Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
885/22.0T8VCT.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: CONTRATO PROMESSA
BENS FUTUROS
PERDA DE INTERESSE NA PRESTAÇÃO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO
RESTITUIÇÃO DO SINAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Ao contrato promessa são aplicáveis, nos termos da lei (art.º 410º nº1 do CC) as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato promessa.
II- É por isso válido o contrato promessa de bens futuros, produzindo a celebração do contrato efeitos meramente obrigacionais, mas ficando o promitente vendedor obrigado a exercer as diligências necessárias para que o promitente comprador adquira os bens prometidos vender, segundo o que for estipulado, ou resultar das circunstâncias do contrato (art.º 880º do CC).
III- Ao contrato promessa é também aplicável o regime geral dos contratos, sendo-lhe aplicáveis, designadamente, as regras atinentes à falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor, tendo este ainda um regime específico quanto às sanções aplicáveis, quando tenha havido constituição de sinal (convencionado ou presumido) - arts. 440º, 441º, e 442º do CC).
IV- A resolução do contrato-promessa e as sanções da perda do sinal ou da sua restituição em dobro só têm lugar, no entanto, em caso de incumprimento definitivo da promessa, que pode resultar da conversão da mora em incumprimento definitivo, por atuação do promitente comprador.
V- A conversão da mora em incumprimento definitivo pode resultar da perda do interesse do promitente comprador na prestação, na sequência da mora do promitente vendedor em realizar o contrato prometido, concluindo a obra nos termos acordados, ou pela conduta daquele, da qual resulte de forma irrefutável, que ele não pretende cumprir a promessa a que se obrigou.
Decisão Texto Integral:
Processo: 885/22.0T8VCT.G1
Tribunal Judicial da Comarca de …
Juízo Central Cível de …  - Juiz ...
Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: Jorge Santos
2ª Adjunta: Anizabel Sousa Pereira
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AA, NIF ...15, com residência na Rua ..., ..., ..., ..., veio interpor ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra EMP01..., Lda, NIPC ...68, com sede na Rua ..., ..., ..., ..., freguesia ... e ..., Concelho ..., pedindo que seja a Ré condenada a restituir-lhe a quantia recebida a título de sinal em dobro, no valor de € 203.400,00, acrescida de juros legais desde a citação da Ré e até efetivo pagamento; que a Ré seja condenada a pagar-lhe um valor arbitrado pelo tribunal nunca inferior a € 7.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora desde a citação até efetivo pagamento; que a Ré seja condenada a pagar-lhe as despesas com a peritagem realizada e as deslocações efetuadas à obra, no valor de € 2.000; e, a título subsidiário, que seja declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre o Autor e a Ré.
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Alegou para tanto, resumidamente, que em 8.1.2020 foi celebrado entre si e a Ré um contrato promessa de compra e venda, tendo como objeto a fração autónoma descrita nos autos, a construir em prédio pertencente à ré, estando a realização da escritura pública prevista para daí a 20 meses, com a conclusão da referida fração (de acordo com o mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa).
Acontece que nas visitas por si efetuadas à obra, em 06.7.2021, 6.9.2021, e 29.12.2021 (ultrapassado já o prazo de 20 meses previsto para a celebração da escritura pública), o A constatou que a obra estava inacabada e com defeitos, e que havia sido alterado o lugar de garagem sem a sua autorização, tendo ele denunciado os defeitos e manifestado a sua discordância à ré, a qual sempre ignorou as comunicações do A, embora tenha assumido o erro quanto ao lugar de garagem, que era impossível de ser reparado, sem ter apresentado, no entanto, qualquer proposta ao Autor para reparar o engano.
O Autor, de boa fé, foi sempre acreditando que as obras seriam concluídas de acordo com o mapa de acabamentos, mas sem sucesso.
No dia 10 de Fevereiro de 2022, numa última visita ao imóvel, com autorização da Ré, foi realizada uma peritagem ao mesmo, tendo sido detetado que as zonas comuns estavam inacabadas e com alterações e defeitos, e que foram detetadas patologias graves na fração, de deterioração e má execução, evidenciando a mesma defeitos e infiltrações de água, e não tendo sido colocados os tetos previstos no mapa de acabamentos. O lugar de garagem atribuído ao Autor difere completamente do previsto no contrato, tendo sido alterado sem autorização do Autor, não podendo voltar a ser atribuído, visto que foi alterado para fazerem nele um local para deficientes.
Após o sucedido, e perante a peritagem realizada e a realidade dos factos, o Autor perdeu objetivamente o interesse no negócio, pelo que, no dia 11 de Fevereiro de 2022 interpelou a Ré, nos termos do artigo 808.º do CC, para lhe devolver do sinal em dobro, no prazo de 10 dias.
Apesar da situação do imóvel, a Ré comunicou ao Autor que iria realizar a escritura pública, no dia 16 de Fevereiro de 2022.
Acresce que toda esta situação causou um grande transtorno na vida do Autor, um sofrimento e angústia que tiveram implicações na sua vida profissional e pessoal, e que lhe acarretou despesas nas deslocações ao imóvel, pretendendo ser indemnizado pela ré em quantia nunca inferior a € 7.500,00.
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A Ré veio contestar a ação referindo que resolveu o contrato promessa em causa por carta remetida ao A no dia 23 de fevereiro de 2022.
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Tramitados regularmente os autos, foi então proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente ação, absolvendo a Ré, integralmente, do pedido…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o A interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1- O tribunal andou mal ao considerar como provados os pontos 16) e 37) da matéria de facto, sendo impugnados, por não provados e, distante da realidade comum e jurídica na fundamentação de facto e de direito.
2-O ponto 16) deve ser considerado não provado, tendo em conta o depoimento do recorrente nas passagens transcritas e identificadas no corpo das alegações e a prova documental junta aos autos (contrato de promessa de compra e venda com inclusão do mapa de acabamentos). Não ficou provado que a Ré não tenha prometido cumprir o mapa de acabamentos junto ao contrato de promessa de compra e venda no que respeita ao tecto da fracção nem ao muro exterior do empreendimento.
3- O ponto 37) deve ser considerado não provado, tendo em conta o depoimento do recorrente e da testemunha BB nas passagens transcritas e identificadas no corpo das alegações e a prova documental junto aos autos. Não foi provado que a Ré nunca tivesse excluído qualquer responsabilidade pelos defeitos e desconformidades do prédio, caso contrário, teria respondido às comunicações do recorrente de 14 de Julho e 22 de Setembro de 2021 e não teria enviado comunicações ao recorrente em Fevereiro de 2022 a informar que este não tinha razão para recusar o cumprimento do contrato e, ainda, não tinha procedido à marcação da escritura, ignorando os defeitos no imóvel e sabendo que as obras não estavam concluídas à data de 16 de Fevereiro de 2022.
4- O tribunal andou mal ao considerar como não provados os pontos I); III); IV); V) e VI) da matéria de facto, sendo impugnados, por provados.
5-O ponto I) deve ser considerado como provado, tendo em conta o depoimento do recorrente nas passagens transcritas e identificadas no corpo das alegações e a prova documental junta aos autos, em particular as 5 comunicações enviadas pelo recorrente à recorrida em 14 de Julho de 2021 (2 comunicações), em 22 de Setembro de 2021 (2 comunicações) e em 31 de Janeiro de 2022, onde insiste e reitera que tudo seja cumprido de acordo com o mapa de acabamentos junto ao contrato de promessa de compra e venda. No dia 31 de Janeiro de 2022, refere mesmo que, não aceita realizar a escritura pública enquanto tudo não estiver conforme o acordo com o contrato de promessa de compra e venda. Ficou provado que o Autor foi sempre acreditando que as obras seriam concluídas de acordo com o mapa de acabamentos junto ao contrato de promessa de compra e venda.
6- O ponto III) deve ser considerado como provado, tendo em conta o relatório de peritagem e o relatório de anomalias junto aos autos. Ficou provado que, através do relatório de peritagem juntos aos autos e, através do relatório de anomalias, a existência nas escadas de degraus com alturas completamente díspares. Este ponto deve ser alterado e dado como provado com o seguinte texto: “Existem, na caixa de escadas, degraus com alturas completamente díspares, colocando em risco a segurança dos utilizadores na sua principal função, que é a evacuação em caso de emergência”.
