procedeu por forma diferente daquela em que em idênticas circunstâncias teria atuado qualquer médico.

19. A prática dos aludidos atos médicos, por parte da Ré BB permite dar como preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil.

20. As RR. agiram com culpa, a título de negligência, porquanto não agiram com o zelo e diligência que era exigível a um qualquer médico medianamente competente e cuidadoso, uma vez que, em resultado dos procedimentos cirúrgicos levados a efeito, a Autora sofreu uma parestesia ou hiperestesia em virtude de os implantes terem sido colocados em cima do nervo alveolar, o que, conforme decorre da factualidade considerada provada, não teria sucedido se tivessem cumprido o que as leis da “arte” e ciências médicas (no caso, dentárias) impunham no caso concreto.

21. Agindo da forma como atuou, nas circunstâncias em que o fez, era exigível à Ré BB que tivesse agido doutro modo, sendo, pois, uma conduta reprovável, por ter agido daquela forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso, isto é, realizando tais procedimentos cirúrgicos sem ter provocado as lesões e sequelas de que passou a padecer a Autora, informando-a dos riscos que a iria expor com a sugerida cirurgia e retirando os implantes nas primeiras 48 horas subsequentes à mesma.

22. A atuação ilícita e culposa das RR. produziu os danos descritos na sentença recorrida e aditados na sequência do presente recurso, e que resultaram daquela atuação em termos de causalidade adequada 23. A sentença recorrida violou os artºs 70º, 81º, 340º, nº 1, 342º, nº 2, 483º, nº 1, 497º, nº 1, 563º, 762º nº 2, 798º e 799º do CCivil. “.


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A interveniente C..., S.A (companhia de seguros da R. médica) apresentou RECURSO SUBORDINADO, pugnando por o recurso ”ser julgado procedente, por provado e, consequentemente, revogar-se a douta decisão recorrida e substituí-la por outra que julgue provado que, com referência ao contrato de seguro identificado no artigo 39 dos factos provados, o capital seguro à data do sinistro era de € 40.000,00 por anuidade, mas limitado a € 20.000,00 por sinistro, tudo com custas pela recorrida.

Apresenta as seguintes conclusões:

1. O presente recurso tem por objeto a decisão proferida no artigo 39 dos factos provados, na parte em que decidiu ter ficado provado que o capital do seguro ali identificado era de €40.000,00 por anuidade e sinistro.

2. É que, seja por acordo das partes (pois nenhuma delas impugnou os factos vertidos nos artigos 1º a 4º da contestação da recorrente e, como tal, consideram-se admitidos), seja pelo teor dos documentos 1 a 4 ali juntos (que também não foram impugnados), resultou provado que o capital seguro à data do sinistro era de apenas € 20.000,00 por sinistro, e não que o capital seguro era de € 40.000,00 por sinistro, como erradamente foi julgado provado pela 1.ª instância,

3. Trata-se de um erro de julgamento (error in judicando) por não corresponder à realidade e aos factos apurados (error facti), que exige reparo por parte deste tribunal de 2º instância.

4. Assim sendo, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue provado que, com referência ao contrato de seguro identificado no artigo 39 dos factos provados, o capital seguro à data do sinistro era de € 40.000,00 por anuidade, mas limitado a € 20.000,00 por sinistro.

5. No que concerne à decisão recorrida, a douta sentença violou, por omissão de aplicação e por erro de interpretação, as normas previstas nos artigos 572º, n.º 2 e 607º, n.º 3 do CPC, e no artigo 376º, n.º 1 e 2 do CC. “.


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A interveniente C..., S.A (companhia de seguros da R. médica) apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, acabando por pedir:

Termos em que, deve o recurso ser julgado improcedente, por não provado e, consequentemente, confirmar-se as decisões da 1.ª instância proferidas sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito que absolveu a C..., S.A dos pedidos, tudo com custas pela recorrente, assim se fazendo justiça! “.

Não apresentou conclusões.


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A interveniente B..., S.A. (companhia de seguros do R. hospital, anteriormente D... S.A.) apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, acabando por pedir:

Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais considerações, deverá o interposto Recurso de Apelação ser julgado improcedente, por infundado, e, consequentemente, ser confirmada a Douta Decisão proferida pelo Tribunal a quo, com todos efeitos legais.

Apresentou as seguintes conclusões:

I. Contrariamente ao que pretende a Recorrente não há qualquer prova documental, testemunhal ou pericial que permita afirmar que o quadro clínico da Autora desaconselhava a realização da intervenção cirúrgica, pelo que não seria possível ao Tribunal a quo concluir que teria de dar como não provado esse facto. Estrutura óssea reduzida não é sinónimo de impossibilidade de realização de implantes.

II. A prova documental – mormente a documentação clínica de várias instituições - junta aos autos demonstra que todas as alegadas consequências advêm de outras patologias clínicas de que a Recorrente padece. Dos relatórios clínicos junto aos autos pelo Hospital 1..., pela Dra. FF, pelo Hospital 2..., pelo Centro de Saúde ... em que encontramos queixas de cefaleias, por exemplo, em nenhum relatório tal é associado à intervenção de implantologia realizada. Aliás, nos registos clínicos do ACES Santo Tirso/Trofa é referido um estado depressivo, mas relacionado à prestação de cuidados de saúde a uma pessoa idosa. Ou seja, dos documentos clínicos juntos, em que há queixas de foro neurológico relacionadas com a coluna, cefaleias e estado depressivo não é estabelecido um qualquer nexo causal com a intervenção cirúrgica que a Recorrente realizou aos doentes, pelo que bem andou o Tribunal a quo nas suas conclusões.

III. A ação de responsabilidade civil por ato médico pode ter por fundamento o erro médico ou a violação do consentimento informado quanto aos riscos e aos danos decorrentes da realização do ato médico.

IV. Quanto ao consentimento, bem andou o tribunal a quo ao concluir que a Recorrente não invoca responsabilidade decorrente de uma postergação do direito ao consentimento informado. Efetivamente, todos os danos invocados e a responsabilidade invocada se reportam às alegadas consequências que se traduzem no dano físico e não ao bem jurídico autodeterminação que é autónomo. Contudo, também a realidade é que esse consentimento existiu.

V. No caso dos autos resulta das próprias declarações da A. que esta já em 2011 tinha sido consultada pela Ré médica, precisamente com o mesmo objetivo, tendo já nesse momento obtido informação, mas decidido não avançar – ou seja dissentiu informadamente (uma forma de autodeterminação). Só em 2015 a Recorrente voltou a procurar a Ré médica para realizar a intervenção que tinha recusado em 2011. Acresce que a própria A., ora Recorrente, admite que assinou os documentos intitulados de consentimento informado (que não era necessário ter a forma escrita porquanto o procedimento a isso não obrigava, bastando a forma verbal). A Autora já desde 2011 que conhecia a intervenção proposta e os riscos inerentes à mesma – tanto que nessa data a recusou, tendo tido tempo de refletir e pedir esclarecimentos e, posteriormente, prestou o seu consentimento na forma escrita (em que atesta que lhe foram prestados os esclarecimentos e informada sobre os riscos), o que determina que se conclua pelo cumprimento do dever de informação e pela licitude da atuação. Reiteremos, tanto estava informada que em 2011 decidiu não avançar com a intervenção.

VI. Contudo, já aquando da apresentação da PI aperfeiçoada a ora Recorrida se pronunciou no sentido de que a referida peça apresentada extravasava o referido convite ao aperfeiçoamento, como ampliando a factualidade da causa de pedir original – precisamente quanto aos aspetos relativos ao consentimento. Ora, nos termos do artigo 265.º, n.º 1 do CPC não tendo as ora Recorridas acordado nessa alteração a ampliação não é admissível tal como dispõe o artigo 265º, n.º 1 do CPC. Ora, se o facto inserido no artigo 35º da PI – consentimento - não pode ser considerado atento o supra invocado andou bem o Tribunal a quo na decisão de absolvição.

VII. Quanto à alegada má prática, a ilicitude da atividade do médico será afirmada se concluirmos que a mesma se consubstancia numa violação das legis artis impostas a um profissional prudente da respetiva categoria ou especialidade (cf. Ac. da RP, de 28.03.2017, in www.dgsi.pt).

VIII. Atendendo à matéria de facto apurada não se mostra demonstrado que os Réus tenham, em algum momento, deixado de atuar em conformidade com as boas práticas, diligência e cuidados a que estavam contratualmente obrigados, nem tão pouco que o deixassem de fazer de acordo com as melhores práticas.

IX. Ainda quanto à responsabilidade entendemos ser de referir que a responsabilidade civil assenta sempre na verificação de determinados pressupostos, que são o facto; a ilicitude; a imputação subjetiva do facto. Os referidos pressupostos são cumulativos pelo que apenas a existência, em simultâneo, de todos poderá conduzir a uma condenação. No caso vertente a ação deve falecer logo pela falha do segundo e terceiro pressuposto – ilicitude e imputação subjetiva.

X. A intervenção realizada não encerra em si mesmo uma qualquer obrigação de resultado ou quase resultado como pretende a Recorrente. Chegar a uma conclusão diversa seria subverter as regras legais estipuladas, o que coloca em causa a segurança jurídica.

XI. Toda a atividade médica comporta quase sempre uma certa álea que resulta da existência de um conjunto de fatores externos imprevisíveis ou incontroláveis que impossibilita os médicos de assegurar aos doentes um resultado certo da intervenção proposta, a saber: circunstâncias inerentes ao doente que condicionam a maior ou menor dificuldade do procedimento, equipamento utilizado e os riscos próprios do procedimento.

XII. Por isso é incontestável que a prestação em causa, nas concretas circunstâncias que resultaram provadas, não pode senão haver-se como uma mera obrigação de meios, no sentido da jurisprudência maioritária. A médica, Dra. BB, vinculou-se tão-somente a empregar o seu saber, experiência, perícia, cuidado e diligência. Foi o que fez!

XIII. Afastado que está o requisito da ilicitude então não poderá existir qualquer condenação.

XIV. Quanto à culpa, no campo da responsabilidade contratual emergente de uma obrigação de meios, coloca-se a questão da distinção entre a vertente da ilicitude e a vertente da culpa, mormente para efeitos de repartição do ónus de prova, à luz das regras constantes dos artigos 342.º, n.º 1, 798.º e 799.º do CC. Assim, é comummente entendido pela doutrina e jurisprudência que, no quadro de uma típica obrigação de meios, tem-se entendido que impende sobre o credor lesado (o paciente) provar não só a falta de verificação do resultado pretendido, mas também a falta de cumprimento do dever objetivo de diligência ou de cuidado, nomeadamente requerido pelas leges artis, como pressuposto de ilicitude, incumbindo, por seu turno, ao devedor o ónus de provar a inexigibilidade desse comportamento, a fim de ilidir a presunção da culpa.

XV. A realidade é que no caso concreto a Recorrente não logrou fazer prova da violação das regras da arte, mas os Recorridos provaram a diligência com que atuaram. Sendo que a diligência que referimos, em direito civil médico, há-de aferir-se pelo conceito equivalente, não do bonus pater familias, mas do médico médio ou, como dizem os britânicos, do «reasonable doctor»!

