Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11541/22.9T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
CHEQUE
ENDOSSO DO CHEQUE
Nº do Documento: RP2024031811541/22.9T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 03/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na ação executiva o título executivo é o delimitador subjetivo da execução.
II - O endosso do cheque é a forma cambiária através da qual se transmite o título à ordem, consistindo numa declaração de transferência para outrem aposta no seu verso.
III - A aposição no verso de um cheque de rubrica ou assinatura ininteligíveis, sem indicação da qualidade de quem a apôs e sem carimbo da firma beneficiária, não vale como endosso, sendo insuficiente para transmitir os direitos incorporados no título.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 11541/22.9T8PRT-A.P1

Relatora: Teresa Fonseca
1.º adjunto: José Eusébio Almeida
2.º adjunto: Carlos Gil

Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa intentada por “A..., Lda.” contra AA, opôs-se esta à execução por meio de embargos, pugnando pela extinção daquela.
Alega, em síntese, que o cheque dado à execução não pode ser considerado título executivo uma vez que aquando da sua emissão não lhe foi aposta data, que o cheque está prescrito, pois foi emitido em substituição de um outro emitido em 2002 e que a cedência do crédito invocada lhe suscita dúvidas.
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A embargada contestou, alegando:
- que em 6-10-1997 a embargante celebrou contrato de cessão de créditos com a sociedade “B..., Lda.”, através do qual esta lhe cedeu a posição que detinha em contrato-promessa de compra e venda de fração, pelo preço de esc. 10.500$00 (€ 52.373,78);
- que em 25-10-1999 foi elaborado um documento denominado “declaração”, como complemento do contrato de cessão da posição contratual, do qual consta, assinaladamente: “… declara para os devidos efeitos que recebeu, nesta data, da Exma. Sra. Dª AA, …, um cheque, para ser movimentado no ato da outorga da escritura, da quantia de Esc.: 3.610.000$00 (Três Milhões Seiscentos e Dez Mil Escudos), … ficando a quantia restante, do mencionado contrato, de Esc.: 6.510.000$00 (Seis milhões quinhentos e dez mil Escudos), a liquidar no ato da outorga da escritura com a C..., Lda. através do cheque pré-datado que já é possuidora…”;
- que no seguimento do negócio celebrado, a embargante entregou à “B..., Lda.” o cheque n.º ..., sacado sobre a Banco 1..., com o valor aposto de € 18.006,60, para pagamento do remanescente do preço;
- que a sociedade “B..., Lda.” cedeu o crédito que detinha sobre a embargante a BB, através de contrato de 4-9-2002, entregando-lhe o referido cheque;
- que em 11-4-2017 foi celebrada escritura de compra e venda entre a embargante e a C...;
- que, desconhecendo que a escritura havia sido concretizada em 27-4-2017, já que a embargante não a informou, em 23-7-2018 cedeu o seu crédito a BB.
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Realizou-se audiência prévia, no decurso da qual a exequente foi julgada parte ilegítima, absolvendo-se a executada da instância e determinando-se a extinção da execução.
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Inconformada, a embargada interpôs recurso e requereu a junção de um documento. Terminou as suas alegações com as conclusões que se seguem.
A) A Recorrente deu entrada de ação executiva para pagamento de quantia certa, executando um cheque no valor de €18.006,60, do qual a Recorrida é devedora.
B) A Recorrente não é a credora originária, tendo alegado a relação subjacente e junto a prova documental do seu direito ao crédito.
C) Assim, a empresa B..., Lda., celebrou um contrato de cedência de posição contratual com a Recorrida, a 6 de outubro de 1997, pelo preço de 10.500.000$00 (€52.373,78), tendo a última adquirido a posição contratual de promitente compradora de uma fração autónoma num contrato promessa de compra e venda celebrado com a promitente vendedora C..., Lda.
D) Desse contrato e em conjugação com uma declaração celebrada a 25 de outubro de 1999, resultou que a Recorrida pagaria à B..., Lda. o montante de 3.610.000$00 (18.006,60€) no dia da escritura definitiva da referida fração, tendo entregue o cheque nº ..., sacado sobre a Banco 1..., preenchido com esse mesmo o valor.
E) Por contrato de cedência de créditos, celebrado a 04/09/2002, a B..., Lda., cedeu esse crédito à Sra. BB, que cedeu esse mesmo crédito à aqui Recorrente, a 23/07/2018, entregando o cheque já identificado.
F) A Recorrida tomou conhecimento das operadas cedências de crédito, celebrou a escritura de compra e venda prometida, no dia 11 de abril de 2017, cuja posição de compradora adquiriu no contrato celebrado em 6 de outubro de 1997, não tendo informado a Recorrente desse facto, como e também não pagou o crédito devido.
G) Após tomar conhecimento da realização da escritura, em fevereiro de 2020, Recorrente interpelou a Recorrida para efetuar o pagamento dos €18.0606,60, apresentou o cheque a pagamento, mas nada recebeu porque o cheque foi devolvido com a indicação de que a conta havia sido encerrada.
H) A Recorrida deduziu embargos de executado contra a Recorrente, invocando a inexistência de título executivo, prescrição da dívida, a ineficácia dos contratos de cedência de crédito por falta de comunicação dos mesmos à Recorrida e a falsidade dos contratos de cedência de crédito.
I) Na oposição aos Embargos, a Recorrente reforçou legalmente a existência e validade do título executivo apresentado, descreveu a relação subjacente ao seu crédito, já demonstrada pelos documentos juntos aos autos.
J) Realizada a audiência prévia, para as finalidades previstas nas alienas a) e b) do n.º 1 do artigo 591º do CPC, e junta aos autos a Procuração que conferiu poderes a CC para outorgar o contrato de cedência de crédito celebrado a 23/07/2018 em representação da Sociedade A..., Unipessoal, Lda.,
K) a Meritíssima Juiz a quo proferiu despacho saneador (sentença), decidindo que, “contendo os autos os elementos necessários, passa-se a conhecer, de imediato, do mérito da causa.”,
L) julgando “procedente a arguida exceção dilatória de ilegitimidade ativa da exequente e, em consonância, absolvo a executada da instância executiva, determinando a extinção da execução”,
M) quanto a nós erradamente - com o devido respeito e vénia que o Tribunal solenemente merece.
N) Das questões a decidir, o tribunal a quo, entendeu entre outras, a necessidade de analisar a Legitimidade da embargada por invalidade da cessão de créditos, tendo em conta o facto de a Embargada se encontrar representada por Procurador naquele contrato.
O) Da análise da Procuração usada para o efeito, o tribunal a quo conclui que “CC quando interveio no contrato de cessão da posição contratual de BB a favor da embargada e em representação desta, carecia de poderes de representação desta, pelo que o negócio é ineficaz quanto à embargada.”
P) Salvo o devido respeito por douta decisão do tribunal a quo na interpretação legal do contrato de cessão de créditos e da Procuração utilizada, a Recorrente considera que houve uma incorreta leitura dos poderes atribuídos ao Procurador.
Do contrato de cedência de créditos celebrado a 23/07/2018,
Q) Dispõe o n.º 1 do artigo 577º do Código Civil, “O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.” (sublinhado nosso).
R) Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, páginas 593 e 594, referem que “a cessão de créditos é, assim, um negócio de causa variável ou policausal, podendo ter por base uma venda, uma doação, uma dação em cumprimento, uma dação pro solvendo, um negócio de garantia em benefício doutro crédito”. Daí que o regime aplicável à cessão de créditos - requisitos e efeitos da cessão entre as partes - se defina em função do tipo de negócio que lhe serve de base (n.º 1 do artigo 578.º do Código Civil),
S) O que no presente caso é o contrato de cedência de posição contratual celebrado a 6 de outubro de 1997, entre a B..., Lda. e a Recorrida, cuja validade nunca foi colocada em causa pela Recorrida.
T) O artigo 585.º do Código Civil estabelece apenas que “o devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão”.
U) Neste seguimento, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, página 601, consideram excluídos do “círculo dos meios de defesa oponíveis pelo devedor, todas as circunstâncias que respeitam à causa da cessão: estas interessam apenas às relações entre cedente e cessionário, e não ao devedor, que é um terceiro em relação ao facto da cessão”.
V) Assim, a Recorrida, como devedora cedida que é, não é parte no contrato de cedência de créditos celebrado entre a Sra. BB e a Recorrente, é simplesmente terceiro quanto ao acordo de cessão (v. Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 9ª ed., pág. 760), pelo que não goza do direito de impugnar tal ato.
W) Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/01/2004, disponível em www.dgsi.pt, “Tendo havido cessão de crédito, o devedor cedido é terceiro quanto ao acordo de cessão, não gozando do direito de impugnar o contrato de cessão com fundamento em vícios do mesmo.”
X) Já defendia Antunes Varela (v. Das Obrigações em Geral, II, 3ª ed., pág. 263) que são irrelevantes para o devedor os vícios do contrato de cessão. Pois, mesmo que a cessão viesse porventura a ser declarada nula ou anulada o pagamento não perderia a sua validade e eficácia (v. Antunes Varela, ob. cit., pág. 264).
Da análise da Procuração,
Y) A procuração é o ato pelo qual se concedem poderes de representação a um terceiro para realizar negócios em nome de outrem (art.º 262.º CC).
Z) No dia 23/07/2018 o Procurador CC celebrou um contrato de cedência de créditos em nome da Recorrente, usando para o efeito uma Procuração, emitida a 16/08/2017, com os seguintes poderes, que se transcrevem:
“a) Pelo preço e condições que entenda mais convenientes ao interesse da sociedade mandante, vender ou prometer vender, no todo ou em parte, qualquer bem imóvel da titularidade da sociedade mandante, podendo firmar tudo quanto se mostre necessário à transmissão de propriedade, nomeadamente escritura ou procedimento simplificado casa pronta, ou documento particular autenticado, contratos promessa de compra e venda, bem como confere podendo efetuar registos provisórios de aquisição, podendo receber os respetivos preços e sinais, e dar as necessárias quitações; (sublinhado nosso)
b) Pelo preço e condições que entenda mais convenientes ao interesse da sociedade mandante, comprar ou prometer comprar, no todo ou em parte, qualquer bem imóvel, liquidar o preço, prestar sinais, podendo firmar tudo quanto se mostre necessário à aquisição de propriedade e celebração e contratos promessa de compra e venda; (sublinhado nosso)
c) Confere ainda ao mandatário, os necessários poderes para representar a mandante, em qualquer ato ou contrato, escritura, documento particular autenticado, ou procedimento simplificado casa pronta, necessário ao cumprimento do mandato, mais lhe conferindo os necessários poderes para, por aquelas, assinar, e firmar tudo quanto se mostre necessário, nomeadamente registos provisórios ou definitivos de aquisição, efetuar declarações complementares, se necessário, quer no documento de transmissão de propriedade, quer em documento complementar, mais lhe conferindo poderes para proceder a alterações ou retificações no registo predial ou na matriz e, bem assim, quaisquer retificações do documento definitivo da transmissão da propriedade.” (sublinhado nosso).
AA) Contrariamente à interpretação vertida na douta sentença do tribunal a quo, no seu parágrafo sexto da penúltima página, a Procuração em causa permite ao Sr. CC celebrar outros tipos de contratos além da venda de imóveis da propriedade da Recorrente.
BB) Da leitura e interpretação da Procuração junta aos presentes autos, a Requerente atribui poderes distintos nas três alíneas lá identificadas, na alínea a) trata da venda de bens imóveis da propriedade da Recorrente e todos os atos necessários à sua concretização; a alínea b) refere-se à compra de bens imóveis e todos os atos necessários à sua efetivação e a alínea c) permite ao representante fazer outros tipos de negócios ou contratos, firmando todos os atos necessários para o efeito (por exemplo, compra e venda de bens móveis (veículos), compra créditos,…).
CC) Se esta Procuração fosse unicamente para a venda de bens imóveis da Requerente, conforme a interpretação do douto tribunal recorrido, o que não se concorda, não era necessário a alínea c), uma vez que na alínea a) o Procurador tem todos os poderes que necessita para poder vender os bens imóveis da Recorrente.
Por outro lado, sem prescindir,
DD) a atuação em nome de outrem constitui o ponto central da representação em sentido próprio e o representante age para vincular o representado com contemplatio domini (art. 258.º CC).,
EE) mas o ato pode ser praticado em nome e por conta de outra pessoa sem que, para tanto, existam os necessários poderes de representação. Nesse caso, rege o art. 268.º, nº 1 CC: o negócio é ineficaz relativamente ao dominus, se este o não ratificar (Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1993, págs. 544 e 545).
FF) Caso se considere que o Procurador não tem poderes suficientes para vincular a Recorrente no contrato de cedência de créditos celebrado em sua representação, o que não se aceita, sempre se dirá que o mesmo foi ratificado com os atos posteriormente praticados pela Recorrente.
GG) A Recorrente interpelou a Recorrida para o pagamento do crédito que lhe era devido a 17 de fevereiro de 2020 (cfr. Doc 3 junto nos embargos pela Embargante/devedora) e depositou o cheque na sua conta.
HH) No caso da representação sem poderes, a ineficácia não é absoluta, não operando erga omnes, mas relativa, verificando-se apenas em relação ao representado, falando-se assim em inoponibilidade. Daí que sejam, por vezes, apelidados de negócios bifronte ou com cabeça de Jano (C. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Ed., p. 607).
II) Após a celebração do contrato de cedência de créditos a 23/07/2018, a Recorrente criou a legitima expectativa da existência deste crédito, atuando conforme titular do mesmo, deu entrada da competente ação executiva para cobrança do seu crédito, pelo que podemos considerar estar perante uma ratificação tácita.
JJ) Dúvidas não existiriam se se tivesse realizado a prova testemunhal indicada, em conjugação com a documental junta aos autos.
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A embargante contra-alegou, rematando da forma que se segue.
A. A douta sentença traduz a correta interpretação e aplicação do Direito ao caso, devendo ser integralmente mantida.
B. Ao contrário do alegado pela Recorrente, a Procuração por esta junta não conferiu poderes a CC para, em nome e em representação da exequente/embargada/recorrente, celebrar o contrato de cedência de crédito.
C. Com efeito, as procurações devem ser específicas, não bastando a formulação “outros tipos de negócios com interesse para a sociedade” integrar poderes para celebrar todo e qualquer contrato em nome da sociedade, daí se retirando os poderes para celebração do contrato de cedência de crédito.
D. A embargante/recorrida tem toda a legitimidade para impugnar a cessão de créditos, porquanto o que está em causa não é um qualquer vício, mas a própria existência da cessão.
E. Não deve ser admitido o documento ora junto, uma vez que a lei não reconhece os argumentos que foram invocados para a sua junção, sendo a sua apresentação extemporânea nos termos do artigo 423.º do CPC.
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Prevenindo a possibilidade de se vir a conhecer da exceção de ilegitimidade da exequente com fundamento na omissão de endosso válido a seu favor no título exequendo, as partes foram notificadas para, querendo, exercerem o direito ao contraditório a este propósito.
A recorrente pronunciou-se no sentido de existir endosso válido a seu favor no título executivo.
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II - Questões a dirimir
a - questão prévia: da admissibilidade da junção do documento carreado para os autos com as alegações de recurso.
b - no que se refere aos termos do recurso, a questão a dirimir consiste em determinar se a embargada é parte legítima na execução.
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III - Fundamentação de facto
Por documento e confissão das partes resultam provados os seguintes factos:
1.A embargada deu à execução como título executivo o seguinte documento:

2. Por contrato denominado de cedência de posição contratual celebrado em 6 de Outubro de 1997, a executada adquiriu à sociedade B..., Lda. a posição contratual de promitente compradora, num contrato promessa de compra e venda celebrado entre aquela sociedade e a sociedade C..., Lda. – esta na qualidade de promitente vendedora – doc. 1 e 2 anexos aos Requerimento executivo (doravante abreviadamente designado de RE).
3. O objeto do contrato promessa de compra e venda foi a futura fração autónoma, correspondente a uma habitação do prédio – à data, ainda em construção – sito no Gaveto das Ruas ..., ... e ..., provisoriamente identificada pelo nº 25, conforme melhor consta do documento de cedência.
4. O preço da cedência acertado pelas partes foi de 10.500.00$00 (52.373,78€),
5. Tendo-se estipulado que, desse valor, 6.150.000$00 (32.471,74€) seriam entregues pela executada diretamente à promitente vendedora C..., Lda. no ato da escritura definitiva de compra e venda da fração e
6. O remanescente do preço seria pago à cedente B..., Lda. de forma faseada, conforme a disponibilidade da executada, sendo que o montante final, em falta, no valor de 3.610.000$00 (18.006,60€) seria liquidado também no dia da escritura definitiva do referido imóvel – doc. 3 anexo ao RE.
7. Para o efeito, a executada entregou à cessionária B..., Lda. o cheque nº ..., sacado sobre a Banco 1..., com o valor de 18.006,60€.
8. Em 04/09/2002, por contrato de cedência de créditos, a B..., Lda. cedeu o crédito que detinha para com a executada, à sócia da aqui autora, BB, cedência esta comunicada à demandada.
9. À data mencionada em 8., B... tinha em seu poder o seguinte instrumento:




9. BB, por sua vez, cedeu esse crédito em 23/07/2018, à aqui exequente, representada por CC, cessão comunicada à executada – vide docs 4 e 5, anexos ao RE.
11. Em virtude de a sociedade promitente vendedora ter sido declarada em situação de insolvência, em 2007, com a inerente apreensão das várias frações que prometera vender no empreendimento em causa (confissão das partes),
12. Só recentemente se têm conseguido efetivar as escrituras de compra e venda prometidas celebrar, inclusive a da fração da executada, que se realizou no passado dia 11 de abril de 2017 – doc. 6, anexo ao RE
13. Em 2004 e 2005, a executada recebeu da B..., Lda. as missivas juntas como docs 2 e 4, anexas ao Requerimento Inicial de Embargos (RIE) das quais consta
«[...] Nada temos haver [sic] com a escritura, mas, sim com o pagamento do vosso cheque em dívida para com a nossa firma, ou seja, a quantia de 18.006,60€ (Dezoito Mil e Seis Euros e Sessenta Cêntimos), sendo por isso devido à nossa firma o pagamento do mesmo valor [...]» (09.09.2004 –documento n.º 2)
«[...] Também gostaria de lembrar de que a verba que está em débito com a nossa empresa, sendo paga, nada temos haver [sic] com a dita escritura, faz ou não faz o problema é só seu, estando como está, sem reforços e sem pagamento está a lesar a nossa empresa, e as contas terão de ser feitas conforme o benefício que está a ter à custa do alheio, que somos nós [...]» (15.03.2005)
14. A executada tomou conhecimento, pela primeira vez, da alegada cedência de créditos entre B..., Lda. e BB apenas em 2018(!), ou seja, cerca de dezasseis anos após a suposta cedência, e por intermédio de uma advogada, que, em nome de BB enviou uma missiva à executada - doc n.º 5, anexo ao RIE.
15. Nessa carta, a advogada alegava ser mandatária de BB e que esta havia celebrado uma cedência de créditos com B..., Lda., em 04/09/2002, e manifestou que aquela sua constituinte pretendia obter da executada quantia de 32.472,00€.
16. BB é casada com B... (sócio-gerente da B..., Lda.) e que, por sua vez, aquela foi até recentemente a única sócia da A..., Unipessoal, Lda., que se transformou, por deliberação de 13.08.2020 numa sociedade por quotas-confissão da embargada nos articulados.
17. A executada recebeu de CC uma carta, datada de 09 de abril de 2020 (mencionada no artigo 7.º destes embargos, junta como documento n.º 1), a qual principia da seguinte forma: «Antes de mais, as minhas desculpas por ter pedido para lhe enviar a carta da nossa empresa, A..., Unipessoal, Lda., pois julguei que a menina dava pelo conteúdo da mesma e que perceberia que era da minha parte. Caso contrário, verifico que está de má fé.».
18. Logo depois, escreveu «Depois veio a parte onde era necessário entrar para o apartamento, aí a menina, como não podia de momento fazer a escritura, passou um cheque à C... do valor que nós devíamos à mesma C..., e passou um outro a nós de 3.610.000$00 que depois substitui por outro no mesmo montante, em euros, de €18.006,60 do Banco 1..., para ser liquidado/pago quando fosse fazer a escritura.
Aí, aparece a sua má fé, pois cancelou a sua conta, que era a conta do cheque do Banco 1..., fez a escritura e nada disse, nem teve a honestidade e responsabilidade de o fazer, como estava combinado e bem sabia que havia esse cheque na nossa mão».
19 - Mais se acrescenta que o teor do requerimento inicial é o que se segue.
1. Por contrato de cedência de posição contratual celebrado em 6 de Outubro de 1997, a executada adquiriu à sociedade B..., Lda., a posição contratual de promitente compradora, num contrato promessa de compra e venda celebrado entre aquela sociedade e a sociedade C..., Lda. – esta na qualidade de promitente vendedora - doc. 1 e 2.
2. O objeto do contrato promessa de compra e venda foi a futura fração autónoma, correspondente a uma habitação do prédio – à data, ainda em construção – sito no Gaveto das Ruas ..., ... e ..., provisoriamente identificada pelo nº 25, conforme melhor consta do documento de cedência.
3. O preço da cedência acertado pelas partes foi de 10.500.00$00 (52.373,78€),
4. Tendo-se estipulado que, desse valor, 6.150.000$00 (32.471,74€) seriam entregues pela executada diretamente à promitente vendedora C..., Lda. no ato da escritura definitiva de compra e venda da fração e
5. O remanescente do preço seria pago à cedente B..., Lda. de forma faseada, conforme a disponibilidade da executada, sendo que o montante final, em falta, no valor de 3.610.000$00 (18.006,60€) seria liquidado também no dia da escritura definitiva do referido imóvel – doc. 3 (declaração).
6. Para o efeito, a executada entregou à cessionária B..., Lda. o cheque nº ..., sacado sobre a Banco 1..., com o valor de 18.006,60€.
7. Em 04/09/2002, por contrato de cedência de créditos, a B..., Lda., cedeu o crédito que detinha para com a executada, à sócia da aqui autora, BB, cedência esta devidamente comunicada à demandada,
8. A qual por sua vez, cedeu esse crédito em 23/07/2018, à aqui exequente, cedência esta devidamente comunicada à executada – docs 4 e 5.
9. Em virtude de a sociedade promitente vendedora ter sido declarada em situação de insolvência, em 2007, com a inerente apreensão das várias frações que prometera vender no empreendimento em causa,
10. só recentemente se têm conseguido efetivar as escrituras de compra e venda prometidas celebrar, inclusive a da fração da executada, que se realizou no passado dia 11 de abril de 2017 - doc. 6.
Assim,
11. A A..., Lda. tem plena legitimidade para intervir na qualidade de Exequente, nos presentes autos.
Isto posto,
12. A exequente é legitima portador de um cheque subscrito pela Executada AA, no valor de €18.006,60 (dezoito mil e seis euros e sessenta cêntimos), emitido e vencido em 01/04/2022, conforme cópia que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido – doc 7.
13. Apresentado a pagamento na data do seu vencimento, o sobredito cheque não foi pago, tendo sido devolvido com a indicação de que a conta havia sido encerrada – doc. 8 e 9.
14. Assim, a executada é devedora à A..., Lda. da quantia de €18.006,60 (dezoito mil e seis euros e sessenta cêntimos), titulada pelo cheque supra junto, a que acrescem os juros de mora, calculados à taxa legal vigorante até efetivo e integral pagamento.
15. Juros que na presente data se cifram em €161,81 (cento e sessenta e um euros e oitenta e um cêntimos).
16. Pelo que a exequente é, nesta data, credora de executada da quantia de €18.168,41 (dezoito mil cento e sessenta e oito euros e quarenta e um cêntimos).
17. A divida é certa, líquida e exigível.
18. O cheque dado à execução é título executivo nos termos do artigo 703º, nº1, alínea c) do Código de Processo Civil.
19. Vem, desta forma, a Exequente requerer a execução do cheque supra junto como doc. 7 para pagamento da quantia de €18.168,41 (dezoito mil cento e sessenta e oito euros e quarenta e um cêntimos), a que acrescem os juros de mora vincendos até integral e efetivo pagamento.
20 - O documento cuja junção foi requerida nas alegações de recurso da exequente foi intitulado de declaração de ratificação e está datado de 13-7-2023, aí constando que CC, na qualidade de gerente da “A..., Lda.”, declara ratificar todos os documentos e contratos que assinou até àquela data na qualidade de procurador e em representação da aludida construtora.
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IV - Subsunção jurídica
a - Questão prévia: da admissibilidade da junção do documento carreado para os autos.
Está em causa a admissibilidade da junção de documento com as alegações de recurso.
O documento em causa é uma declaração de ratificação emitida por CC, datada de 13-7-2023, nos termos da qual ratifica todos os documentos e contratos que assinou até àquela data na qualidade de procurador e em representação da sociedade “A..., Lda.”.
Nos termos do disposto no art.º 423.º do C.P.C. os documentos podem ser apresentados nos seguintes momentos, sendo o primeiro momento a regra e os seguintes as exceções:
- com o articulado respetivo, sem cominação de qualquer sanção (n.º 1);
- até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte condenada em multa, exceto se provar que não os pôde oferecer com o articulado respetivo (n.º 2);
- posteriormente aos mencionados 20 dias, se estiverem em causa documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou cuja apresentação se torne necessária por virtude de ocorrência posterior (n.º 3).
Nos termos do preceituado no art.º 425.º do C.P.C., depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
O art.º 651.º/1 do C.P.C. prevê que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art.º 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Dos citados artigos decorre que se a admissão de documento após os articulados é muito circunscrita, em sede de recurso assume contornos verdadeiramente excecionais. Efetivamente, a admissão só deve ocorrer se o oferecimento não tiver sido possível até ao encerramento da discussão em primeira instância ou se a junção se tiver tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
No que se refere à impossibilidade, essa há de radicar na ignorância pela parte da existência do documento ou na inviabilidade da respetiva junção antes do encerramento da discussão em 1.ª instância (cf. Rui Pinto, C.P.C. Anotado, vol. II, Almedina, 2018, p. 313).
Na situação concreta, em sentido próprio, não se trata de documento destinado à prova de pressupostos do direito que a exequente se arroga, mas sim de uma declaração de vontade da exequente deliberadamente emitida no intuito de sanar a ineficácia decorrente da representação sem poderes declarada pelo tribunal de 1.ª instância. Esta declaração, para além de ser insuscetível de produzir efeitos nesta fase processual, poderia ter sido emitida a todo o tempo.
Assim, mesmo que se entendesse que se trata de documento em sentido estrito, para além de intempestivo, não detém virtualidade probatória, antes se destinando a introduzir nova factualidade, o que não pode ter lugar, nem por esta via, nem nesta fase processual.
Nestes termos, indefere-se a junção.
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As custas do incidente serão suportadas pela apelante, fixando-se as mesmas em duas unidades de conta (art.º 7.º/4 e 8 e Tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais).
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B - Da legitimidade da embargada para os termos da execução
As conclusões da embargada, ora apelante, esteiam-se, essencialmente, na alegação de que a embargante não interveio no contrato de cedência de créditos operado entre BB e a apelante, pelo que lhe estaria vedado impugnar o ato. Sustenta ainda que a procuração outorgada pela exequente “A..., Lda.” cujo âmbito foi apreciado pelo tribunal recorrido conferiu a CC os poderes bastantes.
Já a sentença proferida considerou que CC interveio em contrato de cessão da posição contratual de BB a favor da embargada “A..., Lda.” sem poderes de representação desta última, pelo que o crédito não se teria transmitido à embargada. Concluiu que esta carece de legitimidade para a execução.
Consignou-se que a procuração outorgada a favor de CC lhe conferia poderes para, em nome da “A... Unipessoal, Lda.”, vender ou prometer qualquer bem imóvel da titularidade da sociedade mandante.
Lê-se na sentença:
Um declaratário normal, (nos termos do art.236º do CC), colocado na posição do real declaratário deduziria perante aquela procuração que o representante tinha todos os poderes para outorgar o contrato promessa em nome da representada, escritura pública de compra e venda e respetivos registos, de imóveis de que a representada fosse titular.
No caso em apreço, não está em causa qualquer contrato-promessa ou contrato definitivo de compra e venda de imoveis, antes a cessão na posição contratual de BB (a quem apenas cabia receber determinada quantia na decorrência da cessão da posição contratual de B..., Ldª, num contrato promessa de compra e venda a favor de um terceiro e não de venda ou promessa de venda de qualquer imóvel de propriedade da cedente. Poderá entender-se, como pretende a embargada, por força da teoria da interpretação do negócio, que a “lei que permite o mais permite o menos”?
(…) entendemos que a resposta não pode deixar de ser negativa.
(…)
Concluímos, pois, que CC quando interveio no contrato de cessão da posição contratual de BB a favor da embargada e em representação desta, carecia de poderes de representação desta, pelo que o negócio é ineficaz quanto à embargada.
Consta do ponto 8 da matéria assente que em 04/09/2002, por contrato de cedência de créditos, “B..., Lda.” cedeu o crédito que detinha sobre a executada a BB, cedência esta comunicada à demandada.
Do ponto 10 dos factos assentes, por seu turno, avulta que à data mencionada em 8), 04/09/2002, DD, na qualidade de gerente da “A..., Unipessoal, Lda.”, conferia a CC poderes para em nome da “A... Unipessoal, Lda.” vender ou prometer qualquer bem imóvel da titularidade da sociedade mandante.
Recorde-se que nos termos do ponto 9) dos factos assentes, em 23/07/2018, BB cedeu o crédito que lhe fora transmitido pela “B..., Lda.” à “A..., Unipessoal, Lda.”, representada por CC, remetendo para os documentos 4 e 5, anexos ao requerimento executivo.
O doc. 4 consiste no contrato de cedência de créditos da “B..., Lda.” a BB. A sociedade “B..., Lda.” consta estar representada por CC.
O doc. 5 consiste num contrato de cedência de créditos em que BB cede o crédito em causa à “A..., Unipessoal, Lda.”, estando esta representada por CC.
Antes do mais, sempre se dirá que a figura da cessão da posição contratual não se confunde com a figura da cessão de créditos. Na cessão da posição contratual, ao contrário do que se verifica na cessão de créditos, transmite-se a totalidade da posição contratual, no conjunto dos seus direitos e obrigações (cf. ac. da Relação de Coimbra de 17-4-2007, proc. 3533/06.1TBAVR.C1, Hélder Roque). No caso dos autos, o que vem descrito é a existência de cessão de créditos.
Efetuado que está este enquadramento, vejamos, se, como sustenta a apelante e exequente, a execução deve prosseguir ou se, como se defendeu na sentença de embargos, deve ser posto cobro à execução e, em caso afirmativo, com que fundamento.
Tenhamos presente que o título executivo é o “meio dotado de força legalmente bastante para convencer o tribunal da existência do mesmo direito” (Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, p. 332).
O título é condição necessária da execução, porque não há execução sem título e constitui condição suficiente porque dispensa qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere (José Lebre de Freitas, A Ação Executiva - Depois da Reforma da Reforma, 5.ª edição, Coimbra Editora, 2011, p. 71).
Rege a alínea c) do n.º 1 do art.º 703.º do C.P.C. que à execução podem servir de base, enquanto título executivo, os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.
Lido o requerimento executivo, cujo teor mais significativo se transpôs, é inequívoco ter sido invocada a relação subjacente ao cheque, como se estivesse em causa um mero quirógrafo nos termos do art.º 703.º/1/c do C.P.C..
Resulta do disposto nos arts. 1.º e 3.º da Lei Uniforme Sobre Cheques (LUCh) que o cheque constitui uma ordem de pagamento dirigida a um banqueiro em cujo estabelecimento o emitente tem fundos depositados.
Os cheques devem conter a palavra cheque, o mandato puro e simples de pagar quantia determinada, o nome de quem deve pagar, o lugar de pagamento, a data em que é passado e a assinatura de quem o passa (art.º 1.º da LUCh). Dir-se-á que os cheques enunciam uma ordem de pagamento dirigida a um banqueiro em cujo estabelecimento o emitente tem fundos depositados ou crédito de saque (arts. 1.º e 3.º da LUCh).
Deve ser apresentado a pagamento no prazo de oito dias quando pagável no país em que foi passado (art.º 29.º da LUCh).
Por seu turno, o art.º 40.º da LUCh prevê que o portador de um cheque pode exercer os seus direitos de ação contra os endossantes, sacador e outros coobrigados, se o cheque, apresentado em tempo útil, não for pago e se a recusa for verificada por uma declaração datada duma câmara de compensação, constatando que o cheque foi apresentado em tempo útil e não foi pago, devendo tal ação ser interposta no prazo de seis meses contados do termo do prazo de apresentação, sob pena de prescrição (cf. art.º 52.º da mesma lei).
O cheque dos autos foi apresentado a pagamento no prazo previsto o art.º 29.º da LUCh, mostrando-se demonstrada a devolução na compensação de Lisboa em 5-4-2022 (cf. verso do cheque).
A ação cambiária foi proposta dentro do prazo previsto no art.º 52.º do mesmo diploma, já que os autos de execução deram entrada em 27-6-2022.
Atento o que se vem de expor, pese embora tenha sido relatada a relação subjacente à respetiva emissão, o cheque exequendo não deixa de documentar uma relação cartular ou cambiária, literal e abstrata.
Analisado o título executivo, ressalta a inexistência de coincidência entre a beneficiária do mesmo, a sociedade “B..., Lda.”, e a pessoa da exequente, a sociedade “A... Unipessoal, Lda.”.
Ao invés do que ocorre na ação declarativa, a legitimidade das partes no domínio da ação executiva não radica na posição das mesmas no âmbito da relação material controvertida. O título executivo é o delimitador subjetivo da execução.
Dispõe o n.º 1 do art.º 54.º (sob a epígrafe desvios à regra geral da determinação da legitimidade) que tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda. Bem assim, que no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão.
É a chamada habilitação-legitimidade, cuja função, na hipótese de haver sucessão no direito, é a de legitimar o exequente.
O endosso do cheque é a forma cambiária através da qual se transmite o título à ordem, consistindo numa declaração de transferência para outrem posta no seu verso pelo portador.
O art.º 16.º da LUCh, sob a epígrafe Forma do endosso, preceitua que o endosso deve ser escrito no cheque ou numa folha ligada a este (anexo). Deve ser assinado pelo endossante. O endosso pode não designar o beneficiário ou consistir simplesmente na assinatura do endossante (endosso em branco). Neste último caso, o endosso, para ser válido, deve ser escrito no verso do cheque ou na folha anexa.
A validade do endosso de cheque, enquanto negócio formal, consubstanciando uma declaração de transferência para outrem, depende do ato material de entrega (tradição) do próprio título e da declaração de endosso, que constitui uma exigência de forma, que terá de ser escrita no cheque ou numa folha ligada a este, com aposição da assinatura do endossante (com ou sem indicação de beneficiário).
O endosso pode ser completo, designando o nome do seu beneficiário, ou incompleto ou em branco, quando se o transmitente se limita a apor a sua assinatura, sem designação do beneficiário (art.º 16.º). Sendo forma cambiária de transmissão do título, o endosso só é válido se feito pelo legítimo portador do cheque, seja ele o seu beneficiário originário ou aquele que justificar o seu direito por uma série ininterrupta de endossos, ainda que o último seja em branco (art.º 19.º).
Segundo Abel Pereira Delgado (Lei Uniforme Sobre Cheques Anotada, Petrony, p. 92), o endosso transmite todos os direitos cambiários incorporados no cheque e só esses, e tem uma função de transferência (art.º 17.º), uma função de garantia (art.º 18.º), uma função de legitimidade (art.º 19.º) e uma função de exclusão de exceções (art.º 22.º).
O endosso é “nulo, por preterição de formalidade ad substantiam, [quando] a transmissão de cheque [seja] operada pela simples entrega do título à endossada sem que a entidade endossante tenha aposto a sua assinatura no verso do cheque” (in ac. da Relação de Lisboa de 1-12-2015, proc. 264/14.2TJLSB.L1-7, Graça Amaral, consultável in http://www.dgsi.pt/, tal como os demais acórdãos que vierem a ser nomeados, salvo indicação diversa).
O título executivo consiste num cheque assinado pela recorrida como sacadora a favor de “B..., Lda.”.
Do verso do cheque constam duas rubricas não identificadas.
A beneficiária do cheque é a sociedade “B..., Lda.”.
Segundo o disposto no art.º 260.º/4 do Código das Sociedades Comerciais, os gerentes vinculam a sociedade, em atos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade.
A simples aposição, no verso de um cheque, de rubrica ou mesmo assinatura, ademais ininteligível, sem indicação da qualidade de quem a apôs, sem carimbo da firma, não vale como endosso, sendo insuficiente para transmitir os direitos incorporados no título.
Tal solução não colide com o teor do acórdão do S.T.J., de 06-12-01 (Jurisprudência n.º 1/2002), publicado no DR I-A, de 24-01-02, segundo o qual a indicação da qualidade de gerente prescrita no n.º 4 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais pode ser deduzida, nos termos do artigo 217.º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.
Efetivamente, no caso concreto não existem quaisquer factos que revelem a qualidade dos subscritores.
Neste sentido, confira-se o ac. do S.T.J. de 8-7-2003 (proc. 02B2443, Santos Bernardino, in jurisprudência.pt) e, com solução idêntica, mas a propósito da suposta assinatura de administrador de sociedade anónima, veja-se o ac. do S.T.J. de 23-2-2010 (proc. 3404/07.4TVLSB.L1.S1, Alves Velho). Lê-se neste último: Não há qualquer dúvida que a formalidade, quanto à indicação da qualidade, não foi cumprida, ignorando-se a quem pertence a assinatura constante do ato de endosso aposto no cheque. Ocorre a irregularidade formal da “assinatura da sociedade” beneficiária e havida como endossante.
Não foi efetuado endosso, pelo menos em termos juridicamente relevantes, pelo que, à luz do disposto no art.º 19.º da LUCh, a exequente não é portadora legítima do título, não podendo exercer o direito de ação por falta de pagamento. Ainda que o cheque tenha sido entregue à exequente, ele não lhe foi validamente endossado.
A falta de qualidade da exequente relativamente ao título constitui-a parte ilegítima para os termos da ação executiva. Está em causa uma exceção dilatória de conhecimento oficioso insuprível que deveria ter conduzido ao indeferimento liminar do requerimento executivo (arts. 577.º/e, 578.º e 726.º/2/b, todos do C.P.C.).
Carecendo a exequente de legitimidade para os termos da ação executiva, improcede o recurso, mantendo-se a decisão de extinção da execução (art.º 732.º/4 do C.P.C.).
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar o presente recurso improcedente, mantendo-se a decisão de extinção da execução.
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As custas serão suportadas pela embargada, por ter decaído na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 18-3-2024
Teresa Fonseca
José Eusébio Almeida
Carlos Gil