7- O ponto IV) deve ser considerado como provado, tendo em conta o depoimento da testemunha BB, do recorrente e da testemunha/perito CC nas passagens transcritas e identificadas no corpo das alegações e a prova documental junto aos autos, em particular as comunicações escritas enviadas pelo recorrente à recorrida e o relatório de peritagem. Ficou provado que os tectos apresentavam-se sem qualquer isolamento e com um acabamento grosseiro e incompleto, apresentando patologias irreversíveis.
8- O ponto V) deve ser considerado como provado, tendo em conta os depoimentos da testemunha BB e do Engenheiro CC nas passagens transcritas e identificadas no corpo das alegações e a prova documental junto aos autos, em particular a comunicação da recorrida a proceder à marcação da escritura pública no dia 12 de Janeiro de 2022 (contrariando o incumprimento assumido no ponto 19.º da contestação), prometendo que seriam resolvidas todas as situações antes da escritura pública. Ficou provado que houve má fé da Ré na marcação da escritura para 16 de Fevereiro de 2022, pois ficou provado que aquando da peritagem realizada ao imóvel, a recorrida sabia que os tectos não poderiam ser reparados em 05 dias e que apresentavam patologias irreversíveis, bem como que em Maio de 2022, através do relatório de anomalias, foi possível observar que as áreas comuns como a piscina e em seu redor estavam incompletas, ao contrário da promessa da recorrida que tudo estaria concluído até à escritura de dia 16 de Fevereiro e ainda que havia incumprimento definitivo quanto à garagem, ao tecto e ao muro exterior.
9- A marcação da escritura pública do imóvel para o dia 16 de Fevereiro de 2022 foi feita com má fé, pois sabia a recorrida que no dia 16 de Fevereiro de 2022 não conseguiria ter a fracção e as zonas comuns concluídas, com os defeitos reparados e com soluções alternativas para os problemas irreversíveis, patológicos e estruturais (como o lugar de garagem; tectos da fracção, muros exteriores e escadas do edifício).
10- O ponto VI) deve ser considerado como provado, tendo em conta o depoimento do recorrente nas passagens transcritas e identificadas no corpo das alegações e a prova documental junto aos autos, em particular as comunicações escritas de 14 de Julho e 22 de Setembro de 2021 (em resultado das visitas à obra do recorrente) que não tiveram resposta da recorrida. Ficou provado que toda esta situação causou um grande transtorno na vida do recorrente, tanto a nível pessoal como profissional. O recorrente foi enganado pela recorrida e, perante o sinal elevado oferecido no contrato de promessa e os sucessivos incumprimentos, passou por uma dor psicológica e física, porque a dor de perder dinheiro é também uma dor física.
11- Não deixa de ser surpreendente perceber que a recorrida apenas arrolou uma testemunha que não esteve envolvida em nada relativamente aos defeitos da fracção, tendo sido a responsável pela marcação da escritura pública e reconhecido que a alteração dos tectos da fracção foi uma decisão interna, sendo impossível de alterar e executar de acordo com o mapa de acabamento do CPCV, ou seja, tornou-se impossível por culpa da recorrida.
12- O desleixo da recorrida em matéria de prova é tão visível que assumem as condutas incompatíveis com o incumprimento relativamente à garagem, tectos e muro exterior e a testemunha informa que seria o Engenheiro DD a comunicar o incumprimento dos tectos e muro exterior, ignorando que esse ónus de prova era sua responsabilidade, não do recorrente.
13- A recorrida assume incumprimento relativamente à garagem, tecto da fracção e ao muro exterior do empreendimento, tendo adoptado uma conduta incompatível com o cumprimento, que originou o incumprimento definitivo, sem necessidade de qualquer interpelação, pois a prestação já não era possível de executar de acordo com o CPCV.
14- O tribunal errou ao entender que uma fracção acabada de construir e apresentada com sinais e num estado pior que um edifício de 100 anos não é motivo para recusar a escritura de um imóvel.
15. Perante a prova produzida em tribunal, ficou provado as condutas da recorrida incompatíveis com o cumprimento relativamente ao lugar de garagem; aos tectos da fracção e ao muro exterior do empreendimento, originaram o incumprimento definitivo.
16- A análise da prova documental e testemunhal, conjugada com as regras da experiência comum, impunham uma decisão diversa, não só a recorrida não provou que as obras estariam concluídas e os defeitos reparados à data de 16 de Fevereiro de 2022, como adoptou comportamentos inaceitáveis e incompatíveis com o cumprimento, sem qualquer justificação, como é exemplo o caso dos tectos da fracção, nunca tendo feito prova em sentido contrário ao alegado pelo recorrente e pelos relatórios juntos aos autos.
17.- Seria impossível em 05 dias serem reparados os defeitos enunciados pelo recorrente, nomeadamente os tectos (duvidando da possibilidade de reparação e/ou demolição destes tectos); a garagem; muro exterior; áreas comuns como a piscina e as escadas, segundo o depoimento do perito e testemunha Engenheiro CC nas passagens transcritas e identificadas no corpo das alegações, que realizou a peritagem à fracção no dia 10.02.2023.
18.- A recorrida nunca reparou nem refutou os defeitos denunciados pelo recorrente, nem fez prova de qualquer reparação, limitando-se a não agir, actuando de má fé.
19- O tribunal entendeu que é possível vender uma fracção sem as partes comuns concluídas; sem a fracção ter sido concluída e apresentada num estado lastimável; sem ter respondido aos defeitos denunciados (tendo apenas admitido que houve a denúncia dos defeitos); com incumprimento assumido quanto ao lugar garagem (erro assumido em 31 Janeiro 2022), tectos da fracção e muros exteriores (ponto 19.º da contestação); com relatório de peritagem a registar a falta de condições de utilização da fracção e que os tectos da fracção não poderiam ser rectificados em 06 dias (como a evidenciar o incumprimento do mapa de acabamentos), duvidando da possibilidade inclusive de reparação e um relatório de anomalias a provar que, entre outras coisas, as partes comuns como a piscina à data de Maio de 2022 não estavam concluídas, contrariando o alegado pela recorrida em 12 de Janeiro de 2022.
20- O mesmo tribunal, no ficheiro n.º 20230519100615_1623709_2871823, entre os 00m00s e os 49m10s, a pessoa da Mma Juíza, ao minuto 40 e 53 segundos, questionou a BB (única testemunha arrolada pela recorrida): “Então eu vou dizer de outra maneira: Parece-lhe razoável, prudente, economista ou não, que uma reclamação desta extensão a 31 de Janeiro insistir na marcação de uma escritura para dali a 16 dias?”.
21- O recorrente não teria celebrado o contrato de promessa de compra e venda nos termos em que o fez se, nomeadamente, fosse atribuído outro lugar de garagem que não o inicialmente previsto; se os tectos da fracção não fossem conforme o CPCV e estivesse no estado degradante e deteriorado que estavam à data de 10 de Fevereiro de 2022, os muros exteriores sem ser em granito e as partes comuns estivessem incompletas na data da escritura pública.
22- Há incumprimento definitivo da recorrida nos termos do artigo 808.º do CC, quer no que respeita à impossibilidade de cumprimento quanto ao lugar de garagem, aos tectos da fracção e muro exterior (após incumprimento assumido pela recorrida), quer quanto à perda de interesse.
23- É legítima a recusa do recorrente em outorgar o contrato de compra e venda, com base no incumprimento definito da recorrida e/ou na perda de interesse, de acordo com o artigo 808.º do Código Civil, legitimando a resolução do contrato operada a 15.02.2022 e a devolução do sinal em dobro nos termos do artigo 442 do Código Civil.
24- E mesmo que não se prove o direito a resolver o sinal em dobro, sempre se deveria entender que a situação gerada é de inviabilidade do cumprimento com direito a pelo menos a devolução do sinal em singelo, pelo que nessa perspectiva o pedido não deveria ter sido totalmente improcedente.
25- Estamos perante uma decisão cruel e injusta, que resulta de uma notória e ilógica apreciação e valoração das provas e uma fixação imprecisa dos factos relevantes à decisão, com uma deficiente aplicação do direito…”.
Pede, a final, que seja dado provimento ao recurso, e consequentemente, procedência ao pedido deduzido na ação.
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Dos autos não consta que tenha sido apresentada resposta ao recurso.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir na presente Apelação (por ordem lógica de conhecimento) são as seguintes:

