Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1718/23.5PBOER-A.L1-5
Relator: SANDRA OLIVEIRA PINTO
Descritores: HOMICÍDIO TENTADO
PRISÃO PREVENTIVA
INDÍCIOS
CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO
LEGÍTIMA DEFESA
PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA
SUBSTITUIÇÃO POR OPHVE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora):
I- Sendo a ocorrência de indícios da prática de um crime uma condição sine qua non da aplicação de todas as medidas de coação, no que concerne à prisão preventiva, a lei é mais exigente, pois usa a expressão «fortes indícios» - os indícios só serão fortes, quando o seu grau de certeza acerca do cometimento do crime e da identidade do seu autor é próximo do que é exigido, na fase do julgamento, apenas com a diferença de que, aquando da aplicação da medida de coação, os elementos probatórios têm uma maior fragilidade, resultante da ausência de contraditório, da imediação e da oralidade, que são característicos da fase da discussão e julgamento da causa.
II- A defesa só é legítima se surgir como indispensável para a salvaguarda de um interesse jurídico do agredido ou de terceiro - o meio menos gravoso para o agressor. A necessidade da defesa tem de ajuizar-se segundo o conjunto de circunstâncias em que se verifica a agressão e, em particular, na base da necessidade desta, da perigosidade do agressor e da sua forma de atuar, bem como dos meios de que se dispõe para a defesa, e deve aferir-se objetivamente, ou seja, segundo o exame das circunstâncias feito por um homem médio colocado na situação do agredido.
III- A caracterização de uma situação de legítima defesa tem que assentar, antes de tudo o resto, em factos que demonstrem a existência dos respetivos pressupostos. No caso presente tal não se pode afirmar.
IV- Tanto no que se refere à aplicação das medidas de coação em geral, como, muito especialmente, no que concerne às medidas de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação, às quais é expressamente atribuído carácter excecional ou subsidiário, terão, necessariamente, de obedecer aos princípios constitucionais da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 18º, 27º e 28º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
V- Perante um arguido jovem, com apenas 21 anos de idade, sem antecedentes criminais, embora sem menosprezar a gravidade dos crimes indiciados e, por consequência, a elevada previsibilidade de que ao arguido venham a ser aplicadas penas de prisão, é de considerar que a obrigação de permanência na habitação, com o confinamento do arguido à sua residência, é suscetível de conter de forma adequada os apontados perigos [de perturbação da ordem e tranquilidade pública e de perturbação do inquérito], desde que tal obrigação de permanência na habitação seja acompanhada de eficaz vigilância eletrónica – e mantendo-se, em todo o caso, a proibição de contactos com as testemunhas.
VI- Cabe à 1ª instância averiguar se estão ou não reunidas as condições materiais necessárias para o efeito de execução de tal medida - tanto a nível das infraestruturas necessárias à vigilância eletrónica, como do enquadramento familiar e consentimentos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
No processo nº 1718/23.5PBOER do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Instrução Criminal de Cascais (Juiz 2), foi o arguido AA, nascido em ........2002, filho de BB e de CC, natural de ..., de nacionalidade portuguesa, solteiro, ..., residente em.... frente, em ..., submetido a primeiro interrogatório judicial, em 30.08.2023, na sequência do qual foi determinada a sua sujeição às medidas de coação de prisão preventiva, e de proibição de contactar, por qualquer meio e mesmo por interpostas pessoas, as testemunhas identificadas nestes autos.
O arguido AA veio interpor recurso daquela decisão, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
“1ª Constitui legítima defesa o facto praticado, como meio necessário, para repelir a agressão atual e ilícita de quaisquer interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiros (artigo 32 do Código Penal).
2ª Os pontos 1 a 4 da Promoção não correspondem à verdade, tendo arguido – na prestação de declarações perante a Meritíssima JIC esclarecido que quando interveio a favor da sua amiga DD foi agredido por um dos dois indivíduos corpulentos e com mais 10 anos de idade do que o arguido com 20 anos e menos de 60kg;
3ª Adiantando que dos dois agarrou pelo pescoço com um “mata leão”, tirou do chão enquanto o outro fez dele um “, saco de boxe” deixando-o cheio de dores.
4ª Pouco depois, os dois mesmos indivíduos colocaram-se em cima do arguido, que ficou deitado de barriga para cima e eis que sentindo um objeto no chão desferiu uns cortes, incluindo em si próprio, num completo desespero pois julgava que os mesmos o iam matar naquele local.
5ª O arguido atuou em legitima defesa. Trata-se de uma causa de exclusão da ilicitude (artigo 31 n. 2 do Código Penal).
6ª É pois evidente que atenta a maior compleição dos dois agressores que segundos antes o tinham tentado asfixiar enquanto lhe desferiam fortes murros por todo o corpo julgando o arguido que não iria sobreviver a tal agressão,
7ª b) Defesa circunscrevendo-se ao uso dos meios necessários para fazer cessar a agressão paralisando a atuação do agressor. Aqui se inclui, como requisitos da legitima defesa, a impossibilidade de recorrer a força publica, por se tratar de um aspeto da necessidade do meio, tratando-se, como se trata, de afloramento do principio de que deve ser a força publica a atuar, quando se encontra em posição de o poder fazer, sendo a força privada subsidiaria, e este requisito continua a ser erigido pela Constituição da Republica Portuguesa (artigo 21, “in fine”).
8ª Tendo logrado sair vivo da primeira agressão, instantes depois deparou-se com os mesmos agressores em cima dele ficando com a certeza de que dessa não iria conseguir sobreviver e foi então que fez uso de um objeto que encontrou quando se encontrava de costas para o chão para repelir os agressores que insistiram e se devem ter atirado contra o mesmo objeto, sem que o arguido em algum momento visa-se algo distinto de conseguir sair daquela posição vivo.
9ª c) “Animus deffendendi” ou seja o intuito de defesa por parte do defendente. Efetivamente, apenas se tentou defender quando com uma motivação fútil um dos agressores o asfixiou por estar a ser impedido de forçar a sua amiga a colocar-lhe creme.
10ª Não é seu requisito, da legitima defesa, a desproporcionalidade entre o bem agredido, e o defendido, devendo entender-se não ser exigível do defendente, rápida e minuciosa valoração dos bens em jogo, os casos de manifesta e grande desproporção entre o bem agredido e o defendido poderão ser resolvidos através do abuso do direito.
11ª O mesmo se diga quanto a necessidade racional do meio empregado, requisito este que, não devendo ser afastado, deve antes ser visto sob a perspetiva do excesso de legitima defeso, de que trata o artigo 33º do mesmo Código. Com efeito, nos termos deste artigo:
1 - Se houver excesso nos meios impugnados em legitima defesa, o facto e ilícito mas a pena pode ser especialmente atenuada;
2 - Se o excesso resultar da perturbação, medo ou susto não censuráveis, o agente não será punido.
12ª O ato praticado com excesso de legitima defesa não e licito mas ilícito. Só há excesso de legitima defesa em relação aos meios a que, portanto, aquele pressupõe uma situação em que se verifica todo o condicionalismo de uma situação de legitima defesa; somente aquele que nessa situação se encontra usa meios excessivos (excessivos) e que não se justificam para se defender, como decorre também do citado preceito.
13ª Como ainda que a não censurabilidade a que se refere o n. 2 do mesmo preceito diz respeito ao excesso nos meios impugnados e que a não punição ali estatuída da falta de culpa do agente, uma vez que sem culpa não há punição criminal.
Termos em que por ilegal deve ser revogado despacho recorrido, e em atenção ao principio da necessidade, adequação e proporcionalidade, deve a prisão preventiva ser substituída pela medida prevista no artº 201º do CPP, cumulável com a proibição de contatos da qual não interpõe recurso, impondo-se ao arguido a obrigação de não se ausentar da habitação correspondente à morada da progenitora CC sita na ..., Como É de JUSTIÇA.”
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O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, pugnando pela respetiva improcedência, e extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
“1.º Os autos revelam fortes indícios de que o arguido praticou, em autoria material e em concurso efectivo, dois crimes de homicídio na forma tentada, p. e p., pelos artigos 131.º e 23.º, n.º 1 do Código Penal.
2.º O arguido foi visto a retirar uma faca do interior de uma bolsa que trazia a tiracolo, contrariando a versão do arguido quando diz que encontrou “um objecto” no chão.
3.º Indiciam igualmente os autos que o arguido estava de pé quando atingiu os ofendidos em várias partes do corpo com a faca que empunhava.
4.º Deste modo, entendemos que não se verificavam os requisitos da legitima defesa, desde logo, a necessidade de golpear os ofendidos com uma faca para repelir uma agressão atual e ilícita, ainda que estes fossem mais fortes do que o arguido.
5.º Por outro lado, é óbvia a extrema gravidade dos factos indiciados, bem como o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
6.º A medida de coacção de prisão preventiva que foi aplicada ao arguido mostra-se adequada às exigências cautelares que o caso requer, proporcional à gravidade dos crimes indiciados e às sanções que previsivelmente possam vir a ser aplicadas ao arguido;
Desta forma são de improceder, por manifestamente carecerem de qualquer suporte fáctico/jurídico, as pretensões do recorrente.
Porém, Vªs Exªs decidirão e, estamos certos, fazendo a costumada JUSTIÇA”
Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a resposta apresentada na 1ª instância.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, sem qualquer pronunciamento por parte do recorrente.
Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II. Objeto do recurso
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso1.
Está aqui em questão a prisão preventiva do arguido AA, designadamente, a verificação dos pressupostos legais necessários ao decretamento de tal medida de coação, invocando o recorrente a existência de causa de justificação excludente da ilicitude do seu comportamento, no caso, legítima defesa, e, ainda, a desproporcionalidade da medida de coação a que foi sujeito.
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III. Da decisão recorrida
O despacho que determinou a sujeição do arguido à medida de coação de prisão preventiva, datado de 31.08.2023, tem o seguinte teor:
“A detenção do arguido foi legal porque efectuada fora de flagrante delito ao abrigo do disposto no artigo 257º nº. 2 do CPP.
Foi respeitado o prazo de apresentação a que se referem os artigos 141º e 254º n.º 1 al. a) do mesmo diploma.
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Tendo em conta a globalidade dos elementos probatórios já carreados para os autos, concretamente os elencados na promoção do Mº. Pº. acima, considero fortemente indiciado que:
1. No dia 27 de agosto de 2023, pelas 09H30, AA deslocou-se, na companhia dos seus amigos e colegas de trabalho, EE, FF, GG, HH e II, à praia de ..., a fim de usufruírem de um dia de praia.
2. Na mesma data, cerca das 15H00, juntaram-se ao grupo de amigos referido em 1: JJ, KK, LL e MM, indivíduos de nacionalidade ... que haviam conhecido, e com quem tinham convivido, na madrugada desse mesmo dia, nos bares de Lisboa.
3. Por volta das 18H30, do referido dia 27 de agosto de 2023, AA envolveu-se numa discussão com KK a propósito da insistência manifestada por este último relativamente à aplicação de protetor solar nas costas por parte de NN, amiga de AA.
4. No decurso da discussão gerada entre ambos, AA desferiu um soco na face de KK, o que motivou a intervenção de JJ, que se encontrava próximo, com o propósito de proteger o seu amigo.
5. Nessa altura AA retirou do interior da bolsa que usava à tiracolo um objeto corto perfurante, possivelmente uma faca, de características não concretamente apuradas, com a qual desferiu diversos golpes no corpo de KK e de JJ.
6. AA, utilizando o objeto corto perfurante referido em 4., executou diversos movimentos oscilantes, para a frente e para trás, direcionados aos troncos de KK e de JJ.
7. Assim, AA atingiu KK, perfurando a zona do hemitórax, do lado esquerdo, e a zona abdominal, do mesmo lado, necessitando KK de receber assistência hospital.
8. AA, utilizando o objeto corto perfurante referido em 4., perfurou JJ na zona do tórax, provocando-lhe laceração do ventrículo direito e laceração da artéria coronária esquerda.
9. Os ferimentos provocados na região do tórax de JJ causaram pneumotórax (lado direito) e hemotórax (lado esquerdo).
10. Após ter provocado os ferimentos descritos nos pontos 5 a 9, AA colocou-se em fuga, abandonando o local, deixando KK e de JJ entregues à sua sorte.
11. Na sequência dos ferimentos descritos supra, JJ entrou em paragem cardiorrespiratória, e foi transportado de urgência para o ..., local onde ainda permanece com prognóstico reservado.
12. Do evento resultou, em concreto, perigo para a vida dos ofendidos KK e de JJ (sendo que a situação clínica deste último ainda não se encontra estabilizada).
13. As regiões do corpo de KK e de JJ, atingidas por AA, alojam órgãos e partes vitais do corpo tais como o coração e pulmões.
14. Com a sua atuação supra descrita, AA quis e logrou atingir KK e de JJ com um objeto corto perfurante de características não concretamente apuradas, em zonas que alojam órgãos vitais, mormente no tronco.
15. Ao agir do modo acima descrito, AA atuou com o propósito de matar KK e de JJ.
16. E só não logrou atingir tal desiderato porquanto quer KK, quer JJ foram assistidos de imediato no Hospital.
17. AA sabia que, ao desferir diversos golpes, utilizando um objeto corto perfurante, contra o corpo de KK, quer JJ, mais concretamente no tronco, praticava atos idóneos a causar-lhes a morte e, todavia, quis AA agir, como agiu.
18. A fim de tirar a vida a KK e a JJ, AA quis e logrou utilizar, para o efeito, um objeto corto perfurante, instrumento que bem sabia ser um meio apto a, atingindo as zonas do corpo que visou e que atingiu, causar a morte a KK e a JJ.
19. AA só não logrou provocar a morte a KK e a JJ por factos alheios à sua vontade.
20. Mais sabia AA que, com a atuação supra descrita e atendendo ao modo como utilizou o objeto corto perfurante, KK e a JJ ficaram impedidos de se defender, dada a natureza do instrumento usado e a forma rápida e inesperada com que foi utilizado por AA.
21. Em tudo, AA agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram e são proibidas por lei e criminalmente punidas.
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O arguido vive sozinho.
O arguido trabalha há 7 meses no … como …e recebe entre 760 a 800 euros por mês.
O arguido vive em casa arrendada e paga 300 euros de renda.
O arguido tem o 7º ano de escolaridade.
Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.
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Os factos indiciados resultam dos seguintes elementos probatórios:
Prova documental:
Auto de diligências iniciais – fls. 2 e ss.
Auto de notícia – fls. 23 e ss.
Relatório de episódio de urgência de JJ – fls. 31.
Auto de reconhecimento fotográfico – fls. 36, 47, 72, 110.
Auto de reconhecimento de pessoas – fls. 39, 75.
Print de conversações mantidas pelo whatsapp – fls. 56 e ss.
CD com imagens e respetivo auto de visionamento de imagens – fls. 78 e ss.
Auto de apreensão – fls. 113.
Informação do ... – fls. 134 e ss.
Auto de apreensão – fls. 140 e ss.
CD com imagens e respetivo auto de visionamento – fls. 143.
CD com registo de ocorrência e respetivo print – fls. 148 e ss.
Prova testemunhal:
OO – OPC melhor id. a fls. 23.
LL – melhor id. a fls. fls. 32.
MM – melhor id. a fls. 42.
KK – melhor id. a fls. 51.
EE – melhor id. a fls. 87.
FF – melhor id. a fls. 98.
JJ – melhor id. a fls. 107.
NN – melhor id. a fls. 114.
PP – melhor id. a fls. 121.
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Os factos supra descritos, que indiciariamente resultam da prova recolhida até ao momento, são susceptíveis de configurar como suficientemente indiciada a prática, pelo arguido de dois crimes de homicídio, na forma tentada, previstos e puníveis, pelo artigo 131.º e 23.º, n.º 1, ambos do Código Penal (perpetrados sobre KK e JJ).
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O arguido quis prestar declarações, no âmbito das quais deu a sua versão dos factos, confirmando o circunstancialismo de tempo e lugar, negando a demais actuação imputada, nomeadamente e com relevo, ter desferido/pretendido atingir o corpo dos ofendidos, não obstante reconheça que sucedeu e que assim que se apercebeu de tal, encetou fuga. Nega igualmente que a faca lhe pertencesse, tendo encontrado a mesma no chão assim que foi atingido fisicamente pelos dois ofendidos e que apenas empunhou a mesma para se defender, não tendo sequer feito quaisquer gestos de brandir ou espetar a mesma, tendo antes, sido os ofendidos, que se “atiraram” ao arguido quando o mesmo tinha a faca na mão, tendo ficado também com um golpe na sua própria mão direita (sendo destro, aquela que a segurava) e “livrando-se” da mesma num caixote de lixo junto à praia, antes de procurar a policia junto do estabelecimento ... existente do outro lado da estrada e quando era perseguido pelo ofendido KK e antes também de entrar na viatura da sua amiga GG. Tendo sempre e exclusivamente actuado em legítima defesa.
No mais o tribunal, levou em conta, designadamente no que toca à factualidade descrita na promoção do Mº. Pº., a prova documental e testemunhal junta aos autos, sendo que quanto a esta, há que concentrar nas coincidências e dissonâncias, nomeadamente quanto ao destino da faca, pois que, o arguido dá uma versão perfeitamente descabida quanto a ter encontrado no chão e os demais não logram esclarecer que não seja o momento em que já há bastante sangue a escorrer, sendo que, ao invés da faca que não lhe pertencia ter sido deixada num caixote de lixo junta da praia, a mesma veio a ser guardada pelo arguido na sua bolsa de cintura e, no trajecto, arremessada para a linha de comboio, o que reforça a convicção forte de que o arguido, atento o desnorte em que se encontrava juntamente com os demais e que é confirmado por todos, a tenha retirado da sua bolsa a tiracolo, onde a voltou a guardar depois de a utilizar, até se aperceber que poderia prejudicá-lo.
Os elementos de prova acima elencados e explicitados permitem considerar fortemente indiciado o crime que vem imputado ao arguido.
Quanto às condições pessoais do arguido e antecedentes criminais tomamos em consideração as declarações do arguido e o CRC junto.
Os factos revestem enorme gravidade e são susceptíveis de causar grave perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
Além do mais, o crime pelo qual o arguido está indiciado é punido com pena de prisão e o arguido de modo algum ignora as possíveis consequências dos seus actos e necessariamente a muito provável aplicação de uma pena privativa da liberdade em julgamento, sendo que ainda se encontram os autos em fase incipiente ao nível probatório o que faz com exista também perigo de perturbação do inquérito, conforme afirma também o Digno Magistrado do Mº. Pº. existe também perigo para a aquisição da prova e para o inquérito, dado o contexto em que os factos ocorreram e possível alteração de depoimentos e provas.
Existindo estes perigos, justifica-se a aplicação de uma medida coacção nos termos do artº 204º als. b) e c) do CPP.
A única medida de coacção que se mostra adequada às necessidades cautelares que o caso concreto exige e proporcional à gravidade do crime tendo-se em consideração a medida abstracta que cabe ao mesmo e às sanções que previsivelmente, e fazendo um juízo de prognose, lhe virão a ser aplicadas, é a prisão preventiva, mostrando-se por consequência inadequadas todas as outras.
Sopesando todos estes factores entendemos ser proporcional e adequada às exigências cautelares que o caso requer a medida de coacção de prisão preventiva, que igualmente é necessária em face dos fortíssimos perigos de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, perigo para a aquisição da prova.
E, pese embora a circunstância de o arguido ser ainda muito jovem, estar integrado familiar e profissionalmente, dada a gravidade dos factos, nem sequer se justifica a aplicação da medida de OPHVE, sendo que, por outro lado, face ao demais perigo enunciado pelo Digno Procurador do Ministério Público, cumpre cumular a proibição do arguido, por si ou interposta pessoa e por qualquer meio, contactar com qualquer das testemunhas elencadas em sede de requerimento para aplicação de medida de coacção.
Pelo exposto, e concordando com a douta promoção que antecede determina-se que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo preventivamente preso e bem assim sujeito à proibição de contactar, por qualquer meio e mesmo por interpostas pessoas, as testemunhas identificadas nestes autos (artºs. 191º, nº 1, 192º, 193º, nº 1, 195º, 196º, 200.º, n.º 1, alínea d), 202º nº 1 als. a) e b) e 204º, als. b) e c), todos do CPP.”
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IV. Fundamentação
Insurge-se o recorrente por ter sido sujeito à medida de coação de prisão preventiva, por via da decisão proferida em 30.08.2023. Argumenta, para o efeito, ter atuado em legítima defesa – embora reconheça que poderá ter existido «excesso» da mesma.
Sem por em causa os perigos considerados verificados na decisão recorrida, remata pedindo: “em atenção ao principio da necessidade, adequação e proporcionalidade, deve a prisão preventiva ser substituída pela medida prevista no artº 201º do CPP, cumulável com a proibição de contatos da qual não interpõe recurso, impondo-se ao arguido a obrigação de não se ausentar da habitação correspondente à morada da progenitora CC”.
Cumpre apreciar.
O direito à liberdade pessoal, na aceção de liberdade ambulatória, é um direito fundamental da pessoa, proclamado em instrumentos legislativos internacionais e também na Constituição da República Portuguesa.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, “considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça …”, no artigo III, proclama a validade universal do direito à liberdade individual e no artigo IX, que ninguém pode ser arbitrariamente detido ou preso, admitindo, no artigo XXIX, apenas as limitações à liberdade individual que resultem da lei, para prossecução do reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e da satisfação das justas exigências da ordem pública.
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais) consagra o direito à liberdade pessoal, no seu artigo 5º, estabelecendo que ninguém pode ser dela privado, a não ser que seja preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente, de acordo com o procedimento legal e que a pessoa privada da liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal.
Nos termos do artigo 27º da Constituição da República Portuguesa, todos têm direito à liberdade e à segurança, de harmonia com a consagração do direito à liberdade individual como um direito fundamental.
O direito fundamental a não ser detido, preso ou total ou parcialmente privado da liberdade não é, porém, um direito absoluto, como os próprios instrumentos de direito internacional e a Constituição da República Portuguesa, admitem.
As medidas de coação são, justamente, meios processuais de limitação da liberdade pessoal que têm por função acautelar a eficácia do procedimento penal, quer no que respeita ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias2.
«As medidas de coação emergem como condição indispensável, embora num quadro de excecionalidade, à realização da justiça»3.
A prisão preventiva é aplicável, quando estando fortemente indiciada a prática de algum dos crimes enumerados no artigo 202º do Código de Processo Penal, se verifique algum dos perigos previstos no artigo 204º do mesmo diploma.
Quanto aos pressupostos legais de carácter geral, (aplicáveis quer à prisão preventiva, quer a qualquer outra medida de coação diferente do TIR), referem-se à verificação de algum ou algum dos perigos enumerados nas alíneas a) a c) do artigo 204º do Código de Processo Penal: a) Fuga ou perigo de fuga; b) Perigo de perturbação da investigação; c) Perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade pública ou de continuação da atividade criminosa – que não são de verificação cumulativa.
Quanto aos pressupostos de carácter específico, encontram-se estabelecidos no artigo 202º nº 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal, e são cumulativos: a existência de fortes indícios da prática de crime; que o crime indiciado seja doloso; que o crime indiciado corresponda a criminalidade violenta ou seja punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos.
E é, no elenco de medidas de coação previstas no Código de Processo Penal, a mais gravosa para os direitos fundamentais do arguido, dado implicar a total restrição da sua liberdade individual.
Por tal razão tem natureza subsidiária e excecional, o que significa que só deve ser aplicada, se todas as restantes medidas se mostrarem inadequadas ou insuficientes para a salvaguarda das exigências processuais de natureza cautelar que o caso requeira, concretamente, para a aquisição e conservação dos meios de prova e para garantir a presença do arguido nos atos processuais, sobretudo, na audiência de discussão e julgamento.
Deve, igualmente, à semelhança das restantes medidas de coação, com exceção do Termo de Identidade e Residência, ser proporcional à gravidade do crime e às sanções que, num juízo de prognose em relação ao julgamento, virão, possivelmente, a ser aplicadas.
É o que decorre das normas contidas nos artigos 191º, nº 1, 193º e 204º do Código de Processo Penal, de acordo, aliás, com os princípios constitucionais consagrados nos artigos 18º, nº 2, 27º e 28º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
O princípio da adequação das medidas de coação exprime a exigência de que exista uma correspondência entre os interesses cautelares a tutelar no caso concreto e a concreta medida de coação imposta ou a impor. Afere-se por um critério de eficiência, partindo da comparação entre o perigo que justifica a imposição da medida de coação e a previsível capacidade de esta o neutralizar ou conter.
O princípio da necessidade tem subjacente uma ideia de exigibilidade, no sentido de que só através da aplicação daquela concreta medida de coação se consegue assegurar a prossecução das exigências cautelares do caso e não de outra qualquer ou da não aplicação de qualquer delas.
O princípio da proporcionalidade assenta num conceito de justa medida ou proibição do excesso entre os perigos que se pretendem evitar e a aplicação da medida de coação escolhida.
O artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa prevê que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e, tal como em todos os demais campos de aplicação, em matéria de aplicação das medidas de coação o princípio da proporcionalidade também terá de ser decomposto «em três subprincípios constitutivos: o princípio da conformidade ou da adequação; o princípio da exigibilidade ou da necessidade e o princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito»4.
Assim, no que respeita ao princípio da proporcionalidade, é imperioso que, em cada fase do processo, exista uma relação de idoneidade entre a medida aplicada ou a aplicar e a importância do facto imputado, bem assim, a sanção que se julga que pode vir a ser imposta, ou seja, tem de existir uma correlação entre a privação da liberdade individual que a medida de coação implica, a gravidade do crime e a natureza e medida da pena que, previsivelmente, virá a ser aplicada ao arguido.
Ora, estes princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade que regem a sua aplicação são uma emanação do princípio jurídico-constitucional da presunção de inocência constante no artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
Tanto no que se refere à aplicação das medidas de coação em geral, como, muito especialmente, no que concerne às medidas de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação, às quais é expressamente atribuído carácter excecional ou subsidiário, terão, pois, necessariamente, de obedecer a estes princípios constitucionais da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 18º, 27º e 28º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa5.
É no ponto de equilíbrio entre os direitos em confronto – o direito fundamental à liberdade individual e o da realização da justiça penal (na medida em que a aplicação da prisão preventiva, como de qualquer outra medida de coação, apenas serve para garantir o normal desenvolvimento do procedimento criminal e obstar a que o arguido se exima à execução da previsível condenação), que se garante o respeito pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade e se impede o livre arbítrio (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.01.20196).
«Respeitar o princípio da adequação significa escolher a medida que poderá constituir o melhor instrumento para garantir as exigências cautelares do caso (…). Para respeitar o princípio da proporcionalidade, a medida de coação escolhida deverá manter uma relação direta com a gravidade dos crimes e da sanção previsível, cabendo ponderar elementos como o juízo de censurabilidade da conduta, o modo de execução, a importância dos bens jurídicos atingidos.
«O respeito pelo princípio da subsidiariedade impõe considerar sempre a prisão preventiva como uma medida de natureza excecional que só pode ser aplicada como extrema ratio, quando nenhum outro meio se perfile ou anteveja como adequado e suficiente.»7.
«É no balanço entre estas realidades que deve ser encontrada a solução adequada, proporcional e justa que impeça o livre arbítrio»8.
Feitas estas considerações de carácter geral, que hão de ser tidas em conta na verificação da existência dos pressupostos de que depende a aplicação das medidas de coação impostas ao arguido recorrente, é tempo de nos debruçarmos sobre os concretos aspetos assinalados nas conclusões extraídas da motivação do recurso do arguido.
(dos fortes indícios do cometimento do crime imputado)
Sendo a ocorrência de indícios da prática de um crime uma condição sine qua non da aplicação de todas as medidas de coação, no que concerne à prisão preventiva, a lei é mais exigente, pois usa a expressão «fortes indícios», sendo que ao fazê-lo, como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.08.20189, cuja perspetiva subscrevemos, “o que se pretende é inculcar a ideia de que o legislador não permite que se decrete a medida com base em meras suspeitas mas exige que haja já sobre a prática de determinado crime uma «base de sustentação segura» quanto aos factos e aos seus autores que permita inferir que o arguido poderá por eles vir a ser condenado10 e que, por conseguinte, essa base de sustentação deverá ser constituída por «provas sérias», provas que deixem uma impressão já nítida da responsabilidade do arguido objectivadas a partir dos elementos recolhidos.
Sendo diferente o contexto probatório em relação ao momento da aplicação da medida de coacção – como é o caso – e ao momento da acusação, poderá então afirmar-se que não sendo conceitos semelhantes, claro está, de certo modo se equivalem o conceito de «fortes indícios» usado no art. 202º e o de «indícios suficientes» explicitado no art. 283º, nº 2 quanto aos objectivos que visam em cada momento processual: aqueles como estes pressupõem a possibilidade de ao arguido vir a ser aplicada em julgamento uma pena, devendo ter idoneidade bastante para tal.11 12
Essa idoneidade, porém, há de aferir-se pela circunstância de serem usados perante realidades processuais distintas, e não pela respetiva substância.
Assim, se os indícios suficientes se devem ter por verificados, quando, com base nesses indícios, a probabilidade de condenação é, pelo menos, maior do que a de absolvição, reportada à fase da audiência de discussão e julgamento13, os indícios só serão fortes, quando o seu grau de certeza acerca do cometimento do crime e da identidade do seu autor é próximo do que é exigido, na fase do julgamento, apenas com a diferença de que, aquando da aplicação da medida de coação, os elementos probatórios têm uma maior fragilidade, resultante da ausência de contraditório, da imediação e da oralidade, que são característicos da fase da discussão e julgamento da causa.
O despacho recorrido considerou fortemente indiciado o cometimento pelo arguido AA, de dois crimes de homicídio, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 131º e 23º, nº 1, ambos do Código Penal.
Com vista a contrariar a decisão recorrida, a propósito dos factos considerados indiciados, afirmou o recorrente, nas conclusões extraídas da motivação do recurso apresentado, que “Os pontos 1 a 4 da Promoção não correspondem à verdade, tendo arguido – na prestação de declarações perante a Meretissima JIC esclarecido que quando interveio a favor da sua amiga DD foi agredido por um dos dois indivíduos corpulentos e com mais 10 anos de idade do que o arguido com 20 anos e menos de 60kg”, sustentando que se limitou a defender-se de tais agressões, apesar de não por em causa que tenha desferido os golpes mencionados na indiciação acolhida na decisão recorrida14.
Ora, ouvidas as declarações prestadas pelo arguido e cotejadas as mesmas com a fundamentação exposta pela Mma Juiz a quo, não vemos razões válidas para por em causa a convicção formada com base na prova indiciária disponível nos autos.
Na verdade, como se vê da decisão acima transcrita, os elementos de prova indicados no despacho de apresentação mostram-se analisados de forma conjugada, e interpretados em conformidade com as regras de experiência comum, relevando-se que não foram consideradas credíveis as declarações prestadas pelo arguido quando referiu que «encontrou» a navalha com a qual feriu os outros dois indivíduos no chão e, menos ainda, quando afirmou que foram os ofendidos que se «lançaram» sobre aquela faca, acabando por ferir-se. Num quadro de normalidade – mesmo considerando a situação de conflito em que os intervenientes se encontravam – não merece crítica que o Tribunal não se tenha convencido com tal versão.
E, no mais, o recorrente não põe verdadeiramente em causa a indiciação aceite na decisão recorrida. Desde logo, não questiona que, efetivamente, no dia 27.08.2023, pelas 18h30, se encontrava no bar da praia de ... na companhia de todos os indivíduos identificados, incluindo os dois ofendidos, e que entre ele e estes últimos surgiu uma discussão; e também não nega que empunhou a faca/navalha e que, nessas mesmas circunstâncias, golpeou aqueles dois ofendidos, causando-lhes os ferimentos examinados nos autos.
Por outro lado, face à documentação clínica que consta dos autos, não pode duvidar-se de que os dois ofendidos foram atingidos em zonas corporais que alojam órgãos vitais (v.g., no tórax) – e, pelo menos, um deles correu efetivo perigo de vida – sendo, em consequência, de aceitar que, ao agir da forma descrita nos autos, o arguido, pelo menos, admitiu a possibilidade de tirar-lhes a vida, o que aceitou.
Assim, em face do acervo probatório disponível nos autos, não vemos razões para discordar da avaliação das circunstâncias apuradas feita pelo Tribunal a quo, pelo que é de concluir pela forte indiciação da prática por parte do arguido recorrente de dois crimes de homicídio, na forma tentada, previstos e puníveis pelos artigos 131º, 22º e 23º, todos do Código Penal, que lhe foram imputados. Tais crimes são em abstrato puníveis com pena de prisão de máximo superior a 5 anos, pelo que é admissível a aplicação da medida de coação de prisão preventiva. Em suma, é de considerar demonstrada a existência de “fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos”, nos termos exigidos pelo artigo 202º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal.
(da existência de causa de justificação)
Tendo em vista afastar a indiciação considerada na decisão recorrida, alegou o recorrente que o que se passou foi que “os dois mesmos indivíduos [os ofendidos] colocaram-se em cima do arguido, que ficou deitado de barriga para cima e eis que sentindo um objeto no chão desferiu uns cortes, incluindo em si próprio, num completo desespero pois julgava que os mesmos o iam matar naquele local”. Conclui, face a tal alegação, que agiu em legítima defesa.
Vejamos.
Dispõe o artigo 32º do Código Penal que: «Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão atual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro».
A legítima defesa - causa de exclusão da ilicitude tipicamente prevista na letra dos artigos 31º e 32º do Código Penal - tem por requisitos a ocorrência de uma agressão (sendo ela toda a lesão ou perigo de lesão de um interesse próprio ou de outra pessoa protegido pelo ordenamento jurídico15) levada a cabo por um comportamento humano voluntário e consciente, devendo esta ser atual, isto é, estar a realizar-se, em desenvolvimento ou iminente (a iminência da agressão afere-se, habitualmente, pela ocorrência de situação perigosa, a qual se caracteriza pela prática de atos que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes siga o ato agressivo, isto é, a agressão, ilícita, ou seja, não ter o agressor direito a infligir ou a praticar a agressão, independentemente do facto de aquele se comportar dolosamente, com mera culpa ou se tratar de um inimputável16, só evitável ou neutralizável através de uma ação ou ato de defesa, ato que, atenta a sua função, qual seja a de impedir ou repelir a agressão, deve limitar-se à utilização do meio ou meios, suficientes para evitá-la ou neutralizá-la, consabido que em consequência desse ato ir-se-ão atingir bens ou interesses do agressor17.
A defesa só é legítima se surgir como indispensável para a salvaguarda de um interesse jurídico do agredido ou de terceiro - o meio menos gravoso para o agressor. A necessidade da defesa tem de ajuizar-se segundo o conjunto de circunstâncias em que se verifica a agressão e, em particular, na base da necessidade desta, da perigosidade do agressor e da sua forma de atuar, bem como dos meios de que se dispõe para a defesa, e deve aferir-se objetivamente, ou seja, segundo o exame das circunstâncias feito por um homem médio colocado na situação do agredido.
Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.06.200918, “Constitui legítima defesa, nos termos do artigo 32º do Código Penal, o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão ilícita ou antijurídica, enquanto ameaça de lesão de interesses ou valores, não pré-ordenada – ou seja, com o fito de, sob o manto da tutela do direito, obter a exclusão da ilicitude de facto integrante de crime – actual, no sentido de, tendo-se iniciado a execução, não se ter verificado ainda a consumação, e necessária, ou seja, quando o agente, nas circunstâncias do caso, se limite a usar o meio de defesa adequado – menos gravoso, por a todo o direito corresponderem «limites imanentes» – a sustar o resultado iminente – cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, págs. 45 e 59.
São pressupostos da legítima defesa: a actuação em defesa de uma agressão e o elemento subjectivo a que a doutrina dá o nome de animus defendendi.
São requisitos da agressão: a ilegalidade, a actualidade e a falta de provocação e requisitos da defesa: a impossibilidade de recurso à força pública, a necessidade e a racionalidade do meio.
A necessidade de defesa há-de apurar-se segundo a totalidade das circunstâncias em que ocorre a agressão, e em particular, com base na intensidade daquela, da perigosidade do agressor e da sua forma de agir. Deve ajuizar-se objetivamente e ex ante, na perspectiva de um terceiro prudente colocado na situação do arguido – cfr. acórdão do STJ de 18-12-96, processo n.º 115/96-3ª – n.º 6, Dezembro 96, pág. 69.
Um dos elementos constitutivos da legítima defesa é o agente ter praticado o facto para repelir a agressão actual e ilícita de que está a ser sujeito passivo, ou seja, que tenha agido com o intuito de defesa. Não se verifica a figura da legítima defesa quando o tribunal dá como provado que o arguido agiu com o intuito de ofender corporalmente o ofendido (sublinhado nosso) – acórdão do STJ de 16-04-1997, processo n.º 1255/96-3ª, SASTJ, n.º 10, abril de 1997, pág. 97.
Como se pode ler no acórdão do STJ de 13-12-2001, processo n.º 3067/01-5ª, CJSTJ 2001, tomo 3, pág. 242, “A legítima defesa pressupõe a ilicitude da agressão e que o acto agressivo, tal como o conceito de ilícito jurídico em geral e o conceito jurídico penal de ilícito se defina pelo desvalor da conduta, podendo esta assumir a forma de acção ou omissão.
A legítima defesa pressupõe ainda que o ilícito da agressão seja doloso.
Essa agressão deve ser actual (no sentido de estar a realizar-se, em desenvolvimento ou iminente) e ilícita (no sentido de o seu autor não ter o direito de a praticar, independentemente do facto de aquele se comportar dolosamente, com mera culpa ou tratar-se de um inimputável).
A agressão inicia-se - já é atual – quando, colocando-nos numa perspectiva jurídico penal, a pudermos considerar como acto de execução de uma determinada tentativa.
Sendo função da legítima defesa apenas o impedir ou repelir a agressão, compreende-se e exige-se que o defendente só utilize o meio considerado, no momento e segundo as circunstâncias concretas, suficiente para suster a agressão.
(…)
Para o acórdão de 07-06-2006, processo n.º 1174/06-3ª, in CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 207, “A legítima defesa não abdica, no plano objectivo, de um facto, uma agressão actual, em execução, em desenvolvimento, ilícita, por contrária à lei, portadora de demérito aos olhos do legislador, lesiva de bens ou valores jurídicos (pessoais ou patrimoniais) dignos de protecção à face da ordem jurídica, na titularidade do ofendido ou de terceiro, de o contrafacto, defensivo, ser carregado do intuito de defesa (animus defendendi) e necessário, por adequado a acautelar os interesses do visado, tendo em conta a valoração das circunstâncias do caso concreto, inclusive a impossibilidade de recurso à força pública, pois a ser de outro modo poder-se-ia cair no recurso à vindicta privada”.
Como se extrai do acórdão de 12-06-2008, processo n.º1782/08-3ª, “Sem previsão na lei, a legítima defesa não dispensa a verificação do pressuposto de impossibilidade de recurso à autoridade pública, atenta a sua natureza subsidiária face à defesa actuada pelos órgãos do Estado, e do animus defendendi, requisitos não enunciados no CP de 82, em contrário da versão de 1886, mas de que a jurisprudência não abdica.
Essencial, pressuposto estrutural, à legítima defesa, é mesmo o animus defendendi, a intenção de, pelo contra-ataque a uma agressão, se suspender uma agressão ilegítima: o facto típico levado a cabo pelo defendente há-de destinar-se a prevenir uma agressão ilícita actual.”
Assim, e em suma, poderemos dizer que a exclusão da ilicitude de uma conduta, ao abrigo do artigo 32º do Código Penal, exige a presença de cinco requisitos objetivos e um elemento subjetivo, a saber: a agressão de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, a atualidade da agressão, a ilicitude da agressão, a necessidade da defesa, a necessidade do meio e o conhecimento da situação de legítima defesa, sendo que os três primeiros requisitos objetivos se referem à situação em que o agente atua e os dois últimos à ação de defesa.
Já haverá excesso de legítima defesa quando, pressuposta uma situação de legítima defesa, se utiliza um meio desnecessário para impedir ou repelir a agressão.
Ora, a caracterização de uma situação de legítima defesa tem que assentar, antes de tudo o resto, em factos que demonstrem a existência dos respetivos pressupostos (nos termos supra enunciados). No caso presente tal não se pode afirmar.
Dos factos considerados indiciados – com suporte na prova já recolhida no inquérito e com a qual o arguido foi confrontado – não resulta que o arguido se tenha limitado a reagir a uma agressão proveniente dos ofendidos. O que a conjugação de todos os depoimentos (nomeadamente, as declarações prestadas por arguido e ofendidos) indica é que ocorreu uma altercação e que o arguido, munido que estava de uma faca/navalha (que trazia consigo19) fez uso da mesma, desferindo golpes nos dois ofendidos. Não há elementos que permitam estabelecer que o arguido não tenha procurado o confronto ou que se tenha limitado a salvaguardar a sua própria integridade física.
Afigura-se-nos claro, em face da factualidade considerada suficientemente indiciada – e que o recorrente, verdadeiramente, não pôs em causa – que não se verifica a causa de exclusão da ilicitude invocada pelo arguido, razão pela qual, mais uma vez, não existe fundamento para que se altere a indiciação apontada na decisão recorrida.
(dos pressupostos para a prisão preventiva)
Preenchido o pressuposto específico do artigo 202º, do Código de Processo Penal, vejamos agora os pressupostos constantes do artigo 204º do mesmo diploma legal, em que se fundou o Tribunal a quo para justificar a prisão preventiva do recorrente (que considerou verificados os perigos de perturbação do inquérito, e de perturbação da ordem e tranquilidade pública, contemplados nas alíneas b) e c) do preceito citado).
O recorrente, muito embora pugne pela aplicação de uma medida de coação menos gravosa, nada disse quanto aos perigos considerados verificados na decisão recorrida.
Ora, a este respeito, consignou o Tribunal recorrido: “Os factos revestem enorme gravidade e são susceptíveis de causar grave perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
Além do mais, o crime pelo qual o arguido está indiciado é punido com pena de prisão e o arguido de modo algum ignora as possíveis consequências dos seus actos e necessariamente a muito provável aplicação de uma pena privativa da liberdade em julgamento, sendo que ainda se encontram os autos em fase incipiente ao nível probatório o que faz com exista também perigo de perturbação do inquérito, conforme afirma também o Digno Magistrado do Mº. Pº. existe também perigo para a aquisição da prova e para o inquérito, dado o contexto em que os factos ocorreram e possível alteração de depoimentos e provas.
Existindo estes perigos, justifica-se a aplicação de uma medida coacção nos termos do artº 204º als. b) e c) do CPP.”
O arguido/recorrente, apesar de, como acima se referiu, nada ter dito quanto às exigências cautelares colocadas pelo caso em presença, sempre foi afirmando que “O despacho recorrido fez uma incorreta apreciação dos factos e violou os artigos 32º no 2, 27 e 28º da CRP e 213º do CPP, pelo que deve ser revogado, ordenando-se a alteração da medida de coação aplicada. Aliás, não fundamenta a opção pela medida mais gravosa, pois que deveria atender e não atendeu a fatos relacionados com o caráter do arguido, com a sua ocupação, as suas posses os seus laços familiares, entre outros”. Pede, por isso, que “Em atenção ao principio da necessidade, adequação e proporcionalidade, deve a prisão preventiva ser substituída pela medida prevista no artº 201º do CPP, cumulável com a proibição de contatos da qual não interpõe recurso, impondo-se ao arguido a obrigação de não se ausentar da habitação correspondente à morada da progenitora CC sita na ...”.
Quanto aos concretos perigos identificados na decisão recorrida:
Em relação ao perigo de perturbação da ordem e tranquilidades públicas, o despacho recorrido reconheceu-o como resultante da natureza e gravidade do crime imputado, colocando o acento tónico nas repercussões que a prática de factos como os indiciados produz na sociedade.
Contudo, tal perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas tem de resultar de circunstâncias concretas e particulares referentes ao previsível comportamento do arguido – trata-se do perigo de o arguido vir a perturbar a ordem e a tranquilidade públicas -, não relevando só por si a circunstância de os factos já praticados serem suscetíveis de, em abstrato, causar alarme ou intranquilidade na sociedade.
Não obstante a exiguidade da fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo, a situação em apreço, e os traços de personalidade impulsiva do arguido denunciados nos factos praticados, tornam clara a verificação do perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas. Afigura-se-nos, no entanto, que a evidência de tal perigo não surge com expressão tão acentuada que imponha a reclusão em ambiente prisional, podendo configurar-se alternativa menos gravosa, nomeadamente, a recondução do arguido à sua residência, com a obrigação de ali permanecer.
Quanto ao perigo de perturbação do inquérito, que na decisão recorrida se associou à proximidade entre o arguido e as testemunhas dos factos, deve entender-se que efetivamente também ocorre, sendo especialmente a relação de amizade que liga arguido e testemunhas, existindo o risco sério de que aquele possa levar estas últimas a alterarem os respetivos depoimentos, tanto mais que os ofendidos são estrangeiros não residentes. De todo importará atentar na circunstância de a verificação desse perigo ter determinado especialmente a aplicação ao arguido da medida de coação de proibição de contactos, por qualquer modo, com as testemunhas.
Como resulta dos contornos da impugnação recursiva, não é contra essa medida de coação (de natureza não detentiva) que o arguido se insurge, antes admitindo que a mesma seja adotada no caso concreto.
Tudo visto, impõe-se concluir que efetivamente ocorrem os perigos assinalados no despacho recorrido, a que deve também somar-se a residual existência de perigo de fuga – posto que o arguido, na sequência dos factos praticados efetivamente procurou ausentar-se do local, distanciando-se dos acontecimentos e procurando desresponsabilizar-se. É, pois, manifesta a necessidade de contenção do arguido.
Importa, porém, ponderar a adequação e proporcionalidade da medida imposta.
Como acima se assinalou, o princípio da proporcionalidade assenta o seu pressuposto na gravidade do ilícito, só sendo por isso admissível prisão preventiva relativamente a crimes dolosos puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos, que têm ínsita uma ideia de gravidade (nomeadamente, aqueles que correspondam a criminalidade violenta), ou em casos expressamente determinados de máximo superior a 3 anos (cf. artigos 202º e 203º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Penal) e exige a ponderação entre a medida aplicada ou a aplicar, a importância ou gravidade do crime imputado e a pena que previsivelmente possa vir a ser imposta.
Tendo em conta a moldura penal aplicável aos crimes fortemente indiciados (prisão de 1 ano 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses) e a gravidade dos factos indiciados, é de considerar elevada a probabilidade de que ao arguido venha a ser aplicada uma pena de prisão, não podendo, por isso, reputar-se a medida de coação imposta como manifestamente desproporcionada.
Perante o perigo de perturbação do decurso do inquérito e instrução, nomeadamente para a aquisição, conservação ou veracidade da prova que no caso se verifica de forma intensa, a prisão preventiva mostra-se adequada para a sua contenção.
Observados os autos, no que concerne à adequação e proporcionalidade das medidas de coação aplicadas ao arguido, é de considerar que apenas as medidas detentivas se mostram eficazes para garantir o afastamento dos perigos evidenciados nos autos.
Importa, então, apreciar, dada a natureza subsidiária e excecional da prisão preventiva, que apenas pode ser aplicada se nenhuma outra medida satisfizer as necessidades cautelares que no caso se verificarem (artigo 28º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa), se a medida de permanência na habitação responde de uma forma suficientemente eficaz aos perigos verificados, isto é, se houve violação do princípio da necessidade e subsidiariedade na aplicação ao recorrente da medida de prisão preventiva.
A respeito de tal medida, o Tribunal recorrido limitou-se a consignar que: “pese embora a circunstância de o arguido ser ainda muito jovem, estar integrado familiar e profissionalmente, dada a gravidade dos factos, nem sequer se justifica a aplicação da medida de OPHVE” – ou seja, a exclusão de tal medida parece resultar, apenas, da gravidade dos crimes indiciados.
Ora, sem menosprezar tal gravidade – não se esquecendo, designadamente, que foram colocadas em causa duas vidas humanas – e, por consequência, a elevada previsibilidade de que ao arguido venham a ser aplicadas penas de prisão de dimensão significativa. O que, em si mesmo, importa uma acentuação dos perigos considerados verificados. Ainda assim, não pode olvidar-se que estamos perante um arguido jovem, com apenas 21 anos de idade, sem antecedentes criminais.
Neste contexto, não vemos que a obrigação de permanência na habitação, com o confinamento do arguido à sua residência, não contenha de forma adequada os apontados perigos, desde que a obrigação de permanência seja acompanhada de eficaz vigilância eletrónica – e mantendo-se, em todo o caso, a proibição de contactos com as testemunhas.
Face ao exposto, tendo presente a natureza excecional da prisão preventiva e o disposto no artigo 193º, nº 3, do Código de Processo Penal, conclui-se que a medida coativa prevista no artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Penal se revela suficiente para satisfazer as exigências cautelares que o caso requer, desde que estejam asseguradas as condições de que depende a sua fiscalização por vigilância eletrónica.
Aqui chegados, confrontamo-nos com a circunstância de a utilização dos meios de vigilância eletrónica depender da obtenção de consentimentos e da solicitação prévia de relatório aos serviços de reinserção social, nos termos dos artigos 4º e 7º, nº 2, da Lei nº 33/2010, de 02 de setembro.
Há quem entenda caber ao tribunal de recurso solicitar a elaboração do relatório pelos serviços de reinserção social, exigido para o efeito pelo artigo 7º, nº 2, da Lei nº 33/2010.
Porém, a nosso ver, tal solução não se mostra compatível com o prazo dentro do qual este tipo de recurso deve ser julgado – 30 dias, a contar “do momento em que os autos forem recebidos”, ou seja, a contar da entrada no Tribunal da Relação (cf. artigo 219º do Código de Processo Penal).
Por conseguinte, entendendo nós que estão verificados os pressupostos de que depende a aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação, deverá averiguar-se, na 1ª instância, se estão ou não reunidas as condições materiais necessárias para o efeito de execução de tal medida - tanto a nível das infraestruturas necessárias à vigilância eletrónica, como do enquadramento familiar e consentimentos20.
Até ao início da execução da medida agora decidida, o arguido continuará em prisão preventiva pois enquanto não estiver eficazmente garantido que não irá ausentar-se de casa, não estará acautelado o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública.
Caso não seja possível a execução da vigilância eletrónica, manter-se-á a medida de prisão preventiva, pois, não há modo de prevenir eficazmente os perigos que se verificam de forma intensa, de perturbação da ordem e tranquilidade pública e de perturbação da atividade instrutória, nomeadamente na aquisição e conservação da prova, por parte do arguido/recorrente.
*
V. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes, na 5ª Secção deste Tribunal da Relação, em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido AA, determinando-se, em consequência, que este aguarde os ulteriores termos processuais sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, nos termos previstos no artigo 201º, nº 3, do Código de Processo Penal, caso a sua exequibilidade seja confirmada por relatório a elaborar com a máxima urgência.
Até à conclusão dos procedimentos com vista à execução da vigilância eletrónica, todos a realizar na 1ª instância, o arguido/recorrente continuará em prisão preventiva, medida que se manterá caso se venha a verificar não ser possível a execução da vigilância eletrónica.
Sem custas.
*
Comunique, de imediato, o teor desta decisão ao tribunal recorrido, a fim de que proceda, desde já e com urgência, à realização das diligências necessárias com vista à execução da OPHVE.
*
Lisboa, 23 de abril de 2024
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Sandra Oliveira Pinto
Ana Cláudia Nogueira
Carla Francisco
_________________________________________________
1. Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»
2. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, pág. 254.
3. Frederico Isasca, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, 2004, pág. 103.
4. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pág. 264.
5. José António Barreiros, As Medidas de Coacção e de Garantia Patrimonial no Novo Código de Processo Penal, Tolda Pinto, A Tramitação Processual Penal, 2ª edição, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª edição, volume II, pág. 250; Leal-Henriques e Simas Santos, Código de Processo Penal Anotado, vol. 1, 3ª edição, pág. 1270.
6. No processo nº 65/19.1JBLSB-A.L1-3, Relatora: Desembargadora Cristina Almeida e Sousa, acessível em www.dgsi.pt
7. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.06.2019, no processo nº 207/18.4PDBRR.L1-3, Relator: Desembargador João Lee Ferreira, em www.dgsi.pt
8. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.01.2016, no processo nº 576/14.5GEALRF.L1-9, Relator: Desembargador Antero Luís, em www.dgsi.pt
9. No processo nº 142/17.3JBLSB-A.S1, Relator: Conselheiro Nuno Gomes da Silva, em www.dgsi.pt
10. Cfr Simas Santos e Leal-Henriques, “Código de Processo Penal Anotado”, 3ª ed. pag 1270
11. Cfr “Código de Processo Penal Comentado” de Henriques Gaspar et all., 2ª ed. pag 817
12. Neste sentido também Jorge Silveira, “O Conceito de Indícios no Processo Penal Português”, em https://www.odireitoonline.com
13. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª Edição, Editorial Verbo, 2002, pág. 261.
14. Recordamos, dos factos 1 a 4 considerados indiciados na decisão recorrida consta:
1. No dia 27 de agosto de 2023, pelas 09H30, AA deslocou-se, na companhia dos seus amigos e colegas de trabalho, EE, FF, GG, HH e II, à praia de ..., a fim de usufruírem de um dia de praia.
2. Na mesma data, cerca das 15H00, juntaram-se ao grupo de amigos referido em 1: JJ, KK, LL e MM, indivíduos de nacionalidade ... que haviam conhecido, e com quem tinham convivido, na madrugada desse mesmo dia, nos bares de Lisboa.
3. Por volta das 18H30, do referido dia 27 de agosto de 2023, AA envolveu-se numa discussão com KK a propósito da insistência manifestada por este último relativamente à aplicação de protetor solar nas costas por parte de NN, amiga de AA.
4. No decurso da discussão gerada entre ambos, AA desferiu um soco na face de KK, o que motivou a intervenção de JJ, que se encontrava próximo, com o propósito de proteger o seu amigo.
15. H.H. Jescheck, Tratado de Derecho Penal Parte General - 4ª edição - 1993, pág. 303.
16. Cf., entre outros, Maia Gonçalves, Código Penal Anotado e Comentado - 8ª edição/1995, pág. 277.
17. Cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.12.2013, no processo nº 154/05.0GARSD.P1, Relatora: Desembargadora Eduarda Lobo, acessível em www.dgsi.pt
18. No processo nº 1248/07.2PAALM.S1 – 3ª secção, Relator: Conselheiro Fernando Fróis, em www.dgsi.pt.
19. A «versão» de que tal arma estaria caída no solo e que foi pressentida pelo arguido com as costas, altura em que decidiu empunhá-la, sendo os ofendidos que «se atiraram contra a mesma», como considerou a Mma Juiz a quo, não se mostra minimamente credível.
20. Neste sentido, cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 06.03.2006, publicado na C.J., Ano XXXI, tomo II, pág. 275; acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16.11.2011, no processo nº 828/10.3JAPRT-D.P1, disponível em www.dgsi.pt; e os acórdãos de 13.05.2014, no processo nº 1232/13.7PASNT-A.L1, e de 22.06.2023, no processo nº 28/21.7PESXL-A.L1, ambos desta 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, não publicados.