XVI. Pelo que toda a causa de pedir da Recorrente cai por terra.

XVII. Pelo que, não há qualquer facto ilícito ou culposo. Consequentemente, não podendo ser imputada qualquer responsabilidade ao Réu Hospital e, por maioria de razão, não há transferência de responsabilidade para a Recorrente B..., S.A. falecendo também quanto a esta os pressupostos da sua condenação.

XVIII. Quanto aos contratos, a Recorrente, em sede da sua PI afirma que “contratou com a RR a prestação de serviços de cuidados de saúde médico-dentários a prestar na referida unidade hospitalar (...)”. Isto porque efetivamente, como resulta dos autos a Recorrente procurou diretamente os serviços da Ré médica, Dra. BB.

XIX. Há dois contratos, um com o Réu estabelecimento de saúde e outro com a Ré médica. Esta médica foi escolhida pela Recorrente ao celebrar o contato com o Hospital. O Hospital que forneceu os equipamentos e os restantes recursos humanos.

XX. No caso em apreço há plena autonomia no exercício das funções da R. médica que atua sem subordinação. Ou seja, na situação em apreço, há um contrato entre o Réu Hospital, em que este disponibiliza espaço, equipamentos, cuidados de enfermagem, etc., e uma clara prestação autónoma para os serviços médicos. Outra não pode, pois, ser a conclusão de que não existe nenhum vínculo contratual entre A, ora Recorrente e o Recorrido Hospital quanto à prestação de cuidados médicos (objeto da queixa da Recorrente).

XXI. No exercício da sua atividade os médicos agiam, como agem, com inteira independência técnico-científica, seja no que concerne a diagnósticos e prescrições médico-medicamentosas, seja em matéria de intervenções cirúrgicas/exames complementares de diagnóstico e respetivas técnicas utilizadas, seja quanto à oportunidade temporal das intervenções e tratamentos conexos, bem como quanto à observância das demais leges artis.

XXII. O Hospital, Recorrido, limita-se a disponibilizar as suas instalações e os materiais necessários à realização dos aludidos exames e tratamentos, não tendo dirigido à Recorrida médica quaisquer ordens ou orientações a respeito desse acto, nomeadamente quanto ao seu modo de execução. Assim, o Hospital não controlou – nem podia controlar – os exatos termos em que os atos médicos objeto de recurso foram prestados/realizados pela Ré médica.

XXIII. O Hospital não agiu, pois, nem ilicitamente, nem com culpa, nem gerou qualquer dano à Recorrente, pelo que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada. De resto, a Recorrente não mobiliza nem um único facto no sentido de que o Recorrido Hospital, de alguma forma, tenha dado causa às alegadas lesões/sequelas que invoca nos autos – que voltemos a reiterar inexistem.

XXIV. Ora, atendendo ao supracitado forçoso é concluir pelo não preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil quanto ao Hospital e consequentemente quanto à ora também Recorrida B..., S.A..

XXV. Parece-nos assim claro que a prova produzida só permitia concluir pela improcedência do pedido da Autora, ora Recorrente, ao comprometer, por um lado, o conteúdo das suas próprias alegações e, por outro, o indispensável preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil, não permitindo, por isso, atribuir responsabilidade em primeira linha aos RR e consequentemente à Chamada, ora Recorrida.


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O R., hospital, A..., vem apresentar CONTRA-ALEGAÇÕES, tendo pugnado pela improcedência do recurso da A., apelante.

Não apresentou conclusões.


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II - FUNDAMENTAÇÃO.


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

Do que ante vem exposto, as questões a decidir, são as seguintes:

A) Modificação da decisão da matéria de facto.

Adicionamento aos factos provados alínea a) a g) (cls 1ª).

Conhecimento do recurso subordinado.

B) Apreciação da pretensão da A. em face da alteração da matéria de facto.

Em caso positivo, é de apreciar recurso subordinado.


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OS FACTOS



A sentença ora em crise deu como provada e não provada a seguinte factualidade.

A) Factos provados

Positivada a audiência final, enumeram-se como demonstrados os seguintes factos pertinentes para a boa decisão da causa:

1. O Réu A... explora várias unidades hospitalares, entre as quais se encontra o A..., no qual são efetivados serviços de saúde, designadamente, nas especialidades de Ortopedia, Medicina Interna, Ginecologia/Obstetrícia, Cirurgia Geral, Otorrinolaringologia, Urologia e Medicina Dentária.

2. A Ré BB desempenha a atividade de médica dentista, afigurando-se inscrita na Ordem dos Médicos Dentistas, sendo portadora da cédula profissional n.º ...18.

3. A sociedade E..., LDA tem como objeto, nomeadamente, a prestação de serviços de saúde, sendo que a Ré BB se afigura como gerente da mesma.

4. Em data não concretamente apurada anterior a 01/02/2015, o Réu A... e a sociedade E..., LDA declararam acordar a efetivação pela Ré BB da atividade de médica dentista no A....

5. Em 03 de Fevereiro de 2015, a Autora AA deslocou-se ao A..., no qual foi submetida a uma consulta de medicina dentária com GG, que declarou aconselhar a Autora a marcar uma consulta com a Ré BB para a colocação de implantes.

6. No dia 03/02/2025, a Autora AA declarou solicitar aos serviços administrativos do A... o agendamento de uma consulta com a Ré BB, a qual exercia a atividade de médica dentista no mesmo, a qual foi consignada para o dia 12 de fevereiro de 2015.

7. Em 12 de Fevereiro de 2015, a Autora AA deslocou-se ao A..., no qual foi submetida a uma consulta de medicina dentária com a Ré BB.

8. No decurso da predita consulta, a Ré BB declarou propor à Autora a colocação de implantes e prescreveu a realização pela mesma de TAC ao maxilar inferior (quadrante 1) e ao maxilar superior (quadrante 1).

9. Após o mencionado em 8), no referido dia 12/02/2015, a Autora foi submetida a Tomografia Axial Computorizada - TAC (Dentascan da mandíbula e Destacan da maxila), cujo relatório consignou que

“Rodeando a raiz do penúltimo dente observado no I quadrante define-se área de hipodensidade, sugerindo quisto periapical. Não são evidentes outras lesões císticas ou osteocondensantes na mandíbula. Espessamente mucosos revestindo a base dos seios maxilares, de natureza inflamatória” e

“Nas áreas edentulas o osso apresenta altura relativamente conservada. O canal mandibular encontra-se bem corticalizado, assumindo topografia inferior à das raízes das peças dentárias, com as quais estabelece relação estreita, moldado pelas raízes do penúltimo dente observado no III quadrante.”

10. Em decorrência do enunciado em 8) e 9), a Ré BB e a Autora declararam acordar a submissão pela antedita a uma intervenção cirúrgica bilateral mandibular para exodontia de peças dentárias posteriores e colocação de 4 implantes, dois no lado esquerdo da mandíbula e dois no lado direito da mesma, com implantes de 8 mm na zona posterior e de 10 mm na zona anterior.

11. A sobredita intervenção cirúrgica foi agendada para o dia 27 de fevereiro de 2015.

12. No dia 27 de fevereiro de 2015, a Autora AA deslocou-se ao A..., no qual subscreveu um escrito com a epígrafe “Consentimento Informado” com referência à predita intervenção cirúrgica.

13. No antedito dia, após o referenciado em 12), a Autora foi submetida à predita intervenção cirúrgica, sendo que a Ré BB a cirurgiã principal e HH a cirurgiã ajudante.

14. No decurso da intervenção cirúrgica indicada em 13) foram colocados os implantes descritos em 10), efetivando-se o seguinte:

a) Introdução de anestesia infiltrativa local;

b) Incisão supra cristal;

c) Deslocamento dos tecidos e exodontia das peças necessárias – dente 4.5, 3.5 e 4.8;

d) Perfuração no comprimento estudado;

e) Colocação de implantes;

f) Encerramento dos implantes com tampa de fecho e sutura.

15. Após a intervenção enunciada em 14), no âmbito do dia 27 de fevereiro de 2015, a Autora sentiu dormência e dores, nomeadamente, no maxilar inferior esquerdo.

16. No dia 28 de fevereiro de 2015, a Autora contactou telefonicamente a Ré BB, declarando que sentia dor e dormência (parestesia) no maxilar inferior esquerdo.

17. No referido dia 28/02/2015, a Ré BB agendou uma consulta com a Autora no A..., na qual a antedita Ré executou o procedimento de levantamento do implante 4.5.

18. No dia 01/03/2015, a Autora contactou telefonicamente a Ré BB, declarando que sentia dor e dormência (parestesia) no maxilar inferior esquerdo.

19. No circunstancialismo mencionado em 18), a Ré BB agendou uma consulta com a Autora para o dia 02/03/2015, a efetivar no A....

20. No dia 02/03/2015, a Autora AA deslocou-se ao A..., no qual foi submetida a uma consulta de medicina dentária com a Ré BB, a qual prescreveu a realização pela mesma de TAC.

21. Após o referido em 20), no dia 02/03/2015, a Autora foi submetida a uma Tomografia Axial Computorizada - TAC (Dentascan da mandíbula), cujo relatório consignou que

“ No 4º quadrante um dos implantes encontra-se na topografia do 4.5 e outro na topografia 4.7/4.8 – o implante posterior apresenta projeção no lúmen do canal mandibular (imagens 36 a 40 das reconstruções para-axiais), o implante anterior encontra-se justaposto á parede superior do canal mandibular sem nele fazer procidência. Identifica-se área loculada entre os dois implantes, com abertura para a cortical alveolar e atingindo os planos da parede superior do canal mandibular mas sem perda da sua integridade”.

22. Na sequência do descrito em 21), a Ré BB procedeu à substituição do implante 4.5 para 4/8mm e ao levantamento do implante 4.6.

23. Nos dias seguintes ao mencionado em 23) (22), a Autora sentia dor e dormência (parestesia) no maxilar inferior esquerdo.

24. Em consequência do referenciado em 23), a Autora submeteu-se a uma consulta com o médico dentista II e com uma neurologista não concretamente identificada, os quais declararam aconselhar a Autora a remover os implantes.

25. Após, o mencionado em 23 e 24), a Autora contactou telefonicamente a Ré BB, declarando solicitar à mesma a remoção dos preditos implantes.

26. No dia 14/03/2015, a Autora AA deslocou-se ao A..., no qual foi submetida a uma intervenção cirúrgica efetivada pela Ré BB, a qual procedeu à remoção dos sobreditos implantes.

27. A Autora pagou ao Réu A... a quantia de € 3200,00 (três mil e duzentos euros) com referência à intervenção descrita em 13) e 14).

28. Após o referenciado em 26), o Réu A... devolveu à Autora a antedita quantia.

29. No decurso da intervenção cirúrgica indicada em 13) e 14) a Ré BB efetivou a técnica cientificamente consignada para a respetiva tipologia de intervenção de colocação de implantes.

30. Em decorrência da intervenção cirúrgica descrita em 13) e 14), no circunstancialismo enunciado em 21), a Autora apresentava lesão do nervo alveolar inferior e consequente parestesia e hiperestesia no maxilar inferior esquerdo.

