Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
270/23.6PESNT.L1-5
Relator: MARIA JOSÉ MACHADO
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
PENA DE ADMOESTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora):
I. Em relação à pena acessória de proibição de conduzir, prevista no artigo 69.º do Código Penal, não existe qualquer norma que preveja a possibilidade da suspensão da sua execução, com ou sem caução, da sua substituição por qualquer pena substitutiva, a possibilidade da sua atenuação especial ou do diferimento do seu cumprimento de acordo com as necessidades profissionais do arguido, sendo certo que a aplicação das penas está subordinada ao princípio da legalidade. Trata-se de uma pena acessória necessariamente efectiva, que não admite suspensão, e contínua, que não pode ser limitada a certos períodos da semana, do mês ou do dia.
II. O critério de aplicação da pena de admoestação é exclusivamente preventivo, devendo o tribunal apurar se esta pena é adequada à satisfação das necessidades de prevenção especial de socialização ou de prevenção geral, que nos termos do art.º 40.º do Código Penal constituem as «finalidades da punição».
III. Considerando a natureza dos bens jurídicos tutelados pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, e as prementes necessidades de prevenção geral, temos como manifesto que, salvo em situações excepcionais e verificadas razões muito ponderosas – que não se verificam no caso dos autos -, não se justifica a substituição da pena de multa por pena de admoestação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1. No âmbito do processo abreviado supra identificado, foi o arguido, AA, melhor identificado nos autos, julgado pela imputada prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º1 e 69.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, tendo sido condenado na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de €10,00 (dez euros) num total de € 660,00 (seiscentos euros), sobre o qual incidiu o desconto de um dia de detenção, ficando assim a multa reduzida a €590,00 (quinhentos e noventa euros) e bem assim na proibição de condução de veículos a motor pelo período de 3 (três) meses e 20 (vinte) dias.
2. O arguido interpôs recurso da decisão, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
I. A taxa que o arguido apresentava quando foi fiscalizado pela autoridade competente era de 1,46 g/l, pelo que se encontrava apenas 0,26 g/l acima do valor que confere significado criminal à conduta praticada.
II. Em sede de audiência de discussão e julgamento, confessou integralmente e sem reservas os factos, sempre colaborando com a justiça, sendo um cidadão honesto e cumpridor, com registo criminal e de condutor sem qualquer mácula.
III. Conduz há mais de duas décadas, sem qualquer infracção, sendo motorista de profissão e único condutor da sua sociedade unipessoal de transportes de que é o único. Trabalhador.
IV. Sem poder conduzir tal facto impede-o de auferir rendimentos e de prover a subsistência da sua família.
V. O arguido quando conduziu fê-lo sem consciência de estar sob efeito de álcool, logo sem consciência da ilicitude da sua conduta.
VI. Não bebeu anormalmente ao jantar, e com o café bebeu um digestivo, porque já não ia conduzir, pois ia dormir no interior do veículo de transporte que estava a arranjar em oficina e já não iria para casa.
VII. Dormiu a seguir ao jantar e foi acordado a meio da noite por telefonema da mulher que lhe pediu aflita para ir para casa que estava sozinha e estava receosa a chorar e em ansiedade, sendo que o cônjuge do arguido estava a sair de depressão grave que a levou a baixa prolongada e o arguido ficou temeroso do que estaria a acontecer.
VIII. Por isso levantou-se, lavou o rosto, sentiu-se bem e nunca equacionou estar influenciado pelo álcool, em medida superior ao legalmente prevista, podendo cometer um crime.
IX. Agiu sem culpa, por ter actuado sem consciência da ilicitude, não lhe sendo o erro censurável, em face das circunstâncias concretas em que estava. Não tendo culpa deve ser absolvido, o que requer.
X. Ainda que assim se não entenda, sempre a conduta do arguido, as circunstâncias do facto, o motivo pelo qual se viu forçado a conduzir, traduzem uma actuação em estado de necessidade desculpante, que excluiu a ilicitude e afasta a punibilidade, devendo levar a absolvição, o que requer.
XI. Mesmo que assim se não considera, o que se refere, sem conceder, sempre se diga que toda a conduta do arguido, a sua situação pessoal, o motivo porque agiu; a ausência de antecedentes, são determinantes de uma especial atenuação das penas, principal e acessória, e até, atento que a pena a aplicar ser inferior a 240 dias, deve ser aplicada uma pena de admoestação que abranja a pena principal e a pena acessória.
