Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9707/20.5T8LSB.L1-2
Relator: RUTE SOBRAL
Descritores: MÚTUO BANCÁRIO
CESSÃO DE CRÉDITO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
BOA-FÉ
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
ACÇÃO COMUM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC):
I – Configura facto ilícito contratual a cedência, pelo banco mutuante, de créditos emergentes de contratos de mútuo para aquisição de habitação que se encontravam em situação de cumprimento regular, a sociedade de titularização de créditos, produzindo o efeito da imediata exigência de pagamento de todo o capital mutuado ainda em dívida.
II – Tal cessão de créditos, implicando a alteração da qualidade do mutuante, que deixa de ser uma entidade bancária (vocacionada para a concessão de crédito) e passa a ser uma sociedade de titularização de créditos (que tem como objeto exclusivo a realização de tais operações), defrauda o escopo subjacente à celebração dos contratos de mútuo por parte dos mutuários, relativo à restituição parcelar e a longo prazo da quantia mutuada, por forma a lograrem adquirir a habitação.
III – Nessa situação, o banco mutuante que cedeu o seu crédito a sociedade de titularização de créditos defraudou as legítimas expetativas dos mutuários na manutenção dos contratos de mútuo, nos termos e condições acordadas, consubstanciando comportamento desleal, subsumível à violação do princípio da boa fé, e dando origem à obrigação de indemnizar os danos causados.
IV – Mostra-se proporcional e equilibrada a fixação de uma compensação em € 5.000,00 por danos não patrimoniais sofridos por um casal de mutuários que, não obstante terem em situação regular as obrigações decorrentes de mútuos bancários contraídos para aquisição de habitação, viram o crédito cedido para titularização, com a imediata exigência do pagamento da totalidade do capital em dívida.
V – Não litigam de má fé os autores que deduzem em juízo pretensão que, no essencial, se mostrou fundada, embora tenham soçobrado na prova de alguns dos factos que alegaram, por não lhes poder ser apontada uma litigância, desleal, imprudente ou temerária, subsumível ao disposto no artigo 542º, do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:

I - RELATÓRIO
1.1.P., identificado nos autos, instaurou a presente ação declarativa comum, em 05-05-2020, contra Caixa Económica Montepio Geral-Caixa Económica Bancária, SA e Lusitânia, Companhia de Seguros, SA, igualmente identificadas nos autos, pedindo:
- a condenação da ré Caixa Económica Montepio Geral-Caixa Económica Bancária, SA no pagamento da quantia de € 5.741,00, devida a título de danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência de incumprimentos da ré no âmbito de contratos de mútuo para aquisição de habitação;
- a condenação da ré Lusitânia, Companhia de Seguros, SA, no pagamento da quantia de € 3.613,58, devida no âmbito de seguro multirriscos habitação, correspondente à diferença do valor que os mutuários suportaram em execução de obras para regularização de sinistro (€ 4.859,73) e o montante entregue (€ 1.246,15);
- a condenação solidária das rés no pagamento dos gastos com honorários de profissional forense e outras despesas inerentes à presente ação, a liquidar em execução de sentença.
Fundamentando tais pretensões, invocou o autor, no essencial:
- em conjunto com a esposa celebrou em 28-12-2005 com a ré Caixa Económica Montepio Geral-Caixa Económica Bancária, SA dois contratos de mútuo bancário, garantidos por hipoteca sobre fração urbana;
- embora o autor e a esposa (mutuários) sempre tenham cumprido tal contrato, em 09-11-2017 receberam uma comunicação da ré Caixa Económica Montepio Geral informando-os de que as referidas operações de mútuo haviam sido cedidas para efeitos de titularização de créditos à “Hefesto, STC, SA”;
- o autor e esposa foram informados que tal cedência decorreu do facto de terem prestações em atraso e que a cessionária exigia o pagamento imediato da totalidade da dívida;
- os mutuários apresentaram reclamações quer junto da ré Caixa Económica Montepio Geral (presenciais e escritas), quer junto do Banco de Portugal;
- a ré Caixa Económica Montepio Geral, na sequência de tal reclamação, procedeu à “recompra” dos créditos à cessionária, e em 13 de março de 2018 foram debitadas aos mutuários todas as prestações vencidas entre novembro de 2017 e fevereiro de 2018;
- encontrava-se associado ao crédito um seguro multirriscos habitação que os mutuários celebraram com a ré Lusitânia, por indicação da ré Montepio, pagando o respetivo prémio por débito direto;
- embora a conta dos mutuários sempre se encontrasse provisionada para o efeito, a ré Caixa Económica Montepio Geral recusou o pagamento do prémio da apólice de seguro obrigatório associado ao crédito à habitação, pelo que a apólice foi anulada pelos serviços da ré, com desconhecimento dos mutuários;
- sucede que em 13-03-2018, período em que esteve anulada a apólice de seguro, ocorreu um sinistro na fração dos mutuários, que consistiu no rebentamento de um cano de água da casa de banho, o que provocou danos na fração situada abaixa da dos mutuários;
- nenhuma das rés aceitou a regularização do sinistro, pelo que os mutuários foram forçados a iniciar procedimento para reparação dos danos, executando as obras necessárias para o efeito, dada a urgência na resolução do assunto;
- tais obras importaram no valor global de € 4.859,73 cujo pagamento integral a ré Lusitânia recusou, apenas tendo aceitado liquidar a quantia de €1.246,15, no âmbito do seguro multirriscos habitação;
- em junho de 2019, os autores foram confrontados com uma notificação de venda do seu imóvel afixada à porta das sua habitação, o que lhes causou grandes constrangimentos dado que julgavam estar regularizada a situação com a ré mutuária desde março de 2018;
- a atuação negligente da ré Montepio causou aos mutuários inúmeros prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, obrigando-os a deslocarem-se várias vezes ao balcão da ré Caixa Económica Montepio Geral, a contratarem os serviços de um advogado, perturbando-os a nível emocional, com impacto nas rotinas da vida familiar, tendo visto de forma injusta afetado o seu bom nome.
1.2 - A ré “Lusitânia-Companhia de Seguros, SA” contestou a ação, confirmando a existência do contrato de seguro do ramo Multirriscos Habitação invocado, esclarecendo que do mesmo estavam excluídas as despesas com reparação das redes de distribuição. Por isso, procedeu ao apuramento dos prejuízos indemnizáveis no âmbito da apólice contratada, indemnizando o autor no valor de € 1.246,15, que assinou o termo de quitação de tal quantia.
Concluiu a contestante que, por ter liquidado as quantias devidas em consequência do sinistro em causa, por não serem indemnizáveis as despesas judiciais relativas à instauração da presente ação, nem os honorários de profissional forense, impunha-se a sua absolvição do pedido.
1.3 – A ré Caixa Económica Montepio Geral contestou a ação, arguindo a ilegitimidade ativa do autor por se encontrar desacompanhado da esposa com quem é casado no regime de comunhão de adquiridos, sendo ela também mutuária nos contratos invocados, tendo também sofrido, na tese do autor, os danos descritos na petição inicial.
A contestante alegou ainda que os mutuários incorreram em sucessivos incumprimentos dos prazos de pagamento das prestações dos mútuos, que motivaram o envio de cartas de interpelação e ainda a celebração de adicionais aos contratos, estabelecendo períodos de carência de pagamento das prestações. Confirmou a cedência de créditos à Hefesto STC SA, o que ocorreu por os mesmos cumprirem todos os requisitos legais e parâmetros de elegibilidade para o efeito, não obstante o facto de, na data em que se formalizou a cessão (02-11-2017), se encontrarem em situação regular.
Concluiu pugnando pela absolvição das rés da instância, por ilegitimidade ativa do autor, considerando, à cautela, que o pedido sempre deveria ser reduzido a metade, por forma a englobar apenas os danos sofridos pelo demandante, ou, caso assim não se entenda, pela  improcedência da ação e a condenação do autor em multa, como litigante de má fé, por deduzir pretensão cuja falta de fundamento não podia desconhecer,.
1.4 – O autor reconheceu ser fundada a arguição da sua ilegitimidade processual ativa, dado que também a esposa, com que é casado no regime da comunhão  de bens adquiridos, foi mutuária nos contratos em causa, celebrados na constância do matrimónio, tendo solicitado a sua intervenção nos termos do disposto no artigo 316º, nº 1, CPC (requerimento de 07-09-2020, com a referência 36391246).
1.5 – Foi o autor notificado para se pronunciar sobre a matéria de exceção deduzida pelas rés (despacho de 28-09-2000 – referência 398935934).
1.6 – Mediante requerimento de 23-10-2020 (referência 36901254), declarou o autor desistir dos pedidos deduzidos contra a ré Lusitânia – Companhia de Seguros, SA, desistência que foi homologada em 28-10-2020 (referência 399935718).
1.7 – Dirigido convite ao autor para aperfeiçoar a petição inicial, esclarecendo a identificação das partes (despacho de 30-04-2021 – referência 404689552), veio aquele, em 13-05-2021 apresentar nova petição inicial, reproduzindo a inicialmente apresentada, mas identificando também como autora a esposa R. (referência 38859852).
1.8 - A ré Caixa Económica Montepio Geral considerou que o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial não abrangia a faculdade de proceder a alterações com a inclusão de mais um autor, constituindo tal procedimento uma forma enviesada de atingir um resultado que a lei admite através do incidente de intervenção principal provocada (requerido, aliás, pelo autor) – requerimento de 26-05-2021, com a referência 39000973.
1.9 - Constatando-se que na petição inicial aperfeiçoada os autores deduziam pedidos contra as primitivas rés, não obstante encontrar-se a instância extinta relativamente à Lusitânia Companhia de Seguros, SA, foi liminarmente indeferida a petição inicial quanto à segunda ré - despacho de 13-08-2021, referência 406617258).
2 – Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a regularidade da instância, afirmando-se, além do mais, a legitimidade das partes, e foram enunciados o objeto do litígio e os temas de prova (despacho de 22-12-2021 – referência 408676142).
3 – Realizada audiência de julgamento, com produção de prova, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, constando do seu dispositivo o seguinte:
Julga-se parcialmente procedente esta ação e condena-se a ré a pagar aos autores a quantia de €5.000,00. Julga-se improcedente o incidente deduzido pela ré e absolvem-se os autores do pedido de condenação como litigante de má-fé.
 Custas da ação pelas partes, na proporção do respetivo decaimento.
Custas pela ré quanto ao incidente de condenação dos autores como litigantes de má-fé, que se fixam no mínimo legal de 0,5 UC.”
4 - Não se conformando com a decisão proferida, a ré dela interpôs recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que, alterando a matéria de facto, julgue a ação improcedente e condene os autores como litigantes de má fé, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“I. Entende a Recorrente que não foram corretamente julgados, na decisão recorrida, diversos pontos da decisão sobre a matéria de facto, impugnando-os a Recorrente, nesta sede, com os fundamentos que, relativamente a cada um, se aduzem devendo, a final, ser proferida decisão de alteração da decisão sobre a matéria de facto, quanto aos seguintes pontos da decisão
II. Os pontos 11., 12. e 13. da decisão sobre a matéria de facto contêm evidentes lapsos de escrita, pelo que se impõe a sua correção, ainda que tratando-se de mero detalhe ou pormenor.
III. A factualidade considerada provada e referida em 17. não foi nem podia ser demonstrada por mera “referência” nas declarações de parte dos AA ou, “em parte”, não discriminada nem esclarecida na douta sentença, pelas testemunhas arroladas´, pois a factualidade ali vertida resulta tão só dos documentos n.ºs 3 e 4 juntos à Contestação.
IV. Mostram-se juntos aos autos documentos que de forma alguma foram impugnados ou postos em causa, na sua autenticidade, correção e fiel reprodução, e que a consulta do respetivo processo judicial de execução pelo Meritíssimo Juiz a quo permitiu validar (nada sendo referido na sentença recorrida sobre a (in)validade / (in)correção / (in)exatidão dos documentos juntos pela R. que permita desconsiderá-los, face aos demais documentos juntos).
V. Resulta inequivocamente da prova produzida, e com relevo para a boa decisão da presente causa, que, diferentemente do vertido na parte inicial do ponto 18. da decisão sobre a matéria de facto contida na douta sentença recorrida, deve ser considerado provado que:
 18. A fração autónoma hipotecada foi penhorada no âmbito da execução n.º 5992/08.9TCLRS, conforme auto de penhora datado de 2012/03/21, que foi registada sobre a fração pela AP. 5 de 2012/02/08. Em Abril de 2012 a ré, credora hipotecária, foi citada para reclamar créditos, que reclamou em 27/04/2012 e que foram reconhecidos e graduados por sentença de 22/02/2017
VI. O ponto 19. da decisão sobre a matéria de facto consubstancia a transcrição meramente parcelar (e com lapso de escrita manifesto) do conteúdo das cartas de 02/11/2017 (que foram juntas quer por AA. quer pela R., estando, portanto, reconhecido o seu envio, a sua receção e o seu conteúdo), o que se revela inaceitável.
VII. Sendo injustificada a seleção de apenas parte do conteúdo relevante das cartas a que se refere este ponto da matéria de facto provada, o que deve considerar-se provado por estar demonstrado e ter manifesta relevância para a apreciação do litígio e para a decisão da presente causa, é que A Ré enviou aos autores, que as receberam, as cartas de 02.11.2017, de fls. 32- 35, 199, 200, 201, 202, nas quais
• comunicou aos autores que por contrato daquela data cedeu à sociedade HEFESTO STC, S.A. os créditos decorrentes dos contratos celebrados em 28.12.2005
• informou os AA. que a referida cessão foi efetuada ao abrigo do Decreto-Lei n.º 453/99 de 5 de novembro (conforme alterado), que estabelece o regime das cessões de crédito para efeitos de titularização e que, com a cessão dos créditos seriam igualmente transmitidos à HEFESTO STC, SA todas as garantias e acessórios do direito transmitido, designadamente o direito de obter o cumprimento judicial ou extrajudicial das obrigações.
• informou os AA. que, em consequência da cessão dos créditos, e com efeitos a 2.11.2017, todas as importâncias devidas a título de pagamento dos créditos identificados como cedidos deveriam ser pagas à HEFESTO STC, SA, para a conta bancária cujo IBAN, BIC e instituição bancária a R. identificou. • informou, também, os AA. que deveriam a partir de então tratar todos os assuntos respeitantes à gestão dos créditos cedidos com a sociedade Whitestar Asset Solutions SA, indicando uma morada, e números de telefone e fax da mesma
• e informou, por fim, os AA. de questões relacionadas com o tratamento e acesso aos dados pessoais dos AA..
VIII. Factualidade ademais confirmado pelo depoimento da testemunha A. (depoimento gravado em sistema sonoro Média Studio, na aplicação Habilus, registado das 01h:12m:49s às 01h:55m:44s – gravação: 01h:56m:20s a final) que referiu (ao minuto 01:33:20) “os devedores são sempre notificados da cessão, aliás era o documento que constava logo a seguir a essas cartas” (ao minuto 01:33:35) [E são lhes dadas instruções de como devem proceder?] “Exatamente, nessas cartas para além de se comunicar a cessão, identifica-se a entidade para a qual o crédito foi cedido, os contactos dessa entidade, que todos os contactos a partir daquela data se devem fazer com a cessionária, inclusive até se diz o numero de conta para o qual se devem passar a fazer os pagamentos das prestações, caso os clientes queiram cumprir com as prestações e obviamente que tem também o enquadramento genérico legal da própria cessão”
IX. A factualidade considerada provada que constitui o ponto 20. da sentença recorrida – que reproduz integralmente e acrescenta a alegação contida no artigo 11º da PI – não tem uma redação inequívoca e isenta de interpretações diversas sobre o seu significado e conteúdo, disparidade essa de sentido relevante, para além de se mostrar contrariada pela prova produzida nos autos – nomeadamente pela prova documental junta pelos próprios AA..
X. O que os AA. alegaram, e que o tribunal julgou demonstrado, copiando a redação do mencionado artigo 11º da PI, foi que a Hefesto STC, S.A. terá exigido aos AA. o pagamento imediato da totalidade da dívida, não em prestações, e não que essa “exigência da Hefesto” teria sido alegadamente transmitida aos AA. pela R., como também poderia decorrer da redação dada ao ponto em análise.
XI. Essa prova resulta, também, aliás, das próprias declarações de parte do Autor, P., gravadas em sistema sonoro Média Studio, na aplicação Habilus, registadas das 00h:02m:32s às 00h:19m:12s, que entre os minutos 03:20 a 3:34 referiu “quando liguei para pagar a mensalidade, disseram que tinha que pagar a casa toda de uma vez, pronto. Eu não ia conseguir pagar a casa toda de uma vez, por isso é que eu tinha crédito habitação”
XII. Em face da prova produzida, não pode sequer ter-se por demonstrado que a informação sobre o alegado fundamento da cessão dos créditos (“pelo facto de terem prestações em atraso”) tenha sido transmitida aos AA. pela R. como decorre do Documento n.º 14 junto à PI, consubstanciando afirmação confessória do A. por terem sido produzida em documento da sua autoria junto aos autos pelos AA..
XIII. Ademais o próprio Autor, P., nas suas declarações de parte gravadas em sistema sonoro Média Studio, na aplicação Habilus, registadas das 00h:02m:32s às 00h:19m:12s, referiu ao minuto 03:55 que no balcão da Ré lhe foi dito “Que o crédito foi passado porque tinha em atraso”, informação que se reporta a um momento passado, de histórico de incumprimento, e tem sentido manifestamente distinto de “por ter”.
XIV. O que foi provado foi que quer a alegada informação aos AA. do motivo da cessão dos créditos, quer a exigência da totalidade da dívida provieram da Hefesto STC SA, e não da R..
XV. Conforme decorreu da prova produzida, efetivamente os créditos dos AA. revelaram longos períodos de incumprimento contratual, sem pagamento das prestações nas respetivas datas de vencimento, e, além disso, encontravam-se judicializados na data da cessão, tendo o seu valor integral sido reclamado em execução de terceiro, para ali, e com a venda do bem, ser obtido o pagamento integral (e preferencial) dos valores garantidos por hipotecas sobre o bem penhorado.
XVI. Não é verdade, o que porém os AA. afirmaram, que os créditos dos AA. não tivessem, nunca, revelado incumprimento, tendo, ao invés, sido demonstrado o contrário:
A testemunha A. (depoimento gravado em sistema sonoro Média Studio, na aplicação Habilus, registado das 01h:12m:49s às 01h:55m:44s – gravação: 01h:56m:20s a final) referiu com toda a clareza, depondo com conhecimento direto e merecendo credibilidade, que (ao minuto 01:23:20) [sobre a existência de prestações em atraso] “Isso é uma coisa que nós validamos, como a preparação destas cessões é uma coisa relativamente demorada, nós verificamos o atraso e o histórico de atraso, aliás o histórico de atraso e também ele um critério para a marcação em non performing” (ao minuto 01:24:10) “Na altura em que se iniciou a transação, também havia registo de incumprimento e histórico de atraso, (…) seguramente de mais de 90 dias”
Confrontada a identificada testemunha com os extratos que constituem os documentos 3 e 4 juntos à contestação, explicou detalhadamente o incumprimento ali evidenciado (minutos 01:24:40 a 01:29:10 do seu depoimento), esclarecendo (ao minuto 01:25:30) “Isto são os extratos de todos os movimentos dos contratos (produto 21 e produto 27). Temos várias situações de registo de capital vencido e de juros vencidos acumulados de vários meses ao longo de todo o ano de 2016. (ao minuto 01:28:25) “Ao longo de todo o ano, sim, houve registo de atrasos” “Houve apuramento de capital vencido desde setembro de 2015 até dezembro de 2016”
E confrontada com os documentos 5 a 19 juntos à contestação referiu (ao minuto 01:29:50) que “São cartas que dão nota de que existe dívida em atraso e incumprimento”.
