Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2932/20.0T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATO DE MANDATO
REVOGAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
PRESSUPOSTOS
INEXIGIBILIDADE
INDEMNIZAÇÃO
NEGÓCIO ONEROSO
MORA
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
SEGMENTO DECISÓRIO
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Acompanha-se o entendimento das instâncias segundo o qual, ao contrato de prestação de serviços não tipificado dos autos, são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato de mandato, com as necessárias adaptações.

II. Tendo a ré fundado a declaração de cessação do contrato no incumprimento contratual por parte da autora, assim como na inexigibilidade da manutenção do vínculo contratual devido à conduta do sócio-gerente da autora, verifica-se que: a) não estamos perante um caso de revogação unilateral não motivada do contrato dos autos (cfr. art. 1170.º, n.º 1, do CC); b) estamos sim perante um caso de revogação motivada, que, em rigor, corresponde à resolução de relação contratual duradoura com eficácia ex nunc; c) na declaração resolutiva foram invocados dois fundamentos distintos: o incumprimento contratual por parte da prestadora de serviços; a existência de justa causa de resolução, no caso consistente em conduta desleal imputável à autora.

III. A factualidade provada não permite dar como verificado o incumprimento contratual pela autora, mas permite que se conclua pela verificação de condutas eticamente censuráveis do sócio-gerente da autora a respeito da administração de determinados activos do Fundo do qual a ré é a sociedade gestora.

IV. Tendo as partes celebrado o contrato de prestação de serviços para que a ré obtivesse o “aproveitamento” do conhecimento, contactos, projectos e propostas que o seu sócio-gerente detinha sobre os activos que tinham sido sua propriedade, a prova de que, no decurso da vigência do contrato, o mesmo sócio-gerente praticou actos eticamente censuráveis com prejuízo para o Fundo do qual a ré é sociedade gestora demonstra que o fim do contrato se encontrava irremediavelmente comprometido.

V. Sendo a inexigibilidade da manutenção do vínculo contratual o critério pelo qual se deve aferir da justa causa de resolução, não pode deixar de improceder a pretensão da recorrente de que lhe seja atribuída indemnização pela cessação do contrato.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório

1. Relevosafira, Lda. instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. – Gestão de Activos – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A., entretanto designada como Heed Capital SGOIC, S.A., pedindo que seja:

«a) declarada a ilicitude da cessação do Contrato pela Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. e, em consequência, declarada a sua ineficácia;

b) condenada a Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. no pagamento à Autora RELEVOSAFIRA de:

i. € 240.413,90, valor correspondente à remuneração calculada com base nas comissões de gestão respeitantes aos anos de 2015 a 2018, acrescido do valor que se vier a apurar respeitante ao ano de 2019;

ii. remuneração calculada com base nas comissões de venda que se vierem a apurar ser devidas pelos anos de 2015 a 2019;

iii. remuneração calculada com base nas comissões de mais-valia que se vierem a apurar ser devidas pelos anos de 2015 a 2019;

iv. remuneração correspondente às comissões de gestão, de venda e de mais-valia que se vencerem na pendência da presente ação,

v. tudo acrescido de juros vencidos e vincendos.

c) condenada a Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. a cumprir o Contrato integral e pontualmente; subsidiariamente com a) a c),

d) declarada a ilicitude da cessação do Contrato pela Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A.;

e) condenada a Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. a pagar uma indemnização à Autora RELEVOSAFIRA correspondente a:

i. € 240.413,90, valor da remuneração calculada com base nas comissões de gestão respeitantes aos anos de 2015 a 2018, acrescido do valor que se vier a apurar respeitante ao ano de 2019;

ii. remuneração calculada com base nas comissões de venda que se vierem a apurar ser devidas pelos anos de 2015 a 2019;

iii. remuneração calculada com base nas comissões de mais-valia que se vierem a apurar ser devidas pelos anos de 2015 a 2019;

iv. remuneração correspondente às comissões de gestão, de venda e de mais-valia que se vencerem na pendência da presente ação;

v. aos danos que se vierem a apurar em liquidação de sentença;

vi. tudo acrescido de juros a contar da data de citação da Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A.».

A A. alegou, em síntese, que é detida pela I..., SGPS, S.A:, e por AA, sendo a R. gestora do fundo de capital de risco com a denominação V - Fundo Capital de Risco, fundo este que iniciou a sua actividade em 30.12.2015, exclusivamente com o património de AA, detido indiretamente pela I..., SGPS, S.A:.

Referiu também que, em 05.08.2014, a A. celebrou com a R. um contrato intitulado “Contrato de Prestação de Serviços Técnicos de Planeamento Estratégico e Representação Institucional”, nos termos do qual, além do mais, cabia à R. a iniciativa de ouvir a A. quanto à definição da estratégia de desenvolvimento operacional e de valorização dos activos do V - Fundo Capital de Risco, bem como garantir o acesso da A. aos activos do Fundo, incluindo o uso das instalações e permanência nas mesmas, o que nunca sucedeu.

Mencionou igualmente que, nos termos daquele contrato, a A. tinha direito, a título de remuneração, a receber 10% da comissão de gestão da R. e 50% da comissão de venda e da comissão de mais-valias a que a R. tivesse direito, termos em que entendeu estar-se perante um contrato de parceria na gestão do V - Fundo Capital de Risco.

A A. alegou ainda que, por carta de 27.10.2017 que a R. lhe dirigiu, esta revogou o referido contrato, invocando justa causa, em razão de alegados factos que consubstanciam incumprimento contratual pela A., ao mesmo tempo que exigia o pagamento, em oito dias, da quantia de € 631.690,83, sendo que a A. refutou tais incumprimentos, alegando que nunca os mesmos justificariam a pretendida cessação contratual.

Nestes termos, a A. concluiu que importa reconhecer a manutenção do vínculo contratual entre as partes, devendo a R. ser condenada no pagamento à A. das comissões contratualmente acordadas.

A título subsidiário, considerando-se cessado o vínculo contratual entre as partes, entende a A. que tal decorre de conduta ilícita da R., motivo pelo qual esta deve ser condenada a pagar à R. as indicadas quantias devidas a título de remunerações contratuais, bem como a indemnizar a A. dos danos sofridos em virtude daquela conduta ilícita da R., a liquidar em execução de sentença por não dispor de todos elementos necessários à respectiva liquidação.

2. A R. apresentou contestação e reconvenção.

Em síntese, impugnou a factualidade alegada pela A. e elencou diversos factos relativos ao incumprimento contratual pela A., referindo nomeadamente que esta não cumpriu as suas funções, que assentavam na angariação de projectos, rentabilização de activos e obtenção de investidores, alegando ainda que recebeu indevidamente rendas, assim como onerou bens do V - Fundo Capital de Risco e lesou negócios deste, termos em que conclui pela licitude, por justa causa, da revogação do contrato celebrado entre as partes, o qual deve considerar-se como definitivamente incumprido.

Referiu ainda que pagou à A. comissões no valor de € 58.271,90. Nestes termos, concluiu pedindo que seja decretada: «1) A resolução definitiva do» contrato e 2) A indemnização pelo interesse contratual negativo, com a consequente devolução do que foi prestado».

3. A A. apresentou réplica.

Referiu, em síntese, que a R. alegou causas adicionais de revogação do contrato em apreço e reconheceu que a A. recebeu a indicada quantia de € 58.271,90 a título de serviços prestados, termos em que reduziu o pedido inicial nesse montante, sem o valor correspondente ao IVA.

Em consequência, a A. concluiu pedindo que seja:

«a. a contestação da R. (…) julgada improcedente, por não provada e, em consequência ser a Autora (…) absolvida do pedido reconvencional;

b. O pedido da A. ser reduzida para €193.038,37 (…), o qual corresponde ao valor do pedido refletido na petição inicial deduzido do montante peticionado a título reconvencional, sem IVA;

c. A petição inicial da Autora (…) julgada procedente, por provada, exceto na parte em que ora se requer a redução do pedido em €47.375,53 (…) concluindo quanto ao mais como na petição inicial se concluiu».

4. Veio a ser proferida sentença, com a seguinte decisão:

«Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção, e em consequência decide-se:

a) Declarar válida e eficaz a revogação do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre as partes em 05/08/2014;

b) Condenar a Ré a pagar à Autora uma indemnização correspondente à retribuição acordada em relação ao ano de 2017 proporcionalmente até 24 de Novembro de 2017, reduzida a um terço, e deduzida das despesas que a Autora teria de 24 de Outubro de 2017 a 24 de Novembro de 2017, a liquidar, com o limite de €28.829,59;

c) Absolver a Ré do demais peticionado;

d) Absolver a Autora do pedido reconvencional».

Não obstante a sentença afirmar que a reconvenção foi julgada improcedente, constata-se que a decisão de «a) Declarar válida e eficaz a revogação do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre as partes em 05/08/2014», corresponde ao pedido 1) do pedido reconvencional pelo que se deve entender que a sentença julgou parcialmente procedentes tanto a acção como a reconvenção.

5. Inconformadas com tal decisão, ambas as partes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de 01.06.2023 foi proferida a seguinte decisão:

«Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso da Recorrente RELEVOSAFIRA e procedente o recurso subordinado da Recorrente HEED, mantendo-se, pois, a sentença recorrida, salvo quanto à condenação da Recorrente HEED no pagamento de indemnização, segmento decisório este que aqui se revoga.».

6. Veio a autora interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

«1. O objeto do recurso.

2. Salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo interpretou e aplicou incorretamente os artigos 405.º, 406.º, 1154.º, 1157.º, 1170.º e 1772.º do Código Civil.

3. A subsunção dos factos ao Direito, determinam que a decisão tenha necessariamente de ser alterada.

4. Salvo o devido respeito, que é muito, a ora Autora, Recorrente, não pode conformar-se com a interpretação e aplicação das normas jurídicas que determinaram a decisão ora transcrita, designadamente dos artigos 762.º, 798.º, 808.º, n.º 2 e 1172.º do Código Civil à factualidade assente.

5. A factualidade apurada simplesmente não determina qualquer situação de incumprimento do Contrato, pelo que o acórdão em crise viola o disposto no 798.º do Código Civil.

6. Ainda que tal factualidade fosse susceptível de consubstanciar uma situação de incumprimento, sempre teria a Ré/Recorrida de efetuar previamente uma interpelação admonitória, nos termos do disposto no artigo 808.º, n.º 2 do Código Civil, na qual fosse concedido um prazo razoável para sanar qualquer situação de incumprimento, o que nunca ocorreu, pelo que deveria sempre o Tribunal a quo ter considerado que a resolução operada pela Ré/Recorrida foi ilícita, o que determina que a decisão ora em crise tenha necessariamente de ser alterada. Não o fazendo, o acórdão ora recorrido viola igualmente o disposto no artigo 808.º, n.º 2 do Código Civil.

7. Uma vez revogado o acórdão ora em apreço, deve recuperar-se o recurso interposto originalmente pela Autora/Recorrente, por forma a obter-se igualmente a revogação dessa decisão no que diz respeito ao valor de indemnização que foi atribuído à Autora, uma vez que esta entende ter sido igualmente violado o disposto no artigo 1172.º do Código Civil.

8. Inexistência de justa causa

9. Não resulta da factualidade provada qualquer incumprimento das obrigações da Autora/Recorrente que tenha gerado um prejuízo que, pela sua relevância, justificasse a resolução do contrato que foi operada pela Ré/Recorrida. Essa factualidade suporta, na verdade, conclusões opostas àquelas a que chegou o Tribunal a quo.

10. A interpretação do Tribunal a quo, no sentido de considerar que a Autora/Recorrente incumpriu o Contrato, não tem qualquer cabimento na factualidade provada, pelo que necessariamente o acórdão em apreço violou o disposto no artigo 798.º do Código Civil, ao aplicar esta disposição erradamente à factualidade provada. Consequentemente, deverá o Tribunal ad quem revogar o acórdão em análise, com as devidas consequências.

11. Para além disso, resulta dos Factos Provados 38. a 40 e 61 a 65 que a Ré/Recorrida atuou de má-fé no cumprimento das suas obrigações, violando assim o disposto no artigo 762.º do Código Civil, porquanto (i) contratou uma segunda sociedade para prestar os mesmos serviços que havia contratado à Autora/Recorrente, sem informar a Autora/Recorrente; (ii) desnatou, em certa medida, a Autora/Recorrente dos seus recursos humanos e (iii) desde que celebrou o Contrato com a Autora/Recorrente não solicitou a esta “que se pronunciasse sobre qualquer estratégia para qualquer activo do Fundo”, o que é o mesmo que dizer que a colocou deliberadamente de parte, violando igualmente as obrigações que assumiu no Contrato, designadamente as vertidas na cláusula 4ª, n.º 1.

Sem conceder, e a título subsidiário, sempre se dirá o seguinte,

12. Inexistência de interpelação admonitória

13. Para resolver o Contrato, deveria a Ré/Recorrida ter enviado previamente à Autora/Recorrente a uma interpelação admonitória. Todavia, a Ré/Recorrida não procedeu ao envio de qualquer interpelação admonitória.

14. Caso existisse algum incumprimento do Contrato por parte da Autora/Recorrente (que não existiu), seja porque não estava a atuar com a diligência e/ou proactividade que lhe seria exigida, fosse pelo que fosse, sempre teria a Ré/Recorrida de lhe conceder um prazo razoável para que aquela pudesse sanar o seu incumprimento.

15. Essa hipótese não lhe foi concedida, pelo que, sendo a verificação de uma interpelação admonitória imperativa, não se verificando esta, a resolução do contrato revela-se forçosamente ilícita.

16. O valor da indemnização atribuído à Autora.

17. A Sentença a quo interpretou e aplicou incorretamente o disposto no artigo 1172.º, al. c), do Código Civil, com necessárias consequências no cálculo da indemnização a atribuir à Autora.

18. O Tribunal a quo entendeu que o presente caso se enquadrava na parte final do disposto no artigo 1172.º, al. c), do Código Civil, ou seja, no cenário em que o mandante revogou o contrato sem a antecedência adequada. Isto porque considerou adicionalmente que o “Contrato em causa estava sujeito a um termo incerto”.

19. No entanto, as partes estabeleceram que o prazo contratual coincidiria com a duração do V - Fundo Capital de Risco, o qual tem “um período de duração de quinze anos, contados da data do Initial Closing, a qual ocorreu em 30.12.2015, nos termos do estabelecido no artigo 3º do Regulamento”.

20. Deve considerar-se que o prazo de 15 anos estipulado pelas partes no Contrato era certo, o que nos remete para o cenário previsto na alínea c) do artigo 1172.º do Código Civil, em que o mandato foi “conferido por certo tempo” e não para o cenário, adotado pelo Tribunal a quo, onde se deverá acautelar uma “antecedência conveniente”.

21. Logo, a Autora tem direito, nos termos da alínea c) do artigo 1172.º do Código Civil, “a ser indemnizado da retribuição que perdeu (deduzindo-se todavia o que obteve em consequência da revogação por outra aplicação do seu trabalho… A indemnização tem aqui como finalidade colocar o mandatário na situação patrimonial que teria se o mandato não tivesse sido revogado.”.

22. O pedido indemnizatório formulado pela Autora nos presentes autos vai nesse sentido, ao procurar obter-se a remuneração prevista contratualmente, cfr. Facto Provado 25, em face aos valores recebidos pela Ré a título de comissão de gestão e de comissões de venda, cfr. Facto Provado 112, até ao final do prazo de 15 anos.

23. Deve a Sentença a quo ser revogada e substituída por outra que condene a Ré no pagamento à Autora da indemnização tal como peticionado nas alíneas d) e e) do pedido formulado na Petição Inicial e, subsidiariamente, em última análise, deverá relegar-se a fixação de indemnização nos termos do disposto no artigo 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.».

7. A Recorrida contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

«A. O recurso em apreço vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 1 de Junho de 2023 que julgou “improcedente o recurso da Recorrente Relevosafira e procedente o recurso subordinado da Recorrente Heed, mantendo-se, pois, a sentença recorrida, salvo quanto à condenação da Recorrente Heed no pagamento de indemnização, segmento decisório este que aqui se revoga”.

B. A primeira instância, em 18 de Julho de 2022, tinha julgado parcialmente procedente a acção julgando válida e eficaz a revogação do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre as partes em 5/08/2014;

C. Mas, não tendo considerado existir justa causa - com um entendimento, aqui revertido, e bem, pelo tribunal a quo, que dissociava os actos danosos para com a Recorrida praticados pelo Gerente da Ré na qualidade de Gerente de outras empresas do seu Grupo, tratando-se da mesma pessoa, o Sr. AA – condenou, nos termos da alínea c) do 1172.º, a Ré a pagar à Autora uma indemnização correspondente à retribuição acordada em relação ao ano de 2017, reduzida a um terço, e deduzida as despesas que a Autora teria de 24 de Outubro de 2017 a 24 de Novembro de 2017, a liquidar, com o limite de € 28.829,50;

D. Apesar de a revogação ser livre e válida (nos termos do 1170.º n.º 1 do Cód. Civil), a primeira instância entendeu que a indemnização visava meramente o “dano efectivo e concreto (nunca a remuneração global) e pelo período em que era razoável decorrer a antecedência”.

E. Andou bem o tribunal a quo, no entender da Recorrida, afastando o entendimento da primeira instância, ao ter considerado ter existido justa causa por parte da aqui Recorrida/Ré na revogação operada.

F. É útil frisar que ambas as instâncias consideram a revogação unilateral ocorrida como livre, válida e eficaz.

G. Mas também, ambas as instâncias consideram atendíveis os motivos invocados: no caso da primeira instância, não ao ponto de entender poder constituir justa causa (“até eram atendíveis (embora não a ponto de consubstanciar justa causa)”) porque dissociava os actos praticados pelo Gerente da Ré, nessa qualidade, dos praticados na qualidade de Gerente de outras empresas do seu Grupo; no caso do tribunal a quo (Tribunal da Relação de Lisboa) por este ter omitido o “dever de informar a Recorrente HEED da realização de negócios que afetavam substancialmente esta, sendo que tal dever impunha-se desde logo da boa-fé que devem pautar os contratos. “e assim “por não ser exigível à Recorrente HEED a manutenção do contrato de prestação de serviço em causa, por fundada em justa causa;

H. Sucede que a Recorrente/Autora visa a reversão de tudo o que se citou e que se determine: que não existiu justa causa na revogação operada, porquanto os incumprimentos seriam insuficientes e mínimos, não tendo gerado um prejuízo, que, pela sua relevância, justificasse a revogação; ou, caso assim não se entendesse, que sempre deveria ter havido lugar a uma interpelação admonitória e, não existindo incumprimento, que a indemnização devesse corresponder aos valores de comissões e retribuição que viessem a ser apurados até ao final da vigência do contrato.

I. No enquadramento feito pela Recorrente/Autora é transcrita a matéria de facto dada como provada.

J. Sucede que a Recorrente/Autora deturpa um dos pontos, que lhe é desfavorável: o ponto 79 da matéria de facto do qual, por via da decisão recorrida, passou a constar não terem existido quaisquer reembolsos da Recorrente à Recorrida por conta de um montante (confessado de, pelo menos, € 35.000).

K. Ora, caso se tivesse tratado de mero lapso, a Recorrente teria transcrito o aludido ponto na forma como ele estava redigido anteriormente à decisão a quo. Mas não, a Recorrente redigiu dando, assim, a entender que alguma parte teria sido regularizada, o que não se qualifica.

L. É que a Recorrente intenta a acção para impugnar a revogação operada pela Recorrida alegando o cumprimento do contrato e as diversas diligências em que tinha incorrido por conta do mesmo. Resultando provado, desde a primeira instância, que nada fez mas, também na Decisão Recorrida considera-se, inclusivamente, que, além disso, o seu gerente participou em negócios que lesaram e afectavam substancialmente a Recorrida.

M. Sobre a factualidade provada entende que tal não tenha gerado “um prejuízo que, pela sua relevância, justificasse a resolução do contrato que foi operada pela Ré/Recorrida”.

N. A Recorrente labora em erro quando fala de resolução e remete para a mora no cumprimento. O contrato não foi resolvido pelo incumprimento. O contrato foi unilateralmente revogado com justa causa por ser inexigível a sua manutenção em virtude dos actos praticados pelo gerente da Recorrente.

O. O que sucedeu foi uma revogação, como duas decisões já o confirmam (primeira instância e Relação) e a afirmação de que o prejuízo não é relevante é perfeitamente impune: como se tivesse de haver uma medida admissível para a relevância do prejuízo! Ou como se este tivesse de ser relevante, não bastasse ser prejuízo!

P. É rotundamente falso que a factualidade provada levaria a conclusões opostas como pretende a Recorrente, já são duas instâncias que o confirmam.

Q. A Recorrente menoriza assim, as actuações do Gerente da Recorrente que configuram os prejuízos infligidos à Recorrida que, em violação das obrigações que para si impendiam no âmbito do contrato, interferiu na gestão dos activos, ocultando informações, onerando-os com diversos contratos, recebendo os seus rendimentos, etc. – tal como consta dos factos provados.

R. Percebe-se que, sendo o intuito do Fundo (do qual a Recorrida é Sociedade Gestora) valorizar os activos que detém, deparar-se com ónus constituídos sobre os mesmos após transmissão por parte do Gerente da Recorrente (transmissão em que tinha sido assegurado o seu estado como livre de ónus e encargos – era, aliás, uma exigência da Operação) limitava sobremaneira a sua actuação e potencial de valorização, sobretudo, quando tais ónus e encargos tinham sido constituídos pelo Gerente da Recorrente que, nessa qualidade, estava encarregado de valorizar os aludidos activos; na qualidade de Gerente da sociedade transmitente, estava obrigado a prestar informações verdadeiras e exactas e, ainda, comunicar à Recorrida, no mínimo por deveres de boa fé que impendiam sobre si no âmbito do contrato aqui em discussão, dessas diligências.

S. Alega a Recorrente que não existiu prejuízo. Ora, se tal não fosse susceptível de gerar prejuízo, faria sentido exigir-se a declaração no sentido contrário, na escritura? E celebrar-se um contrato com um suposto conhecedor dos activos em questão?

T. A Recorrida abstém-se de se repetir a propósito da quantificação e dignidade dos conceitos de prejuízo, gravidade e incumprimento, cuja mera constatação considera estar acima dessas elucubrações.

U. Também é falso que alguma vez a Recorrida tenha estado de má fé já que nem sequer resultou dos factos provados que a Recorrente detivesse qualquer equipa e que essa equipa tenha saído para integrar a Recorrida/Ré (conforme factos não provados constantes da petição inicial da Recorrente/Autora 98.º, 99.º, 100.º, 110.º e 11.º).

V. É falso que tenha contratado outra sociedade para prestar os mesmos serviços, ao invés do que resulta do facto provado n.º 38.º, que eram serviços “técnicos” (Cfr. Doc n.º 13 da Contestação) por oposição aos serviços de consultoria que estavam elencados na Cláusula 1ª que define o objecto do contrato celebrado com a Recorrente/Autora junto como documento n.º 4 da petição inicial.

W. Por fim, que a Recorrida não teria interesse nas prestações em falta da Recorrente – assim sendo nem se perceberia a celebração do Contrato dos autos e o que no mesmo resulta a título de considerandos (documento 4.º da petição inicial já referido).

X. O referido pela Recorrente a respeito da interpelação admonitória não tem qualquer sentido além de não ser, desde logo, admissível por estar afastado por dupla conforme: ambas as instâncias que já analisaram esta questão consideram que o contrato tinha sido válida e unilateralmente revogado.

Y. A ocorrência de justa causa difere do incumprimento e corresponde a qualquer facto, situação ou circunstância que torne inexigível, de acordo com as regras da boa-fé, a manutenção da relação contratual, como sucedeu.

Z. De onde se percebe que, conforme se referiu, a revogação operada pela Recorrida foi válida e eficaz, porque livre e incondicionada (nem sequer a interpelações prévias), apenas relevando para efeitos de atribuição de indemnização a não ocorrência de justa causa.

AA. Torna-se, portanto, inequívoco concluir que ambas as decisões entenderam que a cessação operada pela Recorrida tinha sido uma revogação, válida, eficaz e incondicionada.

BB. Isto significa que existe dupla conforme nesta matéria e que não pode, agora, a Recorrente vir falar em resolução, e ainda menos, num pressuposto da resolução lícita como a interpelação admonitória. Não cumprindo, portanto, os pressupostos de admissibilidade para a análise desta questão, que não deve, como tal, ser conhecida.

CC. Por mera cautela e dever de patrocínio – que são extremos, sempre se dirá que aquilo a que a Recorrente se refere é à figura da resolução, que é uma forma de cessação que tem por base o incumprimento que ocorre quando uma das partes não cumpre com as obrigações estabelecidas no contrato mas, para que seja considerado um incumprimento definitivo, é necessário que tenha havido interpelação prévia.

DD. Sucede que, enquanto que a revogação é livre e incondicional, independentemente da justa causa (que apenas pode gerar a obrigação de indemnizar), a resolução pelo incumprimento exige a interpelação admonitória tendente à verificação do incumprimento definitivo.

EE. E esta interpelação, esta exigência que a Recorrente entende ser “uma questão de inalienável importância ignorada pelo acórdão proferido pelo tribunal a quo” não tinha de ocorrer porque, no sentido de tudo o que se referiu e resulta apurado nos autos, e confirmado por decisões de duas instâncias, a Recorrida procedeu à revogação unilateral do contrato que é livre e incondicional e, não como pretende a Recorrente, à resolução do mesmo.

FF. A Recorrente aborda este ponto, no pressuposto de que não teria havido justa causa para resolução do contrato (resolução que já se afastou no ponto acima por violação do princípio da dupla conforme), caso em que o recurso interposto pela Recorrente da indemnização anteriormente fixada pela primeira instância que, no entender da Recorrente, “violava o disposto no artigo 1172.º, al. c)” deve ser recuperado.

GG. Sucede que, não obstante essa decisão não considerar que tenha resultado provada matéria suficiente para concluir pela justa causa na revogação do contrato, não tenha deixado de considerar a actuação e nula execução do mesmo por parte da Recorrente na fixação de indemnização de acordo com os critérios do art.º 1172.º, al. c). E é com tal que a Recorrente não se conforma.

HH. Vindo referir que a Decisão da primeira instância não teve em consideração que a duração do contrato estava dependente da execução do Fundo – em regra 15 anos e calculou o montante da indemnização tendo por referência um contrato de duração indeterminada.

II. Mas não é verdade que a douta Decisão não tenha considerado os 15 anos de execução do Fundo. A mesma aborda concretamente isso e explica que o que está em causa é ressarcir danos concretos e efectivos.

JJ. Ao que a Recorrente, com má fé e em flagrante abuso de direito, vem dizer que nem era relevante o cumprimento que deu ou não ao contrato, o que era relevante era a indemnização que tinha de ser fixada pelos montantes não auferidos.

KK. Portanto, a Recorrente reconhece que não prestou serviços, e, ainda assim, considera-se elegível para uma indemnização que inclua a totalidade da execução do contrato.

LL. Assim sendo, a Decisão fixou a indemnização, e bem, estipulando uma antecedência que tivesse em consideração a curta execução do contrato, mas também a quase inexistência de trabalho efectivamente desenvolvido e a perda de confiança no Gerente da Recorrente/Autora.

MM. E, ao contrário do alegado pela Recorrente, justificou essa opção de raciocínio. E diga-se, em benefício da Autora/Recorrente! Pois que um cálculo indemnizatório para efeitos de cessação contratual é tanto maior quanto a duração do mesmo.

NN. Ora, verifica-se que, não só foi abordada e justificada a consideração da indeterminação do contrato como, a maiori ad minus, esta foi considerada no exclusivo benefício da Autora/Recorrente.

OO. A Recorrente quer o melhor dos dois mundos, receber as remunerações de um contrato que demonstradamente não cumpriu, sair impune dos actos lesivos que praticou – como se deixou provado - e ainda receber, a título de uma putativa indemnização, 15 anos de remuneração de um contrato que nunca chegou sequer a iniciar a execução e relativamente ao qual violou todos os deveres de boa fé subjacentes, com a sua actuação.

PP. Tudo o que não pode, como se viu, proceder, não sendo merecedora de qualquer censura a Decisão do tribunal a quo quando constatou verificada a justa causa no âmbito da revogação unilateral incondicionada e eficazmente ocorrida.».

II – Admissibilidade

Invoca a recorrida que, em relação ao primeiro pedido subsidiário (ilicitude da revogação do contrato celebrado entre as partes), se verifica dupla conforme pelo que, nesta parte, o recurso não deve ser admitido.

Vejamos.

Transpondo para o presente recurso o critério adoptado no AUJ n.º 7/2022, segundo o qual a dupla conforme deve ser aferida relativamente a cada segmento decisório autónomo e cindível, admite-se que, em abstracto, a dupla conforme se possa formar separadamente a respeito do primeiro dos dois pedidos subsidiários apreciados pelas instâncias, no caso a respeito do pedido, julgado improcedente, de declaração de ilicitude da cessação do contrato dos autos.

Porém, analisada tanto a fundamentação da sentença como a fundamentação do acórdão recorrido, verifica-se que, enquanto a 1.ª instância entendeu que a revogação do contrato dos autos pela ré era lícita, mas sem justa causa, o Tribunal da Relação considerou que a revogação do contrato era lícita, mas com justa causa. Considerando-se que esta diferença na fundamentação da decisão relativa ao pedido de declaração da ilicitude da cessação do contrato configura fundamentação essencialmente diferente nos termos e para os efeitos do art. 671.º, n.º 3, parte final, do CPC, conclui-se ser o recurso admissível sem restrições.

III – Objecto do recurso

Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Deste modo, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

• Contrariamente ao entendimento do acórdão recorrido, não se verifica uma situação de incumprimento do contrato por parte da autora nem tampouco de justa causa de resolução pela ré;

• Ainda que assim não se entendesse, sempre a resolução do contrato dos autos deve ser considerada ilícita por não ter sido antecedida da interpelação admonitória prevista no art. 808.º do Código Civil;

• Consequentemente, tem a autora direito a ser indemnizada pelos valores das comissões e da retribuição previstos até ao final da vigência do contrato.

IV – Fundamentação de facto

Vem provado o seguinte:

1. A Autora RELEVOSAFIRA é uma sociedade por quotas, detida pela sociedade I..., SGPS, S.A: (I..., SGPS, S.A:), e por AA (AA), seu gerente (art. 1.º da p.i.).

2. A Ré, com a atual designação HEED CAPITAL SGOIC, S.A., é uma sociedade gestora de fundos de investimento mobiliário, que tem por objeto a "administração, gestão, representação de organismos de investimento coletivo em valores mobiliários, organismos de investimento alternativo em valores mobiliários e organismos de investimento em capital de risco; na gestão discricionária e individualizada de carteiras de instrumentos financeiros, por conta de outrem, com base no mandato conferido pelos investidores e na prestação de serviços de consultoria para investimentos relativa a instrumentos financeiros (art. 2º da p.i. e certidão permanente junta pela Ré por req. de 28/03/2022).

3. A Ré é a sociedade gestora do fundo de capital de risco constituído em Portugal com a denominação V - Fundo Capital de Risco ("V - Fundo Capital de Risco") e em atividade desde 30/12/2015 (art. 3º da p.i.).

4. A I..., SGPS, S.A: detinha, indiretamente, um conjunto de ativos imobiliários e, enquanto sociedade gestora de participações sociais, constituía o principal veículo do denominado GRUPO I..., SGPS, S.A:, sendo acionista dominante de outras sociedades igualmente dedicadas às atividades imobiliárias, que integravam, juntamente com as sociedades P...Imobiliária, S.A. ("P..., S.A."), C... - Compra e venda ..., Lda ("C..., Lda"), e P... - Compra e venada de..., S.A. ("P..., S.A."), o referido GRUPO I..., SGPS, S.A: (art. 5º da p.i.).

5. Até Agosto de 2014, as sociedades I...A..., S.A. (A..., S.A."), Ap..., S.A. ("Ap..."), Parques do ..., S.A. ("Parques do..., R...imobiliária, S.A. (R...; S.A."), S..., Lda (S..., S.A."), P... - Const., S.A. ("Construções..., S.A..), e P... - Compra e venada de..., S.A. ("P..., S.A."), eram responsáveis perante diversas entidades bancárias - a saber, o Banco Comercial Português, S.A. ("Bcp"), Caixa Geral de Depósitos, S.A. ("Cgd"), e a Caixa Económica Montepio Geral ("CEMG") – e perante a Parvalorem, S.A. ("PARVALOREM"), por responsabilidades financeiras, contraídas para o desenvolvimento e a construção de projetos imobiliários (art. 6º da p.i.).

6. Algumas dessas responsabilidades financeiras encontravam-se garantidas por ativos das sociedades B...Serviços e investimentos, S.A. ("B..., S.A."), Bri.., Lda ("Bri.... Lda"), Con...C..., Lda ("Con..., Lda), C... - Compra e venda ..., Lda ("C..., Lda"), S... - G. imobiliária, S.A. ("S..., S.A."), entre outras (art. 7º da p.i.).

7. Na sequência da crise económica que afetou o sector imobiliário entre 2009 e 2016, as sociedades que integravam o GRUPO I..., SGPS, S.A: viram fortemente afetada a sua capacidade de pagar pontualmente aos seus fornecedores, trabalhadores, prestadores de serviços, Fazenda Pública e Segurança Social e outros Entes Públicos, bem como de assegurar o pagamento integral das dívidas aos Bancos, a outras instituições financeiras e à PARVALOREM nas condições inicialmente previstas, necessitando, por isso, de uma reestruturação significativa do respetivo passivo(art. 8º da p.i.).

8. Em 05 de agosto de 2014, foi celebrado um contrato denominado "Acordo-Quadro relativo à Reestruturação de Sociedades que integram o Grupo Imoholding" ("Acordo-Quadro"), junto à p.i. como doc. nº 5 e que se dá por reproduzido, entre:

a) as empresas do Grupo IMOHOLDING, a que pertencia a Autora RELEVOSAFIRA;

b) os Bancos credores BCP, CGD e CEMG (conjuntamente "Bancos")

c) a PARVALOREM;

d) a Ré; e

e) BB, como administrador judicial provisório da sociedade Ap... e administrador de insolvência da sociedade Parques do... (art. 9º da p.i.).

9. No sentido de promover a reestruturação financeira e societária do GRUPO I..., SGPS, S.A:, as Partes do referido Acordo-Quadro definiram:

a) um conjunto de medidas judiciais a serem implementadas por várias sociedades do GRUPO I..., SGPS, S.A:;

b) diferentes perímetros de ativos do GRUPO I..., SGPS, S.A: que seriam objeto de tratamento diferenciado;

c) medidas específicas de reestruturação financeira, nomeadamente através da cessão de créditos, dação em pagamento de ativos e reestruturação dos termos de pagamento de créditos hipotecários (art. 10º da p.i.).

10. No que se refere ao perímetro de ativos do GRUPO I..., SGPS, S.A: que seriam objeto de tratamento diferenciado, conforme considerando X. do Acordo Quadro, foi identificado o seguinte:

a) “Activos do Perímetro Fundo” – conjunto de ativos que deveriam vir a ser detidos, indiretamente, pelo V - Fundo Capital de Risco, ao tempo ainda em fase de constituição;

b) “Activos do Perímetro Dações Directas” – conjunto de ativos que não integrariam o V - Fundo Capital de Risco e que seriam objeto de uma dação em cumprimento diretamente ao BCP;

c) "Activos a manter" – conjunto de ativos que não integrariam o V - Fundo Capital de Risco, mantendo-se na titularidade das sociedades respetivas do GRUPO I..., SGPS, S.A:, hipotecados a favor do MONTEPIO e da PARVALOREM, cujos respetivos créditos seriam objeto de reestruturação (art. 11º da p.i.).

11. No que se refere aos "Activos do Perímetro Fundo", de acordo com o Considerando XI do acordo Quadro, a referida reestruturação consistiu no seguinte:

a) aquisição dos créditos do Bancos, da Paravlorem, e de parte dos créditos da I..., SGPS, S.A:, pelas sociedades veículo (detidas, maioritariamente, pela Sociedade mãe e minoritariamente, pelo Banco subscritor respectivo e/ou pelo SPV I... e pelo Fundo, sendo a sociedade mãe, por sua vez, detida maioritariamente pelo Fundo e minoritariamente pelo SPV I...);

b) dação em cumprimento dos "Activos do Perímetro Fundo", livres de ónus ou encargos, para além das hipotecas de 1.º grau e dos privilégios creditórios existentes, “possibilitando, por esta via, uma gestão operacional e uma conjugação de sinergias entre os referidos ativos, que permita potenciar o desenvolvimento dos mesmos, colocá-los numa fase de implementação e desenvolvimento que os torne comercialmente atrativos, visando a sua alienação de forma a maximizar o retorno financeiro” (arts. 12º e 13º da p.i.).

12. Através do Acordo-Quadro, o GRUPO I..., SGPS, S.A:, cujas sociedades se encontram identificadas no Acordo-Quadro, que se encontrava em insolvência técnica, estando algumas das sociedades do grupo insolventes e algumas em processo especial de revitalização, cedia um vasto património imobiliário, que detinha indiretamente através das sociedades do Grupo, que valia, pelo menos, €113.500.000,00,00, com vista a mantê-lo, valorizá-lo e aliená-lo no âmbito do V - Fundo Capital de Risco que seria gerido pela Ré e, pelo seu lado, os Bancos e a PARVALOREM converteriam os seus créditos em unidades de participação do V - Fundo Capital de Risco (arts. 14º a 17º da p.i.).

13. Na cláusula 11.ª, alínea f), do Acordo Quadro, pode ler-se que a Ré ficaria obrigada a: “Não contratar ou sub-contratar, directa ou indirectamente, qualquer sociedade integrante do GrupoI..., SGPS, S.A:, os seus acionistas ou outra Empresa relacionada para prestar serviços de gestão ou manter qualquer ligação com a gestão dos Activos do Perímetro do Fundo” (art. 27º da p.i.).

14. Nos termos da referida cláusula 11ª, alínea g), do Acordo Quadro, a Ré obrigou-se a: “Proceder ao desenvolvimento imobiliário dos Activos do Perímetro do Fundo, de forma a maximizar o seu valor, podendo nesse âmbito, sob a sua inteira responsabilidade, contratar quaisquer entidades para a prestação de serviços técnicos" (art. 28º da p.i.).

15. A CGD opôs-se inicialmente à realização da Operação e foi também por exigência sua, com o propósito de minimizar interferência de AA no Fundo, que foi introduzida a cláusula 11ª, alínea f), do Acordo-Quadro (arts. 49º a 51º da contestação – resposta explicativa).

16. No mesmo dia 5 de agosto de 2014, a Ré, então designada D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A., celebrou com a Autora RELEVOSAFIRA o contrato denominado de "Contrato de Prestação de Serviços Técnicos de Planeamento Estratégico e Representação Institucional", junto à p.i. como doc. nº 4 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (arts. 4º e 29º da p.i.).

17. Nos Considerandos deste Contrato, as Partes declararam que fora celebrado naquela data o Acordo-Quadro (art. 30º da p.i.).

18. E que a Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. seria a futura sociedade gestora do V - Fundo Capital de Risco, "competindo-lhe praticar todos os atos e operações necessários ou convenientes à sua boa administração, de acordo com critérios de elevada diligência e competência profissional previstos no regulamento de gestão do Fundo" (art. 31º da p.i.).

19. E que era do interesse da Ré "assegurar a boa administração dos ativos do perímetro do Fundo, considerando a sua manutenção, desenvolvimento e futura venda, nos termos do regulamento de gestão do Fundo", e que a Ré reconhecia a mais-valia que a Autora RELEVOSAFIRA conferiria "ao processo de estratégia de valorização, promoção e venda dos ativos do perímetro do Fundo" (arts. 32º e 33º da p.i.).

20. As Partes declararam de seguida que o Contrato era celebrado "ao abrigo da alínea g) da cláusula 11.ª do Acordo Quadro" (art. 34º da p.i.).

21. Nos termos da Cláusula Primeira do Contrato, a Autora RELEVOSAFIRA prestaria os seguintes serviços de consultoria:

“(a) Definição da estratégia de valorização dos ativos do perímetro do Fundo;

(b) Colaboração na seleção das equipas técnicas multidisciplinares para a elaboração dos projetos de planeamento urbano e de plano de gestão florestal dos ativos do perímetro do Fundo;

(c) Promoção de forma ativa e diligente na venda dos ativos do perímetro do Fundo;

(d) Identificação e promoção de parcerias estratégicas para o desenvolvimento dos ativos do perímetro do Fundo” (art. 35º da p.i.).

22. Nos termos da Cláusula Segunda, o Contrato entrava em vigor desde o início do exercício de funções da Ré e manter-se-ia até à liquidação e partilha do V - Fundo Capital de Risco ou até à eventual substituição da Ré, exceto se esta fosse substituída por entidade detida ou dirigida por algum administrador ou acionista ou por alguém que tivesse tido alguma destas qualidades (art. 57º da p.i.).

23. Eram obrigações da Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. nos termos da Cláusula Quarta, nº 1, do Contrato:

“(i) Auscultar a RELEVOSAFIRA quanto à estratégia de desenvolvimento operacional dos ativos do perímetro do Fundo;

ii) Garantir pleno acesso da RELEVOSAFIRA aos ativos do perímetro do Fundo, incluindo o uso das instalações e permanência nestas, no âmbito da prossecução do objeto do supra mencionado Contrato” (art. 41º da p.i.).

24. Nos termos da referida Cláusula Quarta, n.º 2, do Contrato, cabia à Autora RELEVOSAFIRA:

"(i) Atuar de forma ativa e diligente na criação de valor dos ativos do perímetro do Fundo, cooperando com a D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. na representação institucional e definição de estratégia de desenvolvimento operacional e de valorização do perímetro do Fundo;

(ii) Zelar pela manutenção fundiária dos ativos do perímetro do Fundo, propondo medidas de rentabilização dos espaços agrícolas e florestais em sintonia com os objectivos programáticos do planeamento urbano e plano de gestão florestal” (arts. 37º e 39º da p.i.).

25. Nos termos da Cláusula Terceira do Contrato, a Autora RELEVOSAFIRA tinha direito, a título de remuneração, a receber 10% da comissão de gestão da Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. e 50% da comissão de venda e da comissão de mais-valias a que a Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. tinha direito nos termos do artigo 23º do Regulamento do V - Fundo Capital de Risco (art. 50º da p.i.).

26. Nos termos da Cláusula Sexta, o Contrato em causa encontra-se sujeito a confidencialidade no que respeita à respetiva celebração, ao conteúdo e às informações transmitidas no âmbito do mesmo (art. 53º da p.i.).

27. De acordo com os números 1 e 2 da cláusula sexta, a regra de confidencialidade não se aplica “(a) na medida em que a sua divulgação seja obrigatória nos termos legais, após a entrada em vigor do presente Contrato; (b) para o efeito previsto na cláusula sétima do presente Contrato”, e quando fosse necessário transmitir informação aos auditores e supervisores no âmbito de qualquer processo regulatório promovido pela CMVM (art. 54º da p.i.).

28. Na Cláusula Sétima do Contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes pode ler-se:

“1. Pelo presente Contrato a RELEVOSAFIRA dá conhecimento formal à D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. do Contrato de Cessão de Créditos a celebrar com a Parvalorem S.A., no âmbito do qual a RELEVOSAFIRA irá ceder à mesma o valor de 50% (cinquenta por cento) do montante referente à comissão de venda e de mais valia a auferir no âmbito do presente Contrato.

2. A D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. declara tomar conhecimento do Contrato de Cessão de Créditos a celebrar pela RELEVOSAFIRA com a Parvalorem, S.A., no âmbito do acordo de Reestruturação do Grupo I..., SGPS, S.A:, mais declarando que uma vez oficialmente notificada da sobredita Cessão de Créditos, e até instrução em contrário da Parvalorem, S.A., procederá à retenção e pagamento directo à Parvalorem, S.A. do valor de 50% (cinquenta por cento) do montante referente à comissão de venda e de mais-valia a auferir pela RELEVOSAFIRA no âmbito do presente contrato” (art. 168º da contestação).

29. A celebração do contrato com a Autora visava o “aproveitamento” do conhecimento, contactos, projetos, propostas, etc. que o seu Gerente detinha sobre os ativos que tinham sido de sua propriedade (ou das sociedades por si detidas) (art. 62º da contestação).

30. A constituição do V - Fundo Capital de Risco foi autorizada por deliberação do Conselho Diretivo da CMVM em 5.06.2014, e o mesmo iniciou a sua atividade em 30.12.2015(arts. 18º e 19º da p.i.).

31. O referido Fundo estava sujeito às regras constantes do Regulamento de Gestão, juntas em cópia à p.i. como doc. n.º 6, o qual veio a ser alterado em 29.12.2016, conforme cópia junta à p.i. como doc. n.º 7, docs. que se dão por reproduzidos (arts. 20º e 21º da p.i.).

32. O V - Fundo Capital de Risco tem um período de duração de quinze anos, contados da data do I..., a qual ocorreu em 30.12.2015, nos termos do estabelecido no artigo 3º do Regulamento (art. 22º da p.i.).

33. De acordo com o artigo 4º do Regulamento inicial, o referido fundo teria um capital máximo de €113.500.000,00, correspondendo a 113.450 unidades de participação da Categoria A e 50 unidades de participação da Categoria B (art. 23º da p.i.).

34. Em 29.12.2016, por deliberação da Assembleia de Participantes, o V - Fundo Capital de Risco viu o seu capital máximo aumentado para €115.229.277,00, correspondendo a 115.179,277 unidades de participação da Categoria A e 50 unidades de participação da Categoria B (art. 24º da p.i.).

35. A I..., SGPS, S.A: detém 50 unidades de participação de categoria B do V - Fundo Capital de Risco (art. 25º da p.i.).

36. Nos termos do respetivo Regulamento, entre as obrigações da Sociedade Gestora a mesma encontrava-se obrigada a "comunicar ao Conselho Consultivo, todo e qualquer acordo, qualquer que seja a sua natureza, celebrado ou que venha a ser celebrado com os detentores dos activos que vão fazer parte da carteira de activos do Fundo, sejam pessoas singulares ou coletivas, sociedade ou elementos com funções de administração destas últimas, relativos a esses mesmos activos, previamente à sua entrada no Fundo" (art. 70º da p.i.).

37. No que respeita à comissão de gestão, o artigo 23º, n.º 1, do referido Regulamento previa que, pelo "exercício da sua actividade, a Sociedade gestora receberá uma comissão anual de gestão de 0,7% (zero vírgula sete por cento) que incidirá sobre o capital subscrito durante os primeiros três anos contados do I... e sobre o capital realizado após esse período. Esta comissão será paga semestral e antecipadamente" (art. 202º da p.i.).

38. Na mesma data, em 05 de agosto de 2014, entre a Ré e a sociedade Z1, Unipessoal, Lda foi celebrado o Contrato de Prestação de Serviços Técnicos, junto à contestação como doc. nº 13 e que se dá por reproduzido, assinado na mesma sala que o contrato celebrado com a Autora (arts. 64º e 65º da contestação).

39. A sociedade Z..., unipessoal, Lda, antes designada da Z1, Unipessoal, Lda, é uma sociedade integralmente detida por CC, filho de AA, qual desempenha as funções de gerente (art. 140º da p.i.).

40. A Ré não informou a Autora ou o seu gerente AA da celebração do contrato com a sociedade Z1, Unipessoal, Lda, mas AA sabia da existência desta sociedade (art. 139º da p.i. em parte e 162º da contestação).

41. No âmbito do Acordo-Quadro e da criação do V - Fundo Capital de Risco foram apresentadas soluções jurídicas e de aconselhamento pela equipa da C.......... que integrava DD (art. 90º da contestação).

42. O Dr. DD foi advogado de AA que confiava naquele e com quem mantinha desde há anos uma estreita e profunda amizade (art. 75º da p.i.).

43. DD também assessorava nesta operação a Ré, sociedade que viria a ser gestora do V - Fundo Capital de Risco, constituído exclusivamente com o património de AA detido indiretamente pela I..., SGPS, S.A: (arts. 77º e 78º da p.i.).

44. Por sua vez, o Dr. EE, acionista de referência e presidente do conselho de administração da Ré, assessorada pelo seu irmão DD, participou ativa e empenhadamente nesta operação (art. 79º da p.i.).

45. EE também era amigo chegado de AA (art. 81º da p.i.).

46. Em março de 2016, AA adoeceu gravemente e foi hospitalizado em perigo de vida, tendo sido intervencionado (art. 102º da p.i.).

47. Na sequência da emissão da fatura junta à contestação como doc. nº 14, com data de 03 de maio de 2016, a Ré pagou à Autora o valor total de €58.271,90, com IVA incluído (€47.375,53+€10.896,37) a título de “prestação de serviços técnicos e representação institucional ao abrigo do contrato de 05 de Agosto de 2014”, referente ao 4º trimestre de 2015 e 1º semestre de 2016(art. 165º da contestação e fatura de fls.560).

48. AA teve alta em junho de 2016 (art. 103º da p.i.).

49. Em 06 de julho de 2016, EE e o gerente da Autora estiveram juntos no jantar de comemoração da constituição do V - Fundo Capital de Risco, onde estiveram representados todos os participantes do Fundo e empresas que assessoravam o mesmo, incluindo a Z1, Unipessoal, Lda (art. 122º da contestação).

50. No verão desse ano, AA voltou a ficar gravemente doente e ficou novamente hospitalizado, de setembro a dezembro de 2016 (arts. 104º e 105º da p.i.).

51. A doença afetou gravemente AA que deixou de andar e falar (art. 108 da p.i. – resposta explicativa).

52. No ano de 2016 deu-se um afastamento entre EE e DD, por um lado, e AA, por outro, diminuindo os contactos entre os mesmos (art. 94º da p.i. em parte).

53. O Plano de Pormenor apresentado para a Herdade de ... foi contratado por AA, tal como o projeto das infraestruturas (art. 131º da p.i.).

54. O Plano de Pormenor apresentado para a Herdade de ... já estava feito à data da celebração do contrato de prestação de serviços tendo sido aprovado em 2009, pelo que o ativo foi transferido para o perímetro do Fundo já com o projeto (arts. 184º e 194º da contestação).

55. No período de 2011 a 2015, AA conduziu e definiu estratégias quanto aos imóveis que detinha no concelho em diversas reuniões que tiveram lugar na Câmara Municipal de ... (art. 132º da p.i. – resposta restritiva/explicativa).

56. Tais diligências foram dadas a conhecer à Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. (art. 134º da p.i. em parte). 57. No âmbito e após o contrato de prestação de serviços e a criação do V - Fundo Capital de Risco, não houve qualquer reunião na Camara Municipal de ... com a Autora, e nem a Autora encontrou investidores e sugeriu estratégias para o ativo Herdade de ... (arts. 189º a 191º da p.i.)

58. O estudo de viabilidade existente no Morgado de ... contratado e discutido por AA e já existia aquando da celebração do contrato de prestação de serviços, mas a Ré não o seguiu por traduzir a estratégia anterior do ativo - da I..., SGPS, S.A: - e não do Fundo (art. 130º da p.i, e arts. 179º e 182º da contestação).

59. Após a celebração do contrato de prestação de serviços não houve uma reunião ou deslocação sobre este tema (art. 181º da contestação).

60. Após a celebração do Contrato de Prestação de Serviços com a Ré o Gerente da Autora não esteve presente em reuniões na CCDR nem na Câmara Municipal de ... (art. 195º da contestação).

61. Após o contrato, a Ré não solicitou à Autora que se pronunciasse sobre qualquer estratégia para qualquer ativo do Fundo (art. 46º da p.i. – resposta explicativa).

62. Em 2016 as sociedades do Fundo contrataram dois colaboradores (da manutenção e segurança) do Gerente da Autora ou das sociedades que este detinha a explorar os ativos antes da dação, uma vez que estes tinham, já, significativos salários em atraso, assumindo a dívida do anterior empregador (arts. 125º e 126º da contestação).

63. A escolha das equipas técnicas foi feita pelo Fundo e pela Z1, Unipessoal, Lda, cujos colaboradores se encontravam nas instalações da Ré a prestar o seu serviço (art. 203º da contestação).

64. A Dra. FF, advogada, prestou serviços à I..., SGPS, S.A: até 2017, após o Verão, e prestou serviços à Z1, Unipessoal, Lda entre 2016 a 2017 (arts. 156º e 159º da contestação).

65. A sua saída da I..., SGPS, S.A: já estava prevista e era do conhecimento do AA, sendo que desde 2016 já vinha a ocorrer uma redução de horas (art. 110º da p.i. em parte – resposta explicativa).

66. No que toca ao imóvel “Hotel...”, um dos ativos transferidos para o Fundo, em 2007 foi feito um contrato de cessão de Exploração entre a A..., S.A. e a C...S... com o preço dividido em duas prestações anuais de €170.000,00, o qual que foi alvo de um aditamento em 2011, mediante o qual, atendendo à crise financeira e económica global, a contrapartida foi reduzida para a quantia anual de €10.000,00 (arts. 208º e 209º da contestação).

67. Em 18 de fevereiro de 2016 foi celebrado o contrato de cedência da posição contratual, da sociedade C...S... controlada pelo Sr. AA para a H...Actividades conexas, Lda, também totalmente controlada e detida pelo Sr. AA, constituída em 8 de fevereiro de 2016, mantendo o valor anual de €10.000,00, o qual não foi dado a conhecer à Ré (arts. 210º e 211º da contestação).

68. Em 08 de março de 2016 foi celebrado o “Acordo de Gestão e Exploração de Hotéis com Opção de Compra dos Imóveis e Sociedade Exploradora” entre a I..., SGPS, S.A:, enquanto sociedade detentora da H...Actividades conexas, Lda, e a Pi..., Lda, junto à contestação como doc. nº 23 e que se dá por reproduzido, sem ter sido dado conhecimento à Ré (arts. 212º da contestação).

69. Na escritura de transmissão deste ativo por dação em cumprimento de 16 de março de 2016, junta à contestação como doc. nº 28, assinada pelo Sr. AA em representação da A..., S.A., este declarou, na respetiva qualidade em que interveio, que o imóvel era transmitido livre de ónus ou encargos para além das hipotecas (art. 243º da contestação).

70. Os contratos de cessão de posição contratual referentes ao Hotel... não foram efetuados, nem determinados, pela Autora RELEVOSAFIRA (art. 149º da p.i.).

71. Mediante email de 16 de março de 2017, junto à contestação como doc. nº 7 e que se dá por reproduzido, AA justificou essa decisão escrevendo além de mais que “a transmissão da exploração foi um meio de promover a venda do Hotel à Pi..., Lda”, o que reiterou nos termos do email de 24 de março de 2017, junto à contestação como doc. nº 27 e que se dá por reproduzido (arts. 231º, 236º e 238º da contestação).

72. No âmbito de renegociações havidas em 2017 entre a Gr..., S.A. e a arrendatária G...W, Lda, e das quais o gerente da Autora não participou, a renda passou a ser mensal e com efeitos a 01 de janeiro de 2019 o valor seria atualizado para €13.000,00, conforme contrato junto à contestação como doc. nº 26 e adenda junta por req. de 09/06/2022 como doc. nº 26.1, que se dão por reproduzidos (arts. 223º e 224º da contestação).

73. Relativamente à Herdade da ..., a Ré trocou diversas comunicações com o rendeiro a respeito de rendas devidas depois da transmissão do ativo para o Fundo que assegurou ter tudo pago e tratado com o “Sr. AA”, sendo que, AA também tem um filho com o mesmo nome “AA” (art. 247º da contestação – resposta explicativa).

74. Relativamente à Herdade dos ... e à Herdade Morgado de ..., foram relatadas à Ré pelos rendeiros entregas de dinheiro a AA para pagamentos de rendas ocorridos após a transmissão do ativo para o Fundo (arts. 249º e 250º da contestação).

75. Além de algumas visitas às propriedades, foram tidas reuniões entre AA e a Ré em 19/01/2016 (logo após a constituição do Fundo) e em 01/03/2017, esta última a respeito das rendas que continuavam a ser pagas a AA e sobre o Hotel..., e outras reuniões em 2017 em número não superior a 5, sobre os ativos e eventuais investidores no âmbito do Contrato celebrado em 05/08/2014 (art. 112º da contestação em parte – resposta explicativa).

76. No dia 11/04/2017 houve uma reunião com a Ré a respeito das quantias indevidamente recebidas pela utilização dos imóveis (art. 115º da contestação).

77. No email de 17/04/2017, junto à contestação como doc. 33.1, a fls. 662 e 662 verso, por forma a regularizar os pagamentos em falta à Ré, AA confirmou o recebimento de diversas quantias correspondentes à Herdade da ... (2016) e Morgado de ... (2016), no total de €35.000,00, e no email que continha a versão final proposta pela Dra. GG em 15/05/2017 foram acrescidos os montantes respeitantes à Herdade da ... (2017) (arts. 253º e 254º da contestação).

78. Nesse mesmo dia o Sr. AA respondeu solicitando cópia dos contratos referentes à Herdade dos ..., referindo que, relativamente aos restantes montantes “… não tenho qualquer objeção …”, conforme email junto à contestação como doc. n.º 33.3 (art. 257º da contestação).

79. A situação relativa ao recebimento indevido e não entrega das rendas referentes à exploração da Herdade dos ..., Herdade da ... e Herdade do Morgado de ... não foi regularizada, sendo que pelo menos alguns dos montantes não foram recebidos por AA, mas sim pelo filho do gerente da Autora, de nome AA (arts. 151º da p.i. e 246.º da contestação/reconvenção). [alterado pela Relação];

[redacção da 1ª instância: A situação relativa ao recebimento indevido e na não entrega das rendas referentes à exploração da Herdade dos ..., Herdade da ... e Morgado de ... foi parcialmente regularizada, sem prejuízo de pelo menos alguns dos montantes não terem sido recebidos por AA, mas sim pelo filho do gerente da Autora, de nome AA]

80. Relativamente à fração BG sita na Avenida ... em ..., ocorreu em 16/10/2000 a celebração de um “contrato de cedência de posição contratual e de permuta” entre HH e a sociedade M..., Lda. (art. 263º da contestação – resposta explicativa).

81. Tal fração transitou para o Fundo através de dação em cumprimento com declaração do Sr. AA enquanto legal representante da S..., S.A. de que a mesma se encontrava livre de quaisquer ónus e encargos (art. 264º da contestação).

82. A Ré não consegue tomar posse do aludido imóvel por nele residir, por via do contrato já identificado, a Senhora HH que invoca direito de retenção, direito este já reconhecido pelo tribunal (art. 265º da contestação).

83. Relativamente ao imóvel “...”, num processo de venda competitivo, a K...... ........, sociedade gestora de fundos internacional, tinha apresentado a melhor proposta dentro do prazo previsto e cuja apreciação a Ré tinha agendada para o 5º Conselho Consultivo a ter lugar no dia 04 de Julho (art. 279º da contestação).

84. Para o efeito, a Ré enviou a documentação respetiva a todos os participantes no dia 29 de junho de 2017 na qual se encontrava uma apresentação e as duas propostas apresentadas e que iriam ser apreciadas (art. 280º da contestação).

85. A “In...” apresentada pela K...... ........ a 29 de Junho de 2017 ascendia ao montante total de €6.700.000,00 a pagar no momento da escritura (art. 286º da contestação).

86. No dia 03 de julho de 2017, véspera do aludido conselho, fora do prazo estabelecido nesse processo competitivo, a Ré recebeu um reforço de proposta do Arquitecto II (art. 281º da contestação).

87. Este facto levou a que o Conselho Consultivo deliberasse a suspensão do processo para que ambos os proponentes, K...... e Arquitecto, pudessem aperfeiçoar as propostas em 3 ou 4 pontos comuns (art. 282º da contestação).

88. AA opôs-se fortemente à venda do imóvel ... à K...... ........ e comprometeu-se a identificar um comprador por melhor preço, o que fez (art. 160º da p.i.).

89. A proposta do interessado identificado por AA oferecia 9,15 milhões de euros, ou seja, mais 30% do que o valor apresentado pela K...... ........ (art. 162º da p.i.).

90. Os dois proponentes iniciais acabaram por apresentar novas propostas revistas, tendo a proposta do arquiteto II, que era de €9.150.000, superado a apresentada pela K...... ........ (8.000.000€ com up-side de 2.000.000€), acabando, após o período da suspensão, por ser a vencedora (art. 288º da contestação).

91. A escritura acabou por não ocorrer porque nunca foi enviada qualquer documentação para a realização da escritura, e não compareceram na data marcada, mesmo após as sucessivas aceitações por parte da Ré no adiamento da escritura, inclusivamente até três meses depois (arts. 295º e 296º da contestação).

92. O imóvel de ... foi posto à venda em 2019 por valor não inferior a 10 milhões de euros através da CBRE (art. 167º da p.i. em parte).

93. O novo preço pelo qual o prédio foi novamente posto à venda reflete uma alteração ao nível da composição do imóvel que passou a ter uma parte urbana que foi destacada e vendida (arts. 306º e 307º da contestação – resposta explicativa).

94. O gerente da Autora esteve, por diversas vezes, na sede da Ré para participar em Assembleias de Participantes do Fundo, Conselhos Consultivos e reuniões de acompanhamento, em representação da I..., SGPS, S.A:, da qual também era administrador único (arts. 138º e 142º da contestação).

95. Assembleias de Participantes que ocorreram a 21/04/2017, 28/05/2018, 18/12/2018 e 14/05/2019 e que contaram com a sua presença em representação da Participante I..., SGPS, S.A: (art. 139º da contestação).

96. Também esteve presente nos Conselhos Consultivos de 29/07/2016, 10/05/2017, 4/07/2017, 3/11/2017 e 01/03/2019 (art. 140º da contestação).

97. E nas reuniões de acompanhamento do Fundo ocorridas a 21/11/2016, 10/05/2017 e 3/11/2017 - a mesma data do Conselho Consultivo, 28/05/2018, 25/10/2018, 14/05/2019, 25/07/2019 e 8/11/2019 (art. 141º da contestação).

98. Em 3 de julho de 2017, a Parvalorem S.A. remeteu à Ré cópia do contrato de cessão de créditos futuros, celebrado entre a Autora e a Parvalorem, S.A. datado de 01 de agosto de 2014 (art. 170º da contestação).

99. Por carta datada de 23.10.2017, a Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A., em representação do V - Fundo Capital de Risco, dirigiu uma carta à Autora RELEVOSAFIRA, com cópia para AA, através da qual declarou revogar o Contrato com justa causa, nos termos do disposto no artigo 1170.º do Código Civil, carta essa junta em cópia à p.i. como doc. nº 8 e que se dá por integralmente reproduzida (arts. 109º e 114º da p.i.).

100. A declaração de revogação do Contrato começa por assentar no invocado incumprimento dos serviços objeto do Contrato, constantes das cláusulas primeira e quarta, n.º 2, o qual se materializaria na:

a) ausência de definição da estratégia de valorização dos ativos do perímetro do Fundo;

b) falta de colaboração na seleção de equipas técnicas multidisciplinares para a elaboração dos projetos de planeamento urbano e de plano de gestão florestal dos ativos do perímetro do Fundo;

c) ausência de identificação e promoção de parcerias estratégicas para o desenvolvimento dos ativos do perímetro do Fundo;

d) falta de cooperação com a D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. na representação institucional e na definição da estratégia de desenvolvimento operacional e de valorização dos ativos do perímetro do Fundo;

e) ausência de propostas de rentabilização dos espaços agrícolas e florestais (art. 128º da p.i.).

101. Nessa carta declarou que se verificava a "existência de diversos factos e circunstâncias, imputáveis" à Autora, "em virtude da atuação do Gerente único dessa sociedade, Senhor AA", que teriam tornado "inexigível, de acordo com as regras da boa fé, a manutenção da relação contratual" (art. 171º da p.i.).

102. A Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. declarou ainda que AA devia, direta e indiretamente, à Ré, ao V - Fundo Capital de Risco e às sociedades por este fundo participadas (Gr, SGPS, S.A., Gr...I..., S.A., Gr..., S.A.) o montante global de €631.690,83, o qual deveria ser pago no prazo de oito dias, nos seguintes termos:

a) €87.174,49, para a conta bancária titulada pela Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A.;

b) €186.138,95, para a conta bancária titulada pela Gr...M...;

c) €307.030,44, para a conta bancária titulada pela Gr...O...;

d) €50.346,95, para a conta bancária titulada pela Gr...I..., S.A.;

e) €500,00, para a conta bancária titulada pela Gr...B...;

f) €500,00, para a conta bancária titulada pela V - Fundo Capital de Risco (art. 116º da p.i.).

103. A carta termina com a afirmação de que a Ré procederia à cobrança judicial daquele valor, caso o mesmo não fosse liquidado dentro do prazo de oito dias, bem como proporia ação judicial com vista à reparação de todos os prejuízos alegadamente causados aos ativos do V - Fundo Capital de Risco (art. 117º da p.i.).

104. Em 31.10.2017, AA, em nome pessoal e na qualidade de legal representante da aqui Autora RELEVOSAFIRA, enviou uma carta de resposta à Ré, junta à p.i. como doc. nº 9 e que se dá por reproduzida, na qual foram rejeitados os incumprimentos imputados pela Ré e foi expressamente declarado que não se aceitava a revogação do Contrato (arts. 118º e 119º da p.i.).

105. Foi ainda solicitado o envio dos documentos referidos na carta e foi declarado que, após receção desses elementos, seria dada resposta à carta de 23.10.2017, “cuja produção de efeitos não se aceita, atenta a invocação de factos falsos, imputações distantes da realidade e afirmações cuja gravidade tem seguramente acolhimento de tutela judicial” (art. 120º da p.i.).

106. Em 30.11.2017, a Ré respondeu à carta de 31.10.2017, declarando que a revogação do Contrato não dependia de aceitação ou da vontade da Autora RELEVOSAFIRA e que iria proceder à cobrança judicial de um alegado crédito detido sobre a Autora e sobre AA (art. 121º da p.i.).

107. Em 8.10.2019, a Autora RELEVOSAFIRA e AA enviaram uma nova carta à Ré, junta à p.i. como doc. nº 11 que se dá por reproduzida, através da qual AA, em nome próprio e na qualidade de representante legal da Autora, começou por referir que, passados quase dois anos do pedido de disponibilização de elementos, a Ré não tinha fornecido qualquer dos documentos ou informação pedidos na carta de 31.10.2017 (art. 122º da p.i.).

108. De seguida, AA aludiu, relativamente ao período que antecedeu a comunicação da resolução do Contrato e ao período que lhe sucedeu, à situação de saúde que o incapacitara e lhe causara sequelas que afetaram significativamente a sua vida, impedindo-o de exercer a sua atividade profissional e de responder de forma circunstanciada à declaração de suposta revogação (art. 123º da p.i.).

109. Recuperado da grave doença que o afetou e incapacitou e não obstante não dispor de todos os elementos necessários a essa resposta, AA declarou ainda nesta carta que procurou reconstituir os factos subjacentes aos alegados fundamentos da revogação do Contrato (art. 124º da p.i.).

110. A carta enviada em 8.10.2019 contém a refutação dos fundamentos invocados pela Ré, bem como da dívida referida na carta da Ré de 23.10.2017 (art. 125º da p.i.).

111. Em 14.11.2019, a Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. enviou uma carta de resposta à Autora RELEVOSAFIRA, com conhecimento para AA, junta à p.i. como doc. n.º 12 e que se dá por reproduzida, na qual a Ré rebateu a posição da Autora RELEVOSAFIRA e de AA e concluiu declarando que iria proceder à cobrança judicial dos créditos e à propositura de ação com vista à reparação dos alegados prejuízos causados aos ativos do V - Fundo Capital de Risco (arts. 126º e 127º da p.i.).

112. De acordo com os Relatórios e Contas do V - Fundo Capital de Risco, a Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. recebeu, pelo menos e a título de comissão de gestão:

a) €4.201,00, em 2015 (cfr. Relatório e Contas do V - Fundo Capital de Risco relativo ao exercício de 2015, junto à p.i como doc. n.º 14);

b) €786.728,00, em 2016 (cfr. Relatório e Contas do V - Fundo Capital de Risco relativo ao exercício de 2016, junto à p.i. como doc. n.º 15);

c) €806.605,00, em 2017 (cfr. Relatório e Contas do V - Fundo Capital de Risco relativo ao exercício de 2017, junto à p.i. como doc. n.º 16);

d) €806.605,00 em 2018 (cfr. Relatório e Contas do V - Fundo Capital de Risco relativo ao exercício de 2018, junto à p.i. como doc. n.º 16);

e) €728.602,66, em 2019;

e auferiu uma comissão de venda em Dezembro de 2017 no montante de €52.000,00 (art. 203º da p.i. e informação prestada pela Ré mediante req. de 07/12/2021).

Factualidade dada como não provada:

1. A matéria alegada pela Autora nos arts. 47º (que a Autora tenha insistido para ser ouvida nesse sentido), 48º (que a Ré não facultou o uso das instalações e permanência nas mesmas); 74º (que a solução de criação do Fundo tenha sido gizada pelo Advogado de AA, Dr. DD), 80º (que esta era, e é, a única operação relevante da Ré em termos de capital de risco), 84º (que numa fase avançada das negociações para a constituição do V - Fundo Capital de Risco, AA começou a sentir que, ao invés do programado, a solução não resolvia os problemas do Grupo I..., SGPS, S.A:, apesar de entregar todo o seu património), 85º (que AA ofereceu então resistência à solução, cujos méritos continuaram a ser defendidos por EE e DD), 86º (que EE deslocou-se várias vezes aos escritórios da I..., SGPS, S.A: e tentou, insistentemente, convencer AA a transferir o património para o V - Fundo Capital de Risco), 90º (que AA transmitiu a CC e a EE que só aceitaria transferir todo o património do Grupo I..., SGPS, S.A: para o V - Fundo Capital de Risco, se as mais-valias realizadas na venda do seu património revertessem na totalidade para o Grupo), 94º (na parte em que EE e DD tenham deixado de responder aos contactos de AA), 95º (que AA, enquanto gerente da Autora RELEVOSAFIRA, tentou, repetidamente, entrar em contacto com EE e/ou com DD, mas em vão), 98º e 99º (que para efeitos de execução do contrato celebrado entre as partes, a Autora dispusesse de uma equipa coordenada por AA, e constituída por CC, filho de AA, com experiência na gestão dos ativos em causa, FF, advogada, que acompanhava toda a operação nos aspetos legais; e JJ, que acompanhava esses mesmos ativos em regime de avençado), 101º (que em 01 de Abril de 2016, CC saiu da I..., SGPS, S.A:, abandonando o Pai, e integrou os quadros da Ré), 106º (que AA não tenha recebido, nem uma visita, nem um telefonema, quer de DD, quer de EE), 107º (que nem recebeu visitas do seu filho CC, que continuava nas fileiras da Ré e ignorava quer a Autora RELEVOSAFIRA, quer AA), 110º (na parte em que FF integrou a Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A.), 111º (que JJ deixou de prestar serviços para a I..., SGPS, S.A: naquela altura e integrou igualmente Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A.), 132º (na parte em que tais diligências tivessem ocorrido depois da transmissão dos bens para o Fundo), 133º (que por referência à Quinta de ..., e no âmbito do contrato celebrado entre a Autora e Ré, AA contratou o Plano de Pormenor e Estudo teórico de implantação de solo apresentado e objeto de aprovação junto da C..., tendo conduzido as diversas reuniões que tiveram lugar junto deste último organismo e junto da Câmara Municipal de...); 134º (na parte em tivessem existido diligências quanto à Herdade de ... e Quinta de ... levadas a cabo pela Autora na sequência e após a constituição do V - Fundo Capital de Risco), 135º (que CC e FF levaram toda a informação para a Ré D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A., quando deixaram o GRUPO I..., SGPS, S.A:), 136º (que AA escolheu as equipas de trabalho e os seus elementos, sendo que, ainda na presente data, parte deles se mantêm no acompanhamento dos projectos, 139º (na parte em que a Autora desconhecesse o contrato celebrado com a Z1, Unipessoal, Lda), 164º (que o negócio em causa não se concretizou porque a Ré apresentou exigências contratuais pouco razoáveis, nomeadamente, ao não ter aceite, pelo período de apenas 1 mês, uma garantia bancária on first demand até à celebração da escritura de compra e venda), e 165º (que a Ré pretendia o pagamento imediato de 10% do preço a título de sinal ainda que esse valor já se encontrasse garantido por uma garantia bancária on first demand), 167º (na parte em que o imóvel tenha sido colocado à venda por 40 milhões de euros) da p.i., e 31º (que para além de algumas reuniões a Autora tivesse desenvolvido qualquer actividade em 2015 e 2016 no âmbito do contrato celebrado), e 53º (que AA desconhecesse a sociedade Z1, Unipessoal, Lda e o contrato celebrado entre a mesma e a Ré), da réplica;

2. A matéria alegada pela Ré nos arts. 20º (que existiam dívidas de cerca de mais de 473 milhões de euros de capital aos intervenientes e mais de 50 milhões de euros de capital à Autoridade Tributária (AT), Segurança Social e outras entidades, à data de 31 de Dezembro de 2013), 22º (que a avaliação dos ativos dos vários perímetros ficou na casa dos 200 milhões), 25º (que a AT acabou por receber cerca de 16 milhões de euros, mais do que a soma de todos os seus créditos com privilégio para permitir que tudo avançasse), 29º (que antes de ter ido ter com a Ré, o Sr. AA tentou que a E..., S.A. (líder no mercado português de Private Equity), que já geria o fundo D........, pegasse no seu “dossier”, o que esta declinou), 40º (que o pagamento das respectivas unidades de participação a cargo da I..., SGPS, S.A:, por alegada falta de capacidade financeira para a subscrição, tivesse de ser assegurado pela Ré e cuja recuperação vai ser judicialmente requerida), 56º (que sempre foi do conhecimento de todos os intervenientes (Bancos e Parvalorem) que a Ré ia celebrar um acordo com uma entidade controlada pelo Sr. AA), 66º e 67º (que até à data da contestação não ocorreram os pagamentos invocados nestes artigo, tudo somando uma dívida global de €581.154,80), 83º (que todos os intervenientes (Bancos e Parvalorem) sabiam que ia ser celebrado contrato com sociedade controlada pelo Sr. AA), 100º (na parte em que tal fosse do conhecimento de AA já nessa altura), 106º e 107º (que a Autora, na pessoa do seu gerente, é que não comparecia aos compromissos e foi criando um afastamento gradual com a Ré, não obstante os frequentes pedidos da Ré para que se reunissem semanalmente para efeitos do contrato em causa, e promessas por parte do gerente da Autora nesse sentido), 108º (que após a Constituição do Fundo, o gerente da Autora distanciou-se da Ré e dos seus colaboradores, não respondendo a chamadas nem aparecendo na sede, mesmo quando havia compromissos agendados), 112º (na parte em que o tema da “falta de comparência da Autora” tenha sido abordado nessas reuniões mas sem sucesso), 113º (que a reunião de 1 de Março de 2017 apenas foi realizada após muita insistência por parte do administrador da ora Ré), 116º e 117º (que num almoço no dia 2/11/2016, foi renovado o compromisso, por parte do gerente da Autora, em reunir regularmente com a Ré e foi próprio gerente que “não quis saber nunca de nada nem pronunciar-se sobre o que fosse”), 120º (que o Dr. EE esteve presente inclusive no jantar de anos surpresa do gerente da Autora no dia 2/02/2016), 121º (que o Dr. EE tivesse por duas vezes feito uma visita ao gerente da Autora ao Hospital da ...: uma vez quando estava na UCI e outra, no dia 5 de Maio de 2016 às 19:30, quando este já estava no seu quarto em franca recuperação), 123º (que jantaram juntos em casal no dia 25 de Outubro de 2016 no restaurante M... ..... na Rua dos ...), 166º e 167º (que a factura paga à Autora o tivesse sido atendendo ao conhecimento da situação então debilitada de saúde do gerente da Autora, uma vez que falta de trabalho não justificava o pagamento), 176º (no sentido em que a Autora nunca esteve presente em reuniões para que tivesse sido convocada no âmbito do contrato celebrado entre as partes), 196º e 197º (que só após a transição deste imóvel para o Fundo, e no âmbito dos trabalhos de avaliação, é que foi detectada a existência de uma parte urbana não reflectida na certidão, assunto que começou a ser tratado desde Abril 2018 com o Arquitecto KK), 208º (na parte em que só em 08/03/2016 tivesse chegado ao conhecimento da Ré que o imóvel vinha sendo explorado por diversas sociedades do Gerente da Autora desde 2007, situação que não foi relevada antes da celebração da Operação nem da constituição do Fundo), 218º (que o contrato tivesse sido feito à revelia do PER da A..., S.A. e do seu Administrador Judicial Provisório), 248º (no sentido em que tivesse sido o gerente da Autora, AA a receber todos os cheques em causa), 249º e 250º (na parte em tenha sido o gerente da Autora a receber todos esses pagamentos), e 290º a 293º (que AA utilizou os elementos e informações que dispunha para preparar uma proposta ligeiramente melhor, não cuidando de assegurar se a mesma tinha forte probabilidade de se fazer) da contestação.

V – Fundamentação de direito

1. Recorde-se que o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

• Contrariamente ao entendimento do acórdão recorrido, não se verifica uma situação de incumprimento do contrato por parte da autora nem tampouco de justa causa de resolução pela ré;

• Ainda que assim não se entendesse, sempre a resolução do contrato dos autos deve ser considerada ilícita por não ter sido antecedida da interpelação admonitória prevista no art. 808.º do Código Civil;

• Consequentemente, tem a autora direito a ser indemnizada pelos valores das comissões e da retribuição previstos até ao final da vigência do contrato.

2. Antes de proceder à apreciação de cada uma das questões enunciadas pela recorrente, importa considerar os termos em que as instâncias se pronunciaram.

A 1.ª instância entendeu essencialmente o seguinte:

- Ao contrato celebrado entre as partes, denominado “Contrato de Prestação de Serviços Técnicos de Planeamento Estratégico e Representação Institucional”, são aplicáveis, naquilo que não se encontra regulado pelas partes, as regras do contrato de mandato (cfr. art. 1156.º do Código Civil), designadamente as regras sobre a revogação do mandato previstas nos arts. 1170.º e segs. do CC;

- Aplicando o regime do art. 1170.º do CC, considera-se que, não tendo o contrato sido celebrado no interesse da sociedade autora - uma vez que, de acordo com o entendimento prevalecente, a natureza onerosa do contrato não basta para o qualificar como celebrado no interesse do “mandatário” (aqui, do prestador de serviços) - o contrato é livremente revogável por qualquer das partes nos termos do n.º 1 daquele preceito legal;

- Consequentemente, a revogação do contrato pela ré é lícita, podendo, no entanto, haver lugar a pagamento de indemnização à autora nas circunstâncias previstas no art. 1172.º, alínea c) («Se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente»), salvo se existir justa causa para a revogação;

- Cabendo à ré, mesmo nas situações de revogação lícita, demonstrar a existência de justa causa, é de considerar que os fundamentos invocados na carta de revogação enviada pela ré (alegados incumprimentos contratuais e alegados actos que conduziram à perda de confiança na autora) não preenchem o conceito de justa causa;

- Não estando provada justa causa de revogação, há lugar à atribuição de indemnização a favor da autora, a qual, porém, deve corresponder apenas ao valor da remuneração devida pela falta de aviso prévio da revogação;

- A final, decidiu-se «[c]ondenar a Ré a pagar à Autora uma indemnização correspondente à retribuição acordada em relação ao ano de 2017 proporcionalmente até 24 de Novembro de 2017, reduzida a um terço, e deduzida das despesas que a Autora teria de 24 de Outubro de 2017 a 24 de Novembro de 2017, a liquidar, com o limite de €28.829,59».

O Tribunal da Relação:

- Tal como a 1.ª instância, entendeu ser subsidiariamente aplicável ao contrato de prestação de serviços dos autos, com as necessárias adaptações, o regime do contrato de mandato, tanto em virtude do disposto no art. 1156.º do CC, como em função do previsto na cláusula 5ª, n.º 2, do contrato (cfr. documento 4 junto com a p.i.);

- Manteve a qualificação da revogação do contrato operada pela ré como revogação lícita, mas, considerou provada a existência de justa causa para tal revogação, pelo que concluiu não ter a autora direito a qualquer indemnização;

- A justa causa assentou na prova de incumprimentos contratuais bem como de condutas imputáveis ao sócio-gerente da autora que, sendo de desconsiderar a personalidade colectiva, são de imputar à própria sociedade autora.

Insurge-se a autora, ora recorrente, contra esta decisão, suscitando as acima enunciadas questões recursórias e pedindo que a revogação do contrato seja declarada ilícita e que se reconheça o seu direito a ser indemnizada pelos valores das comissões e da retribuição previstos até ao final da vigência do contrato.

Pugna a recorrida pela manutenção do acórdão recorrido.

Quid iuris?

3. Acompanha-se o entendimento das instâncias segundo o qual, ao contrato de prestação de serviços não tipificado celebrado entre as partes, são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato de mandato, com as necessárias adaptações. Esta solução legalmente prevista (art. 1156.º do Código Civil) foi expressamente acordada pelas partes (cfr. cláusula 5ª, n.º 2, do Contrato de Prestação de Serviços Técnicos de Planeamento Estratégico e Representação Institucional). Assim sendo, acompanha-se também o entendimento das instâncias – que não vem posto em causa – no sentido de, para a resolução das questões objecto do presente litígio, ser convocável o regime dos arts. 1170.º e 1172.º do Código Civil.

3.1. Nos termos do n.º 1 do art. 1170.º do CC o contrato de mandato é livremente revogável por qualquer das partes (revogação ad nutum); contudo, se tiver sido celebrado não apenas no interesse do “mandante” (no caso, no interesse daquele a quem os serviços são prestados) mas também no interesse do “mandatário” (no caso, no interesse do prestador dos serviços), não pode ser revogado pelo primeiro sem acordo do segundo, salvo ocorrendo justa causa (cfr. n.º 2 do mesmo art. 1170.º do CC).

De acordo com a orientação doutrinal e jurisprudencial consolidada (cfr. Vaz Serra, anotação ao acórdão do STJ de 7 de Março de 1969, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 103.º, págs. 239 e seg.; Januário da Costa Gomes, Em tema de revogação do mandato civil, Almedina, Coimbra, 1989, págs. 146 e segs.; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Vol. XII – Contratos em especial (2ª Parte), Almedina, Coimbra, 2018, págs. 672 e seg.; na jurisprudência deste Supremo Tribunal, ver, a título exemplificativo, o acórdão de 01-03-2001, proc. n.º 183/01, não publicado), o facto de o mandato (no caso dos autos, a prestação de serviços) ser remunerado/a não permite, só por si, considerar que estamos perante um “mandato de interesse comum”. Nas palavras de Pedro Leitão Pais de Vasconcelos (anotação ao artigo 1170.º, in Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações – Contratos em especial, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2023, pág. 694):

«O interesse relevante é aquele que atribui ao mandatário, ou a um terceiro, uma posição própria no âmbito da relação de mandato, pelo que existirão duas posições autónomas a respeitar no âmbito desse mandato, o que implica a necessidade de ter essas duas posições autónomas, esses dois interesses, em consideração na concretização do regime jurídico aplicável. A este interesse chama-se ‘interesse primário’, que deve ser próprio, específico, objetivo e direto na execução do mandato ou de contrato a este subjacente, de tal modo que o mandatário tenha uma posição própria, autónoma da posição do mandante.».

O mesmo autor esclarece, mais à frente, que «[e]ste interesse não deve ser confundido com o ‘interesse secundário’, que não preenche estas características, nomeadamente no caso do interesse do mandatário que resulta da onerosidade do mandato, ou no caso do interesse do mandatário que lhe atribui determinado estatuto social. Estes interesses, embora existam, não são juridicamente relevantes para a questão da irrevogabilidade do mandato, podendo, contudo, ser relevantes para a questão da eventual responsabilidade contratual no caso de revogação do mandato.».

Temos assim que, tal como entenderam as instâncias, aplicando o regime jurídico do mandato ao contrato dos autos, se considera não estarmos perante um contrato celebrado (também) no interesse da sociedade autora, prestadora de serviços, sendo, em tese geral, por isso, livremente revogável.

O carácter oneroso da prestação de serviços poderá, contudo, mostrar-se relevante para efeitos do surgimento da obrigação de indemnizar. Com efeito, o art. 1172.º, alínea c), do CC, dispõe o seguinte:

«A parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer: (...) c) Se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente».

3.2. Aqui chegados, importa, porém, assinalar que, de acordo com o entendimento comumente aceite, a obrigação de indemnizar o mandatário que exerce a função a título oneroso não existirá se ocorrer “justa causa”. Ver, neste sentido, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 01-03-2001 (supra referido), de 09-01-2003 (proc. n.º 4134/029, in www.dgsi.pt), de 05-05-2005 (proc. n.º 489/05, in www.dgsi.pt), de 07-02-2008 (proc. n.º 4398/07, não publicado), de 02-12-2013 (proc. n.º 686/09.0TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt), e de 10-12-2013 (proc. n.º 6329/06.7TVLSB.L1.S1, não publicado).

Nas palavras de Januário da Costa Gomes (ob. cit., págs. 219 e seg.), a justa causa tanto constitui «um simples factor de exclusão da obrigação de indemnizar» como é um «requisito fundamental para legitimar a ruptura unilateral da relação de mandato». Nesta última dimensão, verifica-se que a justa causa tende a confundir-se com o fundamento da resolução contratual.

Ora, no caso dos autos, a ré fundou a declaração de cessação do contrato (cfr. factos 99 a 101) no incumprimento contratual por parte da autora, bem como na «"existência de diversos factos e circunstâncias, imputáveis" à Autora, "em virtude da atuação do Gerente único dessa sociedade, Senhor AA", que teriam tornado "inexigível, de acordo com as regras da boa fé, a manutenção da relação contratual"» (facto 101). No presente recurso, vem a autora, ora recorrente, invocar a inexistência de tais fundamentos pelo que, alega, a cessação do contrato deve ser considerada ilícita, com a consequente subsistência da obrigação de indemnizar a autora.

Neste contexto, a apreciação da primeira questão recursória implica, antes de mais, que se procure esclarecer se a cessação do contrato com fundamento em justa causa configura uma situação de revogação unilateral ou de resolução.

Esta dificuldade de qualificação dogmática encontra-se identificada pela doutrina, designadamente, na análise de Adelaide Menezes Leitão («Revogação unilateral do mandato, pós-eficácia e responsabilidade pela confiança», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, I Vol., Almedina, Coimbra, 2002, pág. 322 e seg.), autora que, ainda que começando por se referir à norma do n.º 2 do art. 1170.º, do CC, se pronuncia afinal sobre todos os casos de “revogação por justa causa”:

«No art. 1170.º/2 verifica-se alguma confusão entre a resolução e a revogação unilateral como figuras extintivas. Quando o legislador refere que o mandante só pode ‘revogar’ o mandato de interesse comum sem o acordo do interessado se houver justa causa, é possível admitir duas construções sobre o regime ‘sub iudice’: ou consagrou a figura da revogação unilateral como acto extintivo vinculado, condicionada que está a sua eficácia a uma justa causa, ou pretendeu consagrar a figura da resolução contratual, sempre vinculada a fundamento específico, embora sem utilizar o termo revogação. A primeira das construções referidas é subscrita por Antunes Varela, que expressamente admite que a figura da revogação unilateral pode ser discricionária, exemplificando com recurso ao art. 1170.º/1, ou vinculada, referindo-se ao art. 1170.º/2, in fine. A segunda é defendida por Baptista Machado, que considera estar-se em presença de uma resolução, sendo despicienda qualquer distinção, neste domínio, entre justa causa de revogação e justa causa de resolução, pois que aplicando ao mandato o regime das relações duradouras, também a resolução não operaria em princípio ex tunc.

Das duas construções em presença a que parece ser mais adequada para a interpretação do art. 1172.º é a que configura a ‘revogação’ por justa causa como uma verdadeira resolução contratual, pois que a justa causa surge como facto constitutivo do direito de resolução. No entanto, o legislador quis consagrar a mera eficácia ex nunc da resolução, razão que o levou a apelidar de «revogação» tendo em conta os efeitos não retroactivos do acto extintivo.». [negrito nosso]

Em sentido próximo, ver Maria Helena Brito e Maria de Lurdes Vargas (anotação ao artigo 1170.º, in Código Civil Anotado, Vol. I, coord.: Ana Prata, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 1504 e segs.). Estas autoras chamam, contudo, a atenção, para o facto de que:

«A resolução por justa causa não se reconduz à resolução por incumprimento definitivo, dela se demarcando pelo âmbito de aplicação, pelos fundamentos em que se sustenta e pelos efeitos que produz.

A resolução por incumprimento definitivo aplica-se a todos os contratos, independentemente da sua duração; a resolução por justa causa aplica-se a todos os contratos duradouros e, em princípio, só a estes.». [negrito nosso]

O conceito de justa causa tem vindo a ser definido, em geral, pela ideia de inexigibilidade (cfr. João Baptista Machado, «Pressupostos da resolução por incumprimento», in Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Ivridica, Braga, 1993, pág. 143; Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 869 e segs.; Fernando Ferreira Pinto, Contratos de Distribuição – Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2013, págs. 393 e segs.; Joana Farrajota, A resolução do contrato sem fundamento, Almedina, Coimbra, 2015, págs. 359 e segs.).

Nas palavras de Januário da Costa Gomes (ob. cit., pág. 220):

«Será justa causa qualquer facto, situação ou circunstância, em face dos quais não seja exigível, segundo a boa fé, a continuação da vinculação de uma das partes à relação contratual. Essas circunstâncias podem ser subjectivas ou objectivas.».

Na verdade, e de acordo com o mesmo autor (ibidem), «em tese geral, os factos ou circunstâncias que tornam inexigível a continuação da vinculação ao contrato, tanto se podem reconduzir a atitudes ou comportamentos da contraparte como a acontecimentos que lhe são de todo estranhos.».

Referindo-se especificamente à justa causa no contrato de mandato, Menezes Cordeiro (ob. cit., pág. 675) propõe uma sistematização tripartida:

«A nossa jurisprudência apresenta, em geral, a justa causa relativa à revogação do mandato como a circunstância, facto ou situação em face do qual, à luz da boa-fé, não seja exigível a continuação da relação contratual, designadamente:

(a) por impossibilitar ou dificultar o fim prosseguido;

(b) por fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação;

(c) por traduzir uma conduta contrária à correção e lealdade».

Esta enumeração afigura-se particularmente relevante porque, se, em algumas situações de inexigibilidade se poderá ainda justificar alguma tutela da contraparte - designadamente mediante a exigência de que seja respeitado um prazo de pré-aviso para a resolução/revogação do contrato (cfr. a este respeito Adelaide Menezes Leitão, ob. cit., pág. 341) -, tal não se justifica, contudo, nas hipóteses mais graves (como as da impossibilidade de se alcançar o fim prosseguido ou a existência de uma conduta contrária à correcção e lealdade), nas quais a declaração de resolução produzirá efeitos imediatos.

3.3. Sublinhe-se que o enquadramento dogmático apresentado, em traços necessariamente breves, permite compreender, de forma mais precisa, aquilo que está em causa na presente acção.

Com efeito, tendo a ré, ora recorrida, fundado a declaração de cessação do contrato (cfr. factos 99 a 101) no incumprimento contratual por parte da sociedade autora, assim como na inexigibilidade da manutenção do vínculo contratual devido à conduta do sócio-gerente da mesma sociedade, verifica-se que:

i. Não estamos perante um caso de revogação unilateral não motivada do contrato dos autos (admissível ao abrigo do princípio da livre revogabilidade previsto no n.º 1 do art. 1170.º do CC);

ii. Estamos sim perante um caso de revogação motivada do contrato, que, em rigor, corresponde à resolução de relação contratual duradoura com eficácia ex nunc;

iii. Na declaração resolutiva foram invocados dois fundamentos distintos: o incumprimento contratual por parte da autora prestadora de serviços; a existência de justa causa de resolução, no caso consistente em conduta desleal imputável à autora.

Perante estas conclusões intercalares, estamos em condições para afirmar que a primeira questão suscitada pela recorrente – ao invocar que, contrariamente ao entendimento do acórdão recorrido, não se verifica uma situação de incumprimento do contrato por parte da autora (nem tampouco de justa causa) de resolução pela ré – integra, na verdade duas sub-questões, a saber:

• Apurar da regularidade da declaração resolutiva com fundamento em incumprimento contratual;

• Apurar da regularidade da declaração resolutiva com fundamento em justa causa.

4. Passemos, assim, a apreciar da regularidade da declaração resolutiva com fundamento em incumprimento contratual.

Para o efeito, importa atender às razões que conduziram à celebração do contrato de prestação de serviços dos autos, bem como às obrigações assumidas pelas partes do mesmo contrato. Socorremo-nos da fundamentação da sentença da 1.ª instância que, nesta parte, se afigura essencialmente correcta:

«Resulta da factualidade provada que, na sequência da celebração do Acordo-Quadro relativo à Reestruturação de Sociedades que integram o Grupo I..., SGPS, S.A:" e da constituição do V - Fundo Capital de Risco (na altura em curso) para o qual seria transferido um vasto património imobiliário detido pelo Grupo I..., SGPS, S.A:, com vista a mantê-lo, valorizá-lo e aliená-lo, que seria gerido pela Ré, as partes celebraram na mesma data (05 de Agosto de 2014) o contrato denominado de "Contrato de Prestação de Serviços Técnicos de Planeamento Estratégico e Representação Institucional". Este contrato tinha como objecto a prestação pela Autora dos seguintes serviços de consultoria:

“(a) Definição da estratégia de valorização dos ativos do perímetro do Fundo;

(b) Colaboração na seleção das equipas técnicas multidisciplinares para a elaboração dos projetos de planeamento urbano e de plano de gestão florestal dos ativos do perímetro do Fundo;

(c) Promoção de forma ativa e diligente na venda dos ativos do perímetro do Fundo;

(d) Identificação e promoção de parcerias estratégicas para o desenvolvimento dos ativos do perímetro do Fundo” (cfr. Cláusula Primeira do Contrato).

No que toca ao prazo ou duração do contrato, foi acordado que o Contrato entrava em vigor desde o início do exercício de funções da Ré e manter-se-ia até à liquidação e partilha do V - Fundo Capital de Risco ou até à eventual substituição da Ré, exceto se esta fosse substituída por entidade detida ou dirigida por algum administrador ou acionista ou por alguém que tivesse tido alguma destas qualidades (cfr. Cláusula Segunda do Contrato).

Eram obrigações da Ré nos termos da Cláusula Quarta do Contrato:

“(i) Auscultar a RELEVOSAFIRA quanto à estratégia de desenvolvimento operacional dos ativos do perímetro do Fundo;

ii) Garantir pleno acesso da RELEVOSAFIRA aos ativos do perímetro do Fundo, incluindo o uso das instalações e permanência nestas, no âmbito da prossecução do objeto do supra mencionado Contrato”.

E à Autora cabia:

"(i) Atuar de forma ativa e diligente na criação de valor dos ativos do perímetro do Fundo, cooperando com a D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. na representação institucional e definição de estratégia de desenvolvimento operacional e de valorização do perímetro do Fundo;

(ii) Zelar pela manutenção fundiária dos ativos do perímetro do Fundo, propondo medidas de rentabilização dos espaços agrícolas e florestais em sintonia com os objectivos programáticos do planeamento urbano e plano de gestão florestal”.

(...)

Considerando que o início de actividade do Fundo ocorreu apenas em 30/12/2015, só a partir desta data podia o Contrato ser cabalmente executado, resultando da prova e das escrituras de dação que vários imóveis do perímetro do Fundo foram sendo transmitidos para o Fundo e suas sociedades ao longo do ano de 2016. O termo do contrato apenas deveria ocorrer com a liquidação e partilha do V - Fundo Capital de Risco, cujo período de duração era de 15 anos (ponto 31 dos factos provados), ou até à eventual substituição da Ré, tratando-se assim de um termo incerto.».

De acordo com o provado (facto 100), «[a] declaração de revogação do Contrato começa por assentar no invocado incumprimento dos serviços objeto do Contrato, constantes das cláusulas primeira e quarta, n.º 2, o qual se materializaria na:

a) ausência de definição da estratégia de valorização dos ativos do perímetro do Fundo;

b) falta de colaboração na seleção de equipas técnicas multidisciplinares para a elaboração dos projetos de planeamento urbano e de plano de gestão florestal dos ativos do perímetro do Fundo;

c) ausência de identificação e promoção de parcerias estratégicas para o desenvolvimento dos ativos do perímetro do Fundo;

d) falta de cooperação com a D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. na representação institucional e na definição da estratégia de desenvolvimento operacional e de valorização dos ativos do perímetro do Fundo;

e) ausência de propostas de rentabilização dos espaços agrícolas e florestais (art. 128º da p.i.).».

No que se refere à prova do incumprimento das obrigações contratuais da autora, fundamento invocado na declaração de revogação/resolução motivada, acompanha-se, essencialmente a apreciação realizada na sentença da 1.ª instância, na parte que aqui se transcreve:

«Restam a ausência de definição da estratégia de valorização dos ativos do perímetro do Fundo; a falta de colaboração na seleção de equipas técnicas multidisciplinares para a elaboração dos projetos de planeamento urbano e de plano de gestão florestal dos ativos do perímetro do Fundo; a ausência de identificação e promoção de parcerias estratégicas para o desenvolvimento dos ativos do perímetro do Fundo; e a falta de cooperação com a D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. na representação institucional e na definição da estratégia de desenvolvimento operacional e de valorização dos ativos do perímetro do Fundo; e a ausência de propostas de rentabilização dos espaços agrícolas e florestais.

Resulta dos factos provados que o início de actividade do V - Fundo Capital de Risco dá-se na prática a partir de 2016, sendo que durante o ano de 2016 vários activos foram sendo transmitidos.

Ora, em grande parte do ano de 2016, AA esteve gravemente doente e incapacitado para trabalhar, o que foi do conhecimento da Ré. Poderia colocar-se a questão de não ser exigível à Ré que aguardasse uma eventual melhoria de AA (e que até era totalmente incerta) por forma a que o contrato pudesse ser executado, atendendo também ao facto de não se ter provado que AA tivesse uma “equipa” para desenvolver a actividade da Autora, tudo se concentrava na sua exclusiva actuação para efeitos da execução do Contrato. E também não se provou que a equipa da Autora (que não existia verdadeiramente) tivesse sido “desviada pela Ré”. Foram os anteriores colaboradores da I..., SGPS, S.A: que resolveram sair e de uma forma que não foi repentina. Acontece que a Ré nunca demonstrou tal preocupação no ano de 2016 e também nada de concreto solicitou à Autora para efeitos de execução do contrato. À Ré cabia auscultar a Autora quanto à estratégia de desenvolvimento operacional dos ativos do perímetro do Fundo, o que significa que lhe cabia solicitar a opinião da Autora. Não ficou provado que a Autora se tivesse recusado a reunir ou não comparecesse injustificadamente a reuniões acerca do objecto do contrato, nem que tivesse sido a mesma a afastar-se da Ré, pelo contrário.

(...)

Por outro lado, no que toca ao Plano de Pormenor para as Herdades de ..., referido pela Autora como um exemplo da actividade desenvolvida no âmbito do Contrato de Prestação de Serviços, tendo sido contratado por AA, tal como o projeto das infraestruturas, já estava feito à data da celebração do contrato de prestação de serviços tendo sido aprovado em 2009, pelo que o activo foi transferido para o perímetro do Fundo já com o projecto. Outrossim, as estratégias quanto aos imóveis que detinha no concelho em diversas reuniões que tiveram lugar na Câmara Municipal de ..., foram conduzidas por AA no período de 2011 a 2015 numa fase em que o mesmo era o seu dono, e não em execução do contrato.

Ficou provado que no âmbito e após o contrato de prestação de serviços e a criação do V - Fundo Capital de Risco, não houve qualquer reunião na Camara Municipal de ... com a Autora, e nem a Autora encontrou investidores e sugeriu estratégias para o activo Herdade de .... Também o estudo de viabilidade existente no Morgado de ... foi contratado e discutido por AA e já existia aquando da celebração do contrato de prestação de serviços, e não foi seguido pela Ré. Após a celebração do Contrato de Prestação de Serviços não houve uma reunião ou deslocação sobre este estudo de viabilidade e nem o gerente da Autora esteve presente em reuniões na C... nem na Câmara Municipal de ....

Com efeito, se é verdade que para além de algumas reuniões a Autora em bom rigor pouco ou nada fez para efeitos de execução do contrato, após o contrato, a Ré também não solicitou à Autora que se pronunciasse sobre qualquer estratégia para qualquer activo do Fundo. A escolha das equipas técnicas foi feita pela sociedade Z1, Unipessoal, Lda mas a Ré celebrou um Contrato de Prestação de Serviços Técnicos com esta sociedade na mesma data em que celebrou o contrato com a Autora, tendo a Z1, Unipessoal, Lda actuado no âmbito da execução do seu contrato voltado para a gestão técnica dos activos do perímetro do Fundo (cfr. doc. nº 13 da contestação). Se é verdade que AA podia aceder às instalações da Ré, e lá se deslocou para estar presente nas assembleias de participantes e conselhos consultivos, não se provou que se tivesse alguma vez recusado a reunir com a Ré para efeitos de executar o Contrato de Prestação de Serviços.

Não se provou que até à data da revogação a Autora tivesse sido interpelada para identificar e promover parcerias estratégicas para o desenvolvimento de ativos do perímetro do Fundo, nem foram demonstrados factos reveladores de “falta de cooperação com a Ré na representação institucional e na definição da estratégia de desenvolvimento operacional e de valorização dos ativos do perímetro do Fundo”, como não se provou que a Ré tivesse solicitado a colaboração da Autora na selecção de equipas técnicas multidisciplinares para a elaboração de projectos de planeamento urbano e gestão florestal dos activos do Fundo. Nos termos em que o contrato se mostra gizado ele envolvia alguma cooperação e proximidade das partes. Não vemos como é que a Autora podia “promover de forma activa e diligente a venda dos activos” e “identificar e promover parcerias estratégicas para o desenvolvimento dos activos do perímetro do Fundo” ou mesmo apresentar “propostas de rentabilização dos espaços agrícolas e florestais”, tudo obrigações de índole genérica, sem saber mais pormenores acerca das pretensões da Ré quanto a cada um dos activos, lembrando que a gestão do Fundo cabia à Ré e não podia ser delegada. Aquelas eram obrigações de carácter indefinido que careciam de alguma concretização por banda da Ré, de solicitações concretas com definições de prazos, que também não existiram (tanto que a Ré não conseguiu concretizar factualmente o incumprimento dos serviços objecto do contrato da Autora na carta da revogação, escudando-se numa enunciação conclusiva - cfr. alíneas a) a e) do ponto 99). A “auscultação” da Autora era uma obrigação da Ré e implicava alguma iniciativa da sua parte que não se verificou.». [negritos nossos]

Acompanhando-se a apreciação feita pela 1.ª instância – e independentemente de se atribuir ou não relevância ao estado de saúde do sócio-gerente da autora – constata-se que, tal como se encontram previstos no contrato, os serviços a prestar pela aqui autora, (“(a) Definição da estratégia de valorização dos ativos do perímetro do Fundo; (b) Colaboração na seleção das equipas técnicas multidisciplinares para a elaboração dos projetos de planeamento urbano e de plano de gestão florestal dos ativos do perímetro do Fundo; (c) Promoção de forma ativa e diligente na venda dos ativos do perímetro do Fundo; (d) Identificação e promoção de parcerias estratégicas para o desenvolvimento dos ativos do perímetro do Fundo”), bem como as obrigações por ela assumidas ("(i) Atuar de forma ativa e diligente na criação de valor dos ativos do perímetro do Fundo, cooperando com a D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. na representação institucional e definição de estratégia de desenvolvimento operacional e de valorização do perímetro do Fundo; (ii) Zelar pela manutenção fundiária dos ativos do perímetro do Fundo, propondo medidas de rentabilização dos espaços agrícolas e florestais em sintonia com os objectivos programáticos do planeamento urbano e plano de gestão florestal”.) revestem índole genérica e relativamente indefinida. De acordo com o figurino contratual adoptado, caberia à própria ré concretizar os serviços a prestar pela autora, o que indubitavelmente implicaria a existência de uma relação de proximidade e colaboração entre as partes.

Ora, de acordo com o provado, nem a relação entre as partes foi de proximidade e colaboração, nem os serviços a prestar pela autora foram suficientemente concretizados pela ré, razão pela qual não se pode dar como verificado o invocado incumprimento contratual por parte da autora.

5. Em reforço da conclusão do ponto anterior, e referindo-nos já àquilo que concerne à segunda questão recursória – saber se declaração de resolução não deveria ter sido antecedida da interpelação admonitória prevista no art. 808.º do Código Civil –, sempre se dirá que, ainda que se concluísse existir uma situação de incumprimento contratual por parte da autora, sempre estaríamos perante simples mora, faltando a interpelação admonitória da ré para transformar a mora em incumprimento definitivo. Só então a ré poderia resolver o contrato com tal fundamento.

6. Importa agora passar a apreciar da regularidade da declaração resolutiva com fundamento em justa causa.

Da declaração de cessação do contrato (cfr. facto 101) constava «que se verificava a "existência de diversos factos e circunstâncias, imputáveis" à Autora, "em virtude da atuação do Gerente único dessa sociedade, Senhor AA", que teriam tornado "inexigível, de acordo com as regras da boa fé, a manutenção da relação contratual"».

A este respeito o acórdão da Relação atribui relevância às seguintes condutas do gerente da autora:

«No que respeita ao Hotel..., o gerente da Recorrente RELEVOSAFIRA desconsiderou o facto de o mesmo ser um ativo do Fundo e, embora em nome de outras sociedades, que também geria, procedeu a diversos negócios em prejuízo do Fundo (factos provados n.ºs 66 a 72)»;

«Quanto à Herdade da ..., Herdade dos ..., assim como Herdade do Morgado de ... o gerente da Recorrente RELEVOSAFIRA recebeu a título pessoal montantes pecuniários que não integrou no Fundo, muito embora o devesse ter feito (factos provados n.º 73 a 79)»;

«Relativamente à fração BG do prédio de ..., pertencente ao Fundo, o gerente da Recorrente RELEVOSAFIRA, agindo em nome de outrem, procedeu à sua transmissão para o Fundo com ónus e encargos, diversamente do que havia referido na dação em cumprimento onde sucedeu tal transmissão (factos provados n.ºs 80 a 82)»;

«No que toca ao imóvel ..., ocorreu um protelamento da venda do mesmo na sequência de oposição do gerente da Recorrentes RELEVOSAFIRA, não nessa qualidade, em prejuízo da HEED (factos provados n.ºs 83 a 93).».

6.1. Consideremos separadamente cada conjunto de facto:

Factos relativos ao activo do Fundo “Hotel...”:

66. No que toca ao imóvel “Hotel...”, um dos ativos transferidos para o Fundo, em 2007 foi feito um contrato de cessão de Exploração entre a A..., S.A. e a C...S... com o preço dividido em duas prestações anuais de €170.000,00, o qual que foi alvo de um aditamento em 2011, mediante o qual, atendendo à crise financeira e económica global, a contrapartida foi reduzida para a quantia anual de €10.000,00 (arts. 208º e 209º da contestação).

67. Em 18 de fevereiro de 2016 foi celebrado o contrato de cedência da posição contratual, da sociedade C...S... controlada pelo Sr. AA para a H...Actividades conexas, Lda, também totalmente controlada e detida pelo Sr. AA, constituída em 8 de fevereiro de 2016, mantendo o valor anual de €10.000,00, o qual não foi dado a conhecer à Ré (arts. 210º e 211º da contestação).

68. Em 08 de março de 2016 foi celebrado o “Acordo de Gestão e Exploração de Hotéis com Opção de Compra dos Imóveis e Sociedade Exploradora” entre a I..., SGPS, S.A:, enquanto sociedade detentora da H...Actividades conexas, Lda, e a Pi..., Lda, junto à contestação como doc. nº 23 e que se dá por reproduzido, sem ter sido dado conhecimento à Ré (arts. 212º da contestação).

69. Na escritura de transmissão deste ativo por dação em cumprimento de 16 de março de 2016, junta à contestação como doc. nº 28, assinada pelo Sr. AA em representação da A..., S.A., este declarou, na respetiva qualidade em que interveio, que o imóvel era transmitido livre de ónus ou encargos para além das hipotecas (art. 243º da contestação).

70. Os contratos de cessão de posição contratual referentes ao Hotel... não foram efetuados, nem determinados, pela Autora RELEVOSAFIRA (art. 149º da p.i.).

71. Mediante email de 16 de março de 2017, junto à contestação como doc. nº 7 e que se dá por reproduzido, AA justificou essa decisão escrevendo além de mais que “a transmissão da exploração foi um meio de promover a venda do Hotel à Pi..., Lda”, o que reiterou nos termos do email de 24 de março de 2017, junto à contestação como doc. nº 27 e que se dá por reproduzido (arts. 231º, 236º e 238º da contestação).

72. No âmbito de renegociações havidas em 2017 entre a Gr..., S.A. e a arrendatária G...W, Lda, e das quais o gerente da Autora não participou, a renda passou a ser mensal e com efeitos a 01 de janeiro de 2019 o valor seria atualizado para €13.000,00, conforme contrato junto à contestação como doc. nº 26 e adenda junta por req. de 09/06/2022 como doc. nº 26.1, que se dão por reproduzidos (arts. 223º e 224º da contestação).

Relativamente ao activo “Hotel...”, perante a factualidade provada, confirma-se o entendimento do acórdão recorrido segundo o qual «o gerente da Recorrente RELEVOSAFIRA desconsiderou o facto de o mesmo ser um ativo do Fundo e, embora em nome de outras sociedades, que também geria, procedeu a diversos negócios em prejuízo do Fundo».

Factos relativos aos activos do Fundo “Herdade da ..., Herdade dos ..., e Herdade do Morgado de ...”:

73. Relativamente à Herdade da ..., a Ré trocou diversas comunicações com o rendeiro a respeito de rendas devidas depois da transmissão do ativo para o Fundo que assegurou ter tudo pago e tratado com o “Sr. AA”, sendo que, AA também tem um filho com o mesmo nome “AA” (art. 247º da contestação – resposta explicativa).

74. Relativamente à Herdade dos ... e à Herdade Morgado de ..., foram relatadas à Ré pelos rendeiros entregas de dinheiro a AA para pagamentos de rendas ocorridos após a transmissão do ativo para o Fundo (arts. 249º e 250º da contestação).

75. Além de algumas visitas às propriedades, foram tidas reuniões entre AA e a Ré em 19/01/2016 (logo após a constituição do Fundo) e em 01/03/2017, esta última a respeito das rendas que continuavam a ser pagas a AA e sobre o Hotel..., e outras reuniões em 2017 em número não superior a 5, sobre os ativos e eventuais investidores no âmbito do Contrato celebrado em 05/08/2014 (art. 112º da contestação em parte – resposta explicativa).

76. No dia 11/04/2017 houve uma reunião com a Ré a respeito das quantias indevidamente recebidas pela utilização dos imóveis (art. 115º da contestação).

77. No email de 17/04/2017, junto à contestação como doc. 33.1, a fls. 662 e 662 verso, por forma a regularizar os pagamentos em falta à Ré, AA confirmou o recebimento de diversas quantias correspondentes à Herdade da ... (2016) e Morgado de ... (2016), no total de €35.000,00, e no email que continha a versão final proposta pela Dra. GG em 15/05/2017 foram acrescidos os montantes respeitantes à Herdade da ... (2017) (arts. 253º e 254º da contestação).

78. Nesse mesmo dia o Sr. AA respondeu solicitando cópia dos contratos referentes à Herdade dos ..., referindo que, relativamente aos restantes montantes “… não tenho qualquer objeção …”, conforme email junto à contestação como doc. n.º 33.3 (art. 257º da contestação).

79. A situação relativa ao recebimento indevido e não entrega das rendas referentes à exploração da Herdade dos ..., Herdade da ... e Herdade do Morgado de ... não foi regularizada, sendo que pelo menos alguns dos montantes não foram recebidos por AA, mas sim pelo filho do gerente da Autora, de nome AA (arts. 151º da p.i. e 246.º da contestação/reconvenção). [alterado pela Relação];

Relativamente aos activos do Fundo “Herdade da ..., Herdade dos ..., e Herdade do Morgado de ...”, confirma-se o entendimento do acórdão recorrido segundo o qual «o gerente da Recorrente RELEVOSAFIRA recebeu a título pessoal montantes pecuniários que não integrou no Fundo, muito embora o devesse ter feito».

Factos relativos ao activo do Fundo “fração BG do prédio de ...”:

80. Relativamente à fração BG sita na Avenida ... em ..., ocorreu em 16/10/2000 a celebração de um “contrato de cedência de posição contratual e de permuta” entre HH e a sociedade M..., Lda. (art. 263º da contestação – resposta explicativa).

81. Tal fração transitou para o Fundo através de dação em cumprimento com declaração do Sr. AA enquanto legal representante da S..., S.A. de que a mesma se encontrava livre de quaisquer ónus e encargos (art. 264º da contestação).

82. A Ré não consegue tomar posse do aludido imóvel por nele residir, por via do contrato já identificado, a Senhora HH que invoca direito de retenção, direito este já reconhecido pelo tribunal (art. 265º da contestação).

Relativamente ao activo do Fundo “fração BG do prédio de ...”, confirma-se o entendimento do acórdão recorrido segundo o qual o gerente da autora, «agindo em nome de outrem, procedeu à sua transmissão para o Fundo com ónus e encargos, diversamente do que havia referido na dação em cumprimento onde sucedeu tal transmissão».

Factos relativos ao activo do Fundo “imóvel ...”:

83. Relativamente ao imóvel “...”, num processo de venda competitivo, a K...... ........, sociedade gestora de fundos internacional, tinha apresentado a melhor proposta dentro do prazo previsto e cuja apreciação a Ré tinha agendada para o 5º Conselho Consultivo a ter lugar no dia 04 de Julho (art. 279º da contestação).

84. Para o efeito, a Ré enviou a documentação respetiva a todos os participantes no dia 29 de junho de 2017 na qual se encontrava uma apresentação e as duas propostas apresentadas e que iriam ser apreciadas (art. 280º da contestação).

85. A “Indicative Offer” apresentada pela K...... ........ a 29 de Junho de 2017 ascendia ao montante total de €6.700.000,00 a pagar no momento da escritura (art. 286º da contestação).

86. No dia 03 de julho de 2017, véspera do aludido conselho, fora do prazo estabelecido nesse processo competitivo, a Ré recebeu um reforço de proposta do Arquitecto II (art. 281º da contestação).

87. Este facto levou a que o Conselho Consultivo deliberasse a suspensão do processo para que ambos os proponentes, K...... e Arquitecto, pudessem aperfeiçoar as propostas em 3 ou 4 pontos comuns (art. 282º da contestação).

88. AA opôs-se fortemente à venda do imóvel ... à K...... ........ e comprometeu-se a identificar um comprador por melhor preço, o que fez (art. 160º da p.i.).

89. A proposta do interessado identificado por AA oferecia 9,15 milhões de euros, ou seja, mais 30% do que o valor apresentado pela K...... ........ (art. 162º da p.i.).

90. Os dois proponentes iniciais acabaram por apresentar novas propostas revistas, tendo a proposta do arquiteto II, que era de €9.150.000, superado a apresentada pela K...... ........ (8.000.000€ com up-side de 2.000.000€), acabando, após o período da suspensão, por ser a vencedora (art. 288º da contestação).

91. A escritura acabou por não ocorrer porque nunca foi enviada qualquer documentação para a realização da escritura, e não compareceram na data marcada, mesmo após as sucessivas aceitações por parte da Ré no adiamento da escritura, inclusivamente até três meses depois (arts. 295º e 296º da contestação).

92. O imóvel de ... foi posto à venda em 2019 por valor não inferior a 10 milhões de euros através da C... (art. 167º da p.i. em parte).

93. O novo preço pelo qual o prédio foi novamente posto à venda reflete uma alteração ao nível da composição do imóvel que passou a ter uma parte urbana que foi destacada e vendida (arts. 306º e 307º da contestação – resposta explicativa).

Relativamente ao activo do Fundo “imóvel ...”, e diversamente do entendimento do acórdão recorrido, considera-se que a factualidade provada não permite concluir pela prática de actos desleais por parte do sócio-gerente da sociedade autora.

Deste modo, conclui-se pela verificação de condutas eticamente censuráveis do sócio-gerente da autora a respeito da administração de determinados activos do Fundo de Risco do qual a ré é a sociedade gestora (os activos Hotel..., Herdade da ..., Herdade dos ..., Herdade do Morgado de ... e a fracção BG do prédio de ...).

6.2. Aqui chegados importa considerar se a prova de tais condutas eticamente censuráveis do sócio-gerente da autora configura justa causa de resolução do contrato celebrado entre as partes.

Consideremos a seguinte factualidade dada como provada:

1. Autora RELEVOSAFIRA é uma sociedade por quotas, detida pela sociedade I..., SGPS, S.A: (I..., SGPS, S.A:), e por AA (AA), seu gerente.

3. A Ré é a sociedade gestora do fundo de capital de risco constituído em Portugal com a denominação V - Fundo Capital de Risco ("V - Fundo Capital de Risco") e em atividade desde 30/12/2015 (art. 3º da p.i.).

4. A I..., SGPS, S.A: detinha, indiretamente, um conjunto de ativos imobiliários e, enquanto sociedade gestora de participações sociais, constituía o principal veículo do denominado GRUPOI..., SGPS, S.A:, sendo acionista dominante de outras sociedades igualmente dedicadas às atividades imobiliárias, que integravam, juntamente com as sociedades P...Imobiliária, S.A. ("P..., S.A."), C... - Compra e venda ..., Lda ("C..., Lda"), e P... - Compra e venada de..., S.A. ("P..., S.A."), o referido GRUPOI..., SGPS, S.A: (art. 5º da p.i.).

5. Até Agosto de 2014, as sociedades I...A..., S.A. (A..., S.A."), Ap..., S.A. ("Ap..."), Parques do ..., S.A. ("Parques do..., R...imobiliária, S.A. (R...; S.A."), S..., Lda (S..., S.A."), P... - Const., S.A. ("Construções..., S.A..), e P... - Compra e venada de..., S.A. ("P..., S.A."), eram responsáveis perante diversas entidades bancárias - a saber, o Banco Comercial Português, S.A. ("Bcp"), Caixa Geral de Depósitos, S.A. ("Cgd"), e a Caixa Económica Montepio Geral ("CEMG") – e perante a Parvalorem, S.A. ("PARVALOREM"), por responsabilidades financeiras, contraídas para o desenvolvimento e a construção de projetos imobiliários (art. 6º da p.i.).

7. Na sequência da crise económica que afetou o sector imobiliário entre 2009 e 2016, as sociedades que integravam o GRUPO I..., SGPS, S.A: viram fortemente afetada a sua capacidade de pagar pontualmente aos seus fornecedores, trabalhadores, prestadores de serviços, Fazenda Pública e Segurança Social e outros Entes Públicos, bem como de assegurar o pagamento integral das dívidas aos Bancos, a outras instituições financeiras e à PARVALOREM nas condições inicialmente previstas, necessitando, por isso, de uma reestruturação significativa do respetivo passivo(art. 8º da p.i.).

8. Em 05 de agosto de 2014, foi celebrado um contrato denominado "Acordo-Quadro relativo à Reestruturação de Sociedades que integram o Grupo I..., SGPS, S.A:" ("Acordo-Quadro"), junto à p.i. como doc. nº 5 e que se dá por reproduzido, entre:

a) as empresas do Grupo I..., SGPS, S.A:, a que pertencia a Autora RELEVOSAFIRA;

b) os Bancos credores BCP, CGD e CEMG (conjuntamente "Bancos")

c) a PARVALOREM;

d) a Ré; e

e) BB, como administrador judicial provisório da sociedade Ap... e administrador de insolvência da sociedade Parques do... (art. 9º da p.i.).

9. No sentido de promover a reestruturação financeira e societária do GRUPO I..., SGPS, S.A:, as Partes do referido Acordo-Quadro definiram:

a) um conjunto de medidas judiciais a serem implementadas por várias sociedades do GRUPO I..., SGPS, S.A:;

b) diferentes perímetros de ativos do GRUPO I..., SGPS, S.A: que seriam objeto de tratamento diferenciado;

c) medidas específicas de reestruturação financeira, nomeadamente através da cessão de créditos, dação em pagamento de ativos e reestruturação dos termos de pagamento de créditos hipotecários (art. 10º da p.i.).

10. No que se refere ao perímetro de ativos do GRUPO I..., SGPS, S.A: que seriam objeto de tratamento diferenciado, conforme considerando X. do Acordo Quadro, foi identificado o seguinte:

a) “Activos do Perímetro Fundo” – conjunto de ativos que deveriam vir a ser detidos, indiretamente, pelo V - Fundo Capital de Risco, ao tempo ainda em fase de constituição;

b) “Activos do Perímetro Dações Directas” – conjunto de ativos que não integrariam o V - Fundo Capital de Risco e que seriam objeto de uma dação em cumprimento diretamente ao BCP;

c) "Activos a manter" – conjunto de ativos que não integrariam o V - Fundo Capital de Risco, mantendo-se na titularidade das sociedades respetivas do GRUPO I..., SGPS, S.A:, hipotecados a favor do MONTEPIO e da PARVALOREM, cujos respetivos créditos seriam objeto de reestruturação (art. 11º da p.i.).

11. No que se refere aos "Activos do Perímetro Fundo", de acordo com o Considerando XI do acordo Quadro, a referida reestruturação consistiu no seguinte:

a) aquisição dos créditos do Bancos, da Paravlorem, e de parte dos créditos da I..., SGPS, S.A:, pelas sociedades veículo (detidas, maioritariamente, pela Sociedade mãe e minoritariamente, pelo Banco subscritor respectivo e/ou pelo SPV I... e pelo Fundo, sendo a sociedade mãe, por sua vez, detida maioritariamente pelo Fundo e minoritariamente pelo SPV I...);

b) dação em cumprimento dos "Activos do Perímetro Fundo", livres de ónus ou encargos, para além das hipotecas de 1.º grau e dos privilégios creditórios existentes, “possibilitando, por esta via, uma gestão operacional e uma conjugação de sinergias entre os referidos ativos, que permita potenciar o desenvolvimento dos mesmos, colocá-los numa fase de implementação e desenvolvimento que os torne comercialmente atrativos, visando a sua alienação de forma a maximizar o retorno financeiro” (arts. 12º e 13º da p.i.).

12. Através do Acordo-Quadro, o GRUPO I..., SGPS, S.A:, cujas sociedades se encontram identificadas no Acordo-Quadro, que se encontrava em insolvência técnica, estando algumas das sociedades do grupo insolventes e algumas em processo especial de revitalização, cedia um vasto património imobiliário, que detinha indiretamente através das sociedades do Grupo, que valia, pelo menos, €113.500.000,00,00, com vista a mantê-lo, valorizá-lo e aliená-lo no âmbito do V - Fundo Capital de Risco que seria gerido pela Ré e, pelo seu lado, os Bancos e a PARVALOREM converteriam os seus créditos em unidades de participação do V - Fundo Capital de Risco (arts. 14º a 17º da p.i.).

13. Na cláusula 11.ª, alínea f), do Acordo Quadro, pode ler-se que a Ré ficaria obrigada a: “Não contratar ou sub-contratar, directa ou indirectamente, qualquer sociedade integrante do Grupo I..., SGPS, S.A:, os seus acionistas ou outra Empresa relacionada para prestar serviços de gestão ou manter qualquer ligação com a gestão dos Activos do Perímetro do Fundo” (art. 27º da p.i.).

14. Nos termos da referida cláusula 11ª, alínea g), do Acordo Quadro, a Ré obrigou-se a: “Proceder ao desenvolvimento imobiliário dos Activos do Perímetro do Fundo, de forma a maximizar o seu valor, podendo nesse âmbito, sob a sua inteira responsabilidade, contratar quaisquer entidades para a prestação de serviços técnicos" (art. 28º da p.i.).

15. A CGD opôs-se inicialmente à realização da Operação e foi também por exigência sua, com o propósito de minimizar interferência de AA no Fundo, que foi introduzida a cláusula 11ª, alínea f), do Acordo-Quadro (arts. 49º a 51º da contestação – resposta explicativa).

16. No mesmo dia 5 de agosto de 2014, a Ré, então designada D...Fundos de Investimento Mobiliário, S.A., celebrou com a Autora RELEVOSAFIRA o contrato denominado de "Contrato de Prestação de Serviços Técnicos de Planeamento Estratégico e Representação Institucional", junto à p.i. como doc. nº 4 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (arts. 4º e 29º da p.i.).

17. Nos Considerandos deste Contrato, as Partes declararam que fora celebrado naquela data o Acordo-Quadro (art. 30º da p.i.).

(...)

29. A celebração do contrato com a Autora visava o “aproveitamento” do conhecimento, contactos, projetos, propostas, etc. que o seu Gerente detinha sobre os ativos que tinham sido de sua propriedade (ou das sociedades por si detidas) (art. 62º da contestação).

Destes factos resulta que:

• O contrato de prestação de serviços dos autos, que as partes expressamente submeteram ao regime supletivo do contrato de mandato, foi celebrado na sequência do Acordo-Quadro relativo à Reestruturação das Sociedades que integram o Grupo I..., SGPS, S.A:, grupo este que se encontrava em situação de insolvência técnica;

• AA, sócio-gerente da sociedade-autora, era o titular de direito e/ou de facto das sociedades que integravam o dito Grupo I..., SGPS, S.A:;

• Não obstante o Acordo-Quadro conter cláusula, imposta pelo banco credor, no sentido de ser minimizada a influência de AA na gestão do Fundo de Risco constituído no âmbito do Acordo-Quadro, o contrato dos autos «visava o “aproveitamento” do conhecimento, contactos, projetos, propostas, etc. que o seu Gerente detinha sobre os ativos que tinham sido de sua propriedade (ou das sociedades por si detidas)».

Desta factualidade resulta, de forma evidente, que a relação contratual estabelecida entre as partes, assentava essencialmente na pessoa, conhecimentos e competências de AA, sócio-gerente da sociedade autora.

Assim sendo - e, em particular, tendo as partes celebrado o contrato de prestação de serviços para que a ré obtivesse «o “aproveitamento” do conhecimento, contactos, projetos, propostas, etc. que o seu [sócio] Gerente detinha sobre os ativos que tinham sido de sua propriedade (ou das sociedades por si detidas)» - a prova de que, no decurso da vigência do contrato, o mesmo sócio-gerente praticou actos em benefício próprio e em prejuízo da ré (cfr. factos 66 a 72), transmitiu para o Fundo determinado activo «com ónus e encargos, diversamente do que havia referido na dação em cumprimento onde sucedeu tal transmissão» (cfr. factos 80 a 82) e, facto de especial gravidade, reteve para si quantias monetárias que pertenciam à ré (cfr. factos 73 a 79), demonstra que o fim do contrato se encontrava irremediavelmente comprometido. Por um lado, por não ser exigível que a ré aceitasse que a execução dos serviços contratados fosse realizada por alguém cuja conduta é eticamente censurável. Por outro lado, por não ser exigível que a ré aceitasse que essa pessoa fosse substituída por outrem, uma vez que ficou provado que o contrato de prestação de serviços fora celebrado em função da pessoa e dos conhecimentos de AA.

Sendo a inexigibilidade da manutenção do vínculo contratual o critério pelo qual se deve aferir da justa causa, conclui-se, pela existência de justa causa de resolução do contrato dos autos, não podendo deixar de improceder a pretensão da recorrente de que lhe seja atribuída indemnização pela cessação do contrato.

VI – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 18 de Abril de 2024

Maria da Graça Trigo (relatora)

Ana Paula Lobo

Fernando Baptista