Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4/12.0TYVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO VARIÁVEL
CÁLCULO
Nº do Documento: RP202403194/12.0TYVNG.P1
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: No cálculo da majoração da remuneração do administrador da insolvência prevista no art. 23º, nº 7 do Estatuto do Administrador Judicial, na redação da Lei nº 9/2022, de 11.1., terá que se atender à percentagem de satisfação dos créditos reclamados que foram admitidos e não ao montante total apurado para a satisfação dos créditos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 4/12.0 TYVNG.P1

Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 5

Apelação

Recorrente: AA

Recorrido: Ministério Público

Relator: Eduardo Rodrigues Pires

Adjuntos: Desembargadores Fernando Vilares Ferreira e Rui Moreira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

No presente processo de insolvência referente à “A..., Lda.”, em 30.10.2023, a Secretaria procedeu ao cálculo da remuneração variável do Sr. Administrador da Insolvência, tendo apurado o valor de 53.106,34€.

Em 7.11.2023 a Mmª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho:

“A Secretaria procedeu ao cálculo da remuneração variável.

O cálculo realizado teve em conta os elementos que constam dos autos e obedece ao disposto no art. 23º, n.º 4, alínea b), e n.º 7, da Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro.

Por outro lado, afigura-se-nos que, no caso em apreço, a remuneração devida para além do montante de 50.000,00 euros não deve ser inferior à resultante da aplicação dos critérios legais (cfr. art. 23º, n.º 8, da Lei 22 /2013, de 26 de Fevereiro).

Assim sendo, notifique o Sr. Administrador da Insolvência para, no prazo de 10 dias, caso nada tenha a reclamar relativamente ao cálculo da remuneração variável, apresentar a proposta de distribuição e de rateio final, procedendo-se à sua publicação (art. 182º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).”

Em 17.11.2023, o Sr. Administrador da Insolvência apresentou requerimento, onde relativamente à forma de cálculo da remuneração variável, sustentou o seguinte:

“(…)

Do cálculo da remuneração variável:

18. Na nova redação do EAJ, dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, prevê a alínea b) do n.º 4 do artigo 23.º do EAJ que “Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: (…) b) 5 /prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.”;

19. Por seu turno, o n.º 6 do mesmo artigo refere que “Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.”;

20. Acrescenta o n. 7 do artigo 23.º do EAJ que “O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.”;

21. Deste modo, na presente data, a remuneração variável do Administrador Judicial calcula-se em duas parcelas distintas, a primeira prevista na alínea b) do n.º 4 e no n.º 6, ambos do artigo 23.º do EAJ, e a segunda, denominada de majoração, nos termos do no n. 7 do artigo 23.º do EAJ;

22. Para ser determinada a primeira parcela da remuneração variável, nos termos da alínea b) do n.º 4 e no n.º 6 do artigo 23.º do EAJ, importa determinar o resultado da liquidação da Massa Insolvente;

23. Conforme supra se demonstrou (pontos 1 a 9 supra), o resultado da liquidação dos presentes Autos ascende a 733.322,90€;

24. Deste modo, a primeira parcela da remuneração variável do Administrador de Insolvência, calculada em harmonia com a alínea b) do n.º 4 e no n.º 6 do artigo 23.º do EAJ, fixa-se no valor de 36.666,14€ (5% x 733.322,90€);

25. Por seu turno, a majoração da remuneração variável do Administrador de Insolvência, prevista no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ, estabelece que o Administrador de Insolvência tem ainda direito a uma majoração de 5% dos créditos satisfeitos, ou seja, ao resultado da liquidação, calculado nos termos previstos no n.º 6 do artigo 23.º do EAJ, há que deduzir a remuneração fixa e a primeira parcela da remuneração variável;

6. Pelo que, nos presentes Autos, sendo o resultado da liquidação de 733322,90€ como supra se determinou, importa reduzir o valor da remuneração fixa do Administrador de Insolvência (2460,00€), a primeira parcela da remuneração variável (36666,14€), bem como o IVA relativo à primeira parcela da remuneração variável (8433,21€), determinando-se assim a quantia disponível para satisfação dos créditos (valor de onde sairá o montante da majoração da remuneração variável do Administrador de Insolvência), num total de 685763,54€;

27. Em face do exposto, a majoração da remuneração variável do Administrador de Insolvência, em conformidade com o previsto no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ, fixa-se em 34.288,18€ (5% de 685.763,54€);

28. Assim, a remuneração variável do Administrador de Insolvência ascende a 70954,32€ (36666,14€ + 34288,18€), à qual acresce IVA à taxa legal em vigor (16319,49€), perfazendo o total de 87273,82€;

29. Para os devidos efeitos, junta-se ao presente requerimento a folha de cálculo da remuneração variável do Administrador de Insolvência (cfr. Doc. n.º 2);

Acresce,

30. Que estabelece o n.º 8 do artigo 23.º do EAJ que “Se, por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que haja liquidação da massa insolvente, a remuneração exceder o montante de (euro) 50 000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções.”;

31. Assim, conforme prevê o n.º 8 do artigo 23.º do EAJ, pese embora a remuneração variável calculada nos termos da alínea b) do n.º 4, do n.º 6 e do n.º 7, todos do artigo 23.º do EAJ, ascenda ao valor de 70 954,32€, a mesma poderá ser fixada em valor não superior a 50.000,00€ pelo juiz nomeado no processo;

32. Contudo, entende o aqui signatário que face às diligências levadas a cabo por este, à elevada tramitação processual, ao tempo despendido pelo Administrador de Insolvência e sua equipa no processo e à sua complexidade, deverá ser efetivamente fixada a remuneração variável de 70 954,32€;

33. Para tanto, deverá ser tido em consideração que desde a sua nomeação (em 07/08/2013), o Administrador de Insolvência elaborou um total de 231 ofícios para o Tribunal, Credores, Autoridade Tributária e Aduaneira, mais de 300 emails enviados e recebidos, entre outros;

34. Que em conformidade com a prestação de contas junta ao apenso G, foram realizadas 35 deslocações pelo Administrador de Insolvência e sua equipa, que se dividem em:

a. Uma deslocação à sede da Insolvente (... - VN Gaia) para reunião com a Gerência (28/08/2013);

b. Uma deslocação aos imóveis da Insolvente (... e ... - VN Gaia) para realização do Auto de Apreensão (03/09/2013);

c. Uma deslocação ao Tribunal de Comércio de VN Gaia para realização de Assembleia de Credores (12/09/2013);

d. Cinco deslocações a ... - VN Gaia, para mostra de bens a interessados (03/11/2014, 22/07/2016, 18/10/2016, 17/08/2018 e 09/12/2019);

e. Cinco deslocações a ... - VN Gaia, para mostra de bens a interessados (30/03/2015, 12/01/2018, 13/07/2018, 24/04/2019 e 13/06/2019);

f. Uma deslocação aos imóveis da Insolvente (... e ... - VN Gaia) para registo fotográfico para novo leilão eletrónico (20/06/2018);

g. Uma deslocação à Conservatória do Registo Predial de VN Gaia, para reunião com a Sra. Conservadora (04/01/2017);

h. Uma deslocação ao Cartório Notarial de Ovar Levantar Certidão de Escrituras de Venda de Imóveis (20/03/2018);

i. Uma deslocação ao Tribunal de Comércio de VN Gaia para consulta dos processos de execução fiscal apensos aos Autos (22/05/2018);

j. Treze deslocações aos CTT para envio de correspondência (26/08/2013, 01/10/2013, 10/02/2014, 23/06/2014, 27/11/2014, 14/04/2015, 16/05/2017, 24/10/2017, 19/12/2017, 08/03/2018, 12/03/2018, 02/08/2019, 18/10/2019);

k. Dezoito deslocações às Conservatórias e Serviço de Finanças para recolha de documentos (05/04/2012, 15/11/2012, 28/08/2013, 10/09/2013, 11/09/2013, 14/05/2014, 31/05/2016, 07/06/2016, 29/11/2016, 23/03/2017, 26/05/2017, 01/06/2017. 09/08/2017. 10/08/2017. 21/08/2017. 21/02/2018. 16/03/2018 e 29/10/2019);

l. Duas deslocações aos CTT (...) para envio de correspondência (28/07/2020 e 01/05/2021);

m. Três deslocações ao Tribunal Cível de VN Gaia, para consulta do Proc. 4250/09.6TBVNG (18/01/2022, 25/11/2022 e 23/01/2023);

n. Três deslocações ao Serviço de Finanças VN Gaia para eliminação de terreno rústico (22/02/2023, 22/04/2023 e 12/05/2023);

o. Uma deslocação ao escritório do Condomínio para pagamento de quotas em dívida (16/05/2023);

35. Que o número de apensos tramitado nos presentes Autos ascende a 7, conforme se verifica da consulta eletrónica dos Autos;

36. Que o volume de créditos reconhecidos ascende a 3 608 298,68€, para um número de 51 credores;

37. Foram ainda realizadas pelo Administrador de Insolvência e seus colaboradores diversas reuniões e diligências externas, nomeadamente:

a. 10 diligências de mostras de bens a potenciais interessados no imóvel;

b. 3 reuniões com a Gerência da Insolvente e seu mandatário;

c. Várias diligências junto dos Serviços de Finanças e Conservatórias;

38. Que foram apreendidas a favor da Massa Insolvente 14 verbas, conforme resulta do Auto de Apreensão junto aos Autos, tendo as mesmas sido liquidadas pelo valor total de 775 736,13€;

39. Que a nível de carga horária, verifica-se que a carga horária despendida pelo escritório do Administrador de Insolvência com os presentes Autos ascendeu a 1.526 horas, dividida por:

a. 271 horas, dividas pelos dois Técnicos Superiores que assistiram o Administrador de Insolvência na tramitação processual dos presentes Autos e suas respectivas diligências, nomeadamente: BB, NIF ... e CC, NIF ...;

b. 136 horas, divididas por três Assistentes Administrativas que assistiram o Administrador de Insolvência na tramitação processual dos presentes Autos e suas respetivas diligências, nomeadamente: DD, NIF ..., EE, NIF ... e FF, NIF ...;

c. 136 horas do Administrador de Insolvência;

Face ao supra exposto, requer-se a este Douto Tribunal que em conformidade com a alínea b) do n.º 4, n.º 6 e n.º 7, todos do artigo 23.º do EAJ, na sua redação atual em vigor, dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, seja fixada a remuneração variável do Administrador de Insolvência em 70.954,32€ (36.666,14€ + 34.288,18€), à qual acresce IVA à taxa legal em vigor (16.319,49€), perfazendo o total de 87.273,82€ e, consequentemente, autorizado o pagamento da mesma pelo saldo disponível na conta da Massa Insolvente, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 29.º do EAJ.

Por fim, apraz referir que uma vez fixada a remuneração variável do Administrador de Insolvência este dará cumprimento ao n.º 3 do artigo 182.º do CIRE e apresentará nos Autos proposta de mapa de rateio.”

Em 22.11.2023 a Mmª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho:

“Requerimento de 17 de Novembro de 2023.

A Secretaria procedeu ao cálculo da remuneração variável, conforme consta do “Termo” de 5 de Setembro de 2023.

Compulsados os autos, verifica-se que, de facto, existe um lapso na indicação do resultado da liquidação, como defende o Sr. Administrador da Insolvência, uma vez que o mesmo, para este efeito, ascende ao montante de 733.322,90 euros [receita: 858.507,66 euros – (537.744,66 euros – 100,00 euros – 410.000,00 euros) + 2,460,00 euros – cfr. apenso G].

O resultado da liquidação, para efeitos do disposto no art. 23º, n.º 4, alínea b), e n.º 6, do Estatuto do Administrador Judicial, ascende, assim, ao montante de 733.322,90 euros, motivo pelo qual a primeira parte da remuneração variável tem o valor de 45.099,36 euros [733.322,90 euros x 5% + IVA].

Cabe, agora, calcular o segundo factor da remuneração variável.

Nos termos do disposto no art. 23º, n.º 7, do Estatuto do Administrador Judicial, o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos ns.º 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 % do montante dos créditos satisfeitos.

Assim, a operação a realizar não pode ser alheia ao grau (percentagem) de satisfação dos credores, face ao universo da totalidade dos créditos [tal como sucedida anteriormente, na vigência da Portaria 51/2005, de 20 de Janeiro, e tabelas anexas]. Prevendo-se, agora, uma forma diversa de calcular a remuneração variável, não vemos que se tenha pretendido afastar a consideração da percentagem de satisfação dos créditos face à universalidade dos valores reconhecidos [cfr., entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Setembro de 2022, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29 de Setembro de 2022, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Outubro de 2022, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Abril e de 16 de Maio de 2023, www.dgsi.pt].

A majoração da remuneração variável visa, e sempre visou, recompensar o administrador da insolvência pelo facto de ter logrado obter a satisfação de uma maior percentagem de créditos, considerando que a 1ª parte da remuneração variável é calculada em função do valor da liquidação.

No caso em apreço, os créditos reconhecidos ascendem ao montante de 3.608.298,68 euros, motivo pelo qual o valor destinado à sua satisfação é de 685.763,50 euros [733.322,90 euros – 45.099,36 euros – 2.460,00 euros].

Obtido o montante disponível para pagamento dos créditos, há que apurar o grau de satisfação dos créditos.

Para calcular o grau de satisfação dos créditos, é necessário dividirmos o montante disponível para pagar aos credores – 685.763,50 euros – pelo montante dos créditos reconhecidos – 3.608.298,68 euros – e multiplicar por 100 (para obtermos a percentagem ou grau), o que, no caso, implica que se faça a seguinte operação: 685.763,50 / 3.608.298,68 x 100.

O grau de satisfação dos créditos ascende, assim, a 19,01%.

Nestes termos, a majoração da parte variável, prevista no art. 23º, n.º 7, do Estatuto do Administrador Judicial, ascende ao montante de 6.518,18 euros [(685.763,50 euros x 19,01%) x 5%], acrescido de IVA (1.499,18 euros).

Concluindo, o valor da remuneração variável ascende ao montante de 53.116,72 euros.

Resta acrescentar que tal montante não deve ser reduzido em qualquer medida ao abrigo do n.º 8 do art. 23º da Lei 22/2013, de 26 de Janeiro, tendo em conta, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo Sr. Administrador da Insolvência no exercício das suas funções, como resulta do processo principal e seus apensos.


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Pelo exposto, fixa-se a remuneração variável do Sr. Administrador da Insolvência no montante de 53.116,72 euros.

Notifique.


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Após trânsito, notifique o Sr. Administrador da Insolvência para, no prazo de 10 dias, apresentar a proposta de distribuição e de rateio final, procedendo-se à sua posterior publicação.”

Inconformado com o decidido, o Sr. Administrador da Insolvência interpôs recurso, em 11.12.2023, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:

A) Vem o presente recurso interposto do que decidiu estabelecer o valor total da remuneração variável do Administrador de Insolvência em 53.116,72€, incluindo IVA à taxa legal, uma vez que, entende o Tribunal a quo que o critério de majoração previsto no n.º 7 do artigo 23º do EAJ é o do grau (percentagem) de satisfação de créditos.

B) Ao invés do que o Venerando tribunal a quo decidiu, é convicção do AI, ora recorrente, que, porque procedeu nos presentes autos à liquidação dos ativos da Devedora, ele adquiriu, por essa via, direito à remuneração variável consagrada na alínea b) do nº 4 do artigo 23º do EAJ, a qual é majorada nos termos do nº 7 do mesmo artigo.

C) No que à primeira parcela de remuneração variável respeita (artigo 23, n.º 4 b) e n.º6 do EAJ), foi fixado o montante de 45.099,36€.

D) Já no que à majoração respeita, e com a qual o recorrente não concorda, entendeu o Tribunal a quo que “(…) Assim, a operação a realizar não pode ser alheia ao grau (percentagem) de satisfação dos credores, face ao universo da totalidade dos créditos (…)”

E) Esta parcela de remuneração variável, majoração, é verdadeira contrapartida pela liquidação realizada pelo AI.

F) E não há fundamento legal que suporte o entendimento defendido no despacho que se recorre, de que há que apurar a percentagem/proporção dos créditos satisfeitos e aplicar a esta os 5% previsto na norma.

G) A interpretação efetuada pelo Tribunal a quo do disposto o n.º 7 do artigo 23 do EAJ não é compatível nem como o elemento literal, nem com o elemento teleológico da norma.

H) Efetuando uma leitura da norma, verificamos que a referência ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos se encontra entre vírgulas, pelo que se trata de uma referência lateral que não entra nos elementos a ter em conta no cálculo.

I) O art. 23.º, 7, do EAJ é claro: a majoração corresponde a 5% do montante dos créditos satisfeitos.

J) Podia ter estabelecido 1) a majoração corresponde a 5% do montante dos créditos reclamados e admitidos quando todos estes tenham sido satisfeitos; 2) se o montante dos créditos satisfeitos for inferior ao montante dos créditos reclamados e admitidos, a percentagem da majoração será proporcionalmente reduzida. 3) Ou então a lei poderia estabelecer que a majoração corresponde a 5% da percentagem dos créditos reclamados e admitidos que tenha sido satisfeita, Mas não o fez

K) A atual redação do artigo 23º, introduzida pela Lei 9/2022, de 11/01, refere-se expressamente ao valor que existe para distribuição e não em percentagem, sendo totalmente irrelevante o grau ou percentagem de satisfação o credor assume agora, face ao universo da totalidade dos créditos.

L) A expressão “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos” pretende tornar claro que os créditos satisfeitos que contam para a majoração, são os que se incluem nos créditos reclamados e admitidos.

M) Compulsados diversos dicionários da língua portuguesa, em nenhum deles encontramos o termo percentagem como sinónimo de grau, palavra a que se refere, com maior propriedade, a volume a grandeza do que percentagem.

N) A nova fórmula de cálculo da remuneração variável em caso de liquidação – e ao contrário do que resultava da letra da lei na anterior redação, sugere a total irrelevância que o grau (ou a percentagem) de satisfação dos credores assume agora, face ao universo da totalidade dos créditos.

O) A alteração à forma de cálculo da remuneração variável introduzida pela Lei 9/2022 teve em vista constituir um estímulo à actividade do AJ, levando-o a diligenciar pela obtenção da maior receita possível, não se afigurando nem justo nem conforme à teleologia da norma penalizar o AJ, ora recorrente, por algo que não está nas suas mãos, isto é, penalizá-lo pelo elevado volume dos créditos admitidos.

P) O elemento teleológico da interpretação vem reforçar o entendimento de que a majoração a que nos referimos deve ser calculada sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos (montante dos créditos satisfeitos) e não sobre a percentagem dos créditos verificados que venha a ser satisfeita com o mesmo montante,

Q) A Lei 9/2022 pretendeu transpor para a ordem jurídica nacional a Diretiva 2019/1023, sendo que o artigo 27, n.º 4 desta estabelece que os «Estados Membros asseguram que a remuneração dos profissionais se reja por regras que sejam compatíveis com o objetivo de uma resolução eficiente dos processos”

R) A nova formula de cálculo da remuneração variável em caso de liquidação, e ao contrário do que entende o Tribunal a quo, implica a total irrelevância que o grau (ou percentagem ou proporção) de satisfação dos credores assume agora, face ao Universo da totalidade dos créditos.

S) O entendimento plasmado no despacho de que ora se recorre pode conduzir, em tese, a que um AJ que obteve uma parca receita possa ver a sua remuneração majorada em maior valor do que outro AJ que tenha “valorizado”, pela sua ação os ativos, mas tenha reconhecido um grande volume de créditos.

T) Não estando o valor dos créditos admitidos na dependência do AJ ou da respectiva Acão, não deverá tal elemento ter qualquer relevância para o cálculo da respetiva remuneração, sendo essa total irrelevância o único entendimento conforme à letra da lei.

U) Resulta inequivocamente a vontade do legislador em reproduzir a remuneração variável do AJ proposta no projeto de portaria sujeito a consulta pública a partir de 11 de Junho de 2019 e designadamente que, a remuneração variável do AI resultante da liquidação dos bens compreendidos na MI compreende uma majoração que corresponde exatamente a 5% do montante dos créditos satisfeitos, sem dependência de quaisquer outros cálculos ou condições.

V) O Tribunal a quo fez por isso uma errada interpretação do disposto no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ,

W) A decisão de que ora se recorre viola assim o disposto no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ, devendo por isso ser revogada e substituída por outra que faça multiplicar os 5% sobre o valor líquido para distribuição pelos credores que corresponde ao valor das receitas ao qual são subtraídas todas as despesas e o valor da remuneração variável alcançado nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do EAJ, fixando a majoração da remuneração variável, nos termos do artigo 23º n.º 7 do EAJ no valor de 42.174,18€ (34.288,18€+IVA), ao invés dos 6.518,18€+1.499,18€ (majoração da remuneração variável + IVA á taxa legal), fixados em primeira instância,

X) Resultando, assim, um total de remuneração variável de 87.273,82€ (oitenta e sete mil, duzentos e setenta e três euros e oitenta e dois cêntimos), (70.954,32€+IVA).

Y) Neste sentido, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/01/2023, processo n.º 3454/20.5T8STS-K.P1, disponível em www.dgsi.pt, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/07/2023, junto como documento n.º 1 da reclamação apresentada pelo Recorrente em 17.11.2023 e Acórdão do Tribunal na Relação de Lisboa de 20 de Dezembro de 2022 proferido no processo 415/13.4TYLSB-E.L1-1, disponível em www.dgsi.pt.

TERMOS EM QUE, pelos fundamentos expostos e nos melhores de direito que por certo D. e A. V. Exªs sabiamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e por via disso, anulado ou revogado o aliás douto despacho de que se recorre, e substituído por outro, que (mantendo-se a 1ª parcela de remuneração variável (artigo 23, n.º 4 b) e n.º 6 do EAJ) no montante de 45.099,36€:

a) ordena a fixação da 2ª parcela da remuneração variável, Majoração (artigo 23º, n.º 7 EAJ) no montante de 42.174,46€ € (34.288,18€+IVA), fixando-se, assim, um total de remuneração variável de 87.273,82€ (45.099,36€+42.174,18€).

O Min. Público apresentou resposta, pronunciando-se pela confirmação do decidido.

O recurso foi admitido, por despacho de 17.1.2024, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação em 28.2.2024.

Cumpre então apreciar e decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.


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A questão a decidir é a seguinte:

Apurar se o cálculo da remuneração variável do Sr. Administrador da Insolvência efetuado pela Secretaria é correto, o que envolve a interpretação da redação do art. 23º, nº 7 da Lei nº 22/2013, de 26.2. [Estatuto do Administrador Judicial] na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 9/2022, de 11.1.


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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório.

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Passemos à apreciação do mérito do recurso.

1. O art. 60º, nº 1 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas [CIRE] estatui que «o administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis

Por seu turno, o art. 23º da Lei nº 22/2013, de 26.2., que aprovou o Estatuto do Administrador Judicial [EAJ], na redação da Lei nº 9/2022, de 11.1., preceitua o seguinte:

«(…)
4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes:
a) 10/prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5;
b) 5/prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.
(…)
6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos nºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5/prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.
8 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que haja liquidação da massa insolvente, a remuneração exceder o montante de (euro) 50 000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções.
(…)
10 – A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100.000 (euro). (…)”
2. A interpretação a dar ao art. 23º, nº 7 do Estatuto do Administrador Judicial, nesta sua nova redação, está a ser objeto de entendimentos divergentes, de que é reflexo a interposição do presente recurso por parte do Sr. Administrador da Insolvência.
A questão coloca-se em saber se na majoração prevista do dito art. 23º, nº 7 do EAJ se deve entrar em linha de conta com a percentagem de satisfação dos créditos reclamados que foram admitidos, como se fez na decisão recorrida que acompanhou o cálculo efetuado pela Secretaria, ou se esta percentagem deve ser desconsiderada, conforme entende o recorrente.
A este propósito escreve-se o seguinte no Ac. Rel. Coimbra de 25.10.2022 (proc. 318/12.0TBCNT-V.C1, relator EMÍDIO SANTOS, disponível in www.dgsi.pt.), que iremos seguir na apreciação da questão interpretativa aqui em análise:
“A interpretação da lei tem como base e como limite a respectiva letra. A letra é a base à interpretação pois é por ela que deve começar a interpretação. Funciona como limite, pois segundo o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil a lei não poderá valer com um sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Sobre a importância da letra na interpretação, importa dizer, [socorrendo-nos] das seguintes palavras de Manuel de Andrade, que “… a letra da lei não servirá apenas para traçar o quadro dos sentidos legais possíveis. Compete-lhe ainda propor uma graduação entre eles. É que uns terão no texto uma expressão bastante natural, desafogada e perfeita; outros, pelo contrário, só uma expressão mais ou menos constrangida, desairosa, inapropriada. Daí uma certa razão de preferência a favor dos sentidos com melhor qualificação literal, mesmo não sendo eles, simultaneamente, os portadores das soluções mais justas” [Sentido e Valor da Jurisprudência, Coimbra 1973, página 26].
Guiados por estas palavras, há que reconhecer que nenhum dos sentidos em confronto é excluído pela letra do n.º 7 do artigo 23.º do estatuto. Com efeito, a letra da lei tanto relaciona a majoração da remuneração variável com o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos como a associa ao montante [dos] créditos satisfeitos. Ao dizer que “o valor alcançado … é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos” relaciona a majoração com o grau de satisfação dos créditos reclamados. Ao afirmar que o “valor alcançado é majorado em 5% do montante dos créditos satisfeitos” associa a majoração com o montante dos créditos satisfeitos.”
Se é certo que nenhum destes dois sentidos é excluído pela letra da lei, aquele que melhor se coaduna com esta é aquele em que se funda a decisão proferida pela 1ª Instância. 
É que a interpretação feita pelo recorrente despreza um dos segmentos do preceito, mais concretamente aquele em que se diz que o valor da remuneração variável é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. Seguindo-a, é como se do preceito não constasse este segmento e tivesse antes a seguinte redação: “o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos nºs 5 e 6 é majorado em 5% do montante dos créditos satisfeitos.”
Sucede que esta leitura do preceito se afasta do que se dispõe no art. 9º, nº 3 do Cód. Civil, onde se diz que «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».
Assim, tal como se afirma no dito Ac. Rel. Coimbra de 25.10.2022, “… é de presumir que o legislador, ao estabelecer que o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Ora, o pensamento que está compreendido no referido segmento é o de que a majoração depende também do grau de satisfação dos créditos. Na verdade, quando se diz que um valor é calculado em função de um certo elemento quer-se dizer que o valor depende desse elemento.”
Por isso, é de entender que a letra do preceito leva a que se siga a posição assumida pela 1ª Instância, sendo que no sentido desta também apontam os respetivos antecedentes legislativos.
Ora, sobre tais antecedentes escreve-se o seguinte no Ac. Rel. Coimbra de 25.10.2022:
“O artigo 23.º do estatuto do administrador da insolvência que está sob interpretação tem como antecedentes o artigo 20.º da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho (estatuto do administrador da insolvência revogado pela Lei n.º 22/2013)) e a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro.
O artigo 20.º do anterior estatuto, à semelhança do que sucede com o actual, previa uma remuneração fixa, uma remuneração variável e uma majoração desta última, mas remetia para portaria conjunta dos Ministros da Finanças e da Justiça o montante da remuneração fixa e o cálculo da variável e da majoração.
No que dizia respeito à remuneração variável, dispunha que o administrador auferia tal remuneração em função do resultado da liquidação da massa insolvente, cujo valor era o fixado na tabela constante da portaria (n.º 2 do artigo 20.º).
No que tocava à majoração da remuneração variável, dispunha que o valor alcançado por aplicação da tabela constante da portaria era majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos factores constantes da portaria (n.º 4 do artigo 20.º).
Ao abrigo da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho, o Governo aprovou a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, que compreendia o montante fixo de remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz e as tabelas relativas ao montante variável de tal remuneração.
A tabela relativa à majoração da remuneração variável era composta por duas colunas, em conformidade com o que previa o n.º 4 do artigo 20.º: uma relativa à percentagem dos créditos admitidos que fora satisfeita e outra com a indicação dos factores de majoração.
A conjugação do n.º 4 do artigo 20.º com a tabela não deixava dúvidas quanto ao seguinte:
A majoração dependia da percentagem dos créditos admitidos que fora satisfeita;
Quanto maior fosse a percentagem maior seria o factor de majoração da remuneração variável.
Esta solução estava em linha com a razão de ser da remuneração variável, concretamente: incentivar os administradores a desenvolver esforços no sentido de alcançar o melhor resultado possível para a satisfação dos credores. Quanto maior fosse a percentagem de créditos satisfeitos maior seria a remuneração variável.
O estatuto aprovado pela Lei n.º 32/2004 foi revogado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, que aprovou novo estatuto do administrador judicial, ainda em vigor, embora com as alterações que lhe foram introduzidas pelos seguintes diplomas: Lei n.º 17/2017, de 16 de Maio, Decreto-lei n.º 52/2019, de 17 de Abril, lei n.º 79/21, de 24-11 e Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.
No novo estatuto a remuneração do administrador passou a estar prevista no artigo 23.º.
As disposições deste preceito sobre a remuneração variável e respectiva majoração (números 2 e 5) não diferiam das disposições do anterior estatuto sobre igual matéria.
Em 2019, a redacção dos números 2 e 3 do artigo 23.º foi alterada pel[a] Lei n.º 52/2019, de 17 de Abril.
As alterações consistiram no seguinte:
1. Enquanto na redacção original se dispunha que o administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz auferia uma remuneração variável em função do resultado da liquidação da massa insolvente, cujo valor era o fixado nas tabelas constantes da portaria referida no número anterior, na nova redacção passava a dispor-se que o administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz auferia ainda uma remuneração variável em função do resultado da liquidação da massa insolvente, cujo valor era o fixado [na] portaria referida no número anterior. Isto é, fazia-se referência “à portaria” e não “às tabelas constantes da portaria”.
2. No que diz respeito à majoração da remuneração variável, enquanto na redacção original se dispunha que “o valor alcançado por aplicação das tabelas referidas nos n.ºs 2 e 3 era majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1”, na nova redacção passou a dispor-se que “o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 3 e 4 é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1”. Isto é, em vez de se falar “em valor alcançado por aplicação das tabelas referidas nos n.ºs 2 e 3” passa a falar-se “em valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 3 e 4”.
A redacção do artigo 23.º volta a ser alterada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, redacção que é a relevante para o caso.
Comparando a redacção anterior com a actual, a primeira diferença que importa assinalar entre elas é a de que esta deixou de remeter a fixação dos valores da remuneração do administrador para diploma regulamentar (portaria). A regulamentação da remuneração passou a ser feita no estatuto (artigo 23.º). Este passou a ser auto-suficiente em matéria de fixação dos valores da remuneração do administrador.
A regulamentação passou a ser a seguinte:
No que diz respeito à remuneração variável, estabeleceu-se na alínea b) do n.º 4 que tal remuneração era função do resultado da liquidação da massa insolvente e correspondia a 5% desse resultado, apurado nos termos do n.º 6 do mesmo preceito;
Quanto à majoração da remuneração variável, estabeleceu-se no n.º 7 que ela seria majorada, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos.
Comparando as redacções dos preceitos relativos à majoração da remuneração variável, vemos que a nova redacção manteve a afirmação de que majoração é feita em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e satisfeitos.
A alteração residiu apenas no segmento final do preceito: onde antes se dizia, “pela aplicação dos factores constantes da portaria referida no n.º 1” diz-se agora “em 5% do montante dos créditos satisfeitos”. O sentido da alteração é apenas o seguinte: na versão actual, em vez de se aplicarem os factores referidos na Portaria (Anexo II), aplica-se a taxa de 5%. E, assim, qualquer que seja o grau de satisfação dos créditos aplica-se sempre a mesma taxa (5%).
A ilação a tirar desta evolução legislativa é a de que o grau (percentagem) de satisfação dos créditos reclamados e admitidos mantém-se como um dos factores determinantes da majoração da remuneração variável.
Se assim não fosse, seria de esperar que a proposta de Lei que esteve na origem da alteração do artigo 23.º do actual estatuto do administrador da insolvência fizesse menção a tal alteração, o que não sucedeu. Na verdade, a proposta de lei em questão, que foi apresentada pelo Partido Socialista e pelo Partido Social Democrata, como proposta de alteração à proposta de Lei n.º 115/XIV/3.ª que deu origem ao processo legislativo que culminou com a aprovação [da] Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, é completamente omissa quanto às razões da alteração do artigo 23.º do estatuto.
Por último cabe dizer que não vale contra a decisão a alegação de que a interpretação da decisão não era compatível com o elemento teleológico. Vejamos.
Socorrendo-nos mais uma vez das palavras de Manuel Andrade, “na indagação do sentido mais justo deve tomar-se em conta a razão da lei (ratio legis – a valoração dos interesses que lhe está subjacente a finalidade que a inspirou …” (obra supracitada página 27).
Sabe-se qual é o objectivo da remuneração variável. Eles foram expostos na exposição de motivos da proposta de Lei que deu origem à Lei n.º 32/2004 [Proposta de lei n.º 112/IX/2] nos seguintes termos: “No que respeita à remuneração, estabeleceu-se um regime misto constituído por uma parte fixa e outra variável. Assim, a par de um montante fixo suportado pela massa insolvente, cria-se um sistema de prémios cujo montante varia em função da efectiva satisfação dos créditos. Este sistema garante, quer uma maior certeza no que respeita ao montante da remuneração, em virtude da existência de critérios objectivos, quer um incentivo que premeia o bom exercício da actividade”.
A interpretação da decisão recorrida, ao relacionar a majoração da remuneração variável com o grau de satisfação dos créditos, está em inteira conformidade com o propósito de a remuneração variar “em função da efectiva satisfação dos créditos”.”
3. Perfilhamos assim, por inteiro, a posição assumida no Ac. Rel. Coimbra de 25.10.2022, cuja argumentação transcrevemos largamente, tal como já o tínhamos feito no anterior acórdão de 24.1.2023 que também sobre esta questão relatámos (proc. nº 1910/17.1 T8STS-F.P1, disponível in www.dgsi.pt.).[1]
No mesmo sentido, que se perfila como maioritário, se pronunciaram também os seguintes acórdãos, todos disponíveis in www.dgsi.pt:
- Ac. Rel. Coimbra de 28.9.2022 (proc. 2495/20.7 T8ACB.C1, relatora MARIA CATARINA GONÇALVES);
- Ac. Rel. Évora de 29.9.2022 (proc. 260/14.0 TBVTR.E1, relator TOMÉ DE CARVALHO);
- Ac. Rel. Coimbra de 11.10.2022 (proc. 3947/08.2 TJCBR-AY.C1, relator ARLINDO OLIVEIRA);
- Ac. Rel. Porto de 11.10.2022 (proc. 2631/20.3 T8OAZ-E.P1, relator JOÃO DIOGO RODRIGUES);
- Ac. Rel. Coimbra de 9.11.2022 (proc. 462/12.3 TJCBR-AF.C1, relatora HELENA MELO);
- Ac. Rel. Lisboa de 24.1.2023 (proc. 2051/12.3 TYLSB-G.L1-1, relatora MANUELA ESPADANEIRA LOPES);
- Ac. Rel. Évora de 2.3.2023 (proc. 2/11.1 TBALR-G.E1, relatora MARIA DOMINGAS);
- Ac. Rel. Coimbra de 28.3.2023 (proc. 1529/12.3 TBPBL-J.C1, relator EMÍDIO SANTOS);
- Ac. Rel. Évora de 30.3.2023 (proc. 1414/18.5 T8STR-H.E1, relator FRANCISCO MATOS);
- Ac. Rel. Évora de 30.3.2023 (proc. 695/14.8 TBTMR-H.E1, relatora ISABEL IMAGINÁRIO);
- Ac. Rel. Évora de 30.3.2023 (proc. 1456/15.4 T8OLH-L.E1, relator TOMÉ DE CARVALHO);
- Ac. Rel. Porto de 18.4.2023 (proc. 1027/13.8 TYVNG-K.P1, relator JOÃO RAMOS LOPES);
- Ac. Rel. Évora de 20.4.2023 (proc. 144/15.4 T8OLH-L.E1, relatora ANABELA LUNA DE CARVALHO);
- Ac. Rel. Lisboa de 2.5.2023 (proc. 29823/11.3 T2SNT-L-L-1, relatora ISABEL FONSECA);
- Ac. Rel. Guimarães de 25.5.2023 (proc. 3465/20.0 T8VIS-G.G1, relator JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE);
- Ac. Rel. Lisboa de 6.6.2023 (proc. 9079/18.8 T8LSB-H.L1.1, relatora MANUELA ESPADANEIRA LOPES);
- Ac. Rel. Guimarães de 10.7.2023 (proc. 690/14.7 TBVVD-I.G1, relatora MARIA EUGÉNIA PEDRO);
- Ac. Rel. Guimarães de 19.12.2023 (proc. 26/14.7 T8ALJ-R.G1, relator PEDRO MAURÍCIO);
- Ac. Rel. Porto de 30.1.2024 (proc. 1282/12.0 TYVNG.P1, relator RUI MOREIRA)[2];
- Ac. Rel. Évora de 8.2.2024 (proc. 5301/12.2 TBPTM-M.E1, relator VÍTOR SEQUINHO DOS SANTOS).  
Em sentido oposto, sustentando que a majoração de 5% prevista no nº 7 do art. 23º do EAJ deve ser calculada sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos e não sobre a percentagem dos créditos verificados que venha a ser satisfeita com o mesmo montante referem-se os seguintes acórdãos, todos disponíveis in www.dgsi.pt.[3]:
- Ac. Rel. Lisboa de 20.12.2022 (proc. 415/13.4 TYLSB-E.L1-1, relatora FÁTIMA REIS SILVA)[4] [5];
- Ac. Rel. Porto de 10.1.2023 (proc. 3454/20.5 T8STS-K.P1, relatora ALEXANDRA PELAYO);
- Ac. Rel. Porto de 18.4.2023 (proc. 1024/10.5 TYVNG-N.P1, relator FERNANDO VILARES FERREIRA).
4. Sucede que entretanto o Supremo Tribunal de Justiça já tomou posição sobre esta questão, a favor da primeira das posições enunciadas e que é perfilhada pelo presente relator, através de Acórdão de 18.4.2023 (proc. 3947/08.2 TJCBR-AY.C1.S1, relatora MARIA OLINDA GARCIA), onde se consignou o seguinte no respetivo sumário:
“I – No cálculo da majoração da remuneração do administrador de insolvência, o valor de 5% referido no nº 7 do art. 23º do EAJ, com a redação dada pela Lei nº 9/2022, não tem como objeto o montante total apurado para satisfação dos créditos (ou seja, o apurado depois de extraída a parcela correspondente à percentagem da remuneração variável prevista nos números 4 e 6 do art. 23º). II – Essa percentagem de 5% incide sobre o resultado de uma operação aritmética destinada a apurar o “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.”  
E em sede de argumentação escreveu-se o seguinte neste aresto:
“… se o legislador da Lei n.9/2022 tivesse pretendido alterar o critério normativo (que já vinha da Lei n.32/2004) dificilmente se compreenderia que não o tivesse feito de forma clara, abandonando a expressão «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos».
Porém, não se identifica qualquer argumento sólido para sustentar essa eventual mudança de orientação legislativa. É inequívoco que a Lei n.9/2022 pretendeu favorecer o administrador, alterando a percentagem da majoração para 5%, em vez dos valores mais reduzidos que constavam da Portaria n.51/2005. Mas não é possível concluir que o legislador o tivesse pretendido favorecer em mais do que isso.
Ao manter o valor da remuneração fixa (em 2.000 €), no n.1 do art.23º, não parece que o legislador tenha dado um sinal de pretender melhorar significativamente a remuneração do administrador independentemente dos resultados alcançados pelo seu labor em cada caso concreto. Neste sentido, é possível concluir que o legislador terá pretendido fazer depender uma maior remuneração de um maior grau de empenho do administrador na satisfação do interesse dos credores.
Por outro lado, tendo presente que a Lei n.9/2022 transpôs a Diretiva 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, importa indagar se (nos considerandos ou no articulado) tal Diretiva contém alguma referência à remuneração do administrador.
Entre as medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos de insolvência, encontra-se o artigo 27º daquela Diretiva, o qual se refere à supervisão e à remuneração do administrador.
No n.4 deste artigo dispõe-se que:
«Os Estados-Membros asseguram que a remuneração dos profissionais se reja por regras que sejam compatíveis com o objetivo de uma resolução eficiente dos processos
Embora desta disposição não resulte um comando legislativo destinado a modelar diretamente as normas reguladoras da remuneração do administrador, o apelo a um propósito de eficiência compatibiliza-se melhor com uma majoração calculada «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos» (como consta do n.7 do art.23º do EAJ) do que com uma interpretação que não depende de qualquer grau de satisfação.
Pode ainda acrescentar-se que, caso subsistissem dúvidas interpretativas quanto à definição do critério de cálculo da majoração que o legislador terá pretendido consagrar no n.7 do art.23º, constatando-se que determinado critério favorece mais os interesses do administrador, enquanto que o critério alternativo favorece mais os interesses dos credores, sempre os princípios estruturantes do regime da insolvência haveriam de ser ponderados para dissipar tais dúvidas. E a resposta encontrar-se-ia no artigo 1º do CIRE, nos termos do qual o processo de insolvência tem como finalidade a satisfação dos credores, nomeadamente através da repartição do produto da liquidação do património do devedor.”[6]
Neste contexto, entendendo-se que no cálculo da majoração de 5% prevista no art. 23º, nº 7 do EAJ se deverá ter em atenção a percentagem de satisfação dos créditos reclamados que foram admitidos, há que julgar improcedente o recurso interposto pelo Sr. Administrador da Insolvência, assim se confirmando a decisão recorrida.

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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Sr. Administrador da Insolvência, AA, e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas, pelo seu decaimento, a cargo do recorrente.

Porto, 19.3.2024
Rodrigues Pires
Rui Moreira
Fernando Vilares Ferreira [VENCIDO, conforme linha argumentativa seguida noutros acórdãos por mim relatados e subscritos como adjunto, como por exemplo no processo 1024/10.5TYVNG-N.P1, mencionado no acórdão e acessível em www.dgsi.pt".]
____________
[1] Ainda no mesmo sentido relatámos os Acórdãos de 30.5.2023, proc. 1085/16.3 T8VNG.P1 e de 10.10.2023, proc. 264/15.5 T8VNG-I.P1, não publicados e ambos com voto de vencido – FERNANDO VILARES FERREIRA, no primeiro caso, e MARIA DA LUZ SEABRA, no segundo.
[2] Relatado pelo aqui 2º adjunto e com voto de vencido do aqui 1º adjunto (FERNANDO VILARES FERREIRA).
[3] Neste sentido há a referir ainda a posição de NUNO FREITAS ARAÚJO, in “A renumeração do Administrador Judicial e a sua apreciação jurisdicional depois de abril de 2022”, Revista Data Venia, nº 14, 2023, disponível in datavenia.pt. E também a posição de ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, RLJ, ano 152, págs. 273 e segs.
[4] Com voto de vencido (MANUELA ESPADANEIRA LOPES).
[5] A aqui relatora (FÁTIMA REIS SILVA) alterou a sua posição, em virtude do Ac. STJ de 18.4.2023, conforme expressou na declaração de voto que fez no Ac. Rel. Lisboa de 2.5.2023 e também no posterior acórdão que relatou em 4.7.2023, p. 416/11.7 TBHRT-G.L1.1, disponível in www.dgsi.pt.
[6] O STJ reafirmou esta posição nos Acórdãos de 16.5.2023, proc. 453/11. TBCDN-M.C1.S1, também relatado por MARIA OLINDA GARCIA, de 2.11.2023, proc. 1027/13.8 TYVNG-K.P1.S1 (RICARDO COSTA) e de 16.1.2024, proc. 345/17.0 T8OLH-F.E1.S1 (LUÍS ESPÍRITO SANTO), igualmente disponíveis in www.dgsi.pt.