31. Desde o antedito que a Autora apresenta a parestesia e hiperestesia descritas em 30).

32. A parestesia e hiperestesia referidas em 31) prefiguram uma lesão permanente.

33. A lesão do nervo alveolar inferior pode ser considerada uma complicação da cirurgia de colocação de implantes.

34. A parestesia e hiperestesia prefiguram uma complicação que poderá ocorrer quando a colocação de implantes ocorre nos 4.º e 6.º sextantes.

35. Para o estudo pré-operatório com referência à antedita intervenção cirúrgica considera-se necessária a efetivação de uma ortopantomografia ou TAC, ou ortopantomografia e TAC e a análise do respetivo relatório.

36. A intervenção cirúrgica efetivada pela Ré BB para substituição do implante na zona do 45 e a manutenção do implante na zona do 47/48 mantiveram a justaposição e a projeção no canal mandibular inferior provocada pelos implantes e, consequentemente, não contribuíram para a reversibilidade da parestesia.

37. Em consequência do mencionado em 31), a Autora sente dores e toma analgésicos diariamente.

38. Em consequência do mencionado em 31), a Autora sente tristeza e ansiedade e tende a morder o lábio.

39. Em 01/04/2009 a interveniente C..., S.A., então denominada F... –Companhia de Seguros, S.A., subscreveu com a Ordem dos Médicos Dentistas um seguro de grupo titulado pela apólice nº ...39, o qual consignou garantir perante terceiros a responsabilidade civil profissional dos médicos dentistas expressamente comunicados para o efeito pela Ordem dos Dentistas a essa seguradora, derivada de danos e prejuízos causados no exercício da sua profissão, designadamente, de danos que tenham a sua origem em erro, omissão, imprudência, excesso ou desvio em diagnóstico e/ ou tratamentos, bem como em intervenções cirúrgicas, com um capital seguro de €40.000,00 por anuidade e sinistro.

40. Em 01/05/2013, a G..., atualmente denominada D..., S.A. subscreveu com o o H..., ACE, na qualidade de tomador, um seguro do ramo Responsabilidade Civil Profissional, com o Plano de Coberturas Unidade Privada de Saúde – Estabelecimento, titulado pela apólice n. ...24, no qual figura como segurado, entre outros, o Réu A..., S.A. “…até aos limites fixados nas respetivas Condições Particulares, a responsabilidade civil extracontratual legalmente imputável ao Segurado por danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a pacientes ou terceiros em consequência da exploração …” da

41. No âmbito do n.º 1 artigo 2.º das Condições Particulares da Apólice indicada em 40), “…o presente contrato garante o pagamento de indemnizações por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais diretamente causados a pacientes ou terceiros em consequência de erros, omissões ou negligência cometidos pela entidade Segurada no exercício da sua atividade… ficando abrangida a responsabilidade por:

“a) Danos resultantes da sua qualidade de proprietário, arrendatário, locatário ou usufrutuário dos imóveis ou locais destinados, exclusivamente, ao exercício da atividade profissional segura;

b) Danos causados pelas instalações fixas de água, gás, eletricidade, esgotos, aquecimento, telefone ou ar condicionado existentes no local onde se desenvolve a atividade segura, desde que as mesmas sejam propriedade do Segurado;

c) Danos resultantes da utilização e/ou funcionamento de ascensores e/ou monta-cargas ou escadas rolantes, desde que sejam cumpridas as disposições legais em vigor que regulam a sua posse e/ou utilização;

d) Os danos resultantes de decorações interiores e exteriores existentes nas instalações utilizadas pelo Segurado, incluindo, mobiliário, toldos, cartazes ou reclamos de identificação ou de publicidade que lhe pertençam;

e) Danos causados por incêndio e/ou explosão, neste último caso, quando por ação súbita e violenta da pressão ou depressão de gás ou vapor;

f) Danos resultantes de posse, manutenção e uso de elementos e/ou instalações existentes nos imóveis destinados ao exercício da atividade profissional segura, tais como; instalações de segurança, antenas de rádio ou televisão, piscinas e outras instalações desportivas ou destinadas à reabilitação de pacientes, salas de tratamento, urgência, cirurgia, reabilitação e unidades de cuidados intensivos, salões de recreio e/ou sociais, parques e/ou jardins;

g) Danos originados pela utilização dos equipamentos e/ou aparelhos necessários ao desempenho da atividade segura;

h)Danos causados por atos ou omissões de qualquer empregado, Gerente ou Administrador da entidade Segurada, quando ao seu serviço e no desempenho das suas funções, com exceção dos danos emergentes da responsabilidade profissional, sem prejuízo da garantia das responsabilidades definidas no ponto II deste Artigo.

i) Danos resultantes de intoxicação alimentar provocada por alimentos ou bebidas confeccionados e/ou fornecidos pelo Segurado, desde que os mesmos tenham sido consumidos no interior do Estabelecimento de Saúde seguro.

j) Danos causados aos visitantes, clientes e fornecedores:”

42. O seguro enunciado em 40) consigna também, garantir:

“a) Responsabilidade profissional imputável à Unidade Privada de Saúde segura (Estabelecimento de Saúde) por ações, omissões ou erros profissionais culposos ou negligentes ocorridos por ocasião de diagnósticos, tratamentos, aplicações terapêuticas, intervenções cirúrgicas e em geral derivados da realização de qualquer ato clínico ou sanitário, que seja da competência profissional do Segurado e quando cometidos por pessoal médico, paramédico, de enfermagem, auxiliares de saúde e demais pessoas que, por existência de uma relação de dependência laboral com o Segurado, prestem os seus serviços no referido Estabelecimento de Saúde;

b) Responsabilidade que o Segurado poderá incorrer por danos decorrentes da utilização, em caso de cedência, de instalações e equipamentos, designadamente; salas de cirurgia, camas ou outras instalações do Estabelecimento de Saúde seguro, com carácter temporário ou permanente, para uso de médicos não dependentes do referido Estabelecimento de Saúde;

c) Responsabilidade profissional imputável à Unidade de Saúde segura (Estabelecimento de Saúde) por ações, omissões ou erros profissionais culposos ou negligentes ocorridos por ocasião de diagnósticos, tratamentos, aplicações terapêuticas, intervenções cirúrgicas e em geral derivados da realização de qualquer ato clínico ou sanitário, que seja da competência profissional do Segurado e quando cometidos por médicos que com carácter temporário (por motivo de férias ou doença do médico titular) exerçam por substituição ou representação as funções dos médicos dependentes do Estabelecimento de Saúde seguro;

d) Danos corporais causados por equipamentos de diagnóstico e tratamento que gerem raios X não incluídos no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil de instalações radioativas, ficando, no entanto e em qualquer caso excluídos:

−Danos materiais;

−Danos causados pela utilização sem autorização de equipamentos com fontes radioativas ou em incumprimento das normas de segurança definidas pelas autoridades;

−Danos causados pela emissão consciente de radiações ionizantes dentro do plano de exploração normal de instalação, sempre que não tenha relação direta com a utilização desta pelos segurados;

−Danos causados pelo mau funcionamento do equipamento ou instalação, por um defeito de conceção, fabrico ou manutenção.”


*

B) Factos não provados

43. Em consequência do indicado em 31), 32), 37) e 38), a Autora apresenta um quadro depressivo.

44. No circunstancialismo descrito em 13) e 14), o nervo alveolar inferior foi trespassado pelos implantes colocados pela Ré BB.

45. O quadro clínico da Autora, antes da intervenção cirúrgica indicada em 13) e 14), desaconselhava a realização da mesma.

46. Após visualizar os exames mencionados em 9), a Ré. BB declarou comunicar à Autora que, com a reduzida estrutura óssea mandibular da mesma, a colocação de implantes poderia acarretar um risco de parestesia.

47. No circunstancialismo indicado em 12), a Ré BB declarou comunicar à Autora que a parestesia e a hiperestesia configurava um risco típico da sobredita intervenção cirúrgica.“.


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*
DE DIREITO.

A)


Modificação da decisão da matéria de facto.

Adicionamento aos factos provados alínea a) a g) (cls 1ª).

Argumenta a A. que devem ser adicionados aos factos provados os seguintes pontos:

a) A Autora não possuía a altura mínima de segurança para colocar os implantes.

Que tal facto, decorre do alegado na contestação da R. BB – artigos 17.º e 18.º – e bem como das declarações de parte da R., BB.

b) Em consequência do mencionado em 31), a Autora sofreu temor, e receio pelas sequelas a que a sujeição ao tratamento determinaram.

Decorre da prova testemunhal CC.

c) Em consequência do mencionado em 31), a Autora sofreu diminuição de humor, desmotivação, desânimo, cansaço fácil, dificuldades cognitivas, ideias mórbidas acerca do presente e futuro.

Sustenta-se no depoimento da testemunha DD.

d) Em consequência do mencionado em 31), a Autora passou a tomar medicamentos anti depressivos.

Argumenta com as declarações de parte da A. AA, e com o depoimento das testemunhas DD e de CC.

e) Em consequência do mencionado em 31), a Autora sente-se em baixo, triste.

Com sustento no depoimento nas testemunhas CC e EE.

f) Em consequência do mencionado em 31), a Autora sai menos à rua.

Com sustento no depoimento nas testemunhas DD e EE.

g) Em consequência do mencionado em 31), com frequência, a comida aloja- se nos dentes, o que lhe provoca ainda mais dores.

Argumenta com as declarações de parte da A. AA, e com o depoimento da testemunha DD.


*

Como vimos são as conclusões do requerimento de recurso quem fixa o objecto do recurso.

Vejamos.

Dispõe o artigo 640.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, com a epígrafe, “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (…)“.

A Doutrina tem vindo a expor, de modo repetido e claro, quais os requisitos que o recurso de apelação, na sua vertente de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, terá de preencher para que possa ocorrer uma nova decisão de matéria de facto.

Nesta sede, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª Ed., em anotação à norma supratranscrita importa reter o seguinte.

a) Em primeiro lugar, deve o recorrente obrigatoriamente indicar “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”;

b) Em segundo lugar, tem o recorrente que indicar “os concretos meios probatórios” constantes dos autos que impõe sobre aqueles factos (alínea a)) decisão distinta da recorrida;

c) Em terceiro lugar, em caso de prova gravada, terá de fazer expressa menção das passagens da gravação relevantes;

d) Por fim, recai o ónus sobre o recorrente de indicar a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de factos impugnadas (alínea a)).

Com a imposição destes requisitos o legislador faz recair sobre o recorrente o ónus de alegação, de modo reforçado, para que a instância de recurso não se torne aleatória e imprevista, ie, que os recursos possam ter natureza genérica e inconsequente (neste sentido o autor citado, in ob. cit., pág. 166).

Em face dos considerandos expostos, ponderando e apreciando a instância de recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, a recorrente, preenche os apontados requisitos.

A recorrente indica claramente o sentido que pugna por ver alterado por este Tribunal da Relação do Porto.

De igual modo, indica, qual ou quais os meios de prova que sustenta a alteração peticionada dos factos.

Passemos então a apreciar a parte restante da impugnação da decisão da matéria de facto.

Em sede de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, a Relação tem, efectivamente, poderes de reapreciação da matéria de facto, procedendo a julgamento sobre a factualidade, assim garantindo um verdadeiro duplo grau de jurisdição.