I-  Se é de alterar a matéria de facto;
II- Em caso de alteração da matéria de facto, se deve ser alterada a decisão jurídica em conformidade; e
III- Se mesmo perante a matéria de facto provada, deve ser declarada procedente a ação.
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Os factos a considerar para a decisão das questões colocadas são os seguintes, que foram dados como provados (e não provados) na primeira instância:

“1. O Autor é uma pessoa singular, que trabalha como Engenheiro Mecânico.
2. A Ré é dona e legítima proprietária do prédio urbano denominado “...”, composto de cave, subcave, primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto andares, sito na Rua ..., Lugar ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...02 da freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo urbano ...33.
3. No dia 8 de janeiro de 2020, o Autor e a Ré celebraram um contrato de promessa de compra e venda da fração ..., referente a um apartamento T0, situado no ... andar com o lugar de garagem n.º 8 no piso ... (próximo do elevador), do prédio urbano referido na cláusula anterior, pertencente à Ré.
4. O preço acordado foi de € 113.000,00 euros, tendo o Autor pago à Ré, no ato de assinatura do contrato de promessa de compra e venda, no dia 8 de janeiro de 2020, o valor de € 67.800,00 euros, correspondente a 60% da prometida compra e venda da fração mencionada, a título de sinal e princípio de pagamento.
5. No dia 22 de novembro de 2020, aquando da finalização da estrutura de betão, o Autor pagou à Ré o valor de € 16.950,00 euros, correspondente a 15% da prometida compra e venda da fração mencionada, a título de reforço de sinal.
6. Em 25.05.2021, aquando do fecho de obra com colocação de caixilharia e vidro, o Autor pagou à Ré o valor de € 16.950,00 euros, correspondente a 15% da prometida compra e venda da fração mencionada, a título de reforço de sinal.
7. O restante valor em dívida, no montante de € 11.300,00 euros, seria pago pelo Autor à Ré no ato da realização da escritura de compra e venda.
8. A escritura pública seria celebrada no prazo que se previa de 20 meses, podendo, após esse prazo, o Autor desistir da compra e venda e ser ressarcido dos montantes pagos até aquele momento.
9. A obrigação de marcação e realização da escritura pública ficou da responsabilidade da Ré.
10. No dia 6 de julho de 2021, numa visita à obra, o Autor constatou que a superfície de betão do teto no seu imóvel e nas áreas comuns do edifício apresentava sinais visíveis de ferrugem e humidade.
11. O Autor constatou que não estava a ser cumprido o mapa de acabamentos, junto em anexo quando assinou o contrato de promessa de compra e venda, nomeadamente os tetos lisos em gesso cartonado rebaixados com isolamento acústico de lã de rocha 70 kg; a falta do toalheiro elétrico (inserido especialmente no CPCV a pedido do Autor); a parede divisória em vidro; revestimentos das paredes dos halls em madeiras naturais; banca da cozinha em pedra natural; materiais incluídos com marca decidida pela Ré sem consultar o Autor, conforme CPCV e zonas comuns completamente por executar.
12. Nessa visita, descobriu que a garagem da fração ... contratualizada foi modificada, tendo sido alterado o lugar de garagem, sem qualquer autorização do promitente comprador, que manifestou essa discordância em comunicação enviada por correio eletrónico no dia 14 de julho de 2021 e 22 de setembro de 2021.
13. O Autor aguardou que os trabalhos fossem concluídos, sendo que o lugar de garagem tinha sido alterado em definitivo e destinado a pessoas com mobilidade reduzida.
14. Tendo, no dia 6 de setembro de 2021, realizado uma visita à obra onde foi possível constatar que os tetos apresentavam sinais de ferrugem e manchas de humidade; as zonas comuns estavam inacabadas e o mapa de acabamentos não estava a ser cumprido.
15. Passou o prazo estimado de 20 meses e as obras não ficaram concluídas, nem voltaram a atribuir o lugar de garagem contratualizado.
16. A Ré prometeu a conclusão dos trabalhos, mas não prometeu cumprir o mapa de acabamentos junto ao contrato de promessa de compra e venda no que respeita ao tecto da fração nem ao muro exterior do empreendimento.
17. No dia 29 de dezembro de 2021, numa outra visita à obra, o Autor verificou que tudo estava na mesma e a fração não estava concluída.
18. A obra apresentava vários defeitos, que foram devidamente denunciados pelo Autor e comunicados por correio eletrónico à Ré.
19. A Ré admite incumprimento relativamente à garagem, ao tecto da fração e ao muro exterior do empreendimento.
20. Foi proposto pela Ré a devolução do sinal, assumindo o erro quanto ao lugar de garagem, que era impossível de ser reparado e o A. recusou, em 31 de janeiro de 2022.
21. No dia 10 de fevereiro de 2022, numa última visita ao imóvel, com autorização da Ré, foi realizada uma peritagem ao imóvel.
22. Na peritagem realizada, quanto às zonas comuns, entre outros, foi possível apurar que o arranjo exterior do logradouro e da piscina não estavam executados, conforme estava no mapa de acabamentos e tinha sido comunicado que iria ser cumprido.
23. Os muros de vedação não possuíam revestimento final, tendo sido alterado o acabamento dos muros, não tendo sido colocado granito tradicional, conforme exigido no mapa de acabamentos.
24. Os primeiros degraus dos lanços de escadas entre os patamares do prédio têm altura inferior aos restantes.
25. Não foram colocados os tectos previstos no mapa de acabamentos, em gesso cartonado, com aplicação de isolamento térmico e acústico, executados a lã de rocha de 70 kg/m.
26. Em vez disso, verificou-se a execução de tectos a betão aparente.
27. O lugar de garagem atribuído ao Autor difere completamente do previsto no contrato, tendo sido alterado, sem autorização do Autor, não podendo voltar a ser atribuído, visto que foi alterado para ser feito um local para deficientes.
28. O prédio em causa tem alvará de utilização desde ../../2022.
29. No dia 11 de fevereiro de 2022, o Autor manifestou a perda de interesse no negócio e interpelou a Ré para devolução do sinal em dobro, no prazo de 10 dias, “…sob pena de incumprimento definitivo e recurso aos meios legais…”.
30. Em 28 de outubro de 2021 a Ré expediu uma carta para a morada do Autor constante do contrato promessa de compra e venda, a informar o mesmo de que a escritura se realizaria no dia 15 de novembro de 2021, mas a carta veio devolvida.
31. Em 10 de janeiro de 2022, a Ré expediu nova carta para a morada do Autor constante do contrato promessa de compra e venda, a informar o mesmo de que a escritura se realizaria no dia 25 de janeiro de 2022, mas também esta carta veio devolvida.
32. Na mesma data, foi remetida cópia da carta por email ao Autor, que prontamente respondeu, justificando que não iria outorgar a escritura “(…) enquanto o apartamento não estiver pronto e em conformidade (…)”.
33. Em 31 de Janeiro de 2022, a Ré expediu nova carta para a morada do Autor constante do contrato promessa de compra e venda, e para o seu email, a informar o mesmo de que a escritura se realizaria no dia 16 de fevereiro de 2022, e nela se advertindo para as consequências da falta.
34. Não obstante a advertência, o Autor não compareceu na data, hora e local agendados.
35. A Ré resolveu o contrato promessa em causa, por carta expedida no dia 23 de fevereiro de 2022, e também remetida por email para o Ilustre Advogado que aqui representa o Autor.
36. A 31 de Janeiro de 2022, o Autor remetia email à Ré onde informava, entre o mais, “Quanto à situação da garagem … estou disposto a aceitar mudar a localização da mesma …”“mais informo que não tenho qualquer intenção de proceder à devolução ou venda do apartamento, para o qual eu já paguei 90% do valor acordado, 60% do qual a título de sinal em Janeiro de 2020”.
37. A Ré nunca excluiu qualquer responsabilidade pelos defeitos e desconformidades no prédio, o que manifestou ao Autor através de correspondência trocada.

2. Factos não provados: (…)

I. O Autor foi sempre acreditando que as obras seriam concluídas de acordo com o mapa de acabamentos.
II. No local, o Engenheiro DD afirmou que seria responsabilidade do condomínio o arranjo exterior do logradouro e a execução dos acabamentos na piscina.
III. Existem, na caixa de escadas, degraus com alturas completamente díspares.
IV. Os tectos apresentavam-se sem qualquer isolamento e com um acabamento grosseiro e incompleto, apresentando patologias irreversíveis.
V. Houve má fé da Ré na marcação da escritura para 16 de fevereiro de 2022.
VI. Toda esta situação causou um grande transtorno na vida do Autor, um sofrimento e angústia que tiveram implicações na sua vida profissional e, também, a nível pessoal.”
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I- Da impugnação da matéria de facto:

Insurge-se o recorrente contra a decisão da matéria de facto, mais concretamente quanto aos factos dados como provados em 16 e 37 – que pretende ver dados como não provados -, e quanto aos factos dados como não provados em I, III, IV, e VI – que pretende ver dados como provados -, convocando para o efeito os meios de prova indicados.
O recorrente deu cumprimento ao disposto no art.º 640º do CPC, pelo que é de apreciar a matéria de facto por ele impugnada.
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Relativamente aos pontos 16 e 37 da matéria de facto provada, consideramos que os mesmos, só por manifesto lapso foram impugnados pelo recorrente, dado que os mesmo lhe são favoráveis, em termos de prova do incumprimento do contrato por parte da ré.

Vejamos:

Quanto ao ponto 16 - do qual consta que “A Ré prometeu a conclusão dos trabalhos, mas não prometeu cumprir o mapa de acabamentos junto ao contrato de promessa de compra e venda no que respeita ao tecto da fracção nem ao muro exterior do empreendimento” -, esse facto não pode ser lido isoladamente (como parece que está a ser feito pelo recorrente) mas tem de ser lido em consonância com os pontos da matéria de facto anteriores (14 e 15), nos seguintes termos:
“14. Tendo, no dia 6 de setembro de 2021, realizado uma visita à obra onde foi possível constatar que os tetos apresentavam sinais de ferrugem e manchas de humidade; as zonas comuns estavam inacabadas e o mapa de acabamentos não estava a ser cumprido.
15. Passou o prazo estimado de 20 meses e as obras não ficaram concluídas, nem voltaram a atribuir o lugar de garagem contratualizado.
16. A Ré prometeu a conclusão dos trabalhos, mas não prometeu cumprir o mapa de acabamentos junto ao contrato promessa de compra e venda no que respeita ao tecto da fração nem ao muro exterior do empreendimento”.
Ora, tal facto, inserido na sequência temporal dos factos anteriores, só revela que a ré, apesar de estar vinculada a terminar a obra de acordo com o mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa, não se comprometeu a cumpri-lo, tendo apenas prometido terminar os trabalhos, na sequência da vistoria efetuada à obra, em 6 de setembro de 2021.
Isso mesmo resulta de forma clara do que vem disposto no ponto 14, de que foi realizada uma vistoria à obra, no dia 6 de setembro de 2021, onde foi possível constatar que os tetos apresentavam sinais de ferrugem e manchas de humidade, e que as zonas comuns estavam inacabadas e o mapa de acabamentos não estava a ser cumprido, situação que se manteve no final do prazo previsto, de 20 meses, em que as obras não ficaram concluídas, nem voltou a ser atribuído ao A o lugar de garagem contratualizado.
Cremos que a leitura do facto 16 tem de ser essa: ou seja, não isoladamente em si, como parece entender o recorrente, mas na sequência dos factos anteriores.
Aliás, nada consta dos autos no sentido de que a ré tenha enjeitado o facto de que o mapa de acabamentos não fazia parte do contrato promessa.
Isso mesmo resulta, de resto, dos factos descritos em 10, 11 e 12, dos quais consta que “No dia 6 de julho de 2021, numa visita à obra, o Autor constatou que não estava a ser cumprido o mapa de acabamentos junto em anexo quando assinou o contrato promessa de compra e venda, nomeadamente os tetos lisos em gesso cartonado rebaixados com isolamento acústico de lã de rocha 70 kg, e as zonas comuns completamente por executar. O Autor aguardou que os trabalhos fossem concluídos, sendo que o lugar de garagem tinha sido alterado em definitivo e destinado a pessoas com mobilidade reduzida”).
E o mesmo se passa com os factos descritos em 21, 22, 23, 25 e 26, dos quais consta que “No dia 10 de fevereiro de 2022, numa última visita ao imóvel, com autorização da Ré, foi realizada uma peritagem ao imóvel. Na peritagem realizada, quanto às zonas comuns, entre outros, foi possível apurar que o arranjo exterior do logradouro e da piscina não estavam executados, conforme estava no mapa de acabamentos e tinha sido comunicado que iria ser cumprido; os muros de vedação não possuíam revestimento final, tendo sido alterado o acabamento dos muros, não tendo sido colocado granito tradicional, conforme exigido no mapa de acabamentos; e não foram colocados os tetos previstos no mapa de acabamentos, em gesso cartonado, com aplicação de isolamento térmico e acústico, executados a lã de rocha de 70 kg/m. Em vez disso, verificou-se a execução de tetos a betão aparente”.
Ou seja, o que se pode retirar dos factos descritos é que a ré, não obstante estar vinculada a terminar a obra de acordo com o mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa, assumidamente não prometeu ao A que o iria fazer relativamente ao teto da fração nem ao acabamento do muro exterior, o que se revela favorável ao A em termos de incumprimento do contrato.
Aliás, isso mesmo vem plasmado no art.º 19º da matéria de facto, do qual consta expressamente que “A Ré admite incumprimento relativamente à garagem, ao teto da fração, e ao muro exterior do empreendimento” – o que só pode ter o sentido de que assumidamente a ré não cumpriu com o que ficou acordado com o A aquando da celebração do contrato promessa.
Assim sendo, por manifesta desnecessidade – e inutilidade para a decisão da causa -, não se procede à apreciação do facto 16 (que só por manifesto lapso foi impugnado pelo recorrente).
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Relativamente ao facto provado vertido em 37 – do qual consta que “A Ré nunca excluiu qualquer responsabilidade pelos defeitos e desconformidades no prédio, o que manifestou ao Autor através de correspondência trocada”, não vemos também qual a utilidade da sua apreciação – e alteração -, para a decisão da causa. 
Ele está, de resto, em consonância com os factos vertidos em 19, onde consta que “A Ré admite incumprimento relativamente à garagem, ao tecto da fração, e ao muro exterior do empreendimento”; em 20, onde consta que “Foi proposto pela Ré a devolução do sinal, assumindo o erro quanto ao lugar de garagem, que era impossível de ser reparado…”; e em 27, do qual consta que “O lugar de garagem atribuído ao Autor difere completamente do previsto no contrato, tendo sido alterado, sem autorização do Autor, não podendo voltar a ser atribuído, visto que foi alterado para ser feito um local para deficientes”.
Ou seja, o art.º 37 está em sintonia com os demais factos dados como provados, com os quais o recorrente se conforma, de resto, pelo que não vemos como se possa alterar aquele facto sem alterar os demais. Reiteramos por isso que só por manifesto lapso tal facto foi impugnado, uma vez que ele é demonstrativo de que a ré, ao assumir a sua responsabilidade pelos defeitos e desconformidades no prédio – e não os tendo suprido, como ficou demonstrado -, assumiu o seu incumprimento no contrato promessa celebrado.
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Relativamente à matéria de facto dada como não provada em I, II, III, IV, V, e VI, diremos o seguinte:

Quanto ao ponto I, do qual consta que “O Autor foi sempre acreditando que as obras seriam concluídas de acordo com o mapa de acabamentos”, a resposta a este facto só poderia ser positiva, resultando a mesma de uma presunção judicial, retirada dos demais factos dados como provados.
Da motivação da matéria de facto consta que “O facto não provado I) foi contrariado pela inúmera correspondência trocada pelas partes; tanto mais que o A., ao saber que os tectos não iriam cumprir o mapa de acabamentos, até apresentou alternativas” – não constando no entanto da matéria de facto provada qualquer  indicação nesse sentido.
Resulta ademais de toda a matéria de facto provada que o A não se limitou a aguardar pelo término do prazo para a conclusão da obra; foi fiscalizando a mesma amiúde, e reportando os defeitos verificados à ré, conforme se pode ver pela correspondência trocada entre ambos.
Ora, isso só pode querer significar que o mesmo acalentava o desejo, e tinha a firme convicção, de que a fração iria ser acabada de acordo com o que ficou estabelecido no mapa de acabamentos (pelo menos foi fazendo pressão sobre a ré para que tal acontecesse), recebendo também promessas da ré no sentido de que iria, pelo menos, terminar a obra. O facto de a ré assumir o incumprimento do contrato relativamente a alguns defeitos denunciados já permite concluir que ela incutiu no espírito do A a ideia de que pelo menos esses defeitos iria reparar.
Resulta assim de toda a matéria de facto provada – que nos dispensamos de reproduzir aqui –, que o A foi sempre acreditando que as obras seriam concluídas, e de acordo com o mapa de acabamentos, pelo que esse facto – dado como não provado em I) - deverá passar a constar da matéria de facto provada.
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Quanto ao ponto II – “No local, o Engenheiro DD afirmou que seria responsabilidade do condomínio o arranjo exterior do logradouro e a execução dos acabamentos na piscina” -, este facto, sem mais, nomeadamente sem um facto provado donde se pudesse concluir pela vinculação do Engenheiro DD à ré, não tem qualquer relevância para os autos (provado ou não provado). A sua afirmação – mais uma opinião, com o uso do tempo verbal seria -, não vai além disso, nem se vê qual a utilidade para o recorrente da inclusão desse facto na matéria de facto provada.
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Quanto ao Ponto III“Existem, na caixa de escadas, degraus com alturas completamente díspares” -, ele contém em si uma expressão conclusiva, e, como tal, nunca poderia o mesmos ser dado com provado. Haveria de ser concretizado em que consiste a disparidade das alturas dos degraus, nomeadamente indicando-se qual a sua altura concreta, para se poder concluir, a final, se essas alturas eram ou não dispares.
Ora, consabidamente, à matéria de facto só podem ser levados factos e não conclusões - de facto ou de direito –, como decorre da redação do art.º 607º do CPC quanto à elaboração da sentença. Toda a matéria (alegada pelas partes nos seus articulados) que contiver expressões de direito ou conclusões – de facto ou de direito –, apenas podem ser incluídas na decisão jurídica da causa, no processo de integração dos factos às normas jurídicas aplicáveis, em obediência ao disposto no art.º 607º nº 3 e 4 do CPC – quanto às regras sobre a elaboração da sentença –, onde se preceitua que o juiz deve discriminar os factos que julga provados, seguindo-se a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes (conforme art.º 5º nº 3 do mesmo diploma legal).
Sempre será de referir que ficou a constar da matéria de facto, no ponto  24, que “Os primeiros degraus dos lanços de escadas entre os patamares do prédio têm altura inferior aos restantes”, o que pode relevar em termos de defeitos da obra.
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Quanto ao Ponto IV - “Os tectos apresentavam-se sem qualquer isolamento e com um acabamento grosseiro e incompleto, apresentado patologias irreversíveis”, verificamos que a primeira parte do facto – a falta de isolamento do teto –, ela foi dada como provada em 25 e 26, donde consta que “Não foram colocados os tectos previstos no mapa de acabamentos, em gesso cartonado, com aplicação de isolamento térmico e acústico, executados a lã de rocha de 70 kg/m. Em vez disso, verificou-se a execução de tetos a betão aparente”.
A restante parte do facto – o acabamento grosseiro e incompleto do teto, apresentado o mesmo patologias irreversíveis –, trata-se também de matéria de facto conclusiva, insuscetível de ser levada à matéria de facto – provada ou não provada -, como ficou acima descrito. Haveria tal matéria de ser descrita em termos factuais, nomeadamente concretizando-se em que materiais se apresentava o acabamento do teto; o que lhe faltava para o seu acabamento; e quais as patologias que se denotavam no mesmo. Assim não acontecendo, não vemos como, nos termos descritos, tal matéria pudesse ser levada à matéria de facto.
Ademais, a descrição do teto da fração encontra-se já inserida nos pontos 10, 14, e 19 da matéria de facto provada, dos quais consta o seguinte: “No dia 6 de julho de 2021, numa visita à obra, o Autor constatou que a superfície de betão do teto no seu imóvel (…) apresentava sinais visíveis de ferrugem e humidade, tendo no dia 6 de setembro de 2021 realizado uma visita à obra, onde foi possível constatar que os tetos apresentavam sinais de ferrugem e manchas de humidade. A Ré admite incumprimento relativamente ao tecto da fração”.
Conclui-se assim do exposto que este facto merece ser alterado, devendo o mesmo continuar a figurar na matéria de facto não provada, mas com a seguinte redação (para não entrar em contradição com os factos provados acima descritos): “Os tectos apresentavam-se com um acabamento grosseiro e incompleto, apresentado patologias irreversíveis.”
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Quanto aos Pontos V e VI“Houve má fé da Ré na marcação da escritura para 16 de Fevereiro de 2022”; e “Toda esta situação causou um grande transtorno na vida do Autor, um sofrimento e angústia que tiveram implicações na sua vida profissional e, também, a nível pessoal”, trata-se, uma vez mais, de matéria conclusiva, insuscetível de ser levada à matéria de facto.
Efetivamente, a má-fé da ré na marcação da escritura só poderia ser aferida em sede de subsunção dos factos ao direito aplicável; nunca poderia ser inserida tal expressão – uma mera conclusão jurídica - em sede de factos (provados ou não provados).
E o mesmo se passa com as expressões vertidas no ponto VI, de que “Toda esta situação causou um grande transtorno na vida do Autor, um sofrimento e angústia que tiveram implicações na sua vida profissional e, também, a nível pessoal.”
O transtorno na vida do A é uma expressão conclusiva; haveria de ser a mesma concretizada com factos, simples e concretos, dos quais se pudesse retirar essa situação de alegado transtorno.
O sofrimento e angústia, esses são sentimentos que traduzem factos, simples e concretos, que podem ser objeto de prova. No entanto, o A não pede o ressarcimento dos danos decorrentes desses sentimentos enquanto tal, mas pretende ser indemnizado pelas consequências desses sentimentos, os quais terão tido implicações na sua vida pessoal e profissional. Resta saber quais. As implicações que esse sofrimento e angústia tiveram na vida pessoal e profissional do A haveriam de ser concretizadas com factos donde se pudesse extrair essa conclusão: que implicações foram essas? O A deixou de trabalhar por causa do sofrimento e angústia? A nível pessoal, teve de recorrer a acompanhamento médico? Teve de tomar medicação? Deixou de se relacionar com os familiares e amigos? Ora, deveria ser a esse nível a alegação dessa matéria.
Ou seja, ou o A invoca a existência do sofrimento e angústia como danos de natureza não patrimonial, suscetíveis de serem valorados autonomamente (nos termos do art.º 496º nº 1 do CC – danos que pela sua relevância, merecem a tutela do direito); ou, como sucedeu no caso dos autos, invoca as consequências desses danos. Fá-lo no entanto em termos muito vagos e abstratos, sem os concretizar, não especificando quais foram as implicações que esses sentimentos tiveram na sua vida pessoal e profissional.
Sempre se dirá ainda, que tendo sido entregue pelo Autor à ré determinada quantia a título de sinal, nos termos do art.º 442.º, nºs 2 e 4 do CC, o incumprimento do contrato tem apenas as consequências ali determinadas, que são as seguintes: “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou (…). Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste…”.
Ora, no caso dos autos, o A não logrou demonstrar – nem sequer o alegou –, que tenha sido convencionado entre as partes qualquer outra indemnização para o incumprimento do contrato promessa, para além da prevista na lei (não resultando também do documento  junto aos autos qualquer convenção nesse sentido). No fundo, não alegou nem demonstrou o A, que o sinal estipulado entre as partes tivesse uma finalidade ou função compulsivo-sancionatória, por forma a poder optar por uma indemnização de valor superior ao que resulta da devolução do sinal em dobro.
Como tal, nunca poderia apreciar-se a existência de outros danos – em sede geral -, para além do valor do sinal em dobro, como é referido expressamente no nº 4 do art.º 442º do CC, pelo que sempre seria de limitar a condenação da ré àquela indemnização.
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Conclui-se assim do exposto que não são suscetíveis de apreciação os factos ora impugnados, inseridos nos pontos V e VI da matéria de facto não provada.
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II- Mantém-se assim a matéria de facto dada como provada na primeira instância, à qual deve ser aditado o facto vertido no ponto I da matéria de facto não provada, sendo ainda de alterar o ponto VI daquela matéria no sentido acima referido.
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III- Do incumprimento do contrato promessa:

Concluiu-se na sentença recorrida pela improcedência da ação, com base no facto de que a Ré não incumpriu o contrato promessa celebrado com o A.
Considera o recorrente, pelo contrário, que a recorrida assumiu o seu incumprimento relativamente à garagem, ao teto da fração e ao muro exterior do empreendimento, adotando uma conduta incompatível com o cumprimento, que originou o seu incumprimento definitivo, sem necessidade de qualquer interpelação.
Na sua ótica há incumprimento definitivo da recorrida, nos termos do artigo 808.º do CC, no que respeita à impossibilidade de cumprimento quanto ao lugar de garagem, aos tetos da fração e ao muro exterior, pelo que é legítima a recusa do recorrente em outorgar o contrato de compra e venda, com base no incumprimento definitivo da recorrida, e na perda de interesse por si manifestada, legitimando tal perda de interesse a resolução do contrato promessa, por si operada a 25.02.2022, com direito à devolução do sinal em dobro, nos termos do artigo 442º do Código Civil.
Para o caso de assim se não entender, sempre seria de considerar que a situação gerada é de inviabilidade do cumprimento, com direito à devolução do sinal em singelo.

Vejamos:

Não vem posto em causa, como decidido, que entre A e Ré tenha sido celebrado um contrato-promessa bilateral de compra e venda, da fração melhor identificada nos autos, contrato esse com eficácia meramente obrigacional (arts. 410º e 413º do CC).
Trata-se da promessa de compra e venda da fração ..., T0, situada no ... andar do prédio urbano denominado “...”, composto de cave, subcave, primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto andares, sito na Rua ..., Lugar ..., em ..., pertencente à ré.
O preço acordado da compra e venda foi de € 113.000,00, tendo o Autor pago à Ré, no ato de assinatura do contrato promessa, no dia 8 de janeiro de 2020, o valor de € 67.800,00, a título de sinal e princípio de pagamento, sinal que foi reforçado em 22 de novembro de 2020 (com € 16.950,00), e em 25.05.2021 (com € 16.950,00), ficando o restante valor em dívida, no montante de € 11.300,00, de ser pago no ato da realização da escritura pública, a qual seria realizada no prazo que se previa de 20 meses, ficando a ré obrigada à sua marcação.
Dispõe o art.º 410º n.º 1 do CC que o contrato promessa consiste na “convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”, sendo-lhe aplicáveis as disposições legais que regulam o contrato prometido, excetuadas as que, pela sua própria razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato promessa.
Segundo Antunes Varela (“Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª ed., Almedina, p. 308), o contrato promessa é “a convenção pela qual ambas as partes, ou apenas umas delas, se obrigam, dentro de certo prazo, ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato” (compra e venda, locação, mandato, etc.), isto é, o chamado contrato prometido. Ele tem como objeto um negócio jurídico (unilateral ou bilateral e de eficácia obrigacional ou real) e gera, necessariamente, uma ou duas obrigações de contratar, ou seja, uma ou duas obrigações de emitir a declaração de vontade correspondente ao negócio prometido (Ana Prata, “O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, Almedina, p. 573, e Calvão da Silva “Sinal e Contrato-Promessa”, 2017, Almedina, p. 13).
O objeto destas obrigações é, assim, uma prestação de facto jurídico positivo (uma prestação de facere), que consiste na “emissão de uma declaração negocial destinada a celebrar o contrato prometido”, e a que corresponde o direito de crédito da contraparte de exigir o seu cumprimento (Almeida Costa “Contrato Promessa, Uma síntese do Regime Actual”, separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 50, I, 1990, pág. 41).
Assim, na promessa bilateral de compra e venda – como foi o caso da promessa a que as partes se vincularam -, a obrigação a que os contraentes se obrigam é a de outorgarem, respetivamente, como comprador e como vendedor, um futuro contrato de compra e venda (contrato prometido ou definitivo). Trata-se de um “contrato preliminar ou preparatório do negócio definitivo, um contrato de segurança ou de garantia do negócio prometido” (Calvão da Silva, “Sinal e Contrato-Promessa”, 2017, Almedina, p. 15).
Acresce que pelo A foi entregue à ré, na data da celebração do contrato promessa, determinada quantia a título de sinal e princípio de pagamento (quantia que reforçou em dois momentos posteriores), sendo a constituição de sinal uma prática usual na celebração dos contratos promessa.
Efetivamente, inserido no capítulo relativo aos “Contratos” como “Fonte das Obrigações”, prevê o art.º 440º do CC que “Se ao celebrar-se o contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal”, acrescentando o art.º 441º do mesmo Código, que “No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”, prevendo-se depois no art.º seguinte a penalização para quem deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável: Se quem constituir o sinal deixar de cumprir a obrigação, por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o incumprimento for assacável a quem recebeu o sinal, tem a contraparte a faculdade de exigir o dobro do que lhe prestou (art.º 442, nº 2 do CC).
Acontece que veio o A mais tarde, em 11 de fevereiro de 2022, alegando perda de interesse na manutenção do negócio, interpelar a ré para lhe devolver o valor do sinal em dobro, no prazo de 10 dias.
Alega o Autor, para assim proceder, que a Ré se constituiu em mora, nos termos do artigo 804.º do CC, pois ultrapassou o prazo fixado e previsto de 20 meses para a conclusão da obra, não a tendo ademais realizado conforme mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa, conforme assumiu expressamente.
Assim, perante o incumprimento da ré, assim como a sua intenção manifesta de não pretender cumprir, o A perdeu o interesse na concretização do negócio, o que manifestou à ré, em 11 de fevereiro de 2022, convertendo a mora em incumprimento definitivo.
Efetivamente, o incumprimento definitivo do contrato, nos termos do artigo 808.º do CC verifica-se quando “o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considerando-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”.
A lei encara assim a eventualidade da mora ocasionar a perda do interesse do credor na prestação tardia, ou de o devedor moroso não cumprir dentro do prazo adicional e perentório que aquele lhe tenha fixado.
Nestes dois casos, a obrigação considera-se, para todos os efeitos, como não cumprida, e a mora transforma-se em não cumprimento definitivo.
Acresce que o incumprimento definitivo surge também nos casos em que o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito, ou adota uma qualquer outra conduta manifestamente incompatível com o cumprimento. Quando tal ocorra, tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência, que não se torna necessário que o credor lhe assine um prazo suplementar para haver incumprimento definitivo; a declaração do devedor é suficiente, por exemplo, no caso em que, sem fundamento, resolve o contrato, ou afirma, de forma inequívoca, que não realizará a sua prestação.
É de referir ainda, que para que se tenha por demonstrada a falta de interesse do credor na prestação (art.º 808º do CC) não basta o juízo valorativo arbitrário do próprio credor; a falta de interesse há-de ser apreciada objetivamente, com base em elementos suscetíveis de serem valorados por qualquer pessoa (designadamente pelo próprio devedor ou pelo juiz). Além disso, a perda do interesse do credor na prestação - que há-de resultar da mora no cumprimento e não de qualquer outra circunstância -, tem de ser efetiva, não relevando uma simples diminuição de tal interesse.
Ademais, não é pelo simples decurso de um período mais ou menos dilatado de tempo sem que o contrato definitivo haja sido celebrado, que pode concluir-se pela existência objetiva da perda do interesse do credor na prestação. Há que averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato (no todo contratado), em termos de proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a sua conclusão.
Em todo o caso, revestindo a perda do interesse do credor na prestação a natureza de facto constitutivo do direito que se arroga, é àquele que (nos termos do art.º 342º, nº 1, do CC), incumbe alegar e provar os factos com base nos quais há-de ser objetivamente apreciada a situação concreta de falta daquele interesse.
A perda do interesse na prestação, equivale ao incumprimento definitivo do contrato pela parte devedora, o qual traduz uma desistência, por parte do direito, de manter vivo o dever de prestar principal, na expectativa de que o devedor o cumpra, podendo levar à resolução contratual (art.º 433 do Código Civil).
*
Feitas estas considerações de caráter geral, vejamos o caso dos autos:

No dia 11 de fevereiro de 2022, o Autor, alegando perda de interesse no negócio, interpelou a Ré para devolução do sinal em dobro, no prazo de 10 dias.
Começamos por verificar que a interpelação do A à ré, foi no sentido de converter a simples mora em incumprimento definitivo – comunicando-lhe que decorrente da mora, perdeu o seu interesse no negócio.
E de facto, temos de convir que a ré se encontrava em mora perante o A naquela data (em 11.2.2021) quanto à realização do negócio definitivo: mora essa não apenas derivada da não realização da escritura pública, que se previa no prazo de 20 meses desde a data da celebração do contrato promessa, mas sobretudo por assumir o incumprimento do contrato promessa quanto à conclusão da obra (nos termos acordados), e não diligenciar pelo seu cumprimento.

Esclarecendo:

Como se deixou dito acima, entre as parte foi celebrado, em ../../2020, um contrato promessa de compra e venda de uma fração autónoma situada no ... andar do prédio urbano pertencente à ré, sito no Lugar ..., em ....
O contrato promessa celebrado pelas partes - e ora em discussão - tem no entanto a nuance de ser um contrato-promessa de compra e venda de bens futuros, uma vez que, como demonstrado nos autos (e resulta claro dos Considerandos do contrato promessa junto aos autos), a fração prometida vender ainda não se encontrava construída aquando do contrato promessa (encontrando-se ainda em planta), constando do Considerando 1º, que a primeira outorgante (a ré) iria construir um prédio urbano denominado ... no terreno identificado, comprometendo-se a construí-lo, e anexando ao contrato promessa a planta e o mapa de acabamentos do aludido prédio.
Ora, como resulta da lei (art.º 410º, n.º 1 do CC), “À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato promessa”.
Como ensina Calvão da Silva (“Sinal e Contrato-Promessa”, 2017, Almedina, pp. 24/26), as normas específicas do contrato prometido aplicam-se à promessa de venda, as quais, no que ao caso importa, se referem à venda de coisas futuras (arts. 880º e 893º do CC e Ac. do STJ de 30/06/2009; Ac. da RC de 14/03/2006; e Ac. da RG de 24/04/2012, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
Exceção ao princípio da correspondência ou da equiparação, constituem as normas do contrato prometido que, pela sua razão de ser, não devam considerar-se extensivas ao contrato promessa (art.º 410º, n.º 1, in fine). Assim, por exemplo, são inaplicáveis à promessa de venda, porque não transmite a propriedade, as normas da compra e venda relativas à eficácia real translativa (art.º 879º, al. a) do CC).
De igual sorte, e pela mesma razão - de o contrato promessa não produzir efeitos translativos -, não lhe são aplicáveis as proibições da alienação de coisa alheia (arts. 892º e 939º) ou parcialmente alheia (arts. 902º e 939º) e da venda de coisa comum (indivisa) por um só dos comproprietários (arts. 1405º e 1408º).
Nestes casos, bem como noutros casos análogos, do contrato promessa não nascem efeitos translativos, mas apenas a obrigação de celebrar o contrato definitivo (prestação de facto jurídico), cujo cumprimento pode vir a ser possível no tempo devido, se entretanto o promitente vendedor obtiver a coisa. Caso assim não suceda, caso o promitente vendedor não adquira a coisa, haverá incumprimento do contrato-promessa por impossibilidade subjetiva, culposa ou não, consoante o exato conteúdo ou alcance da promessa, apurado segundo as regras da interpretação: se o promitente vendedor tiver assumido uma obrigação de meios, obrigando-se apenas a fazer o que estiver ao seu alcance no sentido de adquirir a coisa alheia, e se provar que procedeu às diligências adequadas para o efeito, não haverá responsabilidade civil pelos danos sobrevindos (arts. 798º e 801º); se o promitente vendedor tiver assumido uma obrigação de resultado, assegurando ao promitente comprador a aquisição da coisa na data convencionada e não o lograr fazer, haverá responsabilidade civil da sua parte. Assim, tendo havido constituição de sinal, terá de restituir o dobro do sinal (artigo 442º, nº 2).
Fazendo apelo ao disposto no art.º 211º do CC, a venda (e a promessa de venda) de coisas futuras tem como objeto coisas que “não estão em poder do disponente, ou a que este não tem direito ao tempo da declaração negocial”, e não só as coisas alheias, a que o disponente ainda não tem direito ao tempo da declaração negocial (por inexistência da titularidade do direito em causa), como também as que não têm sequer existência física, que terão ainda de ser geradas, produzidas, ou de algum modo fabricadas, por ex., a venda de uma fração de edifício por construir (inexistência da coisa). Na hipótese de coisa materialmente futura, a propriedade transmite-se com a produção; no caso de coisa juridicamente futura ou alheia, a propriedade transfere-se com a aquisição da coisa pelo transmitente (Ana Afonso “Comentário ao Código Civil - Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral”, anotação ao artigo 408º do CC, Universidade Católica Editora, p. 69, e Pires de Lima e Antunes Varela “Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª Ed., Coimbra Editora, p. 174)
Conclui-se assim do exposto que a venda (ou a promessa de venda) de bens futuros é válida, produzindo a celebração do contrato efeitos meramente obrigacionais, mas “o vendedor fica obrigado a exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos, segundo o que for estipulado ou resultar das circunstâncias do contrato” (art.º 880º do CC).
Efetivamente, nos termos do nº 1 do art.º 401º do CC, a impossibilidade originária da prestação determina a nulidade do negócio jurídico; não é contudo nulo o negócio que as partes celebraram na expetativa de a prestação vir a ser possível (art.º 401º, n.º 2).
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Ora, no caso dos autos, não se questiona a validade da celebração de um contrato promessa de bens futuros, tendo a ré assumido de forma expressa, a obrigação de construir o prédio e a fração prometida vender, que dele faz parte integrante, no prédio rústico de sua propriedade, também melhor identificado no contrato promessa, de acordo com a planta anexa e o respetivo mapa de acabamentos. A ré assumiu perante o A, de forma inquestionável, uma obrigação de resultado.
Consabidamente, as obrigações podem ser de meios ou de resultado. A obrigação é apenas de meios se o devedor, ao contrair a obrigação, não fica adstrito à produção de nenhum resultado ou efeito, prometendo apenas realizar determinado esforço ou diligência para que tal resultado se obtenha.
A obrigação é de resultado quando o devedor se compromete a garantir a produção de certo resultado em beneficio do credor ou de terceiro. As diligências necessárias que nesse caso incumbem ao vendedor realizar traduzem-se normalmente na atividade que deve desenvolver no sentido de adquirir, ou de algum modo obter os bens vendidos (ou prometidos vender), nos exatos termos em que se vinculou (Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. II, p. 191). Se o não fizer, fica obrigado a indemnizar o comprador (ou o promitente comprador) dos prejuízos que resultem do incumprimento desse dever, podendo ainda aquele resolver o contrato (art.º 801.º, n.º 2, do CC), com direito a indemnização.
Ora, tratando-se de contrato-promessa, como é o caso dos autos, há-de o promitente vendedor diligenciar para que seja possível celebrar o contrato de compra e venda prometido, nas exatas condições acordadas com o promitente-comprador, isto é, há-de providenciar para que o promitente comprador venha a adquirir, nas condições estipuladas, o bem prometido vender.
Efetivamente, nos termos do citado art.º 211º do CC, o contrato promessa de compra e venda de bens futuros poderá vir a ser cumprido, se a coisa vier a estar no poder do promitente vendedor, ou este vier a ter direito a ela, na data aprazada para a celebração do contrato prometido.
Isto posto,
No caso dos autos, dado que a fração objeto do contrato promessa se encontrava ainda por construir na data da celebração do contrato, haveria a ré de cumprir a obrigação assumida naquele contrato promessa, ou seja, construir o prédio e a fração que dele fazia parte, dentro do prazo estipulado, e nos termos acordados, com respeito pela planta e pelo mapa de acabamentos anexos ao mencionado contrato promessa.
De facto, independentemente da natureza do contrato, o devedor de bens futuros (especialmente o vendedor), sob pena de incumprimento, deve ser diligente, devendo fazer o necessário (sob o ponto de vista material e jurídico) para que o credor (em especial o comprador) adquira o bem e a quantidade prometida (art.º 880º n.º 1 do CC, e José Carlos Brandão Proença, “Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações”, Universidade Católica, 2019, e entre outros, Ac. STJ de 22/06/2010 e Ac. RC de 21/09/2010, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.)
Ora, não está comprovada nos autos qualquer atitude da ré (muito menos diligente), no sentido da satisfação do interesse do A, e da realização da prestação de facto a que se obrigou.
Efetivamente, incumbia à ré exercer todas as diligências necessárias a fim de concluir a obra prometida vender, na data prevista no contrato, mas acima de tudo, de acordo com o mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa.
Tratando-se ademais de uma obrigação de resultado, sobre a promitente vendedora impendia o ónus da prova desse mesmo resultado, ou seja, de que concluiu a obra, não só no prazo acordado, mas que a concluiu de acordo com os acabamentos contratualizados, a fim de ilidir a sua presunção de culpa.
Não o tendo feito, cabe-lhe arcar com as consequências dessa omissão, que é tornar-se responsável pelo prejuízo que cause ao promitente-comprador, nos termos do art.º 798.º do CC, por a causa da falta de cumprimento lhe ser imputável (Ac. da RC de 19/05/2015 e Ac. da RP de 14/03/2017, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.).
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A devolução do sinal em dobro:

Resulta dos autos que o A entregou à ré, na data da celebração do contrato promessa, a quantia de € 67.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento. 
Consabidamente, ao contrato promessa é aplicável o regime geral dos contratos, sendo-lhe aplicáveis, designadamente, as regras atinentes à falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor, entre elas as dos arts. 798º, 801º, 804º e 808º do CC, tal como resulta do disposto no art.º 410º, n.º 1, do CC, tendo este, além do mais, um regime específico (constante dos arts. 442º e 830º do CC) ao nível das sanções aplicáveis ao não cumprimento do contrato, quando tenha havido lugar à constituição de sinal (convencionado ou presumido – arts. 440º e 441º do CC).
Efetivamente, toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente vendedor a título de antecipação do preço, presume-se ter o carácter de sinal (art.º 441º do CC). Quando haja sinal, presumido ou convencionado, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida ou restituída, quando a imputação não for possível (art.º 442º, n.º 1 do CC).
No caso de não cumprimento imputável a qualquer dos contraentes, os efeitos do sinal são os regulados no art.º 442º, n.º 2 do CC. Segundo este normativo, no caso de não cumprimento imputável a quem constituiu o sinal (tradens), o outro promitente (accipiens) tem direito a reter o sinal; se, ao invés, o não cumprimento for devido a este último, o promitente não faltoso tem o direito a exigir o dobro do que prestou ou, no caso de ter havido tradição da coisa, este pode optar pelo valor que a coisa (ou do direito a transmitir ou a constituir sobre ela), tiver, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, mas devendo ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago.
Como acima se referiu, na ausência de convenção contrária, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, para além da enunciadas (art.º 442º, n.º 4 do CC).
Dito isto, de acordo com o entendimento generalizado da doutrina e da jurisprudência, salvo se da interpretação da vontade negocial resultar o contrário, o regime legal do sinal é inaplicável em caso de simples atraso no cumprimento (mora) (Cfr., neste sentido, entre outros, na doutrina, Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, p. 98/103 e Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, p. 297; Antunes Varela, Sobre o Contrato-Promessa, p. 70, nota 1; Antunes Varela, RLJ, ano 119, p. 216, Almeida Costa, Contrato-Promessa, p. 54; Januário Gomes, Tema de Contrato-Promessa, 1990, AAFDL, pp. 55/60; Brandão Proença, Do incumprimento do contrato-promessa bilateral, 1996, pp. 119/126, Ana Prata, O contrato-promessa e o seu regime civil, p. 780/782, Ana Prata, Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume I, 2017, Almedina, p. 567 e Ana Afonso, Comentário ao Código Civil - Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral, anotação ao artigo 442º, Universidade Católica Editora, p. 168.  Na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do STJ de 22/06/2010, de 11/02/2015, de 19/05/2016, de 16/06/2016, de 13/10/2016, de 2/02/2017, e de 30/11/2017, todos disponíveis in www.dgsi.pt.)
De facto, só o incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa (e o consequente pedido resolutivo) dá lugar às cominações previstas no art.º 442° n° 2 do CC, não bastando para o efeito a simples mora (que é necessário transformar em incumprimento definitivo, nos termos gerais do art.º 808° do CC), porquanto nada justifica que se excecione o contrato-promessa do regime geral aplicável à generalidade dos contratos; o que significa que a resolução do contrato-promessa e as sanções da perda do sinal ou da sua restituição em dobro só têm lugar no caso de inadimplemento definitivo da promessa.
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Vejamos então agora, se houve incumprimento definitivo e culposo por parte da ré, para justificar a cominação prevista no art.º 442º nº 2 do CC, como pretende o recorrente.
O incumprimento definitivo, na previsão do art.º 808º do CC, verifica-se quando o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considerando-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
Efetivamente, a mora apenas legitima a resolução do contrato, quando convertida em incumprimento definitivo (arts. 801º, n.º 2 e 802º, n.º 2 “ex vi” do art. 808º, todos do CC), quer pela perda objetiva de interesse do credor, quer pelo recurso à interpelação admonitória, com a fixação de prazo razoável, apenas dispensável se houver uma recusa antecipada do devedor em cumprir.
Não se trata de situações cumulativas ou que devam funcionar em conjunto. Pelo contrário, estes dois modos de conversão da mora em incumprimento definitivo são alternativos e independentes entre si, ainda que possam ocorrer em simultâneo, tendo um pressuposto comum necessário: que o devedor esteja em mora; que a sua obrigação esteja vencida (Ac. do STJ de 6/02/2007, in www.dgsi.pt.)
No tocante ao primeiro dos invocados fundamentos, a perda do interesse do credor na prestação, ela é legalmente equiparada ao não cumprimento da obrigação (art.º 808º, n.º 1, do CC) e deve ser apreciada objetivamente (n.º 2 do mesmo artigo).
Almeida Costa sustenta (Direito das obrigações, 9.ª edição, Almedina, 2001, p. 984), que a importância de tal interesse, embora aferida em função da utilidade concreta que a prestação teria para o credor, não se determina de acordo com o seu juízo arbitrário, mas considerando elementos suscetíveis de valoração pelo comum das pessoas. Além disso, exige-se a efetiva perda do interesse do credor na prestação e não uma simples diminuição. O caso mais frequente de perda de interesse na prestação consistirá no desaparecimento da necessidade que a prestação se destinava a satisfazer.
O mesmo defende Nuno Oliveira (Princípios de direito dos contratos, Coimbra editora, 2011, p. 863): que o requisito da perda subjetiva de interesse do credor demanda a apreciação, pelo aplicador do direito, se o interesse do credor em adquirir a prestação, realizando a contraprestação, desapareceu; o requisito da perda subjetiva do interesse tem de ter uma justificação objetiva, atendendo a elementos suscetíveis de valoração pelo comum das pessoas.
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Ora, no caso dos autos, verificamos que a perda de interesse na concretização do negócio por parte do A/promitente comprador foi legítima, quer em termos subjetivos, quer em termos objetivos.
Efetivamente, o autor adiantou à ré uma quantia assinalável a título de sinal e princípio de pagamento (€ 67.000,00), no pressuposto de que a compra e venda seria realizada em 20 meses, mas sobretudo que a fração objeto do contrato lhe seria entregue conforme mapa de acabamentos acordados, designadamente com o lugar de garagem acordado (junto ao elevador), com os tetos em pladur rebaixados e com isolamento térmico e acústico, e os muros das áreas comuns com acabamento em granito.
Ou seja, mesmo condescendendo em relação ao lugar de garagem (como manifestou no email de 31 de Janeiro de 2022, que endereçou à ré), o A nunca condescendeu relativamente ao acabamento dos tetos – que se apresentavam, em 10 de fevereiro de 2022, cerca de 5 meses após a data prevista para a realização da escritura de compra e venda, em betão aparente e não em gesso cartonado, com aplicação de isolamento térmico e acústico, executados a lã de rocha de 70 kg/m, como consignado no mapa de acabamento -, nem relativamente ao arranjo exterior do logradouro e da piscina, que naquela data não estavam executados, conforme estipulado no mapa de acabamentos, e comunicado pela ré que iria ser cumprido. Neste particular, os muros de vedação não possuíam revestimento final, tendo sido alterado o acabamento dos muros, não tendo sido colocado granito tradicional, conforme exigido no mapa de acabamentos.
Ademais, nunca o A manifestou à ré a intenção de cumprir o contrato promessa, adquirindo a fração objeto daquele contrato, sem que ela estivesse acabada e de acordo com o que ficou estipulado no contrato promessa.
Isso mesmo transmitiu à ré, de forma clara, em 10 de janeiro de 2022 (após várias marcações da escritura por parte daquela, e às quais o A não compareceu), de que não iria outorgar a escritura enquanto o apartamento não estivesse pronto e em conformidade.
Ademais, foi o A sempre fiscalizando a obra (desde ../../2021), e pressionando a ré no sentido de a obrigar a cumprir a sua parte no acordo (concluindo a obra de acordo com o mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa).
Apesar disso, a ré não mostrou sinais de pretender cumprir com o acordado, alterando o lugar de garagem que havia atribuído ao A sem a sua autorização e consentimento, e não concluindo as obras de acordo com o mapa de acabamentos elaborado, mantendo o apartamento desconforme ao estipulado, aquando da última vistoria ao mesmo, em 10.2.202.
Donde, a situação criada pela ré tornava inexigível, objetivamente, que o autor ficasse a ela vinculado, pelo que a sua perda de interesse pelo negócio apresentou-se como uma consequência natural face ao circunstancialismo apurado.
Será assim legítimo concluir, de todo o circunstancialismo descrito, que a persistência da ré em não cumprir o acordado, levou o A – como levaria qualquer cidadão comum -, a perder o interesse no negócio, responsabilizando a ré pela situação criada.
Objetivamente, o autor arriscava-se a adquirir o apartamento no estado em que ele se encontrava, contra a sua vontade, e a ter de demandar a ré em ação posterior, para ver sanados os defeitos/desconformidades – com todos os custos que essa demanda lhe iria acarretar, e sem garantias de êxito na ação.
Tudo circunstâncias a permitir concluir que o A teve motivos mais do que suficientes para perder o interesse no negócio e pedir a devolução do sinal pago em dobro, manifestando, implicitamente, a sua intenção de resolver o contrato promessa celebrado.
E assim, com a comunicação que o A fez à ré, em 11.2.2021, a manifestar-lhe a perda de interesse no negócio, o A converteu a mora em que ela se encontrava em incumprimento definitivo.
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Ademais, sempre seria de considerar o comportamento adotado pela ré, manifestamente incompatível com a vontade de cumprir o contrato-promessa.
Efetivamente, tem sido admitido, que para efeitos de se ter por verificado o incumprimento definitivo do contrato, é dispensável a interpelação admonitória, desde que se verifique uma recusa inequívoca de cumprir por parte do devedor.
Como defende Ana Prata (“O Contrato Promessa e o seu Regime Civil”, Almedina, pp. 693/694), “…os mesmos efeitos da declaração expressa de não cumprir serão produzidos pelo comportamento do devedor que seja inequivocamente incompatível com a vontade de cumprir.” (no mesmo sentido, Brandão Proença, “Do Incumprimento do Contrato Promessa Bