Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2385/22.9T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO DA PRIVAÇÃO DE USO DO VEÍCULO
NÃO ASSUNÇÃO DE RESPONSABILIDADE PELA SEGURADORA
Nº do Documento: RP202403182385/22.9T8MAI.P1
Data do Acordão: 03/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A privação do uso de veículo automóvel constitui um dano autónomo indemnizável, desde que o lesado alegue e prove que para além da impossibilidade de utilizar o bem, tal privação gerou perda das utilidades pelo mesmo proporcionadas.
II - A indemnização peticionada ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 40º do DL 291/2007, pressupõe atraso no cumprimento dos deveres identificados no nº 1 dos artigos 38º e 39º, quando a posição assumida pela seguradora seja a de comunicação da não assunção da responsabilidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 2385/22.9T8MAI.P1
3ª Secção Cível

Relatora –M. Fátima Andrade
Adjunta – Ana Paula Amorim
Adjunto – António Mendes Coelho

Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Jz. Local Cível da Maia


Apelante/ AA




Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório

AA, instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “A..., Companhia de Seguros, S.A.”, peticionado pela procedência da ação, a condenação da R. ao pagamento ao autor das seguintes quantias:

“a) A quantia de 5,700,00€, relativa ao valor necessário para a reparação dos danos causados na viatura da A. conforme alegado em 23 desta petição inicial,

b) A quantia diária de 4635,00 € (quantia necessária para alugar viatura equivalente), contados desde a data do sinistro, até ao dia 23 de setembro de 2019, nos termos dos artigos 27 e 28.

c)A quantia de 8300,00 €, correspondente aos 83 dias de atraso, nas obrigações a que a Ré se encontrava obrigada, nos termos dos artigos 36º; 38 e 40º do dec- lei 297/2007 de 21 de agosto,

d)A quantia de 10,00 €, nos termos dos art.º 45, da PI. até integral ressarcimento dos danos sofridos como consequência dos danos causados pela imobilização e privação do uso do veículo, conforme contados desde a data de 23 de outubro, até efetivo ressarcimento dos danos sofridos e que se fixa nesta data no valor de 10000,00 €

e) a Quantia de 1000,00, pelos prejuízos provocados em 48 da PI.,

f) A quantia Bem como os juros vincendos calculados (desde a data da citação até efetivo e integral pagamento) no dobro da taxa legal, nos termos do artigo 35.º, n.º 3 do DL 291/2007 de 21 de agosto.”

Para tanto e em suma alegou ter ocorrido um acidente de viação no dia 08/05/2019, no qual foram intervenientes um veículo automóvel de matrícula “XS”, pertencente e conduzido por BB e o motociclo de matrícula “TM”, pertencente e conduzido por si autor.

Acidente que, nos termos em que o descreveu, se ficou a dever única e exclusivamente ao condutor do “XS”, o qual havia transferido à data a responsabilidade civil emergente da circulação do mesmo para a aqui R..

A R. assumiu a responsabilidade pela produção do acidente por parte do seu segurado.

Sem que tenha aceite pagar todos os danos suportados pelo autor como consequência de tal acidente.

Motivo por que peticionou a condenação da R. ao pagamento desses mesmos danos, nos termos do pedido acima enunciado.


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Devidamente citada a R., contestou.

Em suma declarou ter aceite a responsabilidade do condutor do veículo por si seguro pela produção do acidente.

Mas não os danos e valores peticionados pelo autor que assim impugnou.

Mais alegou ter considerado o veículo do autor como perda total, tendo apresentado ao mesmo uma proposta de indemnização em conformidade com o valor venal deste, deduzido do valor do salvado que ficaria na posse do autor. Valor que colocou à disposição do autor em 13/09/2019 e que ele não recebeu por que não quis.

Pelo que a partir de então não é devido ao autor qualquer valor pela paralisação do veículo.

Concluindo pelo julgamento da ação de acordo com a prova a produzir.


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O autor exerceu o contraditório, a convite do tribunal.

Após o que foi dispensada a realização de audiência prévia, proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova.

Sem censura.


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Agendada audiência final, procedeu-se à sua realização, após o que foi proferida sentença nos seguintes termos:

“Pelo exposto, decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenar a ré A... – Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao autor AA a quantia de Eur. 3.612,00 (três mil, seiscentos e doze euros), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, contados desde 6/5/2022 até integral e efetivo pagamento, calculados à taxa legal.”


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Do assim decidido apelou o A., oferecendo alegações e formulando as seguintes

“CONCLUSÕES:

A. O Recorrente não se conforma com decisão proferida pelo Tribunal a quo,

B. porquanto, relativamente à decisão proferida impõe-se uma apreciação jurídica no que concerne à aplicação do direito, interpretação das normas e uma apreciação relativa ao quantum indemnizatório (quanto à privação de uso), bem como apreciação da sanção civil constante do 40.º, n.º 2, do DL n.º 291/2007 de 21 de agosto, ou seja, no valor de 200,00€ diários por cada dia de atraso, contados desde o dia 16 de janeiro de 2021 (data até à qual devia a R. comunicar ao A., nos termos do artigo 36.º, n. 1 do mesmo Decreto-Lei), até efetivo e integral cumprimento do contrato.

C. Foi a R condenada a pagar ao A. indemnização a título de privação de uso desde a data do sinistro (08/05/2029) até à data de 13/09/2019.

D. Contudo, o Tribunal a quo uma errada interpretação do direito aplicável.

E. Ora, à data do sinistro, o A. era proprietário do veículo automóvel em crise nos presentes autos, dele se socorrendo para efetuar todas as suas deslocações diárias, quer fossem profissionais, familiares ou de lazer, sendo que o mesmo satisfazia todas as suas necessidades, não pretendendo o A. adquirir qualquer outro veículo.

F. Sucede que, em virtude daquele sinistro, da única e exclusiva responsabilidade do segurado da R., aquele veículo automóvel ficou impossibilitado de circular, causando inúmeros prejuízos ao A., tendo mesmo que proceder ao abate daquele veículo.

G. Durante todo o tempo decorrido, a R. não disponibilizou, sequer, ao A. qualquer veículo de substituição.

H. Tendo o A., e, contrariamente ao que havia perspetivado antes da ocorrência do sinistro, sido forçado a utilizar outros meios, o que facilmente seria evitável caso a R., em tempo útil, tivesse assumido a responsabilidade pela sua ocorrência e ressarcido o A. pelos danos decorrentes daquele sinistro.

I. Ora, há lugar a indemnização por privação de uso, se o lesado fica privado do uso do veículo e não beneficiou de um veículo alternativo suportado pela Ré.

J. A indemnização pelo dano da privação do uso radica no próprio direito de propriedade do lesado que detém sobre o veículo os poderes conferidos pela lei – de uso, fruição e disposição - nos termos do artigo 1305º do Código Civil e 62º da CRP,

K. Pelo que, a simples privação do uso, por si só, constitui um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça, ou não, do bem em causa durante o período da privação, ou seja, basta a própria privação para haver indemnização,

L. E sobre o lesante, aqui R., recai a obrigação de reparar os danos causados o mais depressa possível e de facultar ao lesado um veículo de substituição.

M. O facto de ter ocorrido a perda total da viatura não implica que a ré fique dispensada de ressarcir os prejuízos decorrentes da privação do uso da mesma, até ter diligenciado ou criado condições para a sua substituição.

N. Sendo que, no caso de perda total do veículo, operando-se uma indemnização ou restituição por equivalente, traduzida na entrega de uma quantia em dinheiro, a privação do uso subsiste até ao momento em que ao lesado seja satisfeita a indemnização correspondente, pois só neste momento é que o lesado ficará habilitado a adquirir um veículo que o substitua.

O. Na verdade, só com a reparação ou com a indemnização cessará o dano e, por isso, só nessa altura pode deixar de se falar em privação do uso. Pelo que, apenas a partir desse momento deixa de se poder falar de privação do uso do veículo posto que reconstituída – por equivalente em dinheiro - a situação que existiria se não fosse o facto do lesante e a perda do automóvel (artºs 562º e 566º do CC).

P. O certo é que, pese embora recair sobre a R. o dever de reparar todos os danos para mitigar os prejuízos do sinistro (art. 562º do CC), até à presente data a R. não disponibilizou ao A. o equivalente em dinheiro da perda total do seu veículo.

Q. Pelo que, em conformidade, deverá a Ré ser condenada no pagamento ao A. indemnização a título do dano da privação do uso, na quantia diária de €10,00 (dez euros), a contar da data do sinistro até efetiva disponibilização do equivalente em dinheiro – que ainda não ocorreu, acrescida de juros de mora devidos desde a citação, à taxa de 4%, até efetivo e integral pagamento.

R. Devendo a R. ser condenada no valor de 4635,00 €, pela não disponibilização de um veículo de aluguer de idêntica classe, que se requereu, no valor de 45,00 € diários, valor muito inferior aos valores de aluguer e de conhecimento publico de um motociclo, quantia que devera acrescer o montante de privação de uso.

S. Violou assim a douta sentença a quo os artigos 483º e segs. do código civil.

Quanto ao direito da A. em obter por parte da R., a título de sanção civil constante do 40.º, n.º 2, do DL 291/2007 de 21 de agosto, o pagamento da quantia de €200,00 (duzentos euros) diários, por cada dia de atraso, contados desde o dia 08 de julho de 2021 (data até à qual devia a R. comunicar ao A., nos termos do artigo 36.º, n. 1 do mesmo Decreto-Lei, até efetivo e integral cumprimento do contrato

T. Pediu o A., nos presentes autos, a aplicação das sanções previstas nos arts. 36º, 38º e 40º do DL n.º 291/2007, de 21/08.

U. Tendo decidido o Tribunal a quo que, “Dados os factos provados e não provados, verifica-se que nenhuma negligência se provou em relação à R. na condução do processo extrajudicial (…)”

V. Ocorre que, andou mal o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, tendo feito uma errada interpretação do direito aplicável.

W. Pois, numa primeira fase, a aqui R. declina, sem qualquer fundamento, a responsabilidade pela ocorrência do sinistro e, decorridos mais de 120 dias vem, assumir a responsabilidade – parcial - pela regularização daquele mesmo sinistro,

X. O certo é que, não só aquela conduta da R. foi negligente, violando também o princípio da confiança.

Y. Para além disso, sempre se dirá que a R. incumpriu os prazos e comunicações previstas no artigo 36.º n.º 1 do DL 291/2007 e violou o disposto no artigo 40.º do mesmo DL, no que respeita à resposta fundamentada a que a Ré estava obrigada perante o A.,

Z. ou seja, a justificar, de forma convincente, a sua posição perante o A., e disso a R. não quis saber.

AA. Ora, o DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, estabeleceu um conjunto de regras e procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel (art. 31º).

BB. Impendendo sobre a empresa de seguros a obrigação de comunicar a assunção, ou não, da responsabilidade ao lesado e ao tomador de seguro, de modo que as partes envolvidas possam tomar conhecimento do desenrolar do processo.

CC. Ou seja, é imposto à Ré, enquanto empresa de seguros, um ato de conteúdo positivo que deve obrigatoriamente ser cumprido no prazo máximo definido no decreto-lei 291/2007, designadamente os trinta dias úteis previstos na alínea e) do número 1 do seu artigo 36º, e, tendo em consideração o quadro legal vigente, o conhecimento presumido não corresponde a um ato de conhecimento positivo nos termos dos artigos 36º nº1 alínea e), 38º nºs 1 e 2 e 40º nºs 1 e 2, do Decreto-Lei 291/2007.

DD. Ora, o preceituado no n.º 2 do art. 40.º do DL 291/2007, consagra, uma sanção punitiva destinada a compelir a seguradora a pronunciar-se sobre a responsabilidade do sinistro.

EE. Sendo claro que o legislador pretendeu que a Seguradora apresentasse uma resposta fundamentada, nos termos do número 1 do artigo 40º do Decreto-Lei 291/2007, não que se remetesse ao silêncio, que como é consabido não possui valor jurídico, nos termos do artigo 218º do Código Civil.

FF. A violação dos deveres de zelo e diligência que impendem sobre as seguradoras, no tocante à comunicação da assunção, ou não assunção, da responsabilidade no causar do sinistro automóvel, impostos como proteção à parte mais fraca, implica a obrigação da Ré ao pagamento das penalizações que se processam de forma automática e independentemente do dano efetivo sofrido pelo lesado.

GG. Sendo que, o incumprimento do dever de resposta fundamentada constitui a seguradora como devedora para com o lesado de uma quantia de (euro) 200 por cada dia de atraso (cfr. artº 40 nº2 do DL 291/2007).

HH. O certo é que, a R., apenas decorridos mais de 120 dias da data do sinistro, assumiu, parcialmente os prejuízos, não provando qualquer facto ou motivo justificativo para tal.

II. É, pois, inquestionável, que a Ré incumpriu os prazos e comunicações previstas no artigo 36.º n.º 1 e) do DL 291/2007 e violou o disposto no artigo 40.º do mesmo DL, no que respeita à resposta fundamentada a que a Ré estava obrigada perante o A.

JJ. Sendo que, por aqui se infere a falta de rigor no cumprimento das regras impostas pelos artigos 36.º a 40.º do DL 291/2007 de 21 de agosto, logo são sancionáveis nos termos sobreditos.

KK. Pelo que, em conformidade com o supra exposto, se impõe a condenação da Ré na sanção civil constante do 40.º, n.º 2, do DL 291/2007 de 21 de agosto, ou seja, no valor de 200,00€ diários por cada dia de atraso, contados desde 08 de junho de 2021 (data até à qual devia a R. comunicar ao A. a sua posição fundamentada, nos termos do artigo 36.º, n. 1 do mesmo Decreto-Lei), até efetivo e integral cumprimento do contrato.

Termos em que, decidindo em conformidade, farão V. Exas., Venerandos Desembargadores, a costumada JUSTIÇA!”

Apresentou a R. contra-alegações, tendo em suma concluído pela total improcedência do recurso face ao bem decidido pelo tribunal a quo, perante os factos julgados provados.

Tendo ainda invocado constituir um verdadeiro venire contra factum proprium e um manifesto abuso de direito por parte do A., pretender ser indemnizado por um dano que o próprio optou por que permanecesse na sua esfera e que apenas dele dependia fazer cessar, desde logo aceitando o valor indemnizatório que a ré lhe propôs. Para além de ter o A. esperado 2 anos e meio para propor a ação e formular o pedido indemnizatório pelo longo período de privação de uso, de sua única responsabilidade, o que também constitui uma ofensa clamorosa da boa fé uma utilização da lei e do direito para uma finalidade que não foi a pretendida pelo legislador, passível de integração de abuso de direito tal como previsto no artigo 334º do Código Civil.


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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.


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II- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pela apelante ser questão a apreciar o alegado erro na aplicação do direito por referência à peticionada indemnização pela privação do uso, pela não entrega de viatura de substituição, bem como pela peticionada sanção civil ao abrigo do disposto no artigo 40º nº 2 do DL 291/2007 de 22/08.


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III- Fundamentação

Foram julgados provados os seguintes factos:

“1 – No dia 8 de maio de 2019, pelas 19.50 horas, na Avenida ..., em ... - ..., ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo de matrícula XS-..-.., pertencente a BB e por ele conduzido, e o motociclo de matrícula ..-..-TM, pertencente ao autor.

2 - Nas circunstâncias aludidas em 1), o motociclo de matrícula ..-..-TM encontrava-se parado num lugar de estacionamento, em frente a um stand de automóveis.

3 - Nessas mesmas circunstâncias, o condutor do veículo de matrícula XS-..-.., que se encontrava a circular pelo lado direito da via, no sentido de marcha ... – Aeroporto, guinou o seu veículo para a direita, embatendo no motociclo de matrícula ..-..-TM.

4 - No local aludido em 1), atento o sentido de marcha ... – Aeroporto, a faixa de rodagem configura uma curva à direita, apresentando duas hemi-faixas de rodagem nesse mesmo sentido.

5 - Nas circunstâncias aludidas em 1), o veículo de matrícula XS-..-.. embateu com a sua frente direita no motociclo de matrícula ..-..-TM.

6 – Em consequência do embate aludido em 5), o motociclo de matrícula ..-..-TM sofreu diversos danos.

7 - A ré remeteu ao autor, que a recebeu, uma carta datada de 13 de setembro de 2019, junta aos autos com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8 - A ré remeteu ao autor, que a recebeu, uma carta datada de 23 de setembro de 2019, junta aos autos com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

9 – A reparação dos danos aludidos em 6) foi orçamentada pela seguradora Tranquilidade na quantia de Eur. 7.566,90, conforme documento junto aos autos com o requerimento datado de 15 de novembro de 2022, cujo teor se dá por reproduzido.

10 - A reparação dos danos aludidos em 6) foi orçamentada pela ré na quantia de Eur. 5.700,44, conforme documento junto com a contestação sob o n.º 3, cujo teor se dá por reproduzido.

11 - Em consequência dos danos aludidos em 6), o veículo de matrícula ..-..-TM ficou impossibilitado de circular pelos seus meios, tendo sido removido do local do embate através de reboque.

12 – Após o embate aludido em 1), o veículo de matrícula ..-..-TM não foi reparado, permanecendo imobilizado.

13 – Após a verificação do embate aludido em 1), o autor solicitou à ré a atribuição de um veículo de substituição.

14 – Sendo que a ré não disponibilizou ao autor qualquer veículo de substituição.

15 – Antes do embate aludido em 1), o autor utilizava o veículo de matrícula ..-..-TM para as suas deslocações laborais e para as demais deslocações da sua vida diária.

16 – Nas circunstâncias aludidas em 1), para além do veículo de matrícula ..-..-TM, o autor não dispunha de qualquer outra viatura.

17 – Após o embate aludido em 1), o autor passou a deslocar-se em veículos de familiares e de amigos, aos quais pedia boleia.

18 – Na sequência do embate aludido em 1), o veículo de matrícula ..-..-TM foi transportado para a oficina da sociedade “B..., Lda.” com vista à realização da peritagem e da reparação, onde permanece.

19 – O veículo de matricula ..-..-TM foi matriculado no ano de 2002, sendo que na data aludida em 1) do respetivo hodómetro constava que tinha percorrido 39.108 quilómetros.

20 – Na data aludida em 1), atento o seu estado de conservação e o seu nível de equipamentos, o veículo de matrícula ..-..-TM tinha um valor venal não superior a Eur. 3.000,00, existindo no mercado de veículos usados motociclos da mesma marca e modelo e com as mesmas características que podiam ser adquiridos por esse valor.

21 – Após o embate aludido em 1), o valor do salvado do veículo de matrícula ..-..-TM ascendia à quantia de Eur. 678,00.

22 - A responsabilidade civil decorrente dos danos causados pelo veículo de matrícula XS-..-.., encontrava-se, na data aludida em 1), transferida para a ré através de acordo escrito titulado pela apólice n.º ...84.”


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O tribunal a quo julgou como não provada a seguinte factualidade:

“23 - O preço médio de aluguer de uma viatura de classe idêntica ao veículo de matrícula ..-..-TM ascenda ao valor diário de Eur. 45,00.

24 – Em virtude da permanência do veículo de matrícula ..-..-TM na oficina “B..., Lda.”, esta sociedade tenha cobrado ou debitado ao autor despesas de armazenagem.

25 – Na sequência do embate aludido em 1), a averiguação do sinistro e a peritagem ao veículo de matrícula ..-..-TM tenham exigido a necessidade de conhecimentos técnicos específicos.

26 - No decurso dessa averiguação, quer o autor, quer o condutor do veículo de matrícula XS-..-.. tenham adotado uma postura pouco colaborante e hostil, dificultando a prestação de informações e a averiguação das circunstâncias do embate.

27 - No decurso dessa averiguação, os peritos indicados pelas seguradoras tenham tido dificuldade em aceder ao veículo de matrícula ..-..-TM.”


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Conhecendo.

Em função do supra enunciado, cumpre conhecer do alegado erro na aplicação do direito.

Tal como resulta do relatório supra e das conclusões acima reproduzidas, as quais têm por função delimitar o objeto do recurso, sem impugnar a decisão de facto que como tal se tem como assente, insurgiu-se o recorrente, em primeiro lugar, quanto ao valor fixado a título de privação de uso do seu veículo.

O autor peticionou inicialmente uma indemnização pelos danos por si suportados, no período contido entre a data do acidente e a data em que a R. assumiu a responsabilidade pelos danos – 23/09/2019, atento o facto de não ter disponibilizado uma viatura de substituição ao autor, como o devia (vide artigos 24º a 26º da pi.).

Danos que quantificou no valor de € 45,00 diários, por ser o preço médio de aluguer de um veículo de idêntica classe (vide artigo 27º da p.i.). Perfazendo um total de € 4635,00 “(quantia necessária para alugar viatura equivalente)” – vide artigo 28º da p.i..

Subsequentemente e a partir de então, peticionou ainda o autor uma indemnização pela privação do uso do seu veículo – que por si era utilizado em todas as deslocações laborais diárias e pessoais, sendo o único veículo de que dispunha – indemnização que decorre da mera privação do uso do veículo e da perda de utilidades que o mesmo proporcionava, quando não tenha sido reparada mediante a forma natural de reconstituição – quantificando tal dano (valor diário de um veículo de substituição até efetiva reparação da viatura) em € 10,00 a contar desde a data de 23/10. A referência ao mês de outubro afigura-se-nos padecer de manifesto lapso do autor. Na sequência do antes alegado e peticionado, a referência será a 23 setembro de 2019, data em que alegou o A. ter a R. comunicado a assunção da responsabilidade[1].

Para tanto mais alegando, ter-se socorrido de automóveis de amigos e familiares, a quem ficará a dever um favor.

Dano que à data da entrada da ação em tribunal fixou em € 10.000,00.

A este valor acrescendo juros de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento, no dobro da taxa legal, atento o previsto no artigo 38º nº 2 do DL 291/2007 (vide artigos 35 a 46 da p.i.).

Ambos estes pedidos têm como fundamento o impedimento do autor em usar e fruir do seu veículo e do mesmo retirar as utilidades que até então do mesmo obtinha.

Para a primeira situação, necessário seria que o autor tivesse demonstrado um efetivo prejuízo/gasto decorrente da privação do uso, como consequência de despesas suportadas pela privação da viatura, seja no aluguer de uma viatura, recurso a transportes alternativos ou outras para fazer face a tal privação.  Prova que não fez, ou sequer alegou.

Não lhe bastando para tanto alegar o custo de aluguer de um veículo de idêntica categoria – que aliás não provou – para daí se inferir a demonstração de um efetivo e concreto gasto a ser indemnizado.

Nada tendo sido provado nesta sede - (vide facto provado 17 e facto não provado 23) - tem de improceder o pedido do autor fundado em concretos e efetivos gastos ou despesas [vide primeira parte da pretensão do autor, dependente da demonstração de gastos como consequência da imobilização do veículo].

Desta não prova, não decorre, tout court, a total improcedência de uma pretensão indemnizatória, na medida em que se considere a privação da utilização da viatura de que efetivamente o lesado fruía, um efetivo dano indemnizável, cuja quantificação é feita com recurso à equidade.

Nesta dimensão, toma-se como correto o entendimento jurisprudencial, maioritariamente seguido pelo STJ que defende constituir o dano da privação do uso um dano autónomo suscetível de indemnização desde que o lesado alegue e prove não só que ficou impedido de utilizar o veículo em causa, como ainda que essa impossibilidade de utilização se traduziu numa efetiva impossibilidade de fruir das utilidades que esse mesmo bem lhe proporcionava, descartando assim a exigência de prova de danos concretos e específicos decorrentes de tal privação que a outra corrente jurisprudencial considera igualmente necessário.

Tal como referido no Ac. STJ de 14/12/2016[2], Relatora Fernanda Isabel Pereira, in www.dgsi.pt [e reportando-se ainda a posição já antes defendida em Ac. de 09/07/2015 pela mesma Relatora no mesmo sítio]  este tribunal superior tem vindo maioritariamente a entender “no domínio da responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação que a privação do uso de um veículo automóvel constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o artigo 1305º do Código Civil lhe confere de modo pleno e exclusivo, bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava”.

Recorrendo à distinção que jurisprudencialmente tem sido realçada entre “privação do uso” e “privação da possibilidade do uso”, afere-se a exigida prova de que a privação gerou perda de utilidades que o bem proporcionava ao seu titular. Não bastando, no campo das possibilidades, a suscetibilidade de a coisa poder ser usada durante o período da privação.

E uma vez demonstrada a perda de utilidades (não a mera possibilidade) que decorrerá desde logo do demonstrado uso normal que o lesado fazia da coisa, reconhece-se demonstrado um efetivo prejuízo, porquanto só naquele caso fica demonstrada a privação como causa de prejuízo gerador de indemnização [cfr. nesse sentido Ac. TRP de 08/09/2014 Relator Alberto Ruço e Ac. TRP de 30/06/2014 Relator Manuel D. Fernandes; ainda Ac. TRP 30/01/2017, Relator O. Abreu e Ac. TRP de 18/05/2023, Relatora Judite Pires, todos publicados todos in www.dgsi.pt/jtrp ].

Ou seja, demonstrada não só a efetiva privação do uso como consequência do sinistro ocorrido, como demonstrada a perda das utilidades que o uso do veículo proporcionaria ao lesado, se não estivesse estado paralisado a aguardar reparação, reconhece-se àquele um direito indemnizatório, cujo valor será fixado com recurso a critérios de equidade.

A pretensão do recorrente, perante a factualidade apurada terá de ser aferida à luz destes princípios e pressupostos.

Na petição inicial, alegando não aceitar a perda total que pela aqui R. lhe foi comunicada, peticionou o A. [para além do valor necessário à reparação do seu motociclo, entre outros danos] uma indemnização pela imobilização e privação do uso do seu veículo, contada desde 23/10/19[3] e até à data em que a viatura for totalmente reparada, à razão de € 10,00/dia desde a mencionada data de 23/10. Fixando em € 10.000,00 tal valor à data da entrada da ação.

O tribunal a quo decidiu – e tal não vem impugnado – ser a reparação do veículo excessivamente onerosa, por constatado que a reparação orçará, pelo menos, numa quantia que “corresponde quase ao dobro do valor venal do veículo.”; sendo “efetivamente possível ao autor obter um veículo similar no mercado de veículos usados”, pelo seu valor venal; aliado ao facto de se não ter provado “que o veículo em apreço tivesse qualquer especificidade ou um valor pessoal superior ao valor de mercado, designadamente que o seu uso não pudesse ser facilmente suprido por um outro veículo similar obtido no mercado.”.

Assim tendo concluído “que se verifica uma situação de perda total, decorrente da excessiva onerosidade da reparação face ao valor venal do veículo sinistrado.”. Veículo este que mais resultou provado tinha um valor comercial não superior a € 3.000,00, sendo esse o valor fixado na indemnização, deduzido do valor do salvado, este no montante de € 678,00.

Pelo que a este título foi a R. condenada a pagar ao autor o valor de € 2.322,00 – exatamente o valor que a R. já tinha colocada à disposição do A. em 13/09 (posição que confirmou em 23/09 – vide docs. 4 e 6 juntos com a p.i.).

Argumenta o recorrente que há lugar à indemnização por privação de uso e que o mesmo não beneficiou de um veículo alternativo suportado pela R..

Sendo a simples privação do uso, por si só, indemnizável.

É correta esta asserção, dentro do enquadramento jurídico acima convocado, quando associada à efetiva perda das utilidades que o uso do veículo proporcionaria ao lesado, se não estivesse estado paralisado a aguardar reparação.

Foi precisamente com base neste fundamento que o tribunal a quo arbitrou a indemnização pelos dias em que o recorrente se viu privado de tal uso, até ao momento em que lhe foi disponibilizado o montante indemnizatório a que tinha direito.

A partir de então, foi por facto imputável ao recorrente e não justificado, que não recebeu o montante indemnizatório que lhe era devido.

Pelo que não pode por tal e a partir de tal data, ser a R. penalizada.

O que respeita, aliás, o previsto no artigo 42º nº 2 do Dl 291/2007. A partir do momento em que a R. colocou à disposição do A. o pagamento da indemnização devida, cessou a obrigação da R. em colocar à disposição do mesmo um veículo de substituição.

Estando provado que a R. em 13/09/2019 disponibilizou ao A. a indemnização pela perda total correspondente exatamente a este valor (vide fp 7 e doc. 4 junto com a p.i.), entendeu o tribunal a quo que o dano de privação do uso do veículo a considerar, se restringe ao período contido entre a data do acidente e a data em que foi colocada à disposição do autor o valor correspondente à indemnização por perda total – ou seja pelo período de 129 dias, e que com recurso à equidade fixou no valor diário de € 10,00 (o montante diário aliás peticionado pelo autor).

Num total de € 1290,00.

Valor que pelo exposto não merece censura.

Afastada tendo já ficada a pretensão de fixação de um valor indemnizatório a título de não disponibilização de veículo de substituição – de idêntica classe no valor de € 45,00 diários, nos termos acima já apreciados.

Decisão que não merece censura.

Pugnou o recorrente, por último, pela atribuição de um montante indemnizatório ao abrigo do disposto no artigo 40º nº 2 do DL 291/2007 [vide conclusões T a KK].

Em concreto peticiona o recorrente a condenação da R. ao pagamento da sanção civil de € 200,00 diários por cada dia de atraso contados desde 08/06/2021 (também aqui se entende tratar de lapso, pois o acidente ocorreu no ano de 2019 e a este ano se reportou o recorrente na sua p.i. – vide artigos 49º e 50º da p.i.).

As normas constantes dos artigos 31º e segs. do DL 291/2007 visam fixar as regras e os procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel (vide artigo 31º deste DL).

Neste sentido e após se disciplinar a obrigação para o tomador do seguro ou do segurado, de comunicar, em caso de sinistro, o mesmo à empresa de seguros no mais curto prazo possível, mas nunca superior a 8 dias a contar da ocorrência ou do dia em que tenha da mesma conhecimento (vide artigo 34º) e ainda a forma da participação (artigo 35º); disciplinam os artigos 35º e seguintes a conduta a observar pela companhia seguradora.

Seguradora de quem é exigida diligência e prontidão na gestão do processo, por tal se concedendo o prazo de dois úteis para o 1º contacto com o tomador do seguro, segurado ou terceiro lesado, marcando as peritagens a que haja lugar. Concluindo estas nos 8 dias úteis seguintes ao fim do prazo dos anteriores dois dias úteis – prazo que aumentará para 12 dias úteis quando haja necessidade de desmontagem, contados após o prazo inicial de contacto de 2 dias úteis - comunicando a seguradora a assunção ou não assunção da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, após o fim do prazo inicial de 2 dias úteis previsto para o 1º contacto [cfr. artigo 36º do cit. DL, nº 1 als. a) a e)].

Em suma, o prazo normal para a seguradora comunicar a assunção ou não assunção de responsabilidade é de 2 + 30 dias úteis.

Assim não ocorrerá, quando exista fundamento para a suspensão destes prazos - quando a empresa de seguros se encontre a levar a cabo uma investigação por suspeita fundamentada de fraude (vide nº 8 do artigo 36º).

A R. na sua contestação alegou ter tido fundadas suspeitas de fraude, justificadas por um comportamento das partes intervenientes que descreveu, mas não logrou provar – vide factos não provados 25 a 27.

Pelo que se entende não demonstrada situação que justifique a suspensão dos prazos, prevista no nº 8 do artigo 36º acima citado.

Está ainda prevista a hipótese de existir motivo para reduzir ou duplicar o prazo acima assinalado de 30 dias, nas circunstâncias referidas no nº 6 do mesmo artigo. Situação que pelas partes não foi identificada.

O recorrente na petição identificou um atraso de 83 dias imputável à R., sem especificar como efetuou este cálculo. No entanto tal contabilização está mais próxima do que seria a contabilização do prazo normal de 2+30 dias úteis de atraso, tendo por referência a data do acidente e a data em que o recorrente considera ter-lhe sido comunicada a assunção da responsabilidade – 23/09.

E diz-se “mais próxima” porquanto o cálculo correto seria então de 89 dias (e não 83). Ainda que e considerando a comunicação de 13/09 que já tivemos oportunidade de referir corresponder a uma assunção da responsabilidade que a carta de 23/09 apenas confirmou, teríamos então um atraso de 79 dias. Considerando uma comunicação do sinistro no próprio dia 08/05 à seguradora R.. O que não foi alegado, nem vem demonstrado.

A primeira comunicação entre as partes constante dos autos é de 05/07/2019 (doc. oferecido pelo autor). E a R. juntou um relatório de “Estimativa de danos”/peritagem realizada em 01/07/2019. O que impõe a participação do sinistro em data anterior. Sem que se saiba exatamente quando - note-se que a declaração amigável junta como doc. 1 e datada de 08/05 não tem carimbo de entrada na aqui R..

Pelo que se reitera o desconhecimento da exata data de comunicação do sinistro à aqui R., que não foi alegado, para que com exatidão pudesse ser contabilizados os dias de atraso na comunicação da R..

Dito isto, o recorrente pugna pela atribuição da indemnização a que alude o artigo 40º nº 2 correspondente a cada dia de atraso.

Preceitua o convocado artigo 40º:

“1 - A comunicação da não assunção da responsabilidade, nos termos previstos nas disposições identificadas nos n.ºs 1 dos artigos 38.º e 39.º, consubstancia-se numa resposta fundamentada em todos os pontos invocados no pedido nos seguintes casos:

a) A responsabilidade tenha sido rejeitada;

b) A responsabilidade não tenha sido claramente determinada;

c) Os danos sofridos não sejam totalmente quantificáveis.

2 - Em caso de atraso no cumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas nos n.ºs 1 dos artigos 38.º e 39.º, quando revistam a forma constante do número anterior, para além dos juros devidos a partir do 1.º dia de atraso sobre o montante previsto no n.º 2 do artigo anterior, esta constitui-se devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de uma quantia de (euro) 200 por cada dia de atraso.”

In casu e porquanto não estão em causa danos corporais tem aplicação o previsto no artigo 38º.

Este artigo 38º respeita aos termos em que a proposta razoável de indemnização deve ser efetuada por parte da seguradora que decide não contestar a responsabilidade, sendo o dano sofrido quantificável no todo ou em parte (vide nº 1), respeitando os prazos e informações previstas na al. e) do nº 1 e no nº 5 do artigo 36º.

No nº 2 deste mesmo artigo prevê-se a sanção para o incumprimento dos deveres fixados no nº 1 quando revistam a forma dele constante – ou seja quando a seguradora comunique uma proposta razoável de indemnização, respeitando o demais exigido pelo nº 1 (por referência ao artigo 36º).

Neste caso, no incumprimento de tal dever, ou seja quando a seguradora faça uma proposta de indemnização por não contestar a responsabilidade e o dano ser quantificável, violando todavia os prazos e comunicações ali previstas, estabeleceu o legislador uma sanção para a seguradora, sob a forma de obrigação do pagamento de juros no dobro da taxa legal sobre o montante da indemnização[4]:

Diferentemente, o artigo 40º (acima já reproduzido) convocado pelo recorrente regulamenta a situação da comunicação da não assunção da responsabilidade.

Neste caso, ou seja, quando a seguradora opte por comunicar a não assunção da responsabilidade e o faz em violação dos deveres previstos (no que ora releva) no nº 1 do artigo 38º (com a consequente remissão para o artigo 36º), nomeadamente em desrespeito pelos prazos e comunicações ali previstos, para além dos juros devidos a partir o 1.º dia de atraso sobre o montante previsto no n.º 2 do artigo anterior (que remete para os nºs 2 e 3 do artigo 38º já antes analisado), estabeleceu o legislador uma sanção adicional compulsória para incentivar o cumprimento das seguradoras dos prazos e procedimentos a levar a efeito obrigatoriamente, nos termos das disposições legais vindas de citar.

Esta sanção compulsória é, pois, aplicável às situações em que se comunica a não assunção da responsabilidade.

Não se fundando a pretensão do recorrente neste circunstancialismo, tem a mesma de improceder.

A indemnização peticionada pelo recorrente ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 40º do DL 291/2007, pressupõe atraso no cumprimento dos deveres identificados no nº 1 dos artigos 38º e 39º, quando em causa esteja a forma constante do nº 1 deste artigo 40º, ou seja, quando a posição assumida pela seguradora seja a de comunicação da não assunção da responsabilidade.

Não tendo sido essa a posição assumida pela seguradora [o recorrente aliás só agora alega que inicialmente a seguradora declinou a responsabilidade – vide conclusão W, 1ª parte] não tem aplicação a sanção prevista neste normativo legal.

Sanção que de qualquer modo o recorrente só poderia formular pela parte que lhe cabe – ou seja metade do valor previsto. Pois a outra metade devida ao ISP teria de pelo mesmo ser peticionada[5].

Improcede, nos termos expostos, este último fundamento do recurso interposto.


***


IV. Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente a presente apelação, consequentemente mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.


Porto, 2024-03-18
Fátima Andrade
Ana Paula Amorim
Mendes Coelho
___________________________
[1] Na verdade, a R. comunicara já em 13/09 colocar à disposição do autor o valor indemnizatório correspondente à perda total do veículo por si assim considerada – num total de € 2.322, considerando o valor do salvado avaliado em € 678,00 (vide doc. 4 da p.i.). Daqui se inferindo a assunção da responsabilidade, que na carta de 23/09 a R. declarou confirmar (vide doc. 6 da p.i.).
[2] Estando então em causa um acidente de viação, aplicam-se os argumentos invocados na integra ao caso sub judicie na medida em que são analisados os pressupostos da indemnização na responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito igualmente em análise nestes autos.
[3] Pedido que pressupunha a prévia indemnização por despesas concretas desde a data do acidente e até 23/09 e não 23/10, como já demos nota de entendermos padecer de manifesto lapso a referência ao mês de outubro.
[4] Dispõe este artigo 38º:, sob a epígrafe “Proposta Razoável” (com realce nosso)
“1 - A posição prevista na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte.
2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo.
3 - Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.
4 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado.
[5] Cfr. Ac. TRP de 11/09/2023, nº de processo 838/22.8T8AMT.P1 in www.dgsi.pt e jurisprudência no mesmo citada.