Quanto ao âmbito da intervenção deste Tribunal, tal matéria encontra-se regulada no artigo 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “modificabilidade da decisão de facto”, que preceitua no seu n.º 1 que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

No âmbito dessa apreciação, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, em ordem a verificar a ocorrência do invocado erro de julgamento.

Não se ignora o papel relevante da imediação na formação da convicção do julgador e que essa imediação está mais presente no tribunal da 1.ª instância. Todavia, ainda assim, o resultado dessa imediação deve ser objetivado em argumento probatório, suscetível de discussão racional, além do mais, para evitar os riscos da arbitrariedade“, in Ac. Supremo Tribunal de Justiça, 62/09.5TBLGS.E1.S1, de 02.11.2017, relatado pelo Cons. TOMÉ GOMES, in dgsi.pt.

Importa ter presente que a prova produzida deve ser conjugada, harmonizada e ponderada no seu conjunto enquanto base da convicção formulada pelo Tribunal, não sendo legítimo valorizar meios probatórios isolados em relação a outros, sopesando os critérios de valoração, numa perspectiva racional, de harmonia com as regras de normalidade e verosimilhança, mas sempre com referência às pessoas em concreto e à especificidade dos factos em apreciação.

Com vista a este Tribunal ficar habilitado a conhecer dos factos em discussão, e deste modo formar a sua convicção autónoma, própria e fundamentada, teve de analisar todos os meios de prova produzidos em 1.ª instância.

Deste modo, este Tribunal ponderou a prova documental junta aos autos e citada na sentença em crise e que aqui se dá por reproduzido.

De seguida, procedeu-se à audição integral e completa das gravações da sessão de audiência de julgamento, depoimentos das testemunhas.

Quanto à ponderação dos meios probatórios produzido em audiência final, mormente a prova por confissão ou a prova testemunhal, a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as partes ou as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente.

Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal.

A primeira instância fundamentou a sua convicção com relevância para os pontos em discussão, do seguinte modo:

(…) No que se atem à Autora AA, (…).

Concomitantemente, a depoente enunciou de forma escorreita que a intervenção ocorreu em 27/02/2015 e, quando chegou a casa, sentiu-se anestesiada, às 8/9/10 da noite continuou com dores e anestesiada , passou a noite assim e, às 8 da manhã do dia seguinte, queixou-se por telefone à Ré, ela disse para ir ao Hospital A..., foi lá, acha que fez um TAC ou raio X, concretizando que, nos dias seguintes (fim de semana) continuava com insensibilidade e dor, pelo que, na segunda- feira, voltou a ir ao Hospital A... e a Ré BB fez o levantamento dos implantes e disse que essas sensações eram normais.

Ademais, a Autora referenciou que, após, continuava na mesma, chorava muito, aconselharam-na a procurar outra opinião e marcou consulta com o médico II, o mesmo aconselhou-a a consultar uma neurologista e a antedita aconselhou a tirar os implantes, o que foi secundado pelo sobredito II e, em consequência, solicitou à Ré a remoção dos implantes, o que a mesma efetivou no início de março, factologia inerentemente plausível, sendo que não foram produzidas contraprovas.

Enfatize-se que a Autora emanou a existência de queixas de insensibilidade dos “dois lados”, a do lado direito foi passando e focou-se no lado esquerdo, babava-se muito, começou a tomar medicação para as dores, sente enxaquecas e tristeza, o que se antolhou marcadamente verosímil.

Assinale-se, outrossim, que a Autora indicou que a Ré nunca falou dos riscos da intervenção e que o Hospital A... depois devolveu-lhe o dinheiro, sendo que defluiu um quadro depressivo que não se prefigura clinicamente diagnosticado (vd. registos do Centro Hospitalar São João).


*

No que se refere à Ré BB, (…), aditando que a Autora era paciente de uma colega e, em determinada altura, marcou uma consulta para fazer uma reabilitação e decidiu uma colocação de implantes, aflorando a efetivação da TAC em 12/02/2015 e a perpetração da intervenção cirúrgica em 27/02/2015, em convergência com os registos clínicos do Hospital A... carreados para os autos.

Em correlação com o sobredito a Ré enunciou que, com a TAC realizada, fez as medições da estrutura óssea e fez a encomenda dos implantes, solicitou a mesma, colocou quatro implantes, de 8 e 10 mm, indicando o procedimento cirúrgico, v.g., a anestesia: fizeram os implantes e fizeram a perfuração, no final prescreveu medicamentos normais, sendo que o relatório pericial positiva no processo não menciona a ocorrência de um procedimento anómalo.

Assinale-se que a Ré referiu que falou nos riscos, porém, afigurou-se incapaz de concretizar tal circunstancialismo, atascando-se num manto de insubsistência (em que apenas logrou concretizar que explicou à D. AA que tinha uma estrutura óssea pequena e por isso tinha de ser colocado implantes curtos e que a mesma assinou o consentimento no dia da intervenção).

Ademais, a Ré admitiu que, no dia seguinte à intervenção, recebeu uma chamada da Autora a dizer que sentia um ligeiro formigueiro, disse-lhe para ir ter ao hospital, fez raio x vertical, levantou um implante que lhe pareceu problemático, fez um mapeamento, no dia subsequente voltaram a falar e, na segunda de manhã, a Autora continuava a queixar-se de parestesias, foi ao Hospital A... e fez uma TAC, viu as imagens, levantou implante posterior e substituiu o implante anterior, assinalando que inexiste trespasse do nervo, o que foi confirmado pelo relatório pericial, reconhecendo que, posteriormente, a pedido da Autora, removeu os implantes, o que se afigura consonante com os registos clínicos.


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No que concerne às testemunhas DD, CC, EE, respetivamente, filha, amigo e irmã da Autora, não presenciaram as consultas da mesma no A..., sendo que discorreram com naturalidade com referência, v.g., às dores e falta de sensibilidade na boca, ao “morder o lábio” advenientes da intervenção cirúrgica da Autora, em corroboração objetiva com o dimanado pela mesma.

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Relativamente à testemunha II, assomou-se como o médico dentista que elaborou o relatório deduzido pela Autora, abordando o entorno em que a atendeu em consulta pela primeira vez, com sintomas de parestesia, explanando a consulta que a mesma realizou junto de uma neurologista e o aconselhamento a remover os implantes, sendo que, quanto ao alardeado trespasse do nervo, o depoente enredou-se em enunciados genéricos e conclusivos, contraditados pelo relatório pericial.

*

As testemunhas GG, HH e JJ, médicas dentistas que exercem funções no A..., emanaram narrativas pejadas de asserções genéricas, sendo que, com referência à depoente HH, a qual coadjuvou a Ré BB na intervenção cirúrgica descrita nos autos, limitando-se a mencionar que fizeram um estudo prévio, estudaram a TAC, “leu por alto os registos clínicos” e descrevendo o procedimento-tipo, sendo que admitiu que a Ré lhe disse que a Autora se queixou de falta de sensibilidade, i.e., estas testemunhas afiguraram-se incapazes de defluir circunstâncias iluminantes do evento.

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O relatório médico aduzido pela Autora, subscrito pela testemunha II, consagra um propalado trespasse do nervo linearmente desguarnecido de sustentáculo objetivo em função do vertido na TAC efetivada em 02/03/2015 e no relatório pericial.

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Os registos clínicos do A... contemplam uma descrição sumária dos atos médicos efetivados, v.g., pela Ré BB, inexistindo contraprovas, sendo que os registos do Centro Hospitalar São João e da USF não certificam o quadro depressivo advogado pela Autora.

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A Tomografia Axial Computorizada - TAC (Dentascan da mandíbula) realizado em 02/03/2015 certifica que “ No 4º quadrante um dos implantes encontra-se na topografia do 4.5 e outro na topografia 4.7/4.8 – o implante posterior apresenta projeção no lúmen do canal mandibular (imagens 36 a 40 das reconstruções para-axiais), o implante anterior encontra-se justaposto á parede superior do canal mandibular sem nele fazer procidência. Identifica-se área loculada entre os dois implantes, com abertura para a cortical alveolar e atingindo os planos da parede superior do canal mandibular mas sem perda da sua integridade”.

*

No que tange à avaliação pericial, o relatório estriba-se na factualidade vertida nos registos clínicos, afigurando-se, assim, objetivamente fundado, sendo que, em matéria de juízos de facto, consagra uma posição cristalinamente sustentada em parâmetros claros, suficientemente fundamentados e congruentes com as máximas da experiência, configurando-se, assim, consistente e subjetivamente fiável, designadamente, atestando que:

i) No decurso da intervenção cirúrgica indicada em 13) e 14) a Ré BB efetivou a técnica cientificamente consignada para a respetiva tipologia de intervenção de colocação de implantes.

ii) Em decorrência da intervenção cirúrgica descrita em 13) e 14), no circunstancialismo enunciado em 21), a Autora apresentava lesão do nervo alveolar inferior e consequente parestesia e hiperestesia.

iii) Desde o antedito que a Autora apresenta a parestesia e hiperestesia descritas em 30).

iv) A parestesia e hiperestesia referidas em 31) prefiguram uma lesão permanente.

v) A lesão do nervo alveolar inferior pode ser considerada uma complicação da cirurgia de colocação de implantes.

vi) A parestesia e hiperestesia é uma complicação que poderá ocorrer quando a colocação de implantes ocorre nos 4.º e 6.º sextantes.

vii) Para o estudo pré-operatório com referência à antedita intervenção cirúrgica considera-se necessária a efetivação de uma ortopantomografia ou TAC, ou ortopantomografia e TAC e a análise do respetivo relatório.

viii) A intervenção cirúrgica efetivada pela Ré BB para substituição do implante na zona do 45 e a manutenção do implante na zona do 47/48 mantiveram a justaposição e a projeção no canal mandibular inferior provocada pelos implantes e, consequentemente, não contribuíram para a reversibilidade da parestesia.


*

As apólices de seguro não foram impugnadas, pelo que titulam a força probatória plena consignada nos arts. 373.º, 374.º e 376.º, do Código Civil. (…)

*

No que se atem aos factos 5) a 11) e 13) a 26), o Tribunal aquilatou, aglutinadamente, os registos clínicos do A..., as TAC e relatórios anexos e as declarações matizadamente convergentes nestes segmentos da Autora e da Ré BB., sob o crivo do princípio da normalidade. (…)

*

No que se atem aos factos 29) a 36), o Tribunal fundou-se no relatório pericial do INML nos termos anteditos, soçobrando contraprovas.

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No que tange aos factos 37) e 38), aferiram-se as declarações plausíveis da Autora AA, corroboradas com verosimilhança pelas testemunhas DD, CC, EE, inexistindo contraprovas.

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No que se atem aos factos 39) a 42), equacionaram-se as apólices, condições gerais e especiais de seguro.

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No que se refere aos factos 43 a 45), sucumbiu a exigível comprovação médica e pericial dos mesmos nos termos preditos.

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No que tange aos factos 46) a 47), ante a claudicância das declarações da Ré BB nestes segmentos fáticos e à míngua de outras provas, postulou-se a sucumbência dos mesmos. (…)“.

Como foi aludido, avaliada e ponderada toda a prova produzida nos autos, designadamente, prova documental e pericial (mencionada na sentença em crise), e a prova testemunhal, a convicção a que este Tribunal de recurso logrou alcançar é a mesma que o M.mo Juiz a quo.

Relativamente, à pugnada matéria de facto da alínea a), os apontados meios de prova indicados, o teor da contestação da R. BB, e as suas declarações de parte, salvo o devido respeito, não são de molde a obter tal desiderato. Efectivamente, apenas uma apreciação especializada e técnica poderá fazer com que o julgador forme a convicção de que a factualidade apontada assim ocorreu. Ora, no caso dos autos estamos perante um facto que deverá se impor a todos os RR. e intervenientes. A apelante indica que a R. BB confessou tal factualidade. Ora, nestes autos a outra R., entidade hospitalar, impugnou tal factualidade, pelo que tal facto foi impugnado e deveria ser objecto de prova, tal como foi. Pelo, que não será, e não foi por esta via, que tal facto deveria ser dado como provado.

A factualidade em causa tem a resposta no ponto 45 (O quadro clínico da Autora, antes da intervenção cirúrgica indicada em 13) e 14) desaconselhava a realização da mesma). Com efeito, tal realidade não resulta e não tem sustentação na prova pericial e nem na prova documental – registos médicos. De igual modo a factualidade do ponto 46 (Após visualizar os exames mencionados em 9), a Ré. BB declarou comunicar à Autora que, com a reduzida estrutura óssea mandibular da mesma, a colocação de implantes poderia acarretar um risco de parestesia), que obteve reposta negativa, precisamente por não ter sustentação na prova documental e pericial.

Deste modo, soçobra a pretensão da apelante.

Por sua vez, quanto à demais factualidade, alíneas b) a g), também aqui teremos que acompanhar a decisão da primeira instância.

A constatação de tal realidade terá que ter sustentação em meio de prova mais específicos e que mereçam menos apreciações subjectivas. Quais as sequelas com a A. ficou após a realização da operação de colocação de implantes dentários, para além daquelas que foram dadas como provadas, cfr. pontos 23, 30, 31, 32, 37 e 38, porque não obtiveram por parte dos diversos registos clínicos e médicos (prova documental) e do relatório pericial (prova pericial) indiciação não foram dados como provados. Na verdade, a prova documental, como decorre da sua própria natureza, não sofre as incúrias do tempo e da falibilidade de recordações ou de memórias (verdadeiras ou falsas).

Em síntese, no caso de apreciação de estados clínico e médicos e das sequelas que advieram de uma intervenção médica, não é bastante e suficiente um relato testemunhal, sem que seja acompanhado e atestado por uma comprovação científica.

Na realidade, a apreciação de tal facto está sujeita a uma avaliação cientifica, razão pela qual foi ordenada a realização da prova pericial.

Tal operação exige especiais conhecimentos científicos, devendo a mesma obedecer a parâmetros e padrões que a ciência exige e impõe. Tanto mais, que o Estado português criou um instituto público cuja actividade é mesmo esta – Decreto-Lei n.º 166/2012 de 31.07, artigo 3.º, n.º 1 “O INMLCF, I. P., tem por missão assegurar a prestação de serviços periciais médico-legais e forenses, a coordenação científica da atividade no âmbito da medicina legal e de outras ciências forenses, bem como a promoção da formação e da investigação neste domínio, superintendendo e orientando a atividade dos serviços médico-legais e dos profissionais contratados para o exercício de funções periciais.

A prova pericial está ela sujeita à livre apreciação do julgador e por tal razão a audição e análise dos depoimentos de todas as testemunhas, designadamente as indicadas pela recorrente, foi devidamente conjugada com a prova documental junta aos autos, de modo a que este Tribunal não diverge da decisão da primeira instância.

Feita esta análise e ponderação, fazendo um juízo de probabilidade sustentada no meio de prova pericial não haverá que alterar a resposta à matéria de facto.

Deste modo, deverá prevalecer o juízo pericial constante no relatório elaborado pelo INML, sobre qualquer outro meio de prova, designadamente, testemunhal ou documental, nos precisos termos em que foi dada como provada e não provada a factualidade. Não se nos afigura que os resultados alcançados pela perícia devam ser superados por quaisquer relatos de percepções subjectivas, como as descritas nas declarações de parte ou outro meio de prova. Tanto mais, que a sra. Perita prestou os devidos e pedidos esclarecimentos.

Por todo o exposto, improcede a pretensão de recurso quanto à modificação da decisão da matéria de facto.


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Do recurso subordinado.

Em termos processuais o conhecimento do recurso subordinado intentado pela interveniente C..., S.A, deveria ter lugar apenas e após o conhecimento da pretensão do A apelante.

Com efeito o recurso subordinado ou dependente “é aquele que é interposto depois da admissão do recurso principal, possuindo uma existência subsidiária da do recurso independente ou principal, já que apenas subsistirá enquanto este último se mantiver (critério cronológico este, pois, que, na expressão de AMÂNCIO FERREIRA, se reflete na correspondente autonomia).“, FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, In Direito Processual Civil, 2015, pág.423/424.

No entanto, por razões de oportunidade e de economia, iremos apreciar esta pretensão, em caso de eventual procedência da pretensão da A..

A questão a decidir é por demais evidente, já que estamos perante um quase erro/lapso de escrita.

Na realidade, o facto dado como provado em 39, incorre em evidente falta de correspondência com a factualidade que ficou confessada, ie, que “o capital seguro à data do sinistro era de € 40.000,00 por anuidade, mas limitado a € 20.000,00 por sinistro”.

Pelo exposto e face à singeleza da questão, julga-se procedente a pretensão da apelante, interveniente, companhia de seguros, devendo o facto 39 ser corrigido em conformidade, passando aí a constar o capital seguro à data do sinistro era de € 40.000,00 por anuidade, mas limitado a € 20.000,00 por sinistro, em vez de que o capital seguro era de € 40.000,00 por sinistro.

É assim procedente o recurso subordinado.


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B)


Apreciação da pretensão da A. em face da alteração da matéria de facto.

Argumenta a apelante que a solução jurídica do caso radica na sua apreciação à luz da responsabilidade contratual, quanto ao R, hospital e numa dupla vertente quanto à 2.ª R., médica dentista, contratual e extra-contratual.

Vejamos se assim é.

A sentença em crise circunscreveu a decisão de direito no âmbito da responsabilidade contratual.

In casu, aferindo-se que a causa de pedir da vertente ação assume jaez contratual, v.g., a Autora não alegou a responsabilidade decorrente de uma postergação do direito ao consentimento informado, aquilatando-se que o art. 799.º/1, do Código Civil, consagra tão-só uma presunção de culpa, a qual não consubstancia uma presunção de ilicitude, indexava-se à Autora o ónus de prova da verificação dos factos demonstrativos do incumprimento ou cumprimento defeituoso dos Réus A.../BB, o que sucumbiu com referência à intervenção cirúrgica descrita em 13) e 14), porquanto não se demonstrou a violação das legis artis.

Concomitantemente, atestou-se que, em decorrência da intervenção cirúrgica descrita em 13) e 14), no circunstancialismo enunciado em 21), a Autora apresentava lesão do nervo alveolar inferior e consequente parestesia e hiperestesia no maxilar inferior esquerdo.e que, desde o antedito, que a mesma apresenta a parestesia e hiperestesia descritas em 30), que, conquanto consubstanciem uma lesão permanente, prefiguram uma complicação que poderá ocorrer quando a colocação de implantes ocorre nos 4.º e 6.º sextantes, integrando, assim, o halo do risco contratual.

Ademais, o enunciado em 36) é manifestamente insuficiente para configurar uma violação das legis artis causadora da predita lesão permanente.

Destarte, decaindo a comprovação da ilicitude da conduta dos Réus A... e BB e dos danos imputáveis a uma ação ilícita, não se afiguram perfectibilizados os pressupostos da responsabilidade contratual, postulando-se a improcedência da ação, prejudicando-se a apreciação da responsabilidade das Rés seguradoras.“.

Compulsados os autos, a apelante vem agora em sede de recurso, sustentar que a causa de pedir é a responsabilidade extracontratual – artigo 483.º do Código Civil (conclusão 3ª e 5ª, 19ª).

Mais sustenta, que a responsabilidade imputada às RR. decorre da violação do consentimento informado (conclusões 6ª a 14ª).

Por fim, a A. alega que o acto cirúrgico não respeitou a leges artis (conclusão 15ª a 18ª, 20ª a 22ª).

Tal como, expressamente, vem decidido pela decisão da primeira instância, nos autos apenas é assacada responsabilidade contratual às RR. por violação da leges artis.

As demais causas de pedir que a apelante alude no seu requerimento de recurso, alegações e conclusões de recurso, não podem ser consideradas nesta sede, pelas seguintes razões.

Considerandos.

Na sua petição inicial a A. expressamente invoca a relação contratual com as RR. de prestação de serviços, e que a 2ª R., BB, “nem utilizou todos os meios e técnicas intrínsecas à sua arte e disponíveis, no sentido de realizar o serviço sem qualquer anomalia” (artigo 30.ºda petição inicial). Não tendo a 2ª R. efectuado um TAC pré-cirúrgica à A., tal omissão “foi causa direta e necessária dos danos acima enunciados.” (artigo 35.º da petição inicial). E alega a ilicitude da conduta da 2ª R. por ter infringido “os direitos emergentes do acordo que tinha sido celebrado com as Rés e foi ainda idóneo ou adequado a provocar-lhe prejuízos na sua esfera patrimonial e não patrimonial” (artigo 36.º da petição inicial).

Foi proferido despacho a convidar a A. a aperfeiçoar a sua alegação na vertente de alegar “factualmente as legis artis viloladas pelas Rés”, sendo que em tal despacho se faz expressa menção que a causa de pedir da A. é a responsabilidade contratual das RR..

A A. aceitando o convite veio alegar que, ou na falta do TAC, ou na sua não valorização, as RR. “decidiram efetuar a intervenção cirúrgica quando ela não podia ser efetuada em segurança, pois que a Autora não possuía altura óssea mínima exigível adequada ao procedimento” (artigo 33.º da petição inicial corrigida).

Mais alegou a A. que “as RR. utilizaram de técnicas inadequadas à salvaguarda da lesão do nervo da Autora, designadamente optaram apenas pela introdução de anestesia infiltrativa local quando deveriam sim ter utilizado mecanismos de segurança que impedissem que o supra referido nervo fosse atingido” (artigo 34.ºda petição inicial corrigida).

Argumentou e alegou ainda, que “à Autora não foram explicados pelas Rés quais os riscos que poderiam advir da supra citada intervenção designadamente que pudesse dela resultar risco de parestesia e hiperestesia bilateral, como veio a ocorrer” (artigo 35.º da petição inicial corrigida).

Por fim, a A. alegou “as Rés, face à sintomatologia pós operatória apresentada pela Autora e ao exame complementar de diagnóstico efetuado após a cirurgia deveria ter aconselhado esta a remover de imediato os implantes, o que não fez, apenas o tendo feito mais tarde, por exigência da própria Autora, o que impediu que qualquer capacidade regeneradora que o próprio nervo pudesse ter, tivesse sido irremediavelmente perdida” (artigo 36.º da petição inicial corrigida).

A R. A..., veio defender que a arguição dos artigos 35.º e 36.º extravasam o convite ao aperfeiçoamento, alegando nova factualidade e, por isso, alterando a causa de pedir.

A interveniente B..., S.A. (antes D..., S.A.) veio pugnar que se está perante uma alteração da acusa de pedir na alegação dos artigos 35.º e 36.º, pelo que devem ser dados como não escritos, por extravasar o convite ao aperfeiçoamento.

Em sede de saneador, aquando da decisão da excepção da prescrição, o Tribunal de modo enfático e claro afirma que “(a) Autora configura a presente ação como de responsabilidade civil contratual”. E em consequência decidiu julgar improcedente a prescrição arguida pelas RR. e intervenientes.

Esta decisão, definição da causa de pedir, em face da decisão quanto à excepção da prescrição tem manifesta relevância processual e jurídica. Na decisão de tal excepção podemos ler:

A Autora configura a presente ação como de responsabilidade civil contratual.

O artigo 498.º do Código Civil refere-se à responsabilidade civil extracontratual, pelo que, é o mesmo inaplicável à situação dos autos.

O prazo de prescrição aplicável ao direito de indemnização fundado na responsabilidade civil contratual é o ordinário, previsto no artigo 309.º do Código Civil.

Em face do exposto, julgo improcedente a invocada exceção da prescrição.“.

Esta decisão transitou em julgado.

Foi fixado objecto do litígio no “incumprimento ou cumprimento defeituoso das legis artis pela Ré, ou seja, com base na responsabilidade civil contratual por factos ilícitos da Ré ...“.

De igual modo, na fixação dos temas de prova, em momento algum o Tribunal alude a factualidade que não seja na violação da leges artis nos actos médicos da R..

A R. A..., veio reclamar pugnando pela fixação de tema de prova quanto ao cumprimento do dever de informação da 2.ª R..

Em decisão da reclamação do saneador, temas de prova, o M.mo Juiz, decidiu:

In casu, perscrutando-se o objeto do processo, afere-se que a Autora AA intenta uma linear ação de responsabilidade civil contratual contra os Réus A... S.A. e BB, estribando-se numa prestação de serviços de cuidados de saúde médico-dentários (…) ocorrida em 27 de fevereiro de 2015 efetivada pela Ré BB por conta do A... S.A., (…).

Acresce que, aferindo-se que o consentimento é passível de relevar em matéria de exclusão de ilicitude e que o status profissional da segunda Ré é relevante para a equação quer da responsabilidade da primeira Ré, quer da subsunção do predito contrato de seguro, demanda-se o seu aditamento aos temas de prova.

Do que se conclui que é claro que a causa de pedir da presente demanda é a responsabilidade contratual por violação de leges artis. O Tribunal a quo expressamente decidiu esta questão, tendo fixado como causa de pedir responsabilidade contratual por violação de leges artis.

Em termos processuais, importa averiguar e decidir se precludiu o direito da apelante de discordar do sentido exposto e fixado no dito despacho, pois que deveria ter interposto recurso da decisão que fixou qual a causa de pedir da presente demanda.

Nos termos do artigo 644.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil (1 - Cabe recurso de apelação: b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos), impunha-se que a A., se pretendia que sua pretensão fosse apreciada segundo a causa de pedir de responsabilidade extracontratual ou por via da responsabilidade contratual por violação do consentimento informado, deveria ter-se insurgido contra a decisão tomada em sede de despacho saneador.

O despacho saneador que, independentemente do seu fundamento (por razões de mérito ou de forma), ponha termo à causa está incluído na previsão da al. a). Assim acontece com o despacho saneador que decreta a absolvição total da instância ou que antecipa a apreciação do mérito da causa, julgando a ação procedente ou improcedente na sua totalidade.

Por exclusão de partes, a al. b) reporta-se apenas ao despacho saneador que, não pondo termo à causa, conhece do mérito relativamente a uma parcela do processado (maxime aprecia uma qualquer exceção perentória ou conhece de algum dos pedidos ou do pedido reconvencional) ou determina a extinção parcial da instância por qualquer outro motivo formal (em geral, mediante a declaração de procedência de alguma exceção dilatória) relativa- mente ao réu ou a algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos ou de pedido reconvencional.

A interpretação da al. b) comporta, contudo, uma dificuldade. Ao invés do que dispunha o art. 691.º, n.º 2, do CPC de 1961 (anterior à reforma de 2007), o CPC de 2013 não contém qualquer norma que delimite o conceito de decisão que incide sobre o "mérito da causa", o qual é decisivo não apenas para a aferição da admissibilidade do recurso de apelação, como ainda para efeitos de admissibilidade do recurso de revista, nos termos do art. 671.º, n.º 1. Na falta dessa definição, revela-se importante a intervenção do elemento histórico para concluir que conhece do mérito da causa o despacho saneador (mesmo sem por termo ao processo, nos termos da al. a)), que julga procedente ou improcedente algum ou alguns dos pedidos relativamente a todos ou a algum dos réus ou julga procedente ou improcedente alguma exceção perentória, como a caducidade, a prescrição, a compensação, a nulidade ou a anulabilidade.

Assim, sempre que o despacho saneador tenha esse conteúdo, o respe- tivo segmento decisório é suscetível de impugnação mediante a interposição de recurso de apelação, respeitados que sejam os demais pressupostos for- mais, sob pena de transitar em julgado.”, ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, in Recurso no novo Código de Processo Civil, 5ª, ed., págs. 205/206.

Em termos processuais e face ao exposto, este Tribunal de recurso não poderá proferir decisão em sentido que extravasasse a causa de pedir, responsabilidade contratual de violação de leges artis.

Tendo presente o supra expendido, o estado dos presentes autos, na fase de recurso em que se encontram, não consente a apreciação da pretensão da A. à luz da responsabilidade contratual por violação do consentimento informado ou à luz da responsabilidade extracontratual – suscitada pela A. em sede de alegações de recurso.

Compulsados os autos, não se vislumbra que esta questão tenha sido objecto de produção de prova, designadamente, em sede de audiência de julgamento, designadamente, aquando das declarações de parte da A..

De igual modo, verifica-se a completa ausência de factualidade atinente a tais causas de pedir na decisão em crise. De resto, tal ausência é coerente com a circunstância de nenhuma matéria desse género ter sido incluída entre os temas de prova, com excepção do consentimento informado, na sua vertente de exclusão de ilicitude – cfr despacho sobre reclamação da fixação dos temas de prova de 11.11.2021.

Em face do exposto, a presente instância de recurso, apenas se debruçará sobre a causa de pedir da responsabilidade contratual de violação de leges artis.


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Passemos à apreciação da pretensão da A. à luz da factualidade dada como provada.

Como já ficou notado em sede de decisão da fixação do objecto do litígio, estamos, sem qualquer dúvida, perante um caso de responsabilidade civil contratual, por violação da leges artis.

Esta primeira operação é determinante para os termos em que a decisão irá ser tomada.

Senão vejamos.

Na normalidade dos casos clássicos, um médico que mantém o seu consultório aberto com placa, p. ex., encontra-se numa situação de proponente contratual. O doente, que aí se dirige necessitando de cuidados médicos, está a manifestar a sua aceitação a tal proposta.

Da factualidade dada como provada, é inequívoco, terem as RR. assumido a obrigação de prestar cuidados médicos de saúde odontológica à A., consistindo esses cuidados na colocação de implantes e próteses provisória e definitiva sobre os implantes, em troca do pagamento de um montante pecuniário previamente acordado. Por força desse contrato, a 2.ª R. obrigou-se a prestar à A. a assistência médica necessária, empregando os conhecimentos e técnicas disponíveis, respeitando as leges artis, tendo em vista tratar (curar) a doente e diminuir-lhe o sofrimento.

Gera-se, assim, um contrato consensual (artigo 219.º do Código Civil), marcadamente pessoal (o elemento decisivo é a confiança que o médico inspira ao doente e que tem como correlativo o princípio de livre escolha), de execução continuada, em regra, sinalagmático e oneroso e sempre susceptível de rescisão.

Hoje é, aliás, tendencialmente pacífica aquela posição doutrinária no sentido de que, estando em causa actos médicos contratados entre o médico e o paciente, pelos quais se prestam serviços clínicos, como ocorre no caso em análise, existe um contrato de prestação de serviços a que se aplicam as regras próprias do contrato de mandato, previstas nos artigos 1157.º e seguintes, por força dos artigos 1154.º e 1156.º, todos do Código Civil, já que a lei não regula a contratação da prestação de serviços médicos de modo especial.

Esta primeira decisão – de se estar perante uma relação contratual – tem significado e consequências.

Pois como se sabe, em matéria de responsabilidade civil contratual não está o paciente, se for Autor, dispensado de alegar a factualidade integrante da acção ou omissão médica, mas já terá facilitada a matéria relativa à culpa, posto que, como se sabe, neste domínio existe o princípio da inversão do ónus da prova da culpa consagrado, entre nós, no artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil, segundo o qual «incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento não provem de culpa sua». O ónus da prova da diligência recairá sobre o médico, caso o lesado faça prova da existência do vínculo contratual e dos factos demonstrativos do seu incumprimento ou cumprimento defeituoso.

De facto, a responsabilidade contratual distingue-se da responsabilidade por actos ilícitos, sobretudo, pela natureza do acto ilícito que, naquela constitui a violação de uma obrigação, e pelas regras de distribuição do ónus da prova já que ali é imposta ao devedor a prova de que agiu sem culpa no incumprimento ou no cumprimento defeituoso da obrigação (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil), enquanto na responsabilidade aquiliana cabe a lesado a prova da culpa do lesante (artigo 487.º, n.º 1, do Código Civil), sendo a culpa, em qualquer caso, apurada com base num critério abstracto, pela “diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”.

Deve considerar-se como responsabilidade contratual a violação de deveres impostos pela boa fé em consequência da constituição de uma relação jurídica derivada de entrada em negociações contratuais.

A responsabilidade contratual em sentido restrito emerge da falta de cumprimento culposo da obrigação por parte do devedor, supondo o incumprimento do contrato que este seja um contrato válido, apto a produzir os correspondentes efeitos. Assim incumbe ao devedor a prova da falta de culpa pela verificação de danos resultantes do incumprimento.

Segundo a A., os serviços médicos prestados pela 2.ª R. não atingiram o resultado proposto, causando-lhe danos não patrimoniais de que pretende ser ressarcida.

Nesta sede a questão debatida na doutrina e jurisprudência – quer em sede de mera responsabilidade civil, quer em sede de responsabilidade criminal – importa ter presente, o cumprimento das leges artis que acarretam a verificação ou não de erro médico.

Para Germano de Sousa, erro médico é «a conduta profissional inadequada resultante de utilização de uma técnica médica ou terapêutica incorrectas que se revelam lesivas para a saúde ou vida do doente» J. GERMANO DE SOUSA, Negligência e Erro Médico, Boletim da Ordem dos Advogados, nº 6, pg 12-14.

E aqui temos, quer o erro de diagnóstico, quer o erro de execução. Com efeito, pode ocorrer um erro de percepção ou cognitivo (ausência de conhecimentos técnico-científicos, da errada interpretação da sintomatologia do paciente ou de dados laboratoriais, imagiológicos ou clínicos, ou um erro de diagnóstico, de profilaxia ou de terapêutica) ou um erro de execução (como o manejo indevido de instrumentos na realização do acto clínico ou cirúrgico ou troca de produtos farmacológicos no tratamento do paciente).

O ónus da prova da diligência recairá sobre o médico, aqui 2.ª R., caso a A. lesada faça prova da existência do vínculo contratual e dos factos demonstrativos do seu incumprimento ou cumprimento defeituoso.

Por fim, e sobre a questão de saber se estamos perante uma obrigação de meios ou de resultado – da R. – seguindo de perto e que aqui se transcreve extracto decisão do Ac. do Tribunal da Relação do Porto 3233/05.0TJPRT.P1, de 05-03-2013, relatado pelo Des. Henrique Araújo, in dgsi.pt:

(…) as obrigações do médico são consideradas, em regra, meras obrigações de meios, só excepcionalmente assumindo obrigações de resultado.

No entanto, existem algumas áreas da medicina em que a menor influência de factores não controlados pelo profissional e o avançado grau de especialização técnica fazem reconduzir a obrigação do médico a uma obrigação de resultado, por ser quase nula a margem de incerteza deste. Pense-se, por exemplo, nas intervenções médico-dentárias com fins predominantemente estéticos, tais como colocação de próteses, restauração de dentes e até a realização de implantes. Aí, o resultado surge sempre como substrato imprescindível da obrigação.

Há quem ainda distinga obrigações fragmentárias de resultado e obrigações fragmentárias de actividade a partir da individualização da álea inerente a cada passo da intervenção médica.

Veja-se o que escreve Rute Teixeira Pedro[10] sobre próteses: “A aplicação de próteses é, em regra, apresentada como um exemplo de uma intervenção, em que o médico se vincula à consecução de um resultado. Trata-se, porém, de uma actividade complexa, em que o profissional assume obrigações de vária natureza. É necessário fazer uma distinção entre a actividade de elaboração da prótese e actividade de aplicação da mesma no organismo do paciente. No que concerne à primeira, o médico compromete-se a elaborar um dispositivo que se adeqúe à anatomia do concreto doente, de acordo com as regras técnicas precisas, assumindo uma obrigação de resultado. No que respeita à segunda, na medida em que a aceitação ou rejeição de um corpo estranho pelo organismo depende de um conjunto de factores que o profissional não consegue controlar, a obrigação assumida deverá qualificar-se como uma obrigação de meios.”

Embora se possa considerar válido este entendimento para as próteses em geral, no caso específico de próteses dentárias cremos que, não só a sua feitura como também a sua aplicação, correspondendo a momentos diferentes da actividade odontológica, devem ser classificadas como obrigações de resultado. De facto, estando tais procedimentos completamente banalizados na prática médico-dentária e mostrando-se bastante evoluída a respectiva técnica, o grau de incerteza quanto ao resultado pretendido é desprezível, sendo certo, por outro lado, que os problemas relacionados com a possível aceitação ou rejeição da prótese na boca do paciente não se colocam, por via de regra.(…)”.

Ora nos autos, como resulta da factualidade provada, as RR. asseguraram à A. o resultado – pontos 4 a 10 dos factos provados –, que a 2.ª R. executou o acto médico – pontos 13 e 14 dos factos provados – tendo posteriormente procedido a uma substituição – ponto 22 dos factos provados – e no fim procedeu à sua remoção – ponto 26 dos factos provados.

Assim, não tendo sido atingido o resultado garantido pela 2.º R., mostra-se preenchido o primeiro pressuposto: o ilícito contratual corresponde ao desvalor objectivo da conduta da 2.ª R., traduzido no incumprimento ou, se se quiser, no cumprimento defeituoso do resultado a que se obrigara perante a A..

Em face da factualidade dada como provada, não há dúvidas que a 2.ª R. com a sua actuação, execução da operação cirúrgica, afectou o corpo da A. – factos 15, 16, 18, 23, 30, 31, 32, 37 e 38 (após intervenção médica sentiu dormência, dores, parestesia e hiperestesia, tristeza e ansiedade),

Deste modo, está encontrado o requisito da ilicitude do comportamento da 2.ª R..

A culpa presume-se, como já dito, face ao disposto no artigo 799º, n.º 1, do CC, recaindo sobre o médico a prova de que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.

As RR. procuraram demonstrar que a parestesia e hiperestesia não decorria da sua actuação, ie, que tal não se deveu a omissão da diligência e competência exigíveis, mas a outros factores externos à sua actuação.

Não logram as RR. fazer prova que a falta de cumprimento ou mesmo que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua, pelo que, nos termos supra citados se presume culposa a actuação das RR. – artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil. Ficou demonstrado que “Em decorrência da intervenção cirúrgica descrita em 13) e 14), no circunstancialismo enunciado em 21), a Autora apresentava lesão do nervo alveolar inferior e consequente parestesia e hiperestesia no maxilar inferior esquerdo” (ponto 30 dos factos provados). De igual modo, ficou demonstrado que a “lesão do nervo alveolar inferior pode ser considerada uma complicação da cirurgia de colocação de implantes” – facto 33 dos factos provados – sendo que a “parestesia e hiperestesia prefiguram uma complicação que poderá ocorrer quando a colocação de implantes ocorre nos 4.º e 6.º sextantes” – facto 34 dos factos provados.

No domínio do Direito Civil, (…), o erro médico releva, na medida em que tenha sido condição causal (a apurar mediante as conhecidas teorias da imputação objectiva do resultado à conduta do agente, designadamente a doutrina da causalidade adequada e de incremento de risco mitigada pela doutrina do âmbito da protecção da norma, esta última essencialmente para os casos do ilícito por omissão e imputáveis ao agente a título de negligência).

O erro, como se disse, pressupõe desconhecimento da realidade (ignorantia) ou a deformação da imagem da realidade na consciência do agente (erro intelectual ou de percepção) ou, então, pode consistir numa aberratio ictus ou erro na execução, vulgarmente conhecido como acidente ou falha humana.

Exemplos de tais erros são os seccionamentos ou perfurações vasculares ou de nervos durante a cirurgia, o rompimento de uma artéria friável, apesar de todos os cuidados do cirurgião, lesões de nervos que podem ocasionar perda definitiva da fala, queimaduras, engano no instrumento utilizado ou no produto químico aplicado, por confusão de rótulos, como há bem pouco tempo aconteceu conforme foi amplamente noticiado, com consequências dramáticas.” ÁLVARO DA CUNHA RODRIGUES, Responsabilidade civil por erro médico, in Data Venia, revista Digital, Ano 0, n.º 1.

Pergunta-se: nos autos existe factualidade provada da qual resulte ter a 2.ª R. agido de acordo com as regras da arte médica?

(…) por tais regras de arte médica se entende «um complexo de regras e princípios profissionais, acatados genericamente pela ciência médica, num determinado momento histórico, para casos semelhantes, ajustáveis, todavia, às concretas situações individuais. Em caso de não se ter em conta uma determinada situação individual, a designação apropriada será a de leges artis medicinae, não se vendo qualquer adequação na utilização da locução latina «ad hoc».

Trata-se, enfim, na expressão anglo-americana tão em voga nos tempos hodiernos, das regras do know-how sobre o tratamento médico que devem estar ao alcance de qualquer clínico no âmbito da sua actividade profissional

Regras de índole não exclusivamente técnicocientífica, mas também deontológicas ou de ética profissional, pois não se vislumbra qualquer razão, antes pelo contrário, para a exclusão destas da arte médica». (…)

A observância das leges artis exclui, em princípio, o chamado erro médico (ärztliche Kunstfehler), designadamente na sua modalidade, porventura a mais relevante, de “erro de tratamento” (Behandlungsfehler) definido por Schwalm como «o tratamento médico não indicado ou realizado de modo não conforme à técnica curativa adequada a uma determinada finalidade terapêutica, segundo os conhecimento da ciência médica, tendo em conta as circunstâncias cognoscíveis do caso concreto no momento do tratamento; e a omissão do tratamento curativo correcto, que se afigure como objectivamente indicado à obtenção de uma determinada finalidade terapêutica – segundo os conhecimentos da ciência médica – nas circunstâncias do caso concreto e no momento necessário, desde que seja possível a realização do omitido».”, autor citado e ob cit.

Daí, segundo este autor, “erro médico que não tenha sido fruto de violação de dever de cuidado, e não obstante toda a diligência possível do médico, tenha ocorrido, não pode ser penal ou civilmente relevante, por inexistência dos respectivos pressupostos de responsabilidade”.

A factualidade dada como provada, como afirmamos, diz-nos que a 2.ª R. aquando da operação médica afectou o nervo (facto 30 dos factos provados).

As leges artis consistem assim num “complexo de regras e princípios profissionais, acatados genericamente pela ciência médica, num determinado momento histórico, para casos semelhantes, ajustáveis, todavia, às concretas situações individuais. E que são regras de índole não exclusivamente técnico-científica, mas também deontológicas ou de ética profissional, pois não se vislumbra qualquer razão para a exclusão destas da arte médica”.[11]

A culpa em sede de responsabilidade médica, traduz-se na omissão de diligência e competências exigíveis do médico.

Como é sublinhado no acórdão do STJ de 12.01.2022,[12] os comportamentos médicos geradores de responsabilidade médica são, em regra, imputáveis a título de mera culpa ou negligência e não a título de dolo, aparecendo assim a culpa como a omissão da diligência e competência exigíveis, segundo as circunstâncias do tráfico.

Haverá assim culpa quando o médico, na sua atuação, se desvia do modelo de comportamento – em termos de prudência, competência e atenção – que ele podia e devia ter adotado, desvio que, como como se sublinhado no citado acórdão, se pode manifestar por 3 formas: - negligência, entendida como omissão dos cuidados devidos; - imprudência, que se caracteriza pela adoção imponderada de condutas arriscadas e inadequadas; - imperícia, que se caracteriza pela ausência dos saberes teóricos, da capacidade técnica e da destreza prática adequada ao ofício que profissionalmente exerce.

O modelo/padrão a empregar para reconhecer o caráter desvalioso do comportamento adotado – seguindo o critério do art. 487.º nº 2 do C. Civil, segundo o qual a culpa é avaliada pela “diligência do bom pai de família, em face das circunstâncias do caso” – que é o do bom profissional da mesma categoria (no caso, um médico-cirurgião), a atuar perante uma facti species com os contornos daquele em que o concreto médico atuou (a maior ou menor urgência da intervenção, o grau de risco da intervenção, a quantidade e qualidade dos utensílios e maquinismos disponíveis, a possibilidade de cooperação de outros profissionais).,“ Ac. Tribunal da Relação do Porto, 20769/18.5T8PRT.P1, de 26.09.2023, relatado pela aqui primeira adjunta, e subscrito pelo relator, in dgsi.pt.

Pelo exposto, podemos afirmar que a actuação da 2.ª R. à luz da leges artis mereçe a censura do direito.

Ponderando o entendimento jurisprudencial plasmado nos Ac. do Supremo Tribunal de Justiça 136/12.5TVLSB.L1.S1, de 28.01.2016, relatado pela Cons MARIA DA GRAÇA TRIGO, in dgsi.pt, e Ac. Supremo Tribunal de Justiça 2104/05.4TBPVZ.P.S1, de 01.10.2015, relatado pela Cons MARIA DOS PRAZERES BELEZA, in dgsi.pt, aos quais se adere na integra, sempre se poderá afirmar que recai sobre 1.º R. e 2.ª R. a responsabilidade pelas consequências decorrentes da cirurgia levada a cabo nas instalações do 1.º pela 2.ª.

Vejamos.

As citadas decisões do Supremo Tribunal de Justiça ponderaram semelhantes situações aos dos autos, tendo as mesmas procedido à opção pela aplicação do regime jurídico decorrente da responsabilidade contratual. “Verifica-se, afinal, uma situação de concurso de responsabilidade civil contratual e extracontratual, como ocorre frequentemente nas hipóteses de responsabilidade civil por actos médicos. A orientação da jurisprudência deste Supremo Tribunal (acórdãos de 1 de Outubro de 2015, proc. nº 2104/05.4TBPVZ.P1.S1, de 2 de Junho de 2015, proc. 1263/06.3TVPRT.P1.S1, de 11 de Junho de 2013, proc. nº 544/10.6TBSTS.P1.S1, de 15 de Dezembro de 2011, proc. nº 209/06.3TVPRT.P1.S1, de 15 de Setembro de 2011, proc. nº 674/2001.P1.S1, de 17 de Dezembro de 2009, proc. 544/09.9YFLSB, todos em www.dgsi.pt) é no sentido da opção pelo regime da responsabilidade contratual por ser mais conforme ao princípio geral da autonomia privada e por ser, em regra, mais favorável ao lesado.”, primeiro Acórdão citado. Em semelhante situação, decidiu-se neste Tribunal da Relação do Porto, 20769/18.5T8PRT.P1, de 26.09.2023, relatado pela aqui primeira adjunta, e subscrito pelo relator, in dgsi.pt, aponta-se em igual sentido, da definição da causa pela regime da responsabilidade contratual.

As citadas decisões dos tribunais superiores, apontam igualmente no sentido da responsabilização quer do médico quer da clínica/hospital.

A responsabilidade civil do hospital pela conduta dos auxiliares (médicos, enfermeiros, e outros) regula-se pelo regime do art. 800º, nº 1, do CC, eixo central da responsabilidade por facto de outrem no domínio contratual. Conforme dispõe esta norma “O devedor é responsável perante o credor pelos actos (…) das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor”. Deve salientar-se que, diversamente do que se passa no regime do art. 500º, do CC, que se aplica à responsabilidade extracontratual, no art. 800º do CC se abrange tanto a conduta de auxiliares dependentes como a conduta de auxiliares independentes (como desenvolvido pela relatora deste acórdão em Responsabilidade civil delitual por facto de terceiro, 2009, págs. 242 e segs.). Quer isto dizer que, no caso concreto, é indiferente determinar qual o vínculo existente entre o R. BB Hospital e cada um dos médicos envolvidos na operação – cirurgião e anestesista – porque, quer se trate de contratos de trabalho quer se trate de contratos de outra natureza, o regime de responsabilidade do R. BB Hospital é o mesmo. Nas palavras de André Dias Pereira, “no contrato de internamento com escolha de médico (contrato médico adicional), a clínica também assume a responsabilidade por todos os danos ocorridos, incluindo a assistência médica e os danos causados pelo médico escolhido” (cit., pág. 688). A responsabilização do R. BB Hospital funda-se na razão de ser do regime do art. 800º, nº 1, do CC, a qual, segundo Vaz Serra (“Responsabilidade do devedor pelos factos dos auxiliares, dos responsáveis legais ou dos substitutos”, in Boletim do Ministério da Justiça, nº 72, pág. 270) é a seguinte: “O devedor que se aproveite de auxiliares no cumprimento, fá-lo a seu risco e deve, portanto, responder pelos factos dos auxiliares, que são apenas um instrumento seu para o cumprimento. Com tais auxiliares alargaram-se as possibilidades do devedor, o qual, assim como tira daí benefícios, deve suportar os prejuízos inerentes à utilização deles”, primeira decisão citada.

E igualmente Ac deste Tribunal da Relação do Porto 8838/12.0TBVNG.P2, de 28.03.2017, relatado pelo Des FERNANDO SAMÕES, in dgsi.pt: “A responsabilidade da clínica onde o médico exerce a sua actividade e onde levou a cabo os actos que podiam estar na base da sua responsabilidade, circunscrita à medicina exercida no sector privado, radica no art.º 800.º do Código Civil, mais precisamente na parte final do seu n.º 1, ao dispôr que “O devedor é responsável perante o credor pelos actos … das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor”, “com referência ao concreto contrato que o doente/paciente em causa tenha celebrado com o médico e a clínica”[9].

Ao referir actos “das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação”, o legislador abarca quer os auxiliares, quer os substitutos, sendo que o substituto “substitui o devedor, que não intervém no cumprimento”, havendo “então o cumprimento por terceiro”, ao passo que o auxiliar “coloca-se em plano secundário, pressupondo a intervenção principal do devedor como autor” do respectivo acto. É substituto, em sentido amplo, todo aquele que executa o acto “em vez do devedor, seja qual for a sua posição jurídica perante este: procurador, mandatário, subcontratante (em certos casos), autor de uma promessa de liberação, fiador, etc.”. Embora empregue em sentido amplo, “há todavia que fazer uma restrição para os efeitos do artigo 800º (…): a responsabilidade do devedor pelos actos do substituto só existe quando a intervenção deste decorre da iniciativa daquele”[10].

Filipe Albuquerque Matos, no local já citado, depois de referir que os contratos celebrados entre a clínica médica e o doente/cliente podem revestir as modalidades de «contrato total» ou de «contrato dividido»[11], conclui que se deve dar atenção “ao concreto acordo celebrado entre a clínica e o autor”, para se saber qual a modalidade contratual que poderá estar em causa e para se saber a amplitude da responsabilidade da clínica[12].“.

Em face da factualidade dada como provada, não há dúvidas que recai sobre as RR. o dever de indemnizar a A. pelos peticionados danos não patrimoniais. Passemos, então, à obrigação de indemnizar, pois que se encontram verificados os demais requisitos da responsabilidade contratual das RR..

Pediu a A. a título de danos não patrimoniais a quantia de 30.000,00 €, a título de danos morais que sofreu em consequência da actuação das RR..

Dispõe o artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, que na fixação da indemnização devem atender-se os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo que, no caso de morte do lesado, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização.

Neste caso, o montante de indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa), segundo critérios de equidade, atendendo, nomeadamente, ao grau da culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização – artigo 494.º, ex vi do disposto no artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil - aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência e às flutuações da moeda.

Ora, de acordo com o preceituado no artigo 496.º, n.º 3, 1ª parte, do Código Civil, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil.

Assim, no cálculo da indemnização devida há que atender, para além do mais, à situação económica do lesante e do lesado.

Na verdade, não obstante a indemnização ter só carácter ressarcitório e não sancionatório, a maior ou menor dificuldade para o demandado pagar a quantia a arbitrar é um dos factores que os demandantes subjectivamente valorarão para se sentirem indemnizados.

Pelo que o carácter de sanção não será, in casu, concorrente mas sim integrante do critério do ressarcimento.

Da factualidade dada como provada, ressalta com evidência as dores, a ansiedade, a parestesia e hiperestesia, o seu carácter de permanência (facto 32 dos factos provados), pelo que se conclui por estes danos serem merecedores da protecção do direito e consequentemente serem ressarcidos.

Assim, fixa-se a indemnização pelos danos morais sofridos pela A., todos, a título de danos não patrimoniais no montante de 10.00,00 €.

São devidos juros de mora a contar da presente decisão, pois que a fixação da indemnização é actualizada à data da prolação da presente decisão, por decorrência do Ac uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 2002 (Diário da República – I Série-A, 27 de junho de 2002), fixou como jurisprudência:

Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do art. 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora e não a partir da citação”.

Assim Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, 871/18.6T8VNF.G1.S1, de 24.09.2020, relatado pelo Cons OLINDO GERALDES, dgsi.pt:

Sendo a indemnização fixada por equidade, é a mesma atualizada ao momento da sua fixação, como geralmente sucede, não se justificando, nesse caso, a retroação da mora consagrada no art. 805.º, n.º 3, do CC, que teve como finalidade combater o poder corrosivo da inflação, especialmente em épocas de taxas elevadas.

Assim, numa interpretação restritiva, assumida pelo referido acórdão uniformizador de jurisprudência, a contagem dos juros de mora faz-se a partir da data da decisão atualizadora da indemnização, e não a partir da citação.

No caso vertente, tendo a indmnização por danos não patrimoniais sido fixada atualizadamente no presente acórdão, os juros de mora contam-se a partir desta data.

Se a indemnização fixada no acórdão recorrido tivesse sido mantida, os juros de mora contar-se-iam a partir da data da sua prolação, por corresponder à decisão atualizadora, excluindo-se sempre a contagem a partir da citação.

A restrição ao momento da decisão atualizadora não pode equiparar-se ao momento do seu trânsito em julgado. Com efeito, entre a decisão e o trânsito em julgado pode decorrer um lapso de tempo, mais ou menos alargado, que, não vencendo os juros de mora, prejudicaria fatalmente o fim visado pela norma do art. 805.º, n.º 3, do CC. Por outro lado, esta interpretação está em inteira conformidade com a doutrina perfilhada pelo acórdão uniformizador de jurisprudência de 9 de maio de 2002.“.


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III DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença nos seguintes termos:

a) Alterar a redacção do facto provado 39 passará a ter a seguinte redacção:

Em 01/04/2009 a interveniente C..., S.A., então denominada F... –Companhia de Seguros, S.A., subscreveu com a Ordem dos Médicos Dentistas um seguro de grupo titulado pela apólice nº ...39, o qual consignou garantir perante terceiros a responsabilidade civil profissional dos médicos dentistas expressamente comunicados para o efeito pela Ordem dos Dentistas a essa seguradora, derivada de danos e prejuízos causados no exercício da sua profissão, designadamente, de danos que tenham a sua origem em erro, omissão, imprudência, excesso ou desvio em diagnóstico e/ ou tratamentos, bem como em intervenções cirúrgicas, com um o capital seguro à data do sinistro era de € 40.000,00 por anuidade, mas limitado a € 20.000,00 por sinistro.

b) Mais se revoga a sentença, e em consequência julgar a acção parcialmente procedente, e condenando-se as RR., solidariamente, a pagar à A. a quantia de 10.00,00 € (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora legais sobre tal quantia a contar da presente data.

Custas pela apelante e apeladas, na proporção do decaimento (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).


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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.
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Porto, 19 de Março de 2024
Alberto Taveira
Alexandra Pelayo
João Diogo Rodrigues
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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
[2] Seguimos de perto o relatório elaborado pelo Exmo. Senhor Juiz.