XVII. Conforme foi demonstrado em juízo a operação de cessão de créditos que veio a concretizar-se por contrato de 2017/11/02, foi iniciada em janeiro de 2017, e um dos critérios de elegibilidade para a seleção do conjunto de créditos a ceder (para além de outros critérios de natureza financeira e estratégica) consistia numa antiguidade definida, de mora ou incumprimento, verificada no ano anterior àquela seleção da carteira de créditos, e/ou na judicialização dos créditos:
Depondo com conhecimento direto, por fazer parte das suas concretas funções ao serviço da R. na data da cessão dos créditos contratados com os AA., a testemunha A. (depoimento gravado em sistema sonoro Média Studio, na aplicação Habilus, registado das 01h:12m:49s às 01h:55m:44s – gravação: 01h:56m:20s a final) esclareceu detalhadamente os critérios de seleção dos portfolios de créditos a ceder: (aos minutos 01:16:50 a 01:19:50) “Por regra o principal critério, até porque o objetivo é o cumprimento do rácio de NPL, rácio de incumprimento, vai-se buscar todos os créditos que estão marcados (…) em stage 3, basicamente os bancos hoje em dia estão obrigados a marcar toda a sua carteira de crédito em determinados estádios, estágios, e o stage 3 é o que conta para a formação do rácio de NPLs. Basicamente a primeira seleção é ir buscar todos esses créditos que estão marcados como NPLs” (ao minuto 01:18:00) “Mesmo que um determinado crédito deixe de estar em atraso, durante um determinado período, tem de continuar a ser marcado como um crédito non performing porque somos obrigados a continuar a fazer a marcação desse crédito” (sublinhámos) “O facto de o crédito estar reclamado judicialmente é também motivo para marcação em stage 3 e só quando o processo é findo é que deixa de ser marcado, e aí até é automático. O litígio também é motivo de marcação de NPL” Esclarecendo (ao minuto 01:32:30) também os critérios de elegibilidade dos créditos para a cessão
XVIII. Os créditos da R. contratualizados com os AA. enquadraram-se nos parâmetros / critérios internos de elegibilidade e seleção para serem incluídos, como foram, na carteira de créditos a ceder pelo R. à Hefesto STC SA, mesmo que, na data em que veio a formalizar-se a cessão (2017/11/02), estivessem em situação regular, “mas no caso destes créditos em concreto eles nunca deixaram de estar marcados em stage 3 porque – Nós verificamos isso depois, depois da reclamação que o cliente fez no Montepio, já depois da cessão de créditos – manteve sempre o tal stage 3, de marcação em NPL, exatamente porque existia um processo judicial ativo e em curso no Banco” (cfr. depoimento da mesma testemunha A (depoimento gravado em sistema sonoro Média Studio, na aplicação Habilus, registado das 01h:12m:49s às 01h:55m:44s – gravação: 01h:56m:20s a final, ao minuto 01:22:00)
 XIX. A situação de (in)cumprimento [(non) performing] seria irrelevante para a plena validade da cessão, que foi feita pela R. a uma sociedade de titularização de créditos, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 453/99 de 5 de novembro (conforme alterado), para efeitos de titularização, cumprindo, em qualquer caso, todos os requisitos legais.
XX. Do exposto e da concatenação de toda a prova produzida resulta, pois, sem qualquer margem para dúvida, que o que foi alegado e provado – do que se mostra transposto para o ponto 20. da matéria de facto provada – foi, diversamente do que se fez constar na sentença recorrida, que:
Surpreendidos com a carta referida em 19., de imediato os autores contactaram a Hefesto STC SA / Whitestar para o número ali indicado pela Ré, tendo sido por ela informados que, pelo facto de terem prestações em atraso, o seu crédito havia sido cedido à Hefesto STC, S.A., e que agora teriam de pagar-lhe de imediato a totalidade da dívida, não em prestações, informação esta que deixou os autores perplexos.
XXI. Os extratos dos contratos (que foram objeto de confirmação e explicação detalhada pela testemunha A – depoimento gravado em sistema sonoro Média Studio, na aplicação Habilus, registado das 01h:12m:49s às 01h:55m:44s – gravação: 01h:56m:20s a final), permitem verificar que, em diversos momentos da vida de ambos os contratos, os AA. não pagaram à R. as prestações de reembolso dos contratos, nas datas em que as mesmas se venciam e quanto a todos os valores que eram devidos,
XXII. Não resulta da prova produzida a factualidade que vem vertida no ponto 22. da decisão sobre a matéria de facto da sentença recorrida, com a conotação e sentido de um integral e pontual cumprimento contratual pelos AA..
XXIII. Diversamente, quanto a esta matéria, o que foi demonstrado nos autos foi que 22. Imediatamente antes da carta referida em 19., e sem prejuízo do acima consignado, os contratos a que respeitavam os créditos cedidos encontravam-se em situação regular, tendo a última prestação a pagamento antes da carta da ré, vencida na data de 31 de outubro de 2017, sido paga pelos AA. na data do seu vencimento. E nestes termos deverá ser alterada a respetiva decisão, por corresponder à prova produzida e ter relevância para a boa decisão da presente causa
XXIV. A locução “Na altura os autores ficaram…” contida no facto provado elencado com o n.º 23, seguindo-se ao relato da comunicação da cessão de créditos da R. à Hefesto STC SA e aos factos vertidos no ponto 20., faz decorrer desta cessão, comunicação e exigência o estado psíquico e emotivo em que os AA. ficaram,
XXV. Mas nenhuma prova produzida em juízo permite concluir que tal efeito derivou de qualquer dos atos em que a R. teve atuação – a cessão de créditos da R. à Hefesto STC SA e sua comunicação aos AA. – muito menos se deveu a qualquer atuação que fosse indevida ou ilegítima.
XXVI. É por demais natural e evidente que, em novembro de 2016 (nessa altura), estando a fração autónoma penhorada há 4 anos e em venda do imóvel por leilão eletrónico desde há dois meses, os AA. estivessem “desorientados, imaginando e temendo o pior, nomeadamente que estavam em risco de perder a sua casa de habitação”,
XXVII. É por demais inverosímil – e inadmissível! – que a causa de tal alegada “desorientação”, “imaginação” e “temor” fosse a ocorrência e comunicação da cessão dos créditos pela R. à Hefesto STC SA.
XXVIII. Sem de forma alguma prescindir, o eventual receio dos AA. decorrente da cessão de créditos adviria do facto, acima exposto, de a Hefesto STC SA alegadamente lhes exigir o pagamento da totalidade da dívida, não da cessão de créditos em si mesma nem de qualquer ato ou atuação da R..
XXIX. As declarações e depoimentos prestados em juízo não permitem imputar este alegado estado de espírito e emocional a qualquer atuação da R., tendo a testemunha arrolada pelos AA. B, Pai da A. (depoimento gravado em sistema sonoro Média Studio, na aplicação Habilus, registado das 00h:49m:27s às 00h:59m:56s) começado desde logo por afirmar, no início do seu depoimento, que: “estou aqui na qualidade de testemunha porque fui eu que emprestei dinheiro à minha filha e ao meu genro para quitarem uma dívida que tinham com uma empresa… já nem me lembro qual era a empresa, nem sei se foi um banco, se foi uma empresa que lhes queria vender a casa… já foi há tanto tempo que já nem me lembro!” “Eu até estava ausente e a minha filha telefonou-me, que estava aflita que ia ficar sem a casa, por causa duma dívida que acho que foi o meu genro que foi fiador de um amigo qualquer e que o amigo não pagou e que estavam a querer-lhe ficar com a casa. E eu disse, “não vê la quanto é que é que eu empresto-te o dinheiro. Ela disse-me o valor… que salvo erro foi 6.500,00€” (…) “E quando eu regressei para casa – eles estavam em minha casa – na ...… na ... não, em …, e aquilo era discussão sempre, quase todos os dias… por causa que «tu não tinhas nada que ser fiador!» e «só foste fiador porque ele era teu amigo!» (…) E então… aquilo era discussões todos os dias… porque… Era raro discutirem à frente dos filhos, é verdade… mas iam para o quarto e estavam a discutir, a gente ouvia… e então aquilo era um mau ambiente por causa disso…” Acrescentou, ao minuto 53:40: “Sim, sim [foi fiador] de um amigo [O senhor teve intervenção em algum desses processos?] Não, eu limitei-me só a emprestar o dinheiro… nunca vi papéis… Eu até nem estava cá, na altura, estava de férias no estrangeiro, e foi quando a minha filha me telefonou a dizer que iam ficar sem a casa por causa de 6500€. E eu… não, não ficas nada sem a casa, eu empresto-te o dinheiro! E nesse mesmo dia transferi-lhe logo o dinheiro
E repetindo, ao minuto 55:30: [Referiu que a sua filha e o seu genro tinham muitas discussões e que era por causa do seu genro ter sido fiador] “Sim, certo” [portanto a sua filha não concordava era que o seu genro tivesse sido fiador] Esclareceu ao minuto 55:54: “eu não conhecia a pessoa da qual ele foi fiador, sabia que era um amigo, mas não conhecia” E, instado, [Mas, portanto, isto não tinha a ver com uma situação do empréstimo para a compra da casa, tinha a ver com uma obrigação que o seu genro assumiu e a uma outra fiança?] respondeu (ao minuto 56:10) “Não, no fundo tinha a ver com a casa, porque queriam-lhe ficar com a casa por causa duma dívida que ele tinha… que diziam que tinha por causa de ter sido fiador do amigo, portanto queriam-lhe ficar com a casa para pagar a dívida que esse tal amigo tinha… mas tinha a ver com a casa…”
XXX. Também a testemunha C., no seu depoimento (gravado em sistema sonoro Média Studio, na aplicação Habilus, registado das 01h:02m:48s às 01h:11m:27s), não esclareceu mais do que o exposto.
XXXI. Não pode, em qualquer caso, ter-se como consequência de qualquer facto ou ato imputável à R. o alegado estado emocional dos AA..
XXXII. Sequer a fração autónoma em causa constituía a “casa de habitação” dos AA., no sentido de ser a sua residência permanente, pois os AA. residiam, não na fração de Odivelas (desconhecendo-se se a mesma se encontrava ocupada por outrem, a título oneroso ou gratuito), mas em ..., Torres Vedras, como foi confirmado pela testemunha B, Pai da A. (depoimento gravado em sistema sonoro Média Studio, na aplicação Habilus, registado das 00h:49m:27s às 00h59m56s (ao minuto 57:20) [a sua filha e o seu genro na altura foram residir com o senhor por questões de saúde…] “Sim… atualmente estão… lá, lá em Torres, Torres não, agora é mais ..., moravam em …, agora é na .... (ao minuto 58:00) “Eles têm a casa de Odivelas” [mas não moram lá?] “… ah por causa dos miúdos, que estão na escola, passam mais tempo na ... do que em Odivelas, isso é verdade” “e nos arredores de Torres Vedras mas é na zona de Torres Vedras” [é na morada que indicam no processo, Rua (…), na ..., é que têm a residência] “Sim” [e nesta altura em que estava a casa à venda, já viviam aqui ou viviam lá com o senhor?] “Não, viviam lá comigo, porque como eu disse eu estava doente” (ao minuto 59:10) “Eles moravam em …, comigo. Depois quando eu vim para baixo é que eles mudaram para a outra casa” (ao minuto 59:30) “Em 2017 viviam comigo, não tou bem recordado das datas mas acho que viviam comigo” [e os filhos já estavam na escola na zona de Torres Vedras?] “Sim, sim”
XXXIII. Não pode, pois, em face da prova produzida, concluir-se no sentido transposto para o facto elencado com o n.º 23, que deve, assim, integrar o acervo dos factos NÃO PROVADOS.
XXXIV. Em qualquer caso, não pode concluir-se no sentido ali descrito como consequência da cessão dos créditos, em si mesma, atenta toda a factualidade demonstrada nos autos ou, sem de forma alguma prescindir, deve apenas ser considerado demonstrado que Na altura os autores estavam em pânico, desorientados, imaginando e temendo o pior, nomeadamente que estavam em risco de perder o imóvel de que eram proprietários que, com tanto esforço e sacrifício, tinham adquirido. sendo removida da sua redação a expressão “ficaram”.
XXXV. O facto elencado no ponto 24. contém, notoriamente, conteúdo que não está vertido em qualquer documento, pelo que não pode considerar-se provado por essa via, ou seja, a sua prova não se mostra devidamente fundamentada na sentença recorrida designadamente na parte que refere que “Os autores inconformados com o sucedido, para além de várias reclamações presenciais junto do balcão da Ré em Odivelas, e de outras tantas por via telefónica para os serviços daquela, apresentaram…”, pois a prova destes factos (reclamações presenciais e telefónicas) não pode fazer-se por documento, nem se encontra nos autos qualquer documento onde tal facto esteja relatado.
XXXVI. Da prova testemunhal e por declarações de parte não podem extrair-se a demonstração de tais “várias reclamações” presenciais e telefónicas dos AA, nada de concreto tendo sido dito a esse propósito por nenhuma das testemunhas arroladas pelos AA. ou pela R., ou sequer por declarações de parte dos AA..
XXXVII. A factualidade que se mostra demonstrada, de entre a que foi transposta para o ponto 24. da decisão, é que Os autores apresentaram, à data de 21.11.2017, uma reclamação escrita por exposição no livro de reclamações o citado Balcão da 1ª Ré e, à data de 24.11.2017, uma reclamação por carta registada com AR, que endereçaram à cessionária Whitestar, S.A., cf. fls. 38 – 41. E nestes termos deverá ser alterada a respetiva decisão, por apenas esta redação corresponder à prova produzida e ter relevância para a boa decisão da presente causa.
XXXVIII. O “facto” 28. integra, na sua redação, considerações que condicionam de forma inadmissível a apreciação que possa fazer-se sobre o mesmo, e consequentemente condicionam a solução jurídica do pleito
XXXIX. No Documento n.º 36 junto à Contestação a R. tão-só informou os AA. de que iria proceder à recompra dos créditos. Ponto final.
XL. A recompra veio efetivamente a ser contratualizada por “Contrato de retransmissão de créditos” celebrado entre a Hefesto STC SA e a R. em 2018/03/06 e, após a recompra, os contratos celebrados com os AA. foram reativados em sistema, e na data de 2018/03/08 foram reinseridas todas as prestações vencidas e os valores vincendos.
XLI. Após a cessão dos créditos e antes da recompra tinham-se vencido as prestações dos meses de novembro de 2017 a fevereiro de 2018 prestações essas que, evidentemente, não sendo delas credora, não tinham sido cobradas em tal período pela R. – cfr. facto 21. – sob pena de a R. estar a fazer suas quantias que não lhe cabia receber,
XLII. E prestações essas que os AA. não terão pago à cessionária, apesar de a R. lhes ter transmitido informação expressa e inequívoca sobre a entidade a quem deveriam efetuar quaisquer pagamentos, bem como o respetivo IBAN para pagamento e os seus contactos (cfr. facto provado com o n.º 19).
XLIII. Na data de 08/03/2018, evidenciou-se o incumprimento contratual dos AA., pelo não pagamento das prestações dos créditos durante 4 (quatro) meses, apesar de lhes ter sido comunicada a identidade do novo credor e local de pagamento (IBAN).
 XLIV. Os AA. nunca sequer alegaram nos autos ter realizado qualquer pagamento durante o período da cessão, ou sequer que o tivessem tentado realizar, e as suas reclamações evidenciam que não iriam seguir as instruções transmitidas pela R.
XLV. Pelo que efetivamente os AA. não cumpriram as suas obrigações contratualmente estipuladas durante o período em que os créditos se mostraram cedidos à Hefesto STC, SA.
XLVI. Em 2018/03/09 – imediatamente após a ativação dos contratos em sistema, revelando incumprimento de 4 (quatro) prestações de capital, juros e despesas (vencidas entre novembro de 2017 e fevereiro de 2018) – foi expedida e enviada aos AA. a carta de integração em PERSI, a qual, portanto, nenhuma oposição ou contradição constitui face à recompra dos créditos dos AA., pelo contrário constitui uma consequência dessa recompra dos créditos, que se encontravam com incumprimento de 4 (quatro) prestações pelos AA., tal como também não constitui uma insistência no incumprimento dos AA..
XLVII. O facto objetivo e provado que decorre do “respetivo documento” – fundamento da convicção do Tribunal a quo – é, quanto ao vertido no ponto 28. da decisão, que 28. À data de 9 de março de 2018 a Ré enviou carta aos autores comunicando-lhes que tinham sido integrados no processo extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), sendo a data da integração no PERSI a de 9.3.2018 e indicando como contratos de crédito em incumprimento integrados em PERSI os contratos referidos em 1. a 4., com os montantes totais em incumprimento à data da integração de 585,30 € no contrato identificado em 1. e 2. e de 492,22 € no contrato identificado em 3. e 4. – cf. fls. 44. Pelo que este deverá ser, apenas, o facto julgado provado, a verter corretivamente no ponto da decisão.
XLVIII. As expressões “contudo” e “insistindo no incumprimento destes” inseridas no texto da decisão não decorrem do documento em que alegadamente se fundam e contêm em si mesmas uma apreciação ou valoração que não se coaduna com a objetividade do “facto” ou sequer com a prova produzida
XLIX. O conteúdo factual descrito no facto n.º 29 – integralmente correspondente ao artigo 22º da PI – contém imprecisões e incorreções relevantes. L. Os contratos celebrados entre a R. e os AA. nunca saíram “da titularidade dos autores”, pois os autores eram, e são, os seus mutuários e devedores, perante a CEMG ou, no período da cessão do crédito, perante a Hefesto STC, SA. A cessão dos créditos não os fez sair da “titularidade dos autores”, e a sua recompra pela R. não os fez retornar “à titularidade dos autores”.
LI. O facto objetivo que se mostra demonstrado nos autos, de entre os que foram vertidos neste ponto n.º 29, é que “Os créditos contratualizados entre autores e a Ré retornaram à titularidade da R. por recompra à Hefesto STC SA e, consequentemente, à data de 13 de março de 2018, foram debitadas aos autores todas as prestações vencidas entre o mês de novembro de 2017 e o de fevereiro de 2018” – v. designadamente os Documentos n.ºs 3 e 4 juntos à Contestação, Pelo que é apenas este o facto a consagrar neste ponto,
LII. Os demais factos ali vertidos na decisão recorrida – “após muitas diligências, deslocações ao balcão da Ré em Odivelas, emails escritos e inúmeros contactos” – teriam de extrair-se da factualidade demonstrada ou não demonstrada, da prova das alegadas e número de diligências, da prova das deslocações ao balcão da Ré, da prova dos emails escritos e da prova dos múltiplos contactos.
LIII. Não se mostram provadas quaisquer deslocações dos AA. ao balcão da Ré em Odivelas, pois foram considerados totalmente não provados os factos elencados com os n.ºs 41, 42. e 46..
LIV. Não é de forma alguma compatível com o conteúdo da factualidade decidida como não provada a decisão sobre a matéria de facto relatada como pressuposto no ponto 29., a qual é, pois, manifestamente, deficiente, incompatível, inconciliável e contraditória com a não prova destes factos (41., 42. e 46.), em violação do disposto no artigo 607.º, n.º 4, parte final, do CPC, impondo-se a alteração da decisão proferida, nesta sede de recurso, nos termos previstos no artigo 662.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) (a contrario sensu)
LV. A utilização da expressão “Apenas após” encerra em si uma apreciação valorativa, um juízo sobre um facto, uma análise de causa e efeito, inadmissível e que não se aceita, na medida em que essa relação é inexistente, mas também porquanto os contactos, insistência e vontade dos AA. seriam absolutamente inócuos e indiferentes à atuação sequente da R..
LVI. Não teria a vontade dos AA. – e, portanto, quaisquer diligências pelos mesmos realizadas – a virtualidade de impor à R. a recompra dos créditos de que fora titular sobre aqueles.
LVII. A decisão sobre a matéria de facto está viciada de contradição intrínseca e integra apreciação e valoração, condicionando de forma inadmissível a apreciação crítica e jurídica do pleito.
LVIII. Sem de forma alguma prescindir, sequer essa apreciação valorativa pode extrair-se da prova produzida em juízo, pois, conforme decorre dos depoimentos prestados em juízo, a R. tomou uma decisão livre de recomprar os créditos que antes detinha sobre os AA., exclusivamente por virtude de uma política comercial e de retenção dos clientes bancários, conforme testemunhou A (gravado em sistema sonoro Média Studio, na aplicação Habilus, registado das 01h:12m:49s às 01h:55m:44s – gravação: 01h:56m:20s a final), que referi (ao minuto 01:34:35) “A reclamação basicamente fazia referência ao facto de os créditos estarem em dia aquando da cessão, isso foi validado por nós e depois houve uma decisão do Banco, interna, uma vez que o crédito se encontrava em dia, de propor à cessionária a recompra do crédito (ao minuto 01:36:00) [reunia todas as condições para ser cedido, então porque é que o Montepio quis recomprar o crédito?] “Exatamente porque o crédito estava performing e portanto poderia haver a possibilidade, lá está, após o período de cura de deixar de ser non performing e portanto um crédito que o Montepio tem todo o interesse em ter, obviamente é uma instituição de crédito e obviamente tem todo o interesse em ter esses produtos na sua carteira” (ao minuto 01:37:10) [não foi uma decisão imposta, não foi uma correção de um erro, não foi uma correção de uma ilegalidade...] “De todo. Foi de acordo aliás com aquilo que é também previsto no próprio contrato de cessão de créditos” acrescentando ao minuto 01:39:00 “Não havia essa obrigação de o fazer” (ao minuto 01:45:30) “até com créditos em dia pode ser feita, desde que para uma STC e neste caso era uma sociedade de titularização. (…) A cessão opera independentemente da vontade do devedor” (ao minuto 01:47:20) [afirmação de que recomprou o crédito para corrigir um erro, o que tem a dizer?] “É falso.” Insistindo ainda, ao minuto 01:49:00, que a ação judicial com reclamação de créditos do Montepio não era impeditiva da cessão de créditos e que (ao minuto 01:50:20) “A CMVM pronunciou-se favoravelmente à cessão”.
LIX. O ponto 29. da decisão sobre a matéria de facto mostra-se, pois, incorretamente julgado, porquanto a factualidade efetivamente demonstrada foi que “29. Em 08/03/2018 os créditos contratualizados entre os autores e a Ré retornaram à titularidade da Ré por recompra à Hefesto STC SA e, consequentemente, à data de 13 de março de 2018, foram debitadas aos autores, na conta bancária identificada em 6., todas as prestações vencidas entre o mês de novembro de 2017 e o mês de fevereiro de 2018”. E nestes termos deverá ser alterada a respetiva decisão, por apenas esta redação corresponder à prova produzida e ter relevância para a boa decisão da presente causa.
LX. Também a factualidade vertida no ponto 30. (correspondente integralmente ao artigo 23º da PI) se mostra eivada de um errado pressuposto, que vicia a factualidade tida por demonstrada.
LXI. Tal como se expôs relativamente ao ponto 23. da matéria de facto provada, alegação que quanto ao ponto 30. se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, nenhuma prova produzida em juízo permitia concluir que o estado psíquico e emotivo em que os AA. alegadamente se encontravam a aguardar “o resultado das diligências relativas aos seus empréstimos e à sua casa” assim como o temor de a “perder” decorreriam do ato de cessão dos créditos ou da sua comunicação aos AA. e consequentemente que dependeriam do resultado das diligências relativas aos seus empréstimos, junto da R., muito menos que tal estado psíquico fosse de alguma forma imputável à R..
LXII. Aceitando-se, porque evidenciado nos documentos juntos aos autos, que era da vontade dos AA. ver os seus créditos de volta à titularidade da R., e estando a fração penhorada em execução judicial e em fase de venda, a factualidade demonstrada foi, assim, que 30. Os autores ficaram a aguardar com ansiedade, angústia e inquietude o resultado das diligências que fizeram no sentido de reverter a cessão dos seus empréstimos pela R. à Hefesto STC SA e quanto à penhora e venda judicial em curso da fração autónoma de que eram proprietários, que temeram perder. E nestes termos deverá ser alterado este ponto da decisão, com relevância para a boa decisão da presente causa
LXIII. Não pode ter-se por demonstrada a factualidade que foi vertida no ponto 32. (correspondente quase integralmente ao artigo 37º da PI).
LXIV. Da prova produzida em juízo nada permite concluir que foi o “confronto com a situação de alegado incumprimento” que teria provocado qualquer perturbação emocional, inquietação, angústia, agitação, nervosismo e, por outro lado, receio de perderem a casa e receio de perder o dinheiro que já tinham investido na sua aquisição.
LXV. Conforme decorre da prova produzida em juízo, e atrás repetidamente referido, tal estado emocional e psíquico terá sido causado pela não aceitação, pelos AA., da cessão de créditos pela R. à Hefesto STC SA (que, porém, não lhes cabia aceitar ou não), pela alegada exigência pela Hefesto STC SA do pagamento da totalidade da dívida, não em prestações, como fazia a R., bem como pela pendência, há anos, de uma execução judicial intentada por terceiro, na qual os créditos decorrentes dos contratos em análise nestes autos se encontravam integralmente reclamados para obterem pagamento pelo produto da venda do bem imóvel, venda essa que se encontrava em curso há mais de dois anos.
LXVI. Esta conclusão pode retirar-se, sem qualquer margem para dissídio, dos depoimentos das testemunhas, designadamente da testemunha Pai da A., que afirmou assistir e presenciar a vivência dos AA., esclarecendo o motivo da sua inquietação nos termos expostos e transcritos quanto à impugnação do facto 23., que aqui, e para efeitos de impugnação do facto ora em análise, se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
LXVII. Por outro lado, estando a “situação resolvida”, é manifestamente inaceitável que tal estado de espírito se mantivesse… ou forçoso seria, mais uma vez, concluir que mesmo não decorria da cessão, tal como não decorria do confronto com a situação de alegado incumprimento!
LXVIII. O que decorre da prova produzida – ainda que não tenha as consequências que os AA. pretendem ver extraídas por via desta ação judicial – é que 32. Os autores, ante a pendência de execução judicial motivada por fiança prestada a um amigo do A., na qual os seus empréstimos foram integralmente reclamados pela R., e perante a exigência da totalidade da dívida pela Hefesto STC SA, ficaram perturbados emocionalmente, inquietos, angustiados, agitados e nervosos, e com receio de perderem a casa de que eram proprietários e de verem perdido o dinheiro que já tinham investido na sua aquisição.
LXIX. Igualmente não se aceita, consequentemente, como demonstrada a factualidade vertida no ponto 33. da decisão sobre a matéria de facto, totalmente correspondente ao artigo 38º da PI, pois não foi a situação relatada nos anteriores pontos da decisão sobre a matéria de facto que terá causado “perturbação na vida familiar dos autores”.
LXX. A ocorrer algum transtorno ou perturbação, decorreu, conforme exposto de algo que aos AA. não cabia aceitar ou autorizar (a cessão de créditos), de uma atuação de terceiro (a alegada exigência do pagamento da totalidade da dívida pela Hefesto STC SA) ou, desde logo, e com maior evidência e premência, da pendência da execução judicial onde o imóvel de que eram proprietários foi colocado à venda.
LXXI. A “situação supra relatada” referida no ponto 33. da decisão sobre a matéria de facto terá necessariamente de corresponder à situação descrita no ponto 32. devidamente alterado em função da prova produzida, nos termos atrás descritos,
 LXXII. Mas essencialmente, atendendo à prova produzida, decorreu da pendência da execução judicial onde se executava uma garantia assumida pelo A. (fiança prestada a um amigo) e que era a causa de diferendos e discussões entre o casal, conforme sem qualquer margem para dúvidas decorre dos depoimentos das testemunhas, designadamente da testemunha Pai da A., que esclareceu com toda a clareza e simplicidade o motivo da sua inquietação nos termos expostos e transcritos quanto à impugnação do facto 23., que aqui, e para efeitos de impugnação do facto ora em análise, se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
LXXIII. O facto considerado provado elencado com o n.º 34. corresponde a parte do artigo 43º da PI, onde foi alegado que “[o A.] chegou até a recorrer ao seu médico de família, que lhe ministrou tratamento medicamentoso destinado a combater a ansiedade e a dificuldade em dormir que eram patentes, pelo que a partir dessa altura o A. marido a tomar Alprazolam, situação que ainda hoje se mantém”
LXXIV. Desta factualidade alegada, o Tribunal a quo considerou provado, apenas, que “O autor chegou até a recorrer ao seu médico de família, que lhe ministrou tratamento medicamentoso destinado a combater a ansiedade”,
LXXV. O Alprazolam (também conhecido pelos nomes comerciais Xanax, Apraz, Frontal, entre outros) é um fármaco utilizado em distúrbios da ansiedade e agorafobia (medo de atravessar espaços públicos), que não integra a lista de medicamentos não sujeitos a receita médica (MNSRM) e a inexistência de uma prescrição médica válida impede a dispensa de medicamentos sujeitos a receita médica (MSRM).
LXXVI. Ante a alegação produzida, impunha-se que os AA. demonstrassem a efetiva prescrição de tal fármaco, com a apresentação da correspondente receita médica, único documento que permitiria concluir pela prova, não só da alegada consulta junto do médico de família do A., como da prescrição, por este, do concreto fármaco invocadamente prescrito – o Alprazolam
LXXVII. Não tendo sido apresentada tal prova documental, não poderia o Tribunal a quo considerar provada parte da factualidade invocada, o que afinal se traduz na prova de algo que não foi sequer alegado, pelo que deve ser alterada a decisão da matéria de facto quanto ao ponto 34., que deve passar, com a redação constante no articulado inicial (artigo 43º da PI), para o elenco dos factos NÃO PROVADOS.
LXXVIII. Há um conjunto de factos oportunamente alegados e também cabalmente demonstrados pela prova produzida em juízo, que assumem manifesto relevo para a boa decisão da presente causa, pelo que igualmente deveriam ter sido transpostos para o elenco de factos provados, como nesta sede, corretivamente, se impõe.
LXXIX. Desde o início dos contratos, e particularmente entre 2014-02-28 e 2014-10-08 e entre 2015-10-31 e 2017-01-13 os AA. não pagaram pontualmente as prestações a que estavam obrigados contratualmente para com a R. – Facto que se mostra demonstrado documentalmente (documentos n.ºs 3 e 4 juntos à Contestação) e se impõe que seja considerado provado, assumindo relevância para a boa decisão da presente causa.
LXXX. Em 2012/05/11 os Exequentes e o Executado, aqui A., chegaram a acordo quanto ao pagamento da dívida exequenda em prestações, tendo requerido a suspensão da referida execução – Facto que se mostra demonstrado documentalmente (documento n.º 26 junto à Contestação).
LXXXI. Em 2013/04/04 os Exequentes requereram o prosseguimento da execução porque o ali Executado, aqui A., não cumprira o acordo estipulado – Facto que se mostra demonstrado documentalmente (documento n.º 27 junto à Contestação).
LXXXII. Em 2015/12/31 a Ré foi notificada pela Agente de Execução daquele processo nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 812º do CPC, para indicar a modalidade da venda pretendida e valor base, relativamente ao bem imóvel objeto da penhora – Facto que se mostra demonstrado documentalmente (documento n.º 28 junto à Contestação).
LXXXIII. Exequentes e credora reclamante, aqui R., pronunciaram-se sobre a modalidade e valor base da venda, respetivamente em 05/01/2016 e em 08/01/2016 – Facto que se mostra demonstrado documentalmente (documentos n.º 29 e 30 juntos à Contestação).
LXXXIV. Em 20/01/2016 a AE proferiu decisão de venda da fração autónoma penhorada por meio de propostas em carta fechada e com um Valor Base de 44.240,00 € – Facto que se mostra demonstrado documentalmente (documento n.º 31 junto à Contestação)
LXXXV. Em 15/09/2016 “Face às alterações legislativas entretanto ocorridas, nomeadamente a Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto” a AE alterou a decisão de venda da fração autónoma penhorada para a modalidade de venda em leilão eletrónico e com um Valor Base de 44.240,00 € – Facto que se mostra demonstrado documentalmente (documento n.º 32 junto à Contestação)
LXXXVI. Foi alegado pelos AA. um conjunto de factos não provados, que assumiriam em caso de prova e assumem, por não terem sido provados, relevo para a boa decisão da presente causa, sendo preponderantes na apreciação e julgamento final do pleito, designadamente, para a procedência ou improcedência dos pedidos deduzidos, maxime do pedido de condenação dos AA. como litigantes de má-fé.
LXXXVII. Na sua PI os AA. alegaram, mas também não provaram (aliás, a prova carreada para os autos permitiu demonstrar o contrário), que “Os AA. sempre cumpriram com todas as suas obrigações e deveres contratuais, tal qual contratualizado com as ora RR, cuidando de manter a sua conta bancária n.º … da Caixa Económica do Montepio devidamente provisionada para os respetivos débitos diretos, nos valores e nas datas previamente acordadas.” – artigo 9º da PI. [os AA.] “sempre haviam pago todas as prestações dos seus créditos, pelos menos até à data de 31 de outubro de 2017, data da última prestação a pagamento.” – artigo 12º da PI. “os AA. sempre cuidaram de manter em permanência a sua conta bancária aprovisionada a fim de procederam ao pagamento atempado de todas as prestações bancárias relativas ao empréstimo à habitação e acessórios à 1ª R.” – artigo 14º da PI “o crédito à habitação dos AA., do que era do seu conhecimento, não se encontrava, nem podia encontrar, (…) em litígio” – artigo 17.º da PI “Na sequência, a 1ª R. Banco Montepio informou concordar com os AA. (…) informação que de igual modo prestou ao Banco de Portugal” – artigo 20.º da PI “a 1ª Ré recusou o pagamento do prémio da apólice de seguro obrigatório associado ao crédito à habitação.” “A 1ª Ré agiu, pois, de forma negligente, incauta, com total falta de profissionalismo e lavrou num erro gravíssimo”, “situação de erro aliás reconhecida pela própria 1ª R.” – artigos 28º, 30º e 31º da PI “os AA. (…) foram considerados devedores quando sempre foram cumpridores” – artigo 41º da petição inicial
LXXXVIII. Por assumirem relevo para a decisão da causa, devem estes factos alegados, e não provados ser considerados na apreciação jurídica da causa.
LXXXIX. A sentença recorrida faz uma mera repetição – acrítica – da factualidade tida como demonstrada nos autos, e produz ininteligíveis considerações, enquadrando num incumprimento contratual a responsabilidade civil por facto ilícito em que se estriba para reconhecer aos AA. o direito a uma compensação indemnizatória, o que não se aceita.
XC. A “alteração contratual” (…) “sem o acordo dos autores: que passavam a ter de pagar a totalidade da dívida, em lugar das prestações convencionadas nos contratos de mútuo”, a ter existido, não decorreu de qualquer atuação da R., mas da entidade cessionária, não sendo à R. – a título algum – imputável.
XCI. Não incorreu a R. em “mora do credor” quando não era credora dos AA., por ter cedido os respetivos créditos.
XCII. A fundamentação e enquadramento jurídico dado ao caso em apreço é manifestamente inadequado, absurdo e inaplicável e não pode ser confirmado nesta instância de recurso.
XCIII. A cessão dos créditos pela R. à HEFESTO STC, SA foi totalmente conforme com as disposições legais aplicáveis às cessões de créditos para efeitos de titularização (designadamente previstas no Decreto-Lei n.º 453/99 de 5 de novembro), e nada foi demonstrado nos autos que possa obstar a essa conclusão, e foram escrupulosamente cumpridas pela R. todas as disposições legais e obrigações inerentes à cessão.
XCIV. A R. não foi a causadora do estado emotivo e psíquico dos AA. ou de quaisquer dos alegados danos (incómodos e receios) sofridos pelos AA., inexistindo uma relação causal entre os mesmos e a atuação da R. em discussão nestes autos.
XCV. A R. decidiu recomprar os créditos antes cedidos, por sua livre e exclusiva decisão, sem que a tal estivesse de forma alguma vinculada, sem que os AA. ou qualquer terceiro ou entidade pudessem ter nessa recompra qualquer poder de decisão ou imposição, e sem que esse ato consubstanciasse o reconhecimento de qualquer atuação indevida ou de qualquer erro na anterior cessão.
XCVI. Não cabe à R. responder pela eventual alteração das condições de pagamento e benefício do prazo estabelecido a favor do devedor, sendo certo que, nos termos legais aplicáveis a cessão de créditos, os AA. poderiam opor à Hefesto STC SA tudo o que antes podiam opor à R..
XCVII. A cessão de créditos em situação regular não estava vedada por lei (v. artigo 4º do Decreto-Lei nº 453/99, de 5 de novembro, na redação então vigente), e a ela não poderia opor-se, em qualquer caso, o devedor pois “A cessão de créditos define-se como um contrato pelo qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito, traduzindo-se na substituição do credor originário por outra pessoa, mas sem produzir a substituição da obrigação antiga por uma nova, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional, com a única modificação subjetiva que consiste na transferência do lado ativo da relação obrigacional. (…) O único elemento constitutivo da eficácia da cessão é o conhecimento do devedor, não exigindo a lei a sua autorização (artigo 577.º, n.º 1, do Código Civil (v. Ac. STJ 07/09/2021, Relatora Maria Clara Sottomayor, no processo 348/16.2T8BJA-A.E1.S1)
XCVIII. A R. agiu de forma límpida, no âmbito da sua plena liberdade contratual e em total cumprimento das disposições legais aplicáveis e não existe qualquer comportamento indevido, ilegal, ilícito, abusivo ou culposo da CEMG, violador das normas legais aplicáveis, de que decorra, a qualquer título, responsabilidade pelo ressarcimento de quaisquer danos ou prejuízos, patrimoniais ou não patrimoniais, incorridos pelos AA.
XCIX. A presente ação é manifestamente infundada e inexistem quaisquer pressupostos de responsabilização da R., determinantes de uma qualquer obrigação de indemnizar os AA., pelo que a sua pretensão deve inevitavelmente soçobrar, na procedência do presente recurso.
C. As meras preocupações e embaraços não dão lugar a indemnização.
CI. Sem de forma alguma conceder, para além de infundada e indevida pela R., que nenhum ato ilícito praticou, a compensação arbitrada aos AA. é manifestamente desproporcionada face ao dano alegadamente sofrido (repete-se, não causado pela R.) e no contexto factual descrito e, com o devido respeito, descabida, face à jurisprudência sobre a matéria, designadamente face à jurisprudência corrente.
CII. De tudo o demonstrado nos autos, bem como dos factos não demonstrados, resulta com evidência que os AA., consciente e voluntariamente, deduziram contra a R. uma pretensão cuja falta de fundamento não podiam ignorar, tendo alterado a verdade dos factos e omitido factos relevantes para a decisão da presente causa, omitindo gravemente o seu dever de cooperação, fazendo do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal e indevido, consistente num benefício económico indevido, que, inacreditavelmente, lhes foi reconhecido pelo Tribunal a quo.
CIII. Os AA. atuam com evidente má-fé (artigo 542.º do CPC), pelo que reitera o requerimento de condenação em multa exemplar, que cumpra adequadamente as funções punitiva e preventiva da litigância infundada e abusiva.
CIV. Sem de forma alguma prescindir, não tendo a R. peticionado a esse título qualquer indemnização a seu favor, mas tão-só multa exemplar (que reverte para o Estado), não decaiu a mesma em qualquer quantia que, face ao seu não reconhecimento, determinasse a sua responsabilidade por custas, das quais em qualquer caso deve ser isentada.
CV. A decisão recorrida mostra-se assim violadora, entre outras, das seguintes disposições legais: Artigos 342.º, 406.º, 483.º, 487.º, 496.º, 563.º, 577.º do Código Civil Artigo 607.º, n.º 4, parte final, e n.º 5 do CPC DL 453/99 de 5/11 Artigos 113.º e 114º do Decreto-Lei n.º 176/2006”
5. Os autores apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido e, a título subsidiário, ampliando o objeto do recurso, nos termos do artigo 636º, nº 2 do Código Civil, tendo apresentado a seguintes conclusões que se transcrevem:
“I – Primeiro os AA pugnam pela manutenção da decisão recorrida, valendo-se dos argumentos nesta expendidos e o enquadramento jurídico traduz a correta aplicação das normas aplicáveis, designadamente, condenando a Ré a pagar aos AA. a quantia de € 5.000,00 a titulo de danos não patrimoniais e com fundamento no incumprimento contratual da Ré e na sua responsabilidade civil por ato ilícito; e absolvendo os AA.do pedido de condenação em multa como litigantes de má-fé.
II - Prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pela Ré, vêm os AA, ao abrigo do disposto no artigo 636º n.º2 do Código de Processo Civil ampliar o objeto do recurso impugnando a decisão proferida sobre um único ponto da matéria de facto dada como provada – o ponto 19 e respeitante aos contratos de mútuo celebrados entre os AA e a Ré que prova pela via documental nomeadamente os contratos de mútuo juntos nos autos como doc. 1, 2, 3 e 4 , admitidos por acordo entre AA e Ré e juntos a fls. 11, 19, 29-31, 16 e 22 aditando-se a seguinte matéria no sentido de constar que (…):
III –No respeitante ao objeto do recurso O Tribunal deu como provado os seguintes factos:
1. Por escritura pública de 28/12/2005, e respetivo documento complementar, do Cartório Notarial de Lisboa, de D, a Ré emprestou aos autores, enquanto mutuários, a quantia de €55.000,00, fls. 11.
2. Ao referido empréstimo bancário foi atribuído o número ... No mesmo dia 28/12/2005, por escritura pública, e respetivo documento complementar, do Cartório Notarial de Lisboa, de D, a Ré emprestou aos autores, enquanto mutuários, a quantia de €45.500,00, cf. fls. 19. 4. Por sua vez, ao referido empréstimo bancário foi atribuído o número ….
IV – Ficou provado que “19.A ré enviou aos autores, que a receberam, a carta de 2.11.2017, de fls. 32-35, 199, 200, 201, 202, na qual comunicou aos autores que cedeu à sociedade HEFESTO STC, S.A. o crédito do contrato celebrado em 28.12.2008. Em consequência, e com efeitos a 2.11.2017, todas as importâncias relativas ao contrato, deverão ser pagas na conta bancária que identificam, da referida entidade.
V -Ficou provado que 20.“Surpreendidos, de imediato os autores contactaram a Ré, tendo sido por esta informados que, pelo facto de terem prestações em atraso, o crédito dos autores havia sido cedido à Hefesto STC, S.A. a qual por sua vez exigia o pagamento imediato da totalidade da dívida, nunca em prestações, informação esta que deixou os autores perplexos.
“ VI -Não obstante a comunicação da cessão de créditos com data de 2.11.2017, conforme ponto 28 dado como provado, ainda à data de 9 de Março de 2018 a Ré enviou carta aos AA insistindo no incumprimento por parte dos AA dos seus contratos de mútuo à habitação e que tinham sido, nessa data de 9.3.2018, integrados no processo extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (Persi cf fls 44 do documento 15 admitido por acordo.
VII- Os AA não foram integrados no PERSI antes dessa data de 2.11.2017 conforme facto provado 28,29,31 para o que foi violada obrigação legal. Cfr. Dec Lei n.º227/2012 de 25 de Outubro.
VIII- Omitido o PERSI os AA não tiveram oportunidade legal de negociação e esclarecimento sobre a questão dos mútuos e dos atrasos ou incumprimentos e sua negociação.
XIX - A Ré é uma entidade bancária com a qual os AA celebraram um contrato de mútuo bancário para habitação – linha crédito á habitação - ao ano de 2005 e nele acordaram o valor do capital mutuado, o prazo, as condições de pagamento.
X - Em Portugal, o crédito à habitação constitui a principal fonte de endividamento das famílias portuguesas, situação dos AA., com máxima relevância no dia a dia da vida dos consumidores mutuários e na necessidade básica a uma habitação, regra geral com elevado valor mutuado e um dos mais longos contratos celebrados por consumidores em Portugal, acompanhando a vida do mutuário por um período médio superior a trinta anos e normalmente sujeito as circunstancias concretas de vida dos mutuários e famílias e suas flutuações como sejam situações de desemprego e doença, situações de divórcio ou de alterações externas do mercado como sejam crises do imobiliário e subidas da taxa de juro, como a atual crise da habitação em Portugal.
XI – São cada vez maiores as exigências de proteção específica aos consumidores bancários, o caso dos AA, veja-se a Lei n.º 57/2020 de 28 de Agosto, e suas alterações, que estabelece Normas de Proteção do consumidor de serviços financeiros , assim o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 74-A/2017 de 23 de Junho que veio transpor parcialmente para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis destinados a habitação “(…) o crédito para aquisição de habitação própria é tipicamente o mais importante compromisso financeiro da vida de um consumidor, atendendo aos valores mutuados, ao prazo de amortização e às consequências da execução da hipoteca”.
XII - A questão objeto dos presentes autos trata a situação em concreto dos AA, com comunicação formal por parte da Ré da cessão de créditos para efeitos de titularização com data de 2.11.2017 á Hefesto STC SA , tendo os AA sido completamente surpreendidos com esta modificação subjetiva do contrato sem que em momento algum tenham sido sequer informados desta circunstância e vontade da Ré que os remeteu para a cessionária na sua comunicação da cessão - conforme lhes foi comunicado através das comunicações que constituem os Documentos nºs 5 a 8 juntos à PI e os Documentos nºs 20 a 23 juntos à contestação.
XIII - A Ré não esclareceu devidamente os AA quais os termos e condições da dita cessão de créditos, direitos, e quais as garantias e obrigações dessa cessão para os AA. apenas remetendo os AA à Hefesto STC SA representada pela Whitestar.
XIX – Os AA são consumidores bancários e gozam de proteção legal nessa qualidade como consumidores no crédito à habitação e em posição contratual mais frágil pela falta de conhecimento técnico e de experiência do utente do banco e em que a proteção da parte fraca efetiva-se através de particulares deveres de lealdade e de manutenção da confiança, legitima expectativa do negócio jurídico e informação e de esclarecimento, a cargo da parte mais forte – o denominado principio da boa fé objetiva o qual exige em todas as fases do contrato inclusive pós contratual conduta leal dos contraentes a fim de manter as legitimas expectativas do negócio jurídico contratado prevista no artigo 227º do Código Civil.
XX - Nas relações com os clientes a entidade bancária encontra-se obrigada a agir com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses dos clientes que lhe estão confiados e nos ditames da boa fé e da sua violação resulta a obrigação de indemnizar os danos causados, já que quer ao abrigo do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do CC, se exige às partes que atuem de boa fé na execução do contrato, bem como ao abrigo do disposto no seu artigo 227.º, n.º 1, logo nos preliminares ou na formação do contrato e execução dos contratos, se exige que as partes contratantes procedam segundo as regras da boa fé e em que se contam, indiscutivelmente, os deveres de lealdade, transparência, informação rigorosa e exata e de cabal esclarecimento.
XXI - A Hefesto STC, S.A. é uma sociedade de titularização de créditos (“STC”) sujeita ao Regime Jurídico da Titularização de Créditos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, tal como posteriormente alterado e atualmente em vigor e tem como objeto exclusivo a realização de operações de titularização de créditos, mediante a sua aquisição, gestão e transmissão e a emissão de obrigações titularizadas para pagamentos dos créditos adquiridos
XXII - Os AA., no critério base de análise de consumidor médio, não têm conhecimentos técnicos específicos que lhes permitissem apreender de forma transparente e esclarecida o significado da dita comunicação da cessão do seu crédito pela Ré á HEFESTO STC, SA.
XXIII- Sendo do conhecimento comum e dos AA que a HEFESTO STC, SA. não é uma entidade bancária no sentido tradicional do termo e não concedia, pelo menos naquela data, créditos à habitação.
XXIV- E na sequência da comunicação da Ré aos AA datada de 2.11.2017 estes trataram de pedir informações á cessionária tal como ordenado/indicado pela Ré.
XXV – A cessionária informou os AA – conforme provado no ponto 20 que estes tinham prestações em atraso, situação que já se verificou não corresponder á verdade conforme ponto 22, e que por esse motivo do incumprimento contratual o crédito à habitação dos AA seria resolvido e que estes teriam que proceder ao pagamento do remanescente do valor em divida pela totalidade, em lugar das prestações convencionadas nos contratos de mútuo.
XXVI - seguindo as instruções daquela comunicação da Ré, os AA contactaram a Hefesto STC SA tomando apenas nessa ocasião conhecimento de uma alteração ao seu contrato de mútuo no que diz respeito ao prazo de pagamento do capital mutuado, que, ao invés de obrigações periódicas materializadas em prestações singulares sucessivas, com periodicidade mensal passavam a ter de pagar a totalidade da dívida.
XXVII - alteração ao contrato de mútuo essa que teve lugar sem o acordo dos AA
 XXVIII - E que colocaram os AA em situação financeira muito pior daquela em que anteriormente se encontravam antes da cessão do seu crédito e proibida pelo instituto da cessão de créditos.
XXIX _ Cabia á Ré, na qualidade de entidade bancária e detentora de qualificações técnicas especificas e porque foi com a Ré que os AA contrataram as cláusulas e condições do contrato de mútuo à habitação original e a qual estava obrigada ao cumprimento dos deveres de informação, transparência, lealdade e boa fé na execução do contrato conforme também o principio geral da boa fé do disposto no artigo 227º do Código Civil , e ainda no âmbito do principio da proteção do consumidor no crédito à habitação, informar os AA, enquanto consumidores bancários e desprovidos de qualificações técnicas especificas no critério do consumidor médio e em posição contratual mais frágil a sua vontade na cedência do crédito a terceiros.
XXX - Não podia a Ré proceder á mera comunicação da cessão do crédito á habitação dos AA a terceiros remetendo nessa comunicação os AA aos cessionários sem mais explicações, pormenores do contrato e outras informações.
XXXI - Tendo assim procedido violou os deveres de conduta e de boa fé aos quais estava obrigada pelo contrato inicial de mútuo celebrado entre AA e Ré bem como é responsável por todas as demais consequências que advenham de qualquer alteração da referida cessão de créditos.
XXXII - Para mais tratando-se de uma relação de direito bancário em que os AA eram clientes da Ré numa relação obrigacional duradoura e complexa, que durava desde pelo menos o ano de 2005 data na qual negociaram o contrato de mútuo para habitação original.
XXXIII- E este dever de boa fé na execução do contrato, de cuidado, proteção, lealdade, informação da entidade bancária para com o seu cliente consumidor bancário não se confunde com uma qualquer autorização ou consentimento do devedor bancário quanto á pretendida cessão de créditos a terceiros a qual aliás a lei dispensa.
XXXIV - Trata-se sim de um dever de atuação e de respeito da entidade bancária para com a parte mais frágil da relação contratual bancária e na qual esta devia ter informado o cliente bancário da sua intenção de modificação subjetiva do contrato antes de efetivar a cessão do crédito com terceiro.
XXXV - Para além do dever de informação e boa fé em prestar o mínimo de informação ao cliente consumidor bancário sobre o significado concreto do instituto da cessão de créditos que implica modificação contratual.
XXXVI- E na comunicação de cessão de créditos a Ré ao remeter os AA á Hefesto STC SA sem mais informações deu causa á alteração contratual violando o acordado com os AA
XXXVII- Pelo que a Ré, com este seu comportamento de violação dos deveres de cuidado, lealdade, transparência e boa fé contratual donde também resultou a alteração contratual quanto ao clausulado no contrato e prazo de pagamento do capital mutuado, praticou um ato ilícito, atuou com culpa, ainda que sob a forma de negligência, sendo a sua conduta censurável.
XXXVIII- Dessa conduta ilícita e culposa da Ré, por violação do dever de lealdade, informação, transparência e de boa fé – artigo 227º do Código Civil – por parte da entidade bancária resultaram para os AA danos não patrimoniais graves em termos objetivos resultando provado o nexo de causalidade entre os factos e atuação ilícita da Ré no envio da comunicação da cessão de créditos aos AA e o estado psíquico emocional dos AA e os alegados danos e prejuízos na esfera jurídica dos AA conforme factos provados n.º 23, 30, 32, 33 e 34 – em resultado da prova na base das declarações de parte dos autores P., R., e em qualquer parte pelas testemunhas B, C.,
XXXIX - Encontram-se pois verificados os pressupostos da responsabilidade civil contratual (art.º 483.º do C.C.) resultante da violação pela Ré das obrigações emergentes do contrato de mútuo constituindo a Ré na obrigação de indemnizar os lesados, ora AA.
XL - Em resultado da descrita atuação da Ré os AA sofreram vários danos não patrimoniais: Facto Provado n.º 23: “Na altura os autores ficaram em pânico, desorientados, imaginando e temendo o pior, nomeadamente que estavam em risco de perder a sua casa de habitação que, com tanto esforço e sacrifício, tinham adquirido.” Facto Provado n.º 30. Entre o período compreendido entre a receção da carta de Novembro de 2017 e o dia 13 de Março de 2018 (data em que os autores passaram novamente a figurar como devedores do crédito à habitação junto da Ré e do Banco de Portugal), os autores ficaram a aguardar com muita ansiedade, angústia e inquietude o resultado das diligências relativas aos seus empréstimos e à sua casa de habitação, que temeram perder. Facto Provado n.º 32. Os autores, ao serem confrontados com a situação de alegado incumprimento, ficaram perturbados emocionalmente, inquietos, angustiados, agitados e nervosos, e com receio de perderem a sua casa e de verem perdido o dinheiro que já tinham investido na sua aquisição, estado de espírito que se manteve mesmo após a situação se mostrar resolvida. Facto Provado n.º 33.A situação supra relatada causou ainda perturbação na vida familiar dos autores que, com filhos pequenos em casa, viram as suas rotinas alteradas, o seu descanso perturbado, sem prejuízo da irritabilidade e impaciência constantes que transtornaram o dia-a-dia de todos. Facto Provado n.º 34. O autor chegou até a recorrer ao seu médico de família, que lhe ministrou tratamento medicamentoso destinado a combater a ansiedade.
L - A atuação da Ré, em franca violação dos deveres de informação, transparência, lealdade e boa fé – na execução do contrato bancário – no envio da comunicação da cessão de créditos sem qualquer aviso prévio aos AA, á qual legalmente não está obrigada mas que o dever de boa fé contratual impõe, remetendo as informações pedidas pelos AA á cessionária deu causa e promoveu por esta via uma alteração ao contrato sem a intervenção da parte dos AA e no que diz respeito a um dos elementos essenciais do contrato que é o prazo de pagamento do valor em dívida passar de pagamento em prestações a pagamento da totalidade do capital em dívida
LI - A atuação da Ré provocou nos AA prejuízo grave na sua integridade física e mental, na sua saúde e tranquilidade e sono com pânico, desorientados, imaginando e temendo o pior, nomeadamente que estavam em risco de perder a sua casa de habitação que, com tanto esforço e sacrifício, tinham adquirido; ansiedade, angústia e inquietude; perturbados emocionalmente, inquietos, angustiados, agitados e nervosos, e com receio de perderem a sua casa e de verem perdido o dinheiro que já tinham investido na sua aquisição, estado de espírito que se manteve mesmo após a situação se mostrar resolvida; perturbação na vida familiar dos autores que, com filhos pequenos em casa, viram as suas rotinas alteradas, o seu descanso perturbado, sem prejuízo da irritabilidade e impaciência constantes que transtornaram o dia-a-dia de todos; com tratamento medicamentoso destinado a combater a ansiedade.
LII- Considerando: - os bens juridicamente protegidos e de proteção constitucional como sejam a integridade física e mental, saúde, tranquilidade e sono bem como o direito á habitação bem constitucionalmente protegido e de necessidade básica e abrigo da família; - a qualificação técnica superior e de informação da Ré e dos seus quadros e a diminuta qualificação técnica dos AA meros consumidores bancários; - a situação económica da Ré e o seu capital social de milhares de euros e seu domínio financeiro e a situação de fragilidade económica dos AA;
LIII - Considerandos que conferem à Ré maior grau de culpabilidade;
LIV- Assumem os danos relevância indemnizatória pelo que se afigura adequado o montante indemnizatório atribuído aos dois AA, marido e mulher, de 5 000,00€ no global
 LV- Concluindo-se em termos de matéria de Direito conforme o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo e designadamente transcrevendo no essencial: 1. Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 406.º do Código Civil: “O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei.” 2. Da cessão de créditos resultou uma alteração contratual por parte da ré, sem o acordo dos autores: que passavam a ter de pagar a totalidade da dívida, em lugar das prestações convencionadas nos contratos de mútuo. 3. Por outro lado, o credor deixou de debitar as prestações na conta bancária dos autores, o que configura mora do credor. 4. Todavia, o princípio da estabilidade contratual impede a alteração do programa contratual, sem o acordo de ambas as partes e sem prejuízo da possibilidade de cessão do crédito, cf. artigo 577.º do Código Civil. 5. Ao ceder o crédito com as inerentes alterações das formas de pagamento, a ré incumpriu o contrato, cf. artigo 406.º do Código Civil. 6. Este ato ilícito da ré teve como consequência, os danos não patrimoniais sofridos pelos autores. 7. A ré deve indemnizar os autores pelos danos não patrimoniais, cf. artigo 483.º do Código Civil e artigos 494º, 496º n.º4 e artigos 562.º e 566.º do Código Civil.
LVI - Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 542.º do Código do Processo Civil “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, (a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; (b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; (c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; (d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
LVI- De todo o exposto resulta os AA (…) não terem litigado de má fé.
Nestes termos e nos mais de Direito deve:
A ) ser negado provimento ao recurso e, em consequência, mantida a sentença recorrida, com todas as legais consequências. A titulo subsidiário,
B) ao abrigo do disposto no artigo 636º n.º 2 do Código de Processo Civil, prevenindo a hipótese de precedência das questões suscitadas pela Ré, vêm os AA impugnar a decisão proferida sobre um único ponto da matéria de facto – o ponto 19 e respeitante aos contratos de mútuo celebrados entre os AA e a Ré aditando-se ao facto provado a seguinte matéria no sentido de constar que:
A Ré enviou aos autores, que as receberam, as cartas de 02.11.2017, de fls. 32- 35, 199, 200, 201, 202, nas quais comunicou aos autores que: - por contrato daquela data cedeu à sociedade HEFESTO STC, S.A. os créditos decorrentes dos contratos celebrados em 28.12.2005 - informou os AA. que a referida cessão foi efetuada ao abrigo do Decreto-Lei n.º 453/99 de 5 de novembro (conforme alterado), que estabelece o regime das cessões de crédito para efeitos de titularização e que, com a cessão dos créditos seriam igualmente transmitidos à HEFESTO STC, SA todas as garantias e acessórios do direito transmitido, designadamente o direito de obter o cumprimento judicial ou extrajudicial das obrigações. - informou os AA. que, em consequência da cessão dos créditos, e com efeitos a 2.11.2017, todas as importâncias devidas a título de pagamento dos créditos identificados como cedidos deveriam ser pagas à HEFESTO STC, SA, para a conta bancária cujo IBAN, BIC e instituição bancária a R. identificou. - informou, também, os AA. que deveriam a partir de então tratar todos os assuntos respeitantes à gestão dos créditos cedidos com a sociedade Whitestar Asset Solutions SA, indicando uma morada, e números de telefone e fax da mesma - e informou, por fim, os AA. de questões relacionadas com o tratamento e acesso aos dados pessoais dos AA..
C) alterada a matéria de facto dada como provada condenar a Ré a pagar aos AA. a quantia de € 5.000,00 a titulo de danos não patrimoniais e com fundamento no incumprimento contratual da Ré e na sua responsabilidade civil por ato ilícito; D) absolver os AA. do pedido de condenação em multa como litigantes de má-fé.”.
6.  Foi admitido o recurso, como apelação, com subida imediata e nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
7.  Remetidos os autos a este Tribunal em 12-02-2024, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.
II –  QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
Consequentemente, nos presentes autos, constituem questões a decidir as suscitadas no âmbito da IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
Já no âmbito da apreciação do mérito do recurso, constituem questões a decidir as seguintes:
- pressupostos da responsabilidade civil da ré/recorrente;
- litigância de má fé dos autores;   
III – FUNDAMENTAÇÃO
Impugnação da matéria de facto deduzida pela ré
Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto” estabelece o nº 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Já do nº 2 daquela norma resulta que:
“2- A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Por outro lado, a reapreciação da matéria de facto pelo tribunal de recurso implica que o recorrente, nas alegações em que impugna a decisão relativa à matéria de facto, cumpra os ónus que o legislador estabeleceu a seu cargo, enunciados no artigo 640º CPC, com a seguinte redação:
“1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2-No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Por forma a cumprir os ónus legalmente estabelecidos a seu cargo para a impugnação da matéria de facto incumbe ao recorrente, no essencial, identificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados  (640º, nº 1, alínea a), CPC), os concretos meios probatórios que impunham, na sua perspetiva, decisão diversa (640º, nº 1, alínea b), CPC) indicando a decisão que deve ser proferida quanto aos factos impugnados (640º, nº 1, alínea c), CPC).
Expostas que estão as coordenadas relativas à impugnação da matéria de facto, procede-se, de seguida, à que foi deduzida pela ré.
- Alegou a recorrente que os pontos 11, 12 e 13 da decisão sobre a matéria de facto contêm evidentes lapsos de escrita, impondo-se a sua correção.
A recorrente não concretizou quais os lapsos de escrita que detetou nos factos em questão.
Os referidos artigos aludem a comunicações trocadas entre a ré e os autores, mencionando ainda as folhas do suporte físico do processo em que se encontram.
Analisadas tais comunicações escritas, designadamente as que foram juntas com os requerimentos com as referências 10134179 e 35810132, verifica-se a existência de lapso de escrita no artigo 11º dos factos provados. Efetivamente, a comunicação de 26-09-2008 foi enviada à autora (e não ao autor como ali se refere) e a de 27-05-2008 foi enviada ao autor (e não à autora como mencionado no artigo 11º).
Nada obstando à retificação de tal erro material, que resulta da simples análise dos documentos juntos pela ré, ao abrigo do disposto nos artigos 614º CPC e 249º, Código Civil, procede-se à mesma, atribuindo-lhe a seguinte redação:
11.A ré enviou à autora a carta de 26.8.2008, de fls. 190, e ao autor a carta de 27.5.2008, de fls. 191, ambas com o seguinte teor: “O contrato em referência foi reafecto ao Departamento de Recuperação de Crédito. Todavia, não desejamos instaurar, desde já, a competente ação judicial sem tentar, uma vez mais, a regularização extrajudicial. Aguardamos, por isso, que até ao dia 9.9.2008 V. Exª proceda à regularização da dívida que, à data da emissão desta carta, ascende a € 323,32. Conforme previsto no nosso preçário, serão cobradas despesas acrescidas do imposto de selo, no montante de € 260,00, relativas à correspondente desafetação. Certos que aproveitará esta oportunidade para regularizar a situação contratual, apresentamos os melhores cumprimentos.”
Já as comunicações mencionadas nos factos provados nºs 12 e 13 mostram-se suportadas documentalmente, constando o seu teor das cartas que foram juntas aos autos por intermédio do requerimento com a referência 10134179 e com a contestação.
Porém, lidas tais comunicações, não se alcança quais os lapsos materiais que a ré aponta aos factos provados sob os números 12 e 13 da sentença, que, como já referido, não identificou expressamente.
Pelo exposto, procede parcialmente o pedido de retificação, apenas relativamente ao facto provado sob o nº 11, nos termos supra determinados.
- Na tese do recorrente, o facto provado sob o nº 17, contrariamente ao que se refere na sentença, não resulta das declarações de parte ou dos depoimentos testemunhais, mas apenas dos documentos nºs 3 e 4 juntos com a contestação.
A tal facto foi atribuída a seguinte redação:
17. As prestações supra referidas foram entretanto pagas pelos autores.
Tal factualidade deve ser interpretada de harmonia com a dos artigos anteriores que aludem a comunicações dirigidas pela ré aos autores, nos anos de 2008 e 2009, tendo em vista a regularização de prestações decorrentes dos contratos de mútuo celebrados, que se encontravam em atraso.
Da motivação do tribunal recorrido resulta que a referida factualidade (pagamento das prestações) foi apurada com base nas declarações de parte e nos depoimentos das testemunhas B e C, o que mereceu a discordância da recorrente que considera que foram os documentos que juntou sob os números 3 e 4 que comprovaram tal realidade.
Compulsados os autos, verifica-se que a ré não numerou os documentos que juntou aos autos, o que inviabiliza a identificação dos que no recurso identifica como números 3 e 4, não deixando de corresponder a uma deficiente indicação dos meios probatórios que impunham decisão diversa (cfr. artigo 640º, nº 1, alínea b), CPC).
Mas mais decisivo do que o que antecede é a circunstância de não resultar da alegação da recorrente que o facto em questão (o pagamento das prestações) foi incorretamente julgado, por não ter sido produzida prova que o demonstrasse, apenas discordando da motivação.
Ora, sempre se dirá, depois de compulsada toda a prova documental existente, que não se duvida da relevância dos extratos de conta juntos pela ré para o apuramento do pagamento das prestações em atraso, bem como da objetividade e segurança inerente a tal tipo de prova. Porém, não se afigura que para a prova da matéria em questão (pagamento de prestações em atraso) a lei exija documento escrito nos termos do disposto no artigo 364º do Código Civil.
Consequentemente, não estando em causa facto para cuja prova a lei exija documento escrito, a mera discordância da motivação não constitui fundamento da impugnação da matéria de facto que, no ponto ora em análise, não procede, nos termos expostos.
- Considerou a recorrente que ao facto provado sob o nº 18 deve ser atribuída a seguinte redação
18. A fração autónoma hipotecada foi penhorada no âmbito da execução n.º 5992/08.9TCLRS, conforme auto de penhora datado de 2012/03/21, que foi registada sobre a fração pela AP. 5 de 2012/02/08. Em Abril de 2012 a ré, credora hipotecária, foi citada para reclamar créditos, que reclamou em 27/04/2012 e que foram reconhecidos e graduados por sentença de 22/02/2017 (…)”.
Porém a recorrente não indica os meios de prova que impunham a atribuição de tal redação ao artigo 18º dos factos provados, incumprindo o ónus consagrado no artigo 640º, nº 1, alínea b), CPC.
Os ónus estabelecidos a cargo do recorrente que impugne a matéria de facto constituem “(…) uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” - António Abrantes Geraldes[1]. Mostrando-se incumprido, nos termos expostos, um “ónus primário de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação” da matéria de facto, impõe-se, nesta parte, a rejeição do recurso – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2019[2].
Pelo exposto, indefere-se o recurso quanto à impugnação da matéria constante do artigo 18º dos factos provados.
- A recorrente discorda da redação conferida ao artigo 19º dos factos provados dado que a mesma constitui uma transcrição meramente parcelar (e com manifesto lapso de escrita) do conteúdo das cartas de 02-11-2017, juntas aos autos por ambas as partes. Considerou, assim, que o conteúdo integral das referidas cartas deve ser transposto para os factos provados, tanto mais que foi confirmado pelo depoimento da testemunha A.
Ao referido artigo conferiu o tribunal recorrido a seguinte redação:
19.A ré enviou aos autores, que a receberam, a carta de 2.11.2017, de fls. 32-35, 199, 200, 201, 202, na qual comunicou aos autores que cedeu à sociedade HEFESTO STC, S.A. o crédito do contrato celebrado em 28.12.2008. Em consequência, e com efeitos a 2.11.2017, todas as importâncias relativas ao contrato, deverão ser pagas na conta bancária que identificam, da referida entidade.”
Para o referido artigo não foi transposto o conteúdo integral da carta em que foi comunicada a cessão de créditos.
Porém, o conteúdo parcelar conferido ao referido artigo corresponde à comunicação da cessão de créditos, sendo esse o facto essencial a extrair daquela comunicação, inexistindo qualquer outro facto essencial da matéria controvertida que cumpra esclarecer com base no conteúdo não considerado da referida carta. Apenas a cessão corresponde ao facto essencial alegado pelas partes, e que, nos termos do disposto no artigo 5º, nº1, CPC, não poderia deixar de ser conhecido pelo tribunal
Acresce que compulsado o documento em questão não se alcança qual o lapso material que lhe aponta a impugnante, que não o identificou expressamente.
Improcede, pois, nesta parte, a impugnação da matéria de facto, mantendo-se a redação atribuída ao artigo 19º dos factos provados.
- Impugnou a recorrente a redação conferida ao facto provado sob o nº 20, considerando que, em face da prova produzida do mesmo deverá passar a constar que a cessionária Hefesto, STC exigiu aos autores o pagamento da totalidade da dívida (emergente dos contratos de mútuo celebrados com a ré), e ainda que foi tal entidade que transmitiu aos autores o fundamento para a cessão de créditos.
A redação atribuída pelo tribunal recorrido ao artigo em questão foi a seguinte:
20. Surpreendidos, de imediato os autores contactaram a Ré, tendo sido por esta informados que, pelo facto de terem prestações em atraso, o crédito dos autores havia sido cedido à Hefesto STC, S.A. a qual por sua vez exigia o pagamento imediato da totalidade da dívida, nunca em prestações, informação esta que deixou os autores perplexos”.
Alega a recorrente que foram os próprios autores que no artigo 11º da petição inicial referiram que a exigência do pagamento da totalidade da dívida lhes foi transmitida pela “Hefesto”, realidade essa que foi confirmada em declarações de parte do autor.
Por outro lado, na tese da recorrente, não foi ela quem transmitiu aos autores o fundamento para a cessão de créditos (existência de prestações em atraso), como resulta do documento nº 14 junto com a petição inicial. Acresce que resulta das declarações de parte produzidas pelo autor que a ré lhe transmitiu que a cedência do crédito emergiu de um histórico de incumprimento, mas não da existência de prestações em atraso no momento em que ocorreu a cessão.
Procedeu-se à audição de toda a prova produzida, importando confirmar que ambos os autores referiram que a exigência do pagamento da totalidade da dívida lhes foi apresentada pela cessionária (Hefesto), e não pela ré. O autor referiu tal realidade ao minuto 3.20 (quando ligou para pagar a mensalidade, entenda-se ao então titular do crédito, a Hefesto, disseram-lhe que tinha que pagar a totalidade da dívida), facto confirmado pela autora (designadamente ao minuto 23.40). Tal facto, aliás, não pode deixar de considerar-se corroborado pelas regras gerais de experiência comum, dado que, após a transmissão, o crédito deixava de estar na esfera jurídica da ré, que ficava desprovida de legitimidade para transmitir quaisquer informações acerca da forma do seu pagamento.
Assim, quanto à comunicação da exigência do pagamento da totalidade da dívida, impõe-se a alteração da redação do facto provado sob o nº 20, por forma a que fique exarado que a mesma proveio da Hefesto.
O mesmo não pode, contudo, afirmar-se quanto à comunicação de que o fundamento para a cessão de créditos foi a existência de prestações em atraso.
Efetivamente, na comunicação que dirigiu ao Banco de Portugal em 28-11-2017 (que constitui o documento nº 14 por si junto com a petição inicial) o autor refere: “Liguei para o número indicado na carta e falei com a Senhora E que me disse que por ter prestações em atraso o meu crédito havia sido vendido à HEFESTO e que agora teria que pagar o crédito na totalidade, cerca de 80.000 EUROS”.
Ora, tal documento, em si, não infirma que também a ré tenha comunicado ao autor que o crédito foi cedido tendo por fundamento a existência de prestações em atraso.
Efetivamente, das declarações de parte do autor (e da autora) decorre que a primeira entidade a quem se dirigiram após receberem a carta que lhes comunicava a cessão de créditos foi a ré. Segundo referiu, o autor logo se deslocou ao balcão da ré de Odivelas, deslocação que, aliás, alegou ter efetuado por várias vezes, indagando da razão de ser do sucedido, referindo nas suas declarações, designadamente “(…) dirigi-me várias vezes ao balcão (…) tratavam-me como se fosse um criminoso (…) como se tivesse dívidas com o balcão (…) que o crédito foi passado porque tinha em atraso” (minutos 3.30 a 3.56).
O certo é que toda a prova produzida evidencia que o único fundamento que a ré transmitiu aos autores para a cedência do crédito foi a existência de prestações em atraso (no sentido de existência de um histórico de prestações em atraso e não no preciso momento em que a cessão ocorre), nunca tendo admitido a existência de erro em tal cessão.
Consequentemente, deferindo parcialmente a impugnação, confere-se ao artigo 20º dos factos provados a seguinte redação:
20. Surpreendidos, de imediato os autores contactaram a Ré, tendo sido por esta informados que, pelo facto de terem prestações em atraso, o respetivo crédito havia sido cedido à Hefesto STC, S.A, entidade esta que, por sua vez, lhes transmitiu  que exigia o pagamento imediato da totalidade da dívida, nunca em prestações, informação esta que deixou os autores perplexos”.
- Na perspetiva da recorrente “não é verdade que os créditos dos AA não tivessem revelado nunca incumprimento” (Conclusão XVI e seguintes).
Na perspetiva da recorrente, a existência de um histórico de incumprimentos fica demonstrada pelos documentos números 3 e 4 juntos com a contestação, e pelo depoimento da testemunha A. Assim, em face de tal realidade, impõe-se a alteração dos factos provados sob os números 20 e 22 (conclusões XX, XXII e XXIII das alegações).
Ao facto 20º foi atribuída a redação supra mencionada que, nos termos expostos, reflete o que resultou da prova produzida, não se justificando qualquer outra alteração à sua redação.
Ao facto 22º foi atribuída a seguinte redação:
22. Antes da carta, e sem prejuízo do acima consignado, os réus haviam pago todas as prestações, incluindo a última prestação a pagamento antes da carta da ré, vencida e paga à data de 31 de outubro de 2017, cf. fls. 36-37.”
Para tal artigo, propõe a ré a seguinte redação:
22. Imediatamente antes da carta referida em 19., e sem prejuízo do acima consignado, os contratos a que respeitavam os créditos cedidos encontravam-se em situação regular, tendo a última prestação a pagamento antes da carta da ré, vencida na data de 31 de outubro de 2017, sido paga pelos AA. na data do seu vencimento
O certo é que a prova produzida evidencia, na realidade, que todas as prestações foram pagas pelos autores, embora algumas com atraso e com as penalizações contratualmente exigíveis, por forma a que o pagamento dos mútuos ficasse em situação regular.
Portanto, é inequívoco que antes do envio da carta em que foi comunicada a cessão, os contratos estavam em situação regular, não havendo qualquer incorreção a apontar ao artigo 22º.
Pelo exposto, indefere-se a impugnação da matéria de facto contida no artigo 20º e no artigo 22º dos factos provados.
- Pretende a recorrente a alteração dos factos provados sob os nºs 23º, 30º, 32º e 33º, considerando que aí se faz decorrer da cessão de créditos, da sua comunicação e da exigência de pagamento da quantia global em dívida, o estado psíquico e emotivo em que os autores ficaram, o que não corresponde à realidade.
Ao artigo 23 foi conferida a seguinte redação:
23.Na altura os autores ficaram em pânico, desorientados, imaginando e temendo o pior, nomeadamente que estavam em risco de perder a sua casa de habitação que, com tanto esforço e sacrifício, tinham adquirido”.
Ao artigo 30º foi conferida a seguinte redação:
30. Entre o período compreendido entre a receção da carta de novembro de 2017 e o dia 13 de março de 2018 (data em que os autores passaram novamente a figurar como devedores do crédito à habitação junto da Ré e do Banco de Portugal), os autores ficaram a aguardar com muita ansiedade, angústia e inquietude o resultado das diligências relativas aos seus empréstimos e à sua casa de habitação, que temeram perder”.
Já ao artigo 32º foi atribuída a seguinte redação:
32. Os autores, ao serem confrontados com a situação de alegado incumprimento, ficaram perturbados emocionalmente, inquietos, angustiados, agitados e nervosos, e com receio de perderem a sua casa e de verem perdido o dinheiro que já tinham investido na sua aquisição, estado de espírito que se manteve mesmo após a situação se mostrar resolvida”.
Por fim, ao artigo 33º, foi conferida a seguinte redação:
33.A situação supra relatada causou ainda perturbação na vida familiar dos autores que, com filhos pequenos em casa, viram as suas rotinas alteradas, o seu descanso perturbado, sem prejuízo da irritabilidade e impaciência constantes que transtornaram o dia-a-dia de todos”.
A recorrente considera que o artigo 23º deve transitar para os factos não provados e para o artigo 30º propõe a seguinte redação:
30. Os autores ficaram a aguardar com ansiedade, angústia e inquietude o resultado das diligências que fizeram no sentido de reverter a cessão dos seus empréstimos pela R. à Hefesto STC SA e quanto à penhora e venda judicial em curso da fração autónoma de que eram proprietários, que temeram perder”.
Para o artigo 32º, a recorrente sugeriu a seguinte redação:
32. Os autores, ante a pendência de execução judicial motivada por fiança prestada a um amigo do A., na qual os seus empréstimos foram integralmente reclamados pela R., e perante a exigência da totalidade da dívida pela Hefesto STC SA, ficaram perturbados emocionalmente, inquietos, angustiados, agitados e nervosos, e com receio de perderem a casa de que eram proprietários e de verem perdido o dinheiro que já tinham investido na sua aquisição”.
Relativamente à matéria constante do artigo 33º dos factos provados, considerou a recorrente que a existência de algum transtorno ou perturbação apenas pode ter decorrido da exigência do pagamento da totalidade da dívida efetuada pela Hefesto ou da pendência da execução judicial em que o imóvel foi colocado à venda.
A recorrente fundamente a impugnação ora em análise nos depoimentos das testemunhas B e C, considerando, no essencial, que o estado psíquico dos autores decorria essencialmente da pendência de processo executivo onde fora penhorada aos autores o prédio que justificou a concessão dos mútuos em discussão nos autos.
Porém, este entendimento da recorrente não resulta confirmado dos meios de prova que indicou.
Efetivamente, a testemunha B, ao longo do seu depoimento, aludiu a conflitos entre os autores, por a autora recriminar o marido por ter afiançado uma dívida que deu origem à respetiva demanda em processo executivo, e até à penhora da habitação. Porém, ao longo de todo o seu depoimento, revelou perplexidade pela persistência de tal conflito, dado que prontamente se disponibilizou a emprestar a quantia necessária para liquidar as responsabilidades dos autores em tal processo, tendo procedido à sua transferência (€ 6.500,00) no próprio dia em que a filha lhe apresentou essa solicitação. Referiu até que se sentiu impotente, dado que a situação relativa a essa questão já estava resolvida (minuto 52.00 do seu depoimento), insistindo ao longo do seu depoimento que o conflito entre os autores “no fundo tinha a ver com a casa”, pois ambos a pretendiam manter – cfr. minuto 56.20. Afigura-se que a testemunha em questão, embora tendo prestado em depoimento espontâneo, não logrou esclarecer com precisão as questões jurídicas e processuais (que segundo declarou não conheceu com um mínimo de rigor) que estiveram na origem das discussões do casal.
Tal esclarecimento decorre de forma mais precisa do depoimento da testemunha C, que referiu que o forte transtorno que observou no autor “tinha a ver com o facto de o crédito ter sido transferido para outra instituição” – minuto 1.05.54. Efetivamente, esta testemunha observou o autor quando este se deslocou a sua casa para pedir esclarecimentos à sua esposa, advogada de profissão, que trabalhava no Banco de Portugal e constatou que a situação foi desencadeada apenas pela transferência do crédito.
Perante o exposto, embora seja inequívoco que o autor terá afiançado uma dívida que, tendo sido incumprida, originou a sua demanda em processo executivo, na qualidade de fiador, o certo é que lhe foi exigido o pagamento de cerca de € 6.500,00, exigência prontamente satisfeita com o empréstimo pelo sogro da quantia necessária e a pronta disponibilidade da solicitadora da execução a desenvolver as diligências necessárias a que o processo findasse. E se tal processo produziu algum impacto negativo no estado anímico dos autores, tal apenas se deveu à atuação da ré que, na qualidade de credor reclamante naqueles autos (com base nos mesmos créditos que estão em discussão nestes autos), terá exigido que os mesmos prosseguissem para a fase da venda – veja-se a este propósito as declarações do autor aos minuto 12.30 e da autora ao minutos 23.40. A autora referiu mesmo que o aludido processo executivo “Não me tirava o sono” (minuto 44.15), dado que o assunto estava resolvido, havia negociações para fixar o valor (diminuto) e o pai da autora adiantaria a quantia necessária para o liquidar. Ou seja, a execução em que o autor foi demandado na qualidade de fiador não colocava em causa a aquisição da casa pelos autores, dado que a respetiva responsabilidade ficava liquidada com a entrega de € 6.500,00 prontamente cedidos pelo pai da autora. Ao invés do sucedido pela cessão de créditos à Hefesto, que implicava o imediato pagamento de toda a quantia em dívida no âmbito dos contratos de mútuo celebrados com a ré.
Foi, pois, a cessão que esteve na origem da perturbação da vida familiar dos autores, já que se não tivesse ocorrido, a cessionária não teria exigido o pagamento da quantia global em dívida. É também inequívoco que a cessão foi efetuada com base num pressuposto de incumprimento que se revelou inverídico, ou seja, tendo por base pressupostos incorretos, tanto mais que a situação resolveu-se pela sua reversão.
Concluindo, o motivo de preocupação radicava não na pendência da execução em que o autor fora demandado por ter afiançado a dívida exequenda, mas na cessão de créditos, e subsequente e automática exigência do elevado valor de € 80.000,00 para liquidação das responsabilidades emergentes dos créditos cedidos.
Pelo exposto, indefere-se a pretendida alteração dos factos provados sob os números 23, 30, 32 e 33.
- Defende a recorrente que a prova produzida evidenciou que a casa em questão não correspondia ao local de habitação dos autores, pelo que deve ser transposta para a factualidade não provada tal realidade (artigo 23º).
Tal impugnação foi deduzida tendo por base o depoimento da testemunha B, pai da autora.
Porém, da audição integral de tal depoimento resultou que os autores foram residir com o pai (e sogro) por ele ter adoecido e não ter condições para viver sozinho. Foi esse o fundamento que levou os autores a transferirem a residência, temporariamente, para a zona da ... (Torres Vedras). E embora o agregado familiar dos autores ali tenha permanecido, designadamente por os filhos terem passado a frequentar naquela localidade a escola, o certo é que a residência de Odivelas foi adquirida para a respetiva habitação, embora supervenientemente alterada, em função do já exposto (minuto 50.02 a 58.59 do depoimento da testemunha B).
Pelo exposto, improcede a impugnação da matéria de facto quanto à alteração do artigo 23º dos factos provados.
- A recorrente reagiu ao facto nº 24 considerando que a prova produzida não evidenciou terem sido apresentadas pelos autores várias reclamações presenciais e escritas.
A tal facto, conferiu o tribunal recorrido a seguinte redação:
24. Os autores inconformados com o sucedido, para além de várias reclamações presenciais junto do balcão da Ré em Odivelas, e de outras tantas por via telefónica para os serviços daquela, apresentaram, à data de 21.11.2017, uma reclamação escrita por exposição no livro de reclamações o citado Balcão da 1ª Ré e, à data de 24.11.2017, uma reclamação por carta registada com AR, que endereçaram à cessionária Whitestar, S.A., cf. fls. 38 – 41. 25”.
Considera a recorrente que, em face da prova produzida, deve ser conferida a tal artigo a seguinte redação:
“24.Os autores apresentaram, à data de 21.11.2017, uma reclamação escrita por exposição no livro de reclamações o citado Balcão da 1ª Ré e, à data de 24.11.2017, uma reclamação por carta registada com AR, que endereçaram à cessionária Whitestar, S.A., cf. fls. 38 – 41.”
A este propósito, compulsada a decisão integral relativa à matéria de facto, forçosa é a conclusão de que o tribunal recorrido considerou não provado sob os artigos 41º e 42º que os autores se tenham deslocados várias vezes, em número de, pelo menos, treze vezes, aos balcões da ré.
Consequentemente, na ausência de meio de prova que sustente de forma objetiva e segura tal realidade, suprimindo a evidente contradição detetada na matéria de facto, procede a impugnação, alterando-se o artigo 24º por forma a atribuir-lhe a redação proposta pela ré/recorrente.
- Impugnou a recorrente a redação do artigo 28 dos factos provados, considerando que integra considerações que condicionam a decisão jurídica da causa
A tal artigo foi conferida a seguinte redação:
28. Contudo, ainda à data de 9 de março de 2018 a Ré enviou carta aos autores insistindo no incumprimento destes e que tinham sido integrados no processo extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI) à data da integração de 9.3.2018, cf. fls. 44.”
A redação que a recorrente propõe para o artigo em questão é a seguinte:
28. À data de 9 de março de 2018 a Ré enviou carta aos autores comunicando-lhes que tinham sido integrados no processo extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), sendo a data da integração no PERSI a de 9.3.2018 e indicando como contratos de crédito em incumprimento integrados em PERSI os contratos referidos em 1. a 4., com os montantes totais em incumprimento à data da integração de 585,30 € no contrato identificado em 1. e 2. e de 492,22 € no contrato identificado em 3. e 4. – cf. fls. 44.”
Esclareça-se, antes de mais, que os autores, na sequência da cessão de créditos, viram inviabilizado o pagamento das prestações vencidas em novembro, dezembro de 2017, janeiro, fevereiro de 2018, porque a Hefesto, cessionária dos créditos em discussão, não aceitava o seu pagamento em prestações, exigindo, ao invés, o pagamento da quantia global em dívida no âmbito dos mútuos em causa.
Foi nesse específico contexto que a ré, após informar em 21-12-2017 (facto provado nº 27) que se encontrava a diligenciar junto da cessionária pela “recompra” dos créditos cedidos em 2-11-2017 (facto provado nº 19), enviou aos autores a carta em questão, comunicando-lhes a integração, com efeitos a partir de 9-03-2018, em processo extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI). Ora, tal comunicação não pode deixar de ser equiparada a uma imputação de incumprimento do pagamento das prestações pelos autores, as tais que são relativas aos quatro meses em que o crédito, por ter sido cedido, se encontrava na titularidade da cessionária, e que os autores, sem sucesso, tentaram pagar.
Ora, estando assente o envio da carta em questão, o certo é que tratando-se de integração dos créditos dos autores em Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), apenas a interpretação de que a ré imputou aos autores incumprimento no pagamento das referidas prestações pode ser efetuada. Efetivamente, como se refere no preâmbulo do Dl 227/2012, de 25-10, que instituiu o referido procedimento, procurou-se “promover a adequada tutela dos direitos dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários”.
Ou seja, a ré cedeu o crédito invocando incumprimento e insistiu nessa tese (do incumprimento) na carta de 9-03-2018, em que comunica a integração dos créditos em PERSI, já depois de estarem em curso as diligências necessárias para a designada “recompra” do crédito, apontando atraso no pagamento de prestações aos autores no período em que lhes foi inviabilizado tal pagamento, aliás, regularizado em 13-03-2018 (facto provado nº 30).
Forçosa, é, pois, a conclusão de que a ré, ao comunicar a integração em PERSI insistiu no incumprimento dos autores, que não se verificava, atuando em sentido oposto ao que resultava das diligências que estava a desenvolver para “recomprar” os créditos.
Pelo exposto, improcede a impugnação do artigo 28º dos factos provados que deverá manter a sua redação.
- A recorrente impugnou o artigo 29 dos factos provados considerando padecer o mesmo de imprecisões dado que os contratos nunca saíram da titularidade dos autores, mesmo no período em que se encontraram cedidos à Hefesto.
A tal artigo foi conferida a seguinte redação:
29. Apenas após muitas diligências, deslocações ao balcão da Ré em Odivelas, emails escritos e inúmeros contactos, o crédito à habitação contratualizado entre autores e a Ré retornou à titularidade dos autores e, consequentemente, à data de 13 de março de 2018, foram debitadas aos autores todas as prestações vencidas entre o mês de novembro de 2017 e o de fevereiro de 2018”.
Para tal artigo propõe a ré a seguinte redação:
Os créditos contratualizados entre autores e a Ré retornaram à titularidade da R. por recompra à Hefesto STC SA e, consequentemente, à data de 13 de março de 2018, foram debitadas aos autores todas as prestações vencidas entre o mês de novembro de 2017 e o de fevereiro de 2018” – v. designadamente os Documentos n.ºs 3 e 4 juntos à Contestação”.
Manifestamente, o facto provado em questão padece de lapso pois que a cessão operou a retirada da titularidade dos créditos da ré e não dos autores. Consequentemente, a “recompra” do crédito gerou o seu regresso à titularidade da ré (e não dos autores, de cuja titularidade nunca foi retirado).
Por outro lado, por forma a suprimir a manifesta contradição com o constante dos artigos 41º e 42º dos factos não provados, relativamente ao alegado (mas não provado) relativamente às várias deslocações efetuadas pelos autores ao balcão da ré, deverá ser suprimida do facto 29 a menção a várias deslocações, substituindo-se pela menção à deslocação mencionada no facto nº 24.
Impõe-se, pois, proceder às apontadas correções.
Porém, sendo manifesto que tal regresso à titularidade da ré dos créditos cedidos ocorre após muitas diligências, uma deslocação ao balcão da ré em Odivelas para elaboração da reclamação mencionada no facto provado nº 24, emails escritos e inúmeros contactos, não beneficia de fundamento válido a pretensão da supressão de tal factualidade. O mesmo terá que ser afirmado relativamente à expressão “apenas após”. Efetivamente, a recompra do crédito, relativamente à qual a ré já se encontrava a diligenciar em 21-12-2017 (facto provado nº 27), quando o mesmo tinha sido cedido apenas no mês anterior, em 2-11-2017 inculca a convicção segura de que a tal ato de recompra não foram alheias as diligências desenvolvidas pelos autores.
Deferindo-se parcialmente o requerido relativamente ao artigo 29º dos factos provados, procedendo à sua retificação, confere-se-lhe a seguinte redação:
29. Apenas após muitas diligências, deslocação ao balcão da ré em Odivelas para elaboração da reclamação mencionada no facto nº 24, emails escritos e inúmeros contactos, o crédito à habitação contratualizado entre autores e a Ré retornou à titularidade desta e, consequentemente, à data de 13 de Março de 2018, foram debitadas aos autores todas as prestações vencidas entre o mês de Novembro de 2017 e o de Fevereiro de 2018”.
- Com as alterações já operadas fica suprimida a contradição apontada à matéria de facto, designadamente no que se reporta ao não apuramento das várias deslocações mencionadas nos factos não provados números 41, 42 e 46, efetuadas pelos autores ao balcão da ré, em Odivelas.
Efetivamente, apura-se a realização da deslocação mencionada no facto nº 24, mantendo-se como não provadas as demais alegadas.
- Foi ainda impugnada pela recorrente a decisão da matéria de facto relativa ao artigo 34º dos factos provados.
A tal artigo foi conferida a seguinte redação:
34. O autor chegou até a recorrer ao seu médico de família, que lhe ministrou tratamento medicamentoso destinado a combater a ansiedade”.
Considera a recorrente que não ficou demonstrada a efetiva prescrição de tal fármaco dado estarem em causa medicamentos sujeitos a receita médica. Acresce que tal facto nem sequer foi alegado.
Na realidade, a factualidade em questão foi alegada nos artigos 42º e 43º da petição inicial.
Por outro lado, não se trata de facto para a qual se exija prova documental, nos termos do artigo 358º, CC.
O certo é que o transtorno e até a obsessão com que o autor encarou a situação criada pela ré resultam inequivocamente dos depoimentos de parte, corroborados pelo depoimento da testemunha C. Efetivamente, referiu esta testemunha, além do mais que “O P. deixou de ser o P. (…) receando perder a casa (…) não sou especialista para afirmar que estava com depressão mas nessa altura o P. deixou de ser o P.” (minuto 1.04.23 a 1.06.20), esclarecendo que toda a situação resultou apenas das vicissitudes inerentes ao crédito à habitação. Tal depoimento conjugado com o depoimento de parte da autora (minutos 31.00 a 31.40) evidencia que o autor foi medicado para a ansiedade, nos termos apurados.
Consequentemente, improcede a impugnação do artigo 34º dos factos provados.
- Defendeu ainda a recorrente que devem ser aditados à matéria de facto factos por si alegados, que se revelam pertinentes para a decisão da causa (conclusão número LXXVIII a LXXXV).
Tais factos reportam-se, desde logo, à alegação de atrasos pontuais no pagamento das prestações emergentes dos mútuos, entre 28-02-2014 e 8-10-2014 e entre 31-10-2015 e 13-01-2017.
Porém, tais factos revelam-se irrelevantes para a decisão da causa, porquanto nunca determinariam a cessão de créditos com base em incumprimento contratual, sendo inequívoco que esta decorreu de lapso evidente do banco mutuante, só assim se explicando que logo no mês seguinte à cessão tenha iniciado diligências para a recompra dos créditos (facto provado nº 27). Certo é que a cessão ocorre quando se encontravam regularizados os pagamentos por parte dos mutuários, sendo irrelevantes os atrasos anteriores, que não deixam de corresponder às vicissitudes normais de uma relação creditícia, tanto mais que foram regularizados com a liquidação dos acréscimos exigidos pela mutuante.
Improcede, pois, o pedido de aditamento de outros factos à factualidade provada, atenta a sua irrelevância.
*
III – Fundamentação - Factos provados
Ponderando as alterações decorrentes da impugnação da matéria de facto deduzida pela ré, é a seguinte a factualidade a ponderar:
1. Por escritura pública de 28/12/2005, e respetivo documento complementar, do Cartório Notarial de Lisboa, de D, a Ré emprestou aos autores, enquanto mutuários, a quantia de €55.000,00, fls. 11;
2. Ao referido empréstimo bancário foi atribuído o número ….
3. No mesmo dia 28/12/2005, por escritura pública, e respetivo documento complementar, do Cartório Notarial de Lisboa, de D, a Ré emprestou aos autores, enquanto mutuários, a quantia de €45.500,00, cf. fls. 19.
4. Por sua vez, ao referido empréstimo bancário foi atribuído o número ….
5. Para garantia do integral cumprimento das obrigações assumidas para com a ré, constituíram os autores hipotecas voluntárias sobre a fração autónoma destinada a habitação, designada pela letra “H”, correspondente ao terceiro andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua (…), freguesia e concelho de Odivelas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas sob a ficha n.º … Fração …, da freguesia de Odivelas e inscrito na matriz sob o artigo (…) da dita freguesia, cf. fls. 29-31;
6. Mais ficou contratualizado – vide cláusula oitava, nºs 1 e 2 do documento complementar junto às duas escrituras - que todos os pagamentos a que os autores ficassem obrigados seriam efetuados através da conta de depósito à ordem n.º … – conta ordenado - aberta em nome dos autores junto do Balcão da ré, em Odivelas, e pagas através do sistema do débito direto, desde logo autorizado pelos autores, fls. 16 e 22 verso;
7. Nos termos da cláusula nona, nº 1, alínea d), obrigaram-se ainda os autores a efetuar o respetivo seguro de incêndio ou multirriscos habitação, em companhia de seguros aceite pela ré, cf. fls. 24 verso, 16 verso, tendo, assim, aqueles subscrito um seguro multirriscos habitação com a Companhia de Seguros Lusitânia S.A., denominado de Seguro Proteção Habitação Montepio – Apólice n.º 8336189, de fls. 50, 65;
8. A ré enviou ao autor carta de 9.2.2008, de fls. 184, e à autora a carta de 9.2.2008, de fls. 185, ambas com o seguinte teor: “O contrato em referência foi afeto ao Departamento de Recuperação de Crédito. Todavia, não desejamos instaurar, desde já, a competente ação judicial sem tentar, uma vez mais, a regularização extrajudicial. Aguardamos, por isso, que até ao dia 22.2.2008 V. Exª proceda à regularização da dívida que, à data da emissão desta carta, ascende a€727,72. Conforme previsto no nosso preçário, serão cobradas despesas acrescidas do imposto de selo, no montante de €260,00, relativas à correspondente desafetação. Certos que aproveitará esta oportunidade para regularizar a situação contratual, apresentamos os melhores cumprimentos.”;
9. A ré enviou ao autor a carta de 26.4.2008, de fls. 186, e à autora a carta de 26.4.2008, de fls. 187, ambas com o seguinte teor: “O contrato em referência foi reafecto ao Departamento de Recuperação de Crédito. Todavia, não desejamos instaurar, desde já, a competente ação judicial sem tentar, uma vez mais, a regularização extrajudicial. Aguardamos, por isso, que até ao dia 12.5.2008 V. Exª proceda à regularização da dívida que, à data da emissão desta carta, ascende a €356,34. Conforme previsto no nosso preçário, serão cobradas despesas acrescidas do imposto de selo, no montante de €260,00, relativas à correspondente desafectação. Certos que aproveitará esta oportunidade para regularizar a situação contratual, apresentamos os melhores cumprimentos.”;
10.A ré enviou ao autor a carta de 27.5.2008, de fls. 188, e à autora a carta de 27.5.2008, de fls. 189, ambas com o seguinte teor: “O contrato em referência foi afeto ao Departamento de Recuperação de Crédito. Todavia, não desejamos instaurar, desde já, a competente ação judicial sem tentar, uma vez mais, a regularização extrajudicial. Aguardamos, por isso, que até ao dia 11.6.2008 V. Exª proceda à regularização da dívida que, à data da emissão desta carta, ascende a €673,96. Conforme previsto no nosso preçário, serão cobradas despesas acrescidas do imposto de selo, no montante de €156,00, relativas à correspondente desafetação. Certos que aproveitará esta oportunidade para regularizar a situação contratual, apresentamos os melhores cumprimentos.”;
11. A ré enviou à autora a carta de 26.8.2008, de fls. 190, e ao autor a carta de 27.5.2008, de fls. 191, ambas com o seguinte teor: “O contrato em referência foi reafecto ao Departamento de Recuperação de Crédito. Todavia, não desejamos instaurar, desde já, a competente ação judicial sem tentar, uma vez mais, a regularização extrajudicial. Aguardamos, por isso, que até ao dia 9.9.2008 V. Exª proceda à regularização da dívida que, à data da emissão desta carta, ascende a € 323,32. Conforme previsto no nosso preçário, serão cobradas despesas acrescidas do imposto de selo, no montante de € 260,00, relativas à correspondente desafetação. Certos que aproveitará esta oportunidade para regularizar a situação contratual, apresentamos os melhores cumprimentos.”
12.A ré enviou à autora a carta de 28.8.2008 de fls. 192: “Na sequência do contacto com os nossos serviços comunicamos que a CEMG aceita a proposta de regularização da dívida que consiste num plano de pagamento de 1 prestação” €864,69, com data limite de 28.8.2008;
13.A ré enviou ao autor a carta de 29.8.2008 de fls. 193 e à autora a carta de 29.8.2008 de fls. 194, ambas com o seguinte teor: “V. Exa.ª não efetuou a regularização do contrato em epígrafe, no prazo da moratória oportunamente autorizada, contudo, e pelo facto de não desejarmos a competente ação judicial sem tentar, pela última vez, a regularização amigável da sua situação contratual, concedemos-lhe novo prazo de 8 (oito) dias. Caso contrário, seremos forçados a recorrer de imediato à via judicial, com todas as consequências legais e patrimoniais daí emergentes, sem qualquer aviso.”;
14.A ré enviou ao autor a carta de 6.9.2008 de fls. 195: “Na sequência do contacto com os nossos serviços comunicamos que a CEMG aceita a proposta de regularização da dívida que consiste num plano de pagamento de 4 prestações”, cada do valor de €396,00, com data limite de 2.10.2008, 2.11.2008, 2.12.2008, 2.1.2009;
15.A ré enviou ao autor a carta de 31.12.2008, de fls. 196, e à autora a carta de 13.12.2008, de fls. 197, ambas com o seguinte teor: “O contrato em referência foi reafecto ao Departamento de Recuperação de Crédito. Todavia, não desejamos instaurar, desde já, a competente ação judicial sem tentar, uma vez mais, a regularização extrajudicial. Aguardamos, por isso, que até ao dia 15.1.209 V. Exª proceda à regularização da dívida que, à data da emissão desta carta, ascende a €665,78. Conforme previsto no nosso preçário, serão cobradas despesas acrescidas do imposto de selo, no montante de €260,00, relativas à correspondente desafetação. Certos que aproveitará esta oportunidade para regularizar a situação contratual, apresentamos os melhores cumprimentos.”;
16.Ilustre Advogado enviou ao autor a carta de 6.2.2009 de fls. 198: “Considerando que não tiveram êxito as diligências já realizadas com vista à regularização do contrato em epígrafe, fui incumbido de, pela via judicial, recuperar os créditos devidos pelo seu incumprimento. Não desejaria, todavia, instaurar a competente ação judicial sem tenta, pela última vez, a regularização extrajudicial da sua situação contratual, para a qual lhe concedo o prazo de 10 (dez) dias.”
17.As prestações supra referidas foram entretanto pagas pelos autores;
18. Em 12.3.2012, a fração autónoma hipotecada foi penhorada, no âmbito da execução 5992/08.9TCLRS. A ré, credora hipotecária, foi citada para reclamar créditos, que foram reconhecidos e graduados por sentença de 22/02/20;
17. Em 10-12-2017 a instância foi extinta pelo pagamento. Em 10.1.2018, a CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, credora reclamante requereu a renovação da instância, nos termos do disposto no artigo 809.º n.º 1 do Código do Processo Civil. Em 1.7.2019, a aqui ré apresentou requerimento alegando que já não tem interesse no prosseguimento da execução, pois o seu crédito encontra-se em dia, devendo a presente execução extinguir-se;
19.A ré enviou aos autores, que a receberam, a carta de 2.11.2017, de fls. 32-35, 199, 200, 201, 202, na qual comunicou aos autores que cedeu à sociedade HEFESTO STC, S.A. o crédito do contrato celebrado em 28.12.2008. Em consequência, e com efeitos a 2.11.2017, todas as importâncias relativas ao contrato, deverão ser pagas na conta bancária que identificam, da referida entidade;
20. Surpreendidos, de imediato os autores contactaram a Ré, tendo sido por esta informados que, pelo facto de terem prestações em atraso, o respetivo crédito havia sido cedido à Hefesto STC, S.A, entidade esta que, por sua vez, lhes transmitiu  que exigia o pagamento imediato da totalidade da dívida, nunca em prestações, informação esta que deixou os autores perplexos;
21.Após a carta, o réu deixou de debitar as prestações até ao consignado em 29;
22.Antes da carta, e sem prejuízo do acima consignado, os réus haviam pago todas as prestações, incluindo a última prestação a pagamento antes da carta da ré, vencida e paga à data de 31 de Outubro de 2017, cf. fls. 36-37;
23.Na altura os autores ficaram em pânico, desorientados, imaginando e temendo o pior, nomeadamente que estavam em risco de perder a sua casa de habitação que, com tanto esforço e sacrifício, tinham adquirido;
24. Os autores apresentaram, à data de 21.11.2017, uma reclamação escrita por exposição no livro de reclamações o citado Balcão da 1ª Ré e, à data de 24.11.2017, uma reclamação por carta registada com AR, que endereçaram à cessionária Whitestar, S.A., cf. fls. 38 – 41;
25.Além disso, à data de 28.11.2017, através de carta registada com AR, os autores apresentaram ainda uma reclamação escrita junto do Banco de Portugal de fls. 42-43;
26.A ré enviou ao autor carta de 5.12.2017, de fls. 39: “Acusamos a receção da exposição que apresentou no livro de reclamações do balcão em Odivelas em 21.11.2017, a qual mereceu a nossa melhor atenção. Relativamente ao assunto exposto, informamos que o mesmo encontra-se ainda a ser objeto de análise, pelo que oportunamente, voltaremos a contactá-lo.”;
27.A ré enviou ao autor carta de 21.12.2017, de fls. 268: “No seguimento da nossa carta, de 05.12.2017, informamos que a Caixa Económica Montepio Geral se encontra a diligenciar, junto da cessionária, a recompra dos respetivos créditos.”;
28.Contudo, ainda à data de 9 de Março de 2018 a Ré enviou carta aos autores insistindo no incumprimento destes e que tinham sido integrados no processo extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI) à data da integração de 9.3.2018, cf. fls. 44;
29. Apenas após muitas diligências, deslocação ao balcão da ré em Odivelas para elaboração da reclamação mencionada no facto nº 24, emails escritos e inúmeros contactos, o crédito à habitação contratualizado entre autores e a Ré retornou à titularidade desta e, consequentemente, à data de 13 de Março de 2018, foram debitadas aos autores todas as prestações vencidas entre o mês de Novembro de 2017 e o de Fevereiro de 2018;
30. Entre o período compreendido entre a receção da carta de Novembro de 2017 e o dia 13 de Março de 2018 (data em que os autores passaram novamente a figurar como devedores do crédito à habitação junto da Ré e do Banco de Portugal), os autores ficaram a aguardar com muita ansiedade, angústia e inquietude o resultado das diligências relativas aos seus empréstimos e à sua casa de habitação, que temeram perder;
31. Por carta de 21.4.2018, de fls. 262, a ré comunicou ao autor a extinção do enquadramento de PERSI, indicando como motivo: regularização;
32. Os autores, ao serem confrontados com a situação de alegado incumprimento, ficaram perturbados emocionalmente, inquietos, angustiados, agitados e nervosos, e com receio de perderem a sua casa e de verem perdido o dinheiro que já tinham investido na sua aquisição, estado de espírito que se manteve mesmo após a situação se mostrar resolvida;
33.A situação supra relatada causou ainda perturbação na vida familiar dos autores que, com filhos pequenos em casa, viram as suas rotinas alteradas, o seu descanso perturbado, sem prejuízo da irritabilidade e impaciência constantes que transtornaram o dia-a-dia de todos;
34. O autor chegou até a recorrer ao seu médico de família, que lhe ministrou tratamento medicamentoso destinado a combater a ansiedade;
35.Com total desconhecimento dos autores, foi a apólice de seguro multirriscos referida em 7 anulada;
36.No período de tempo em que a apólice de seguro multirriscos habitação permaneceu anulada, sem que os AA. disso tivessem conhecimento, ocorreu um sinistro na fração dos AA. que se traduziu na danificação/rutura de um cano da casa de banho dessa fração;
*
Factos não provados:
“37. Tal qual a prestação mensal do crédito à habitação também o pagamento do prémio do seguro multirriscos habitação era efetuado por débito direto da conta bancária n.º … titulada na ora 1ª Ré, mantendo os AA. o cuidado de sempre manterem provisionada a sua conta bancária com vista ao pagamento destas e outras obrigações para com as RR. e terceiros, e os AA. também sempre asseguraram o pagamento, através de débito direto, do prémio do seguro multirriscos habitação e das quotas junto da Associação Mutualista da qual são associados, denominado de Seguro Proteção Habitação Montepio, Ramo Incêndio e outros danos;
38.Consequentemente, nunca o pagamento de tal prémio de seguro se encontrou em atraso nem em incumprimento ou em litígio.-;
39.Contudo, violando o contratualizado e sem que nada o fizesse prever, e não obstante a referida conta bancária se encontrar provisionada para o efeito na data do débito direto do prémio de seguro em referência, a 1ª Ré recusou o pagamento do prémio da apólice de seguro obrigatório associado ao crédito à habitação.
40.A apólice de seguro multirriscos referida anulada pelos serviços da 2.ª ré.
41.A fim de esclarecer a situação de alegado incumprimento, os AA. deslocaram-se várias vezes ao Balcão da 1ª R., em Odivelas, sendo que, em cada deslocação que o A. efetuou, teve de faltar ao trabalhado e despender dinheiro em combustíveis e portagens.
42.Assim, na tentativa de solucionar o problema criado pela 1ª Ré os AA., no período de entre Novembro de 2017 e Março de 2018, fizeram pelo menos 13 (treze) deslocações ao balcão daquela, em Odivelas, gastando em média o valor de 22,00 € em cada deslocação e deixando o A. de auferir, em cada dia de trabalho a que faltou, a quantia diária de 35,00€, de modo que, a esse título, os AA. tiveram um prejuízo que ascende à quantia total de €741,00 ( setecentos e quarenta e um euros) montante que ora se reclama;
43.Na sequência dessa rutura à data de 13 de março de 2018, entrou água na fração imediatamente por baixo da fração dos AA., correspondente ao 2º andar esquerdo, provocando danos nos tetos e paredes dessa fração;
44. Foi precisamente aquando da participação do sinistro aos balcões da ora 1ª R., e também junto da 2ª R., á data de 19 de março de 2018, que os AA. vieram a ter conhecimento da anulação da apólice de seguro já que, até essa data, nenhuma das duas entidades os haviam informado de tal;
45. Ora, certo é que, durante o longo período de tempo em que as RR. excluíram a sua responsabilidade pelo sucedido, dizendo a 1ª R. que a responsável era a 2ª R. e vice-versa, e dizendo a 2ª R. que tinha de ser a 1ª R. a tratar do assunto (pois cancelou o débito direto do prémio de seguro sem autorização do cliente ) e a 1ª R. que tinha de ser a 2ª R. a resolver a situação ( pois era a seguradora do imóvel);
46. O A. teve de efetuar várias deslocações ao Balcão, da 1ª R., em Odivelas, reunir com a gerente, trocar emails e telefonemas vários e, finalmente, solicitar a intervenção de advogado contratado para o efeito pelos AA;
47. Sendo que, pelo menos durante os meses de março, abril e inicio de maio de 2018 nenhuma das RR. aceitou o sinistro e /ou providenciou pela realização de peritagem e orçamentação dos danos, nem pela contratação de técnicos e aquisição de materiais necessários à reparação dos mesmo, arrastando a situação de não reparação dos danos do imóvel resultantes do sinistro descrito;
48. Tanto assim foi que o proprietário da referida fração apresentou queixa e reclamação junto da Câmara Municipal de Odivelas a qual ordenou a deslocação ao local dos serviços da fiscalização municipal com vista a que os AA. promovessem as devidas obras de reparação no imóvel danificado;
49.Na sequência, e dada a ausência de resposta das RR., os AA. iniciaram eles próprios procedimento para reparação dos danos, pedindo para o efeito orçamento a empreiteiro e contratando os seus serviços, tendo-se concluído que, para proceder à reparação dos danos verificados na fração dos AA., correspondente ao 3º andar esquerdo, eram necessários os seguintes trabalhos: -pesquisa de rotura; -levantamento do chão da casa de banho; -levantamento da base de duche: -retirada de entulhos; -fornecimento e aplicação do pavimento; -fornecimento de base de duche;
50.Bem como que para reparação dos danos apresentadas na fração afetada, correspondente ao 2ª andar esquerdo, eram, por sua vez, necessários os seguintes trabalhos: -reparação dos tetos danificados-fornecimento e aplicação de teto em gesso cartonado; -pintura de tetos e paredes danificadas com água; e -fornecimento de esgoto;
51. Tendo-se previsto que a execução de trabalhos, incluindo mão de obras e materiais, ascenderia à quantia de 7.800,00€, a que acresceria IVA à taxa legal em vigor (conforme orçamento que se junta como doc. 18 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos);
52.Dada a demora das RR. na assunção da responsabilidade relativa ao ocorrido sinistro e dada a urgência na reparação dos danos, quer no apartamento dos AA. quer no apartamento do 2ª andar, os AA. decidiram adjudicar os serviços de reparação e obras nos termos do orçamento junto;
53. E apenas adjudicaram tais obras após muitas insistências junto dos balcões das RR., com telefonemas, emails, reclamações escritas, e sem que nenhuma resposta houvesse por parte das RR. relativamente à sua participação de sinistro;
54.Até à data de 4 de Maio de 2018 – data em que a seguradora – ora 2ª Ré procedeu à abertura do processo de sinistro - os AA. não tinham ainda qualquer resposta à sua participação/reclamação, já que ambas as RR. insistiam em recusar assumir o sinistro, não podendo os AA. protelar mais no tempo a sua resolução uma vez que a fiscalização municipal da Camara Municipal de Odivelas e o vizinho insistiam na realização das obras;
55. Por outro lado, a verdade é que os AA., até á data de 4.5.2018 desconheciam a quem reportar e a quem exigir a peritagem dos danos, a verificação da obra, a aceitação de orçamentos e a reparação dos danos, porque ambas as RR. inicialmente recusaram receber a participação do sinistro, pretendendo negar a sua responsabilidade, tendo esta acabado por ser realizada via email pela advogada contratada pelos AA. para esse efeito;
56.Assim, dada a urgência na resolução do assunto em Abril 2018 os AA. acabaram por mandar executar as obras na sua casa de habitação a fim de evitar mais danos na casa do vizinho;
57.Apenas em maio de 2018 e já após a conclusão das obras a 2ª R. enviou perito avaliador ao local para averiguação do sinistro, peritagem dos danos e previsão dos trabalhos e do valor de reparação. 58. E nessa sequência, a 2ª R. considerou o orçamento dos AA e dos trabalhos efetuados muito elevado sugerindo o pagamento aos AA do valor de 1246,15€, valor esse que os AA não aceitam como compensador das reparações efetuadas reclamando da 2º Ré o pagamento do valor global das reparações no montante de 7800,00€ acrescido do IVA no valor total de 9594,00€;
59.Refira-se ainda que também toda esta situação dos AA. serem confrontados com a inexistência de contrato de seguro, de impasse na assunção de responsabilidades e resolução do problema, de terem de ser eles próprios a diligenciar pela reparação dos danos, causou aos mesmo inquietude, angústia e nervosismo, estado de espírito que se manteve mesmo após a situação se mostrar resolvida.”
IV- Reapreciação da decisão de mérito
- Da responsabilidade contratual da ré
A recorrente reagiu à decisão que, julgando a ação parcialmente procedente, a condenou a pagar aos autores a quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais emergentes do seu incumprimento contratual.
Considerou o tribunal recorrido que tal incumprimento decorreu da cessão dos créditos emergentes dos contratos de mútuo celebrados entre os autores e a ré, geradora de uma alteração da particular forma de pagamento acordada, deixando de ser debitadas as respetivas prestações e passando a ser exigido, pela cessionária, o pagamento da totalidade do montante em dívida.
Resulta inequivocamente dos factos provados que entre os autores e a ré foram celebrados dois contratos de mútuo bancário, garantidos por hipotecas sobre a fração urbana adquirida pelos mutuários. Tais mútuos, que remontam ao ano de 2005, foram sendo liquidados pelos autores, embora por vezes com atrasos e com a exigência de penalizações (factos provados números 8 a 17), tendo sido objeto de cessão de créditos celebrada em 2-11-1017 entre a ré e a Hefesto STC, SA (facto nº 19).
No momento de tal cessão, mostravam-se regularizadas todas as prestações emergentes dos contratos de mútuo para os autores, que não foram ouvidos pela ré sobre a possibilidade de realização de tal negócio, só a posteriori do mesmo tendo tido conhecimento (factos provados números 19 e 20).
Os acordos celebrados entre autores e ré reconduzem-se à figura do empréstimo bancário que consiste no “contrato pelo qual o banco (mutuante) entrega ou se obriga a entregar uma determinada quantia em dinheiro ao cliente (mutuário, ficando este obrigado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (…) acrescido dos correspondentes juros”- José. A. Engrácia Antunes[3]. A concessão de empréstimo bancário insere-se no núcleo mais relevante da atividade bancária tendo por objeto “a prestação de dinheiro ou disponibilidades monetárias pelo banco, aos seus clientes[4]. Trata-se, pois de uma modalidade especial do contrato de empréstimo, cujas especialidades residem, fundamentalmente, nos sujeitos (o mutuante é um banco), no objeto contratual e na sua finalidade (o mutuário fica obrigado a utilizar a quantia mutuada apenas para fins legais ou contratuais determinados) – Engrácia Antunes[5]
Acresce que o mútuo bancário é geralmente um mútuo de escopo “(…) afeto a uma determinada finalidade do mutuário indicada no contrato (…)” – Fernando Baptista de Oliveira[6].
Não se duvidando que a cessão dos créditos em causa nos autos se enquadra no exercício da liberdade contratual, consagrado no artigo 405º, do Código Civil, julgamos que, não podendo tal liberdade ser havida por absoluta, em face do contexto contratual apurado, foi ilícita a cedência do crédito à Hefesto STC, SA.
Desde logo, tal cedência não foi precedida da comunicação aos mutuários da intenção de a operar, que foram surpreendidos com a sua realização, concretizando tal atuação contratual uma violação significativa de obrigação de informação a cargo da ré.
Acresce que se apurou que os autores, surpreendidos com a cessão de créditos, contactaram a ré “(…) tendo sido por esta informados que, pelo facto de terem prestações em atraso, o respetivo crédito havia sido cedido à Hefesto STC, S.A (…)” – facto provado nº 20. Ora, tal informação da ré, relativa à existência de prestações em atraso, sendo inverídica, configura violação do direito dos autores a uma informação correta, leal e adequada relativamente às vicissitudes dos contratos de mútuo assumidos desde 2005, constituindo comportamento ilícito, que contribuiu para os danos morais apurados.
Além do mais, tal cedência, efetuada a uma entidade que não está vocacionada para a concessão de crédito, funcionando como veículo de titularização de créditos,  produziu, de imediato, o efeito da exigência da totalidade das quantias ainda em dívida, vendo os autores defraudado o propósito subjacente à celebração dos contratos de mútuo, quanto à restituição, parcelar e a longo prazo, da quantia mutuada, por forma a lograrem adquirir a habitação em vista da qual contraíram os empréstimos.
Por outro lado, e ainda que a relação contratual emergente dos mútuos tenha sido pautada por alguns atrasos no pagamento das prestações por parte dos autores, o certo é que, em face da factualidade apurada, ter-se-á que concluir que tais vicissitudes se inserem no desenvolvimento normal da relação creditória, sendo de afirmar que os autores foram cumprindo as obrigações emergentes dos contratos embora por vezes com mora, assumindo, nesses casos, os acréscimos devidos.
Consequentemente, a unilateral decisão da cedência dos créditos, pelo impacto potencialmente inviabilizador do escopo que estava subjacente a ambos os mútuos bancários celebrados, num contexto de cumprimento pelos mutuários, não deixa de reconduzir-se a violação contratual.
E ilícita também se revela a comunicação da ré datada de 8-03-2018, nos termos da qual, por considerar estarem em incumprimento os contratos de mútuo, procedera à sua integração em Processo Especial de Regularização de Situações de Incumprimento (facto nº 28). Ou seja, depois de unilateralmente ter cedido o crédito, inviabilizando o pagamento das prestações mensais, a ré comunica aos autores que tal falta de pagamento configura incumprimento. E tal comunicação ocorre fazendo a ré “tábua rasa” do propósito que manifestara em dezembro, na sequência da reclamação dos autores, de reverter a cessão, o que vem a fazer, logo depois, em 13-03-2018.
 Nenhuma censura merece, pois, a decisão recorrida, dado que os mútuos celebrados sofreram uma importante alteração por decisão unilateral da ré que, ao cedê-los, originou a imediata obrigação de pagamento pelos mutuários de todo o capital em dívida, em violação das expetativas existentes no momento da sua celebração.
Aliás, julgamos que a própria ré intuiu tal ilicitude, dado que, prontamente, reverteu a cessão que fora celebrada em 2-11-2017, e que logo em 21-12-2017 comunicou aos autores estar a diligenciar junto da cessionária pela “recompra dos respetivos créditos” (facto provado nº 27).
Não colhe, por isso, a alegação de que a cessão constituiu ato lícito, enquadrado no diploma que rege a cessão de créditos para efeitos da sua titularização (Dl 453/99, de 5-11), inserida na liberdade contratual da ré, pois o específico contexto contratual subjacente à celebração e ao desenvolvimento dos mútuos bancários em causa nos autos impedia a sua celebração. Dir-se-á, ao invés, que tal cessão se revela abusiva, contrariando os ditames da boa fé, decorrentes do artigo 334º, do Código Civil. Tal instituto, de aplicação oficiosa pelo juiz, assenta na ideia de que cada direito é “uma intenção normativa que apenas subsiste na sua validade jurídica enquanto cumpre concretamente o fundamento axiológico-normativo que a constitui”, nas palavras de Castanheira Neves[7], devendo “obedecer, no seu exercício, a uma norma implícita ou explícita de correção, de lealdade, de moralidade, a uma lei acima da lei” (Orlando de Carvalho[8]).
Relativamente à boa fé, deve referir-se que a doutrina costuma distinguir dois sentidos: Por um lado, a boa fé subjetiva, como “estado ou situação de espírito que se traduz no convencimento da licitude de certo comportamento ou na ignorância da sua ilicitude”, nas palavras de Coutinho de Abreu[9], e, por outro lado, a boa fé objetiva, como princípio regulativo/normativo de atuação, como princípio geral de direito que impõe que “as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros” (Coutinho de Abreu[10]). Foi exatamente este último sentido o consagrado no artigo 334º do C.C., ou seja, como “regra de correção e lealdade”, segundo expressão de Cunha de Sá[11].
A boa fé supõe ainda uma “específica relação inter-pessoal (…), fonte de uma específica relação de confiança - ou, pelo menos, de uma legítima expectação de conduta - cuja frustração ou violação seja particularmente clamorosa (o que implica, por isso, a lesão direta de alguém…)”, sendo, como afirma Orlando de Carvalho[12], “ainda expressão da disciplina da lei”, revestindo contudo o carácter de “normas em branco”, dada a relativa indefinição que inevitavelmente comportam por forma a permitirem a consideração dos circunstancialismos concretos de cada caso.
Em face do exposto, forçosa é a conclusão de que a ré não assumiu um comportamento leal e correto, defraudando as expetativas inerentes à celebração dos mútuos pelos autores, incorrendo na prática de ilícito contratual, concretizado quer na cessão dos créditos, quer na desajustada informação que, de seguida, transmitiu aos autores, justificando o negócio por existência de prestações em atraso. Tal comportamento ilícito revelou-se gerador da obrigação de indemnizar os danos por eles sofridos. Efetivamente, os autores, nos termos expostos, lograram demonstrar a ilicitude do comportamento da ré, que o mesmo foi gerador de dano, cumprindo o ónus probatório a seu cargo, nos termos do disposto no artigo 342º, nº 1, Código Civil. Por seu turno, a ré não logrou afastar a presunção de culpa consagrada no artigo 799º, do Código Civil, pelo que se verificam todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual.
- Do montante da indemnização fixada
Discorda a recorrente da atribuição da indemnização fixada pelo tribunal recorrido por forma a compensar os danos não patrimoniais sofridos pelos autores, considerando que os mesmos, a terem ocorrido, não lhe são imputáveis, além de que não se revestem de gravidade suficiente para o efeito.
Porém, como resulta do que antecede, não oferece dúvidas a imputação dos danos não patrimoniais apurados à conduta da ré, importando determinar se assumem gravidade suficiente que justifique a atribuição de uma indemnização.
Os danos não patrimoniais consistem nos prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária, por atingirem bens que não integram o património do lesado, apenas podendo ser compensados com a imposição ao agente de uma obrigação pecuniária – Antunes Varela[13].
É hoje francamente maioritário o entendimento da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais em sede de responsabilidade contratual, desde logo porque os artigos 798º e 804º, nº 1, CC ao referirem-se à ressarcibilidade dos prejuízos causados ao credor não distinguem entre uma e outra classe de danos, não limitando a responsabilidade do devedor aos danos patrimoniais – cfr. Pinto Monteiro[14]; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-01-2024[15]. Necessário é que tais danos não patrimoniais revistam gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito – cfr, artigo 496º, nº 1, CC. Enquadram-se no âmbito dos danos não patrimoniais a honra, o bom nome, a saúde, a integridade e dores físicas, a liberdade e outros bens de caráter imaterial. Tais bens, sendo insuscetíveis de uma valoração pecuniária, quando violados, demandarão não a atribuição de uma verdadeira indemnização mas de uma compensação, que terá como finalidade primacial a satisfação do lesado pelo sofrimento causado. A determinação da indemnização (compensação) por danos não patrimoniais, deve ser fixada nos termos do artigo 496.º/4, do Código Civil, ou seja, equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo Código.
Tem vindo a entender-se que a gravidade do dano deve ser medida por padrões objetivos, não devendo ser atribuída qualquer indemnização quando estejam em causa simples incómodos ou contrariedades – Pires de Lima e Antunes Varela[16].
Por outro lado, o montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo Tribunal, atendendo às circunstâncias de cada caso, à sua gravidade, grau de culpabilidade do agente e à situação económica deste e do lesado – cfr. artigos 496º, nº 3 e 494º, CC.
A este propósito, apurou-se que a ré comunicou, por carta, aos autores a cessão de créditos, que, por desconhecerem a possibilidade de realização desse negócio e terem, na altura, as prestações em situação regular, ficaram surpreendidos (factos 19, 20 e 22). Os autores foram informados que a cessionária exigia o pagamento imediato da totalidade da dívida, ficaram em pânico, desorientados, temendo perder a habitação, tendo apresentado reclamações escritas junto da ré, da cessionária e do Banco de Portugal (factos números 20, 23, 24, 25). Até à data em que foi revertida a cessão de créditos, os autores aguardaram com ansiedade, angústia e inquietude, o resultado das diligências em curso (facto provado sob o nº 30). Os autores ficaram emocionalmente inquietos e perturbados com receio de perderem a sua casa, bem como o dinheiro já investido na sua aquisição, tendo visto a respetiva vida familiar perturbada, recorrendo o autor ao seu médico de família que o medicou para a ansiedade (factos provados sob os números, 32, 33 e 34).
Tais danos não patrimoniais assumiram gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito. Acresce que no âmbito da análise da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais não pode deixar de ser ponderada a diversa posição jurídica e económica de ambas as partes, sendo inequívoco que a ré, em todo o processo negocial até à reversão da cessão, assumiu a posição de contraente mais forte, dispondo de meios financeiros e estruturais para litigar com os autores que, ao invés, se apresentam perante ela em clara desvantagem.
Conclui-se, pois, pela procedência do pedido indemnizatório formulado, com vista ao ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelos autores, revelando-se adequado, proporcional e equilibrado o montante de € 5.000,00 fixado pelo tribunal recorrido.
- Da litigância de má fé
Insistindo no pedido de condenação dos autores como litigantes de má fé, considera a recorrente que, para o efeito, devem ser ponderados na decisão os factos por eles alegados que resultaram não provados. Assim, dado que os autores deduziram pretensão com falta de fundamento, alteraram a verdade dos factos e omitiram factos relevantes, fizeram um uso reprovável do processo, considerou impor-se o sancionamento do seu comportamento no âmbito da litigância de má fé.
Os factos, que na perspetiva da recorrente, deverão ser ponderados, são fundamentalmente os alegados sob os artigos 9º, 14º, 17º, 20º, 28º, 30º, 41º da petição inicial, reportando-se, fundamentalmente, à alegação de que os autores sempre cumpriram as obrigações para eles emergentes dos contratos de mútuo em causa nos autos, tendo sido injustamente considerado devedores, imputando à ré negligência. Como tal específica factualidade não ficou demonstrada, pretende a ré evidenciar que a cessão de créditos a que procedeu, beneficiou de fundamento legal, assentou num histórico de incumprimentos pelos autores, que, ao alegarem realidade contrária, devem ser condenados como litigantes de má fé.
Nos termos do artigo 542º do Código de Processo Civil:
1. Tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé que, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido o recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé.”
De acordo com a lição de Alberto dos Reis[17], “litiga de má fé aquele que exerce atividade processual apesar de saber que não tem razão”, ou seja, a parte “procedeu de má fé ou com culpa, se sabia que não tinha razão ou se não ponderou com prudência as pretensas razões”, o que torna a sua conduta “ilícita”.
Verifica-se aqui uma tensão entre o direito de ação e o instituto da litigância de má-fé, uma vez que este veda o recurso à via judicial em certas circunstâncias. Daí que vários autores recorram ao abuso do direito de ação para caracterizar a figura da má-fé processual. Porém, Alberto dos Reis[18] discorda, afirmando que não se trata de uma forma de abuso de direito, dado que esse direito, nestes casos, pura e simplesmente não existe.
De qualquer forma, para que se possa imputar à parte má-fé processual necessário é que ela tenha agido com dolo ou com negligência grave, divergindo assim o atual regime do anteriormente consagrado na nossa lei processual (na sua versão não revista, anterior à reforma de 1995), o qual exigia a existência de dolo - artigo 542, n.º 2, CPC, na sua atual redação.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2021:[19]A litigância processual exige responsabilidade, probidade e prudência, não sendo aceitável ou admissível a utilização desenfreada e sem critério de todos os meios e expedientes de que a parte se lembre para a prossecução e obtenção dos fins que a possam favorecer”.
Certo é que pretendendo garantir-se um pleno acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, como é corolário de um Estado de Direito, a condenação como litigante de má fé exige a formulação de um juízo prudente e razoável, que em face das coordenadas do caso, permita concluir de forma segura que a parte litigou com dolo ou negligência grave – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-04-2018[20].
Acresce que a má fé não pode extrair-se da ausência de prova de alguns dos factos alegados. Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 13-03-2022[21]: “A litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento”. Efetivamente, na “base da má-fé está este requisito essencial, a consciência de não ter razão. Não basta pois o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição infundada" (José Alberto dos Reis[22]).
Porém, pelo anteriormente exposto, não pode afastar-se a responsabilidade contratual da ré, dado que os autores provaram, como lhes incumbia, todos os pressupostos da sua responsabilidade civil, tendo apenas soçobrado na prova dos danos patrimoniais alegados. No essencial, os autores obtiveram “ganho de causa”, mostrando-se fundamentada a pretensão que deduziram em juízo, não podendo ser-lhes apontada uma lide dolosa, negligente ou temerária.
E a factualidade em cuja prova os autores soçobraram, não permite apontar-lhes qualquer litigância de má fé, tanto mais que deduziram pretensão que se revelou fundada.
Improcede, pois, o recurso deduzido pela ré.
Tal improcedência determina a não apreciação do recurso deduzido a título subsidiário pelos autores, apenas para a hipótese de procedência do deduzido pela ré, nos termos do disposto no artigo 636º, nº 2, CPC.
Por ter ficado vencida, a ré/recorrente é responsável pelo pagamento das custas processuais – cfr. artigo 527º e 529º, CPC.
*
III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª secção cível:
- Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela ré Caixa Económica Montepio Geral, SA contra P. e R., mantendo a decisão recorrida.
Custas do recurso pela ré/recorrente – cfr. artigos 527º, CPC.          
D.N.

Lisboa, 18 de abril de 2024
Rute Sobral
Susana Gonçalves
Paulo Fernandes da Silva
_______________________________________________________
[1] Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pag, 201 e 202
[2] Proferido no processo nº 3683/16.6T8CBR.C1.S2. disponível em www.dgsi.pt
[3] Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009 páginas 495 e 496.
[4] Ob. E autor citado, página 497
[5] Direito dos Contratos Comerciais, pág. 498.
[6] Contratos Privados, Das Noções à Prática Judicial, Vol. III, pág. 111.
[7] “Questão de Facto - Questão de Direito”, I, p. 523.
[8] “Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra, 1981, p. 46.
[9] “Do Abuso de Direito”, p. 55.
[10] Obra citada, p. 55.
[11] “Abuso do Direito”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, p. 172.
[12] “Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra, 1981, p. 54.
[13] Das Obrigações em Geral, 6ª edição I, pág. 571.
[14] Cláusula Penal e Indemnização, pág. 31, nota 77.
[15] Proferido no processo nº 21419/21.8T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[16] CC anot. Vol I, 3ª edição, pág. 473.
[17]  “Código de Processo Civil Anotado”, II, pp. 261 e  282.
[18] Obra citada, p. 261.
[19] Proferido no processo 1255/13.6TBCSC-A.L1.A.S1, disponível em www.dgsi.pt
[20] Proferido no processo nº 487/17.5T8PNF.S, disponível em www.dgsi.pt
[21] Proferido no processo nº 2881/20.2T8AVPR.P1, disponível em www.dgsi.pt
[22] Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra Editora, 1982, pág. 263.