XII. O arguido recorrente é motorista profissional de veículos pesados de mercadorias, pelo que a verdadeira pena que lhe foi aplicada, não é ver-se inibido de conduzir, mas de trabalhar, dado que três meses, sem poder cumprir com clientes, pode significar a perda irremediável de clientela para a concorrência e o fecho da sua actividade e o desemprego, pelo que, mesmo a manter-se, na integra o decidido, deve ser permitido ao arguido cumprir a pena acessória, durante os meses de férias.
3. O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta, sem conclusões, no sentido de que o recurso não merece provimento.
4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), acompanhou a resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância.
5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do C.P.P., foi efectuado exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.
II – Fundamentação
1. Objecto do recurso
Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, verifica-se que o arguido suscita as seguintes questões:
- a falta de consciência sobre a ilicitude ou da existência de um erro sobre a ilicitude;
- a actuação em estado de necessidade desculpante;
- a atenuação especial das penas aplicadas, principal e acessória, e a sua substituição por pena de admoestação ou a possibilidade do cumprimento da pena acessória exclusivamente em período de férias.
2. Da decisão recorrida
Ouvida a gravação da sentença oralmente proferida (artigo 389.º-A, do C.P.P.), constata-se que o tribunal a quo deu como provados os factos da acusação, que são os seguintes:
1. No dia 13 de Julho de 2023, pelas 03h.36, na ..., em ..., concelho de ..., o arguido conduzia o veículo de passageiros, da marca … e matricula  ..-..-QO, após ter ingerido bebidas alcoólicas.
2. Devido à ingestão de bebidas alcoólicas, o arguido conduzia o veículo com um teor de álcool no sangue de 1,62g/l, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, uma TAS de 1,49g/l.
3. O arguido sabia que ingerira bebidas com teor alcoólico em quantidade que não lhe permitia conduzir veículos automóveis na via pública, como efectivamente fez, e, não obstante, não se absteve de praticar o referido comportamento.
4. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Além disso, considerou ainda o tribunal como provado que:
5. No dia 13/07/2023, o arguido esteve presente num convívio social que decorreu numa oficina onde estava também a ser realizada a reparação de uma viatura pesada da qual o mesmo é condutor, e no qual estiveram presentes dois amigos, BB e CC.
6: Findo esse mesmo jantar, os dois amigos abandonaram o local e o arguido aí ficou com intenção de pernoitar na viatura que estava a ser reparada e o mesmo, no decurso dessa noite, terá recebido um telefonema da sua esposa solicitando-lhe que se deslocasse até à sua residência.
7. A esposa do arguido já teve problemas de depressão.
8. O arguido é sócio gerente da ..., empresa que não tem outros funcionários.
9. A actividade do arguido é a de motorista de veículos pesados, no que aufere 800€ por mês e a esposa do arguido é recepcionista auferindo cerca de 913€ por mês.
10. O casal reside em habitação pertencente ao pai da esposa do arguido, não tendo encargos com empréstimo bancário ou renda de casa e tem três filhas de 21, 19 e 12 anos de idade, sendo que as duas mais velhas frequentam o ensino superior universitário.
11. O arguido não tem antecedentes criminais nem rodoviários conhecidos e é tido pelos seus pares como como pessoa responsável, humilde e trabalhadora tendo evidenciado arrependimento pelo seu comportamento.
O tribunal considerou que não ficou provado:
- que o arguido desconhecesse o estado de embriaguez em que se encontrava.
Quanto à prova que serviu para o convencimento da sua convicção, o tribunal referiu, no essencial: a conjugação dos elementos documentais juntos aos autos e da prova pericial respeitante à TAS detectada com a análise das declarações do arguido e das duas testemunhas de defesa por ele arroladas.
O tribunal salientou que o arguido, apesar de ter admitido a condução da viatura nas circunstâncias descritas, procurou justificar o seu comportamento numa situação excepcional de consumo de álcool e de ter sido solicitada a sua presença pela sua esposa na residência e à situação mais frágil que a mesma atravessava, mas que o mesmo acabou por admitir nas suas declarações que, ainda que esta situação se verificasse, sempre estaria ao alcance do arguido recorrer a meios alternativos que não fossem o de conduzir e que tendo o mesmo admitido que no decurso do jantar ingeriu bebidas alcoólicas, designadamente vinho e no final um digestivo, o tribunal considerou não serem genuínas as suas declarações quanto a ele desconhecer o estado de embriaguez em que se encontrava, não só pelo resultado do exame pericial quanto à TAS detectada, que é mais do triplo do valor que é tido em conta para a punição da conduta como contraordenação, mas também porque o arguido não questionou essa TAS pois não requereu a realização de contraprova, sendo essa TAS incompatível com a alegação de que o arguido desconhecia que estivesse influenciado pelo álcool e que pudesse vir a ser detectada, colidindo tal alegação, de que não sabia que estava a conduzir com álcool, com as regras da razoabilidade. O tribunal referiu ainda o CRC do arguido e o que foi referido pelas testemunhas de defesa para contextualizar os factos anteriores à ingestão do álcool pelo arguido e às características pessoais do arguido.
3. Apreciando
Os poderes de cognição dos tribunais da relação abrangem a matéria de facto e a matéria de direito (artigo 428.º do Código de Processo Penal), podendo o recurso, sempre que a lei não restrinja a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida (n.º 1 do artigo 410.º do mesmo diploma).
Por isso poderia o recorrente, se considerasse ter existido qualquer erro na apreciação da matéria de facto, impugnar esse segmento da decisão.
A impugnação a matéria de facto pode ser feita por duas vias: no âmbito mais restrito dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”, os quais devem ser conhecidos pelo tribunal de recurso mesmo que não sejam invocados; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, o objecto da apreciação é apenas o texto da sentença recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e não a questão sobre que incidiu a decisão recorrida, não sendo por isso admissível o recurso a elementos externos para indagar da existência dos vícios, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., p. 339) e uma vez demonstrada a existência dos vícios e a impossibilidade de se decidir a causa, o tribunal de recurso deve determinar o reenvio do processo para um novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio nos termos do art.º 426º, nº1 do CPP.
Já no caso da impugnação ampla, a apreciação vai para além da análise da sentença e estende-se à prova produzida em audiência e ao que da mesma se pode extrair, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412.º do C.P.P., que impõe ao recorrente:
a) a indicação dos pontos de facto concretos que considera incorrectamente julgados;
b) as concretas provas que, em sua opinião, impõem decisão diversa da recorrida;
c) as provas que entenda deverem ser renovadas.
Tais especificações, no caso de ter havido gravação das provas, fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do nº2 do art.º 364º, com a indicação concreta das passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, as quais são ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.ºs 4 e 6 do artigo 412.º).
Sobre esta indicação que impende sobre o recorrente o STJ, no seu acórdão nº 3/2012 (publicado no DR, 1.ª série, N.º 77, de 18.04.2012) fixou a seguinte jurisprudência: «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».
Embora na motivação o recorrente alegue a violação do princípio do in dubio pro reo e erro sobre apreciação da prova, a verdade é que deixou cair essas questões nas conclusões, que não integram, assim, o objecto do recurso. Por outro lado, nem mesmo na motivação, o recorrente deu cumprimento ao disposto no artigo 412.º, nº3 e 4 do Código de Processo Penal, quando no recurso se impugna a matéria de facto.
Por último refira-se que, sendo os vícios do artigo 410.º, nº2, de conhecimento oficioso, não se vislumbra no que foi decidido oralmente quanto à fundamentação da sentença, qualquer um daqueles vícios, designadamente o do erro notório na apreciação da prova.
O vício previsto na alínea c) - erro notório na apreciação da prova - é um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura da decisão, que não passa despercebido aos olhos de uma pessoa comum, não dotada de conhecimentos específicos, resultando claro, em face do texto da decisão, das regras da experiência e da lógica, que a conclusão a extrair dos elementos probatórios deveria ter sido outra que não aquela que o tribunal retirou.
O requisito da notoriedade afere-se, como se referiu, pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio - ou, se partirmos de um critério menos restritivo, na senda do entendimento do Conselheiro José de Sousa Brito, na declaração de voto no Acórdão n.º 322/93 (in www.tribunalconstitucional.pt), ao juiz “normal”, dotado da cultura e experiência, que são supostas existir em quem exerce a função de julgar -, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, consistindo, basicamente, em decidir-se em matéria de facto contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., p. 74).
Ora, da conjugação da factualidade provada com a motivação que a sustenta - que acima se transcreveu - não resulta minimamente evidenciado que o tribunal recorrido, na apreciação probatória que fez, tenha violado as regras da experiência ou efectuado um apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
O tribunal de 1.ª instância deu a conhecer na audiência como formou a sua convicção quanto à factualidade provada, enumerando as provas que examinou e explicando as razões da valoração que fez relativamente às mesmas, de acordo com a imediação e tendo por base as regras da experiência comum, o que nada tem de arbitrário na medida em que, como escreve o Prof. Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, I, pág. 204, “a decisão do juiz há-de ser sempre uma convicção pessoal - até porque nela desempenham um papel de relevo, não só a actividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (vg. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais.”
O tribunal explicitou as razões da valoração que fez da prova, apresentando com clareza as razões pelas quais concluiu no sentido dos factos provados, designadamente quanto à TAS com que o arguido conduzia e quanto a ter afastado a versão do arguido de não ter consciência da ilicitude da sua conduta e de, a existir alguma situação de fragilidade da esposa do arguido que o tenha levado a conduzir com essa TAS, o mesmo ter meios alternativos para chegar até ela, sendo perfeitamente compreensível o raciocínio lógico que foi seguido pelo tribunal e foi sendo exposto em audiência pelo sr. Juiz a quo. Não se vislumbra que esse raciocínio, tal como consta da gravação da sentença recorrida, seja irrazoável ou vá contra a lógica ou a experiência comum. Nem, aliás o recorrente invoca qualquer argumento de préstimo nesse sentido.
Assim, não tendo o recorrente impugnado a matéria de facto, nem se vislumbrando na mesma o vício do erro notório na apreciação da prova, as questões suscitadas pelo recorrente têm de ser apreciadas face à matéria de facto provada que foi fixada pelo tribunal recorrido e não pelos factos que só na cabeça do recorrente terão ocorrido e que o mesmo enumera no corpo da sua motivação.
Essa constatação tem como consequência, desde logo, a manifesta improcedência do recurso quanto às questões suscitadas da falta de consciência de ilicitude, ou de qualquer erro quanto à ilicitude ou quanto à actuação do arguido em estado de necessidade desculpante.
Em primeiro lugar, perante os factos provados - de que o arguido conduzia com uma TAS de 1,49g/l, que sabia que ingerira bebidas com teor alcoólico em quantidade que não lhe permitia conduzir veículos automóveis na via pública, como efectivamente fez e que agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei – só pode concluir-se que o arguido actuou com plena consciência da ilicitude da sua conduta.
Depois, porque os factos provados respeitantes às circunstâncias da acção, não permitem de modo algum concluir que o arguido tenha conduzido a viatura com uma TAS de 1,49g/l, para afastar um perigo actual e não removível de outro modo, que ameaçasse a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade dele próprio ou de terceiro (artigo 35.º do Código Penal).
O que apenas se provou foi que o arguido, perante um telefonema da sua esposa, decidiu aceder ao pedido desta de ele se deslocar à residência de ambos e que a mesma já teve problemas de depressão. Estes factos, ainda que possam permitir concluir que a mulher do arguido se pudesse encontrar numa situação de fragilidade não permitem de modo algum concluir que a esposa do arguido se encontrasse numa qualquer situação de perigo e muito menos que, um eventual perigo em que ela se pudesse encontrar não pudesse ser removido sem a presença do arguido.
Quanto à atenuação especial das penas aplicadas (principal e acessória), e a sua substituição por pena de admoestação ou o cumprimento da pena acessória exclusivamente em período de férias:
O recorrente, apesar de alegar que toda a sua conduta, a situação pessoal, o motivo por que agiu e a ausência de antecedentes criminais são determinantes de uma atenuação especial das penas e que as penas devem ser substituídas por pena de admoestação em virtude de a pena aplicada ser inferior a 240 dias, não chega a questionar a medida da pena de multa nem da pena acessória aplicadas, limitando-se a pedir a substituição das penas por pena de admoestação.
De todo o modo, nunca seria caso de ponderar a aplicação do regime da atenuação especial da pena previsto nos artigos 72.º e 73.º do Código Penal à pena acessória, porque não aplicável e relativamente à pena principal, que no caso foi de 60 dias de multa, não resultam da matéria de facto quaisquer circunstâncias que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
As circunstâncias que o recorrente refere e que encontram respaldo na matéria de facto provada, não sendo reveladoras de uma acentuada diminuição da ilicitude ou da culpa do arguido, foram devidamente consideradas a seu favor, na determinação das medidas concretas das penas que lhe foram aplicadas, ambas muito próximas dos limites mínimos das respectivas molduras penais.
Resta, assim, apreciar a possibilidade de substituição das penas por pena de admoestação e do cumprimento da pena acessória exclusivamente em período de férias.
Concretamente, em relação à pena acessória prevista no artigo 69.º do Código Penal, não existe qualquer norma que preveja a possibilidade da suspensão da sua execução, com ou sem caução, da sua substituição por qualquer pena substitutiva, a possibilidade da sua atenuação especial ou do diferimento do cumprimento de acordo com as necessidades profissionais do arguido, sendo certo que a aplicação das penas está subordinada ao princípio da legalidade.
Trata-se de uma pena acessória necessariamente efectiva (que não admite suspensão) e contínua (que não pode ser limitada a certos períodos da semana, do mês ou do dia). Neste sentido cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, p. 226.
A jurisprudência assim vem entendido reiteradamente e, entre muitos, indicam-se os seguintes acórdãos, todos disponíveis em www.dgsi.pt: do S.T.J., de 11/01/2007, processo 06P4101; da Relação de Lisboa, de 20/03/2007, processo n.º1093/2007- 5; da Relação de Coimbra, de 16/11/2011, proc. 87/11.0GTCTB.C1, de 4/12/2013, processo n.º 181/13.3GBAGD.C1, e de 29/05/2013, processo n.º 48/12.2GEGRD.C1; da Relação do Porto, de 18/12/2013, processo n.º 600/12.6PFPRT.P; da Relação de Guimarães, de 20/03/2017, processo n.º 2/16.5GCVLP - G1 e da Relação de Évora, de 12/02/2008, processo 2213/07-1, de 2/06/2015, processo n.º 944/14.2PCSTB.E1 e também de 16/02/2016, processo 75/15.8GTSTB.E1, que contém uma extensa indicação de jurisprudência sobre a questão.
Quanto à possibilidade de ser aplicada pena de admoestação em vez da pena de multa aplicada, o artigo 60.º, do Código Penal, faz depender a pena de admoestação da verificação de quatro requisitos, sendo três deles positivos e um negativo:
- que a pena concreta aplicada seja de multa não superior a 240 dias;
- que haja reparação do dano;
- que se conclua que assim se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
- a inexistência, em regra, de condenação do agente em qualquer pena, incluindo a de admoestação, nos três anos anteriores ao facto.
No caso concreto, dúvidas não se colocam de que o pressuposto formal da medida da pena de multa se verifica. Também não se questiona que o arguido seja primário.
A devida ponderação dos diversos factores de determinação da pena que são favoráveis ao arguido – a sua inserção familiar e social, o arrependimento, a motivação do agente e a ausência de antecedentes – foi efectuada na sentença recorrida, no momento da determinação do quantum da pena de multa.
O critério de aplicação da admoestação é exclusivamente preventivo, devendo o tribunal apurar se esta pena é adequada à satisfação das necessidades de prevenção especial de socialização ou de prevenção geral, que nos termos do art.º 40.º do Código Penal constituem as «finalidades da punição»
As exigências de prevenção geral, reportam-se à protecção dos bens jurídicos e à confiança da comunidade na ordem jurídica vigente que fica sempre abalada com o cometimento de crimes e as exigências de prevenção especial têm a ver com a capacidade do arguido se deixar influenciar pela pena que lhe é imposta, estando ligadas à reintegração do agente na sociedade.
No crime praticado pelo arguido protege-se a segurança da circulação rodoviária, pretendendo-se evitar a sinistralidade estradal, que no nosso país tem índices muito elevados. Por isso, as necessidades de prevenção geral são prementes e actuais, exigindo a consciencialização dos cidadãos para a necessidade de, enquanto condutores, fazerem uma condução responsável, dentro das normas legais, e de que a condução com álcool é um grave problema que nas estradas vai destruindo vidas e deixando sequelas de natureza pessoal irreparáveis, mas também consequências económicas significativas, quer pelo contributo que as vítimas deixam de prestar à comunidade e às respectivas famílias quer para as instituições que garantem prestações de segurança social, ou assistência médica e/ou hospitalar.
Considerando a natureza dos bens jurídicos em causa e as muito prementes necessidades de prevenção geral, temos como manifesto que, salvo em situações excepcionais e verificadas razões muito ponderosas – que não se verificam -, não se justifica a substituição da multa por admoestação (neste sentido, o acórdão da Relação de Lisboa, de 02.07.2013, processo 633/12.2PFSXL.L1, não publicado, que aqui seguimos de perto, e os acórdãos nele citados, também da Relação de Lisboa, de 26.06.2003, processo 5338/2003-9 e de 12.12.2006, processo 9320/2006-5, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Tal conclusão é evidente no caso em apreço em que está em causa a condução de um veículo automóvel com uma taxa de álcool no sangue de 1,49g/, que confere já algum significado criminal à conduta.
Termos em que o recurso improcede na totalidade, havendo que condenar o recorrente em custas, nos termos do n.º 1 do art.º 513.º do CPP.
III - Dispositivo
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 3 (três) UC a taxa de justiça (artigos 513.º, n.º1 do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e tabela III a ele anexa).

Lisboa, 23 de Abril de 2024
(Texto processado e revisto pela relatora – art.º 94.º, n.º 2 do C.P.P.)
Maria José Costa Machado
Alda Tomé Casimiro
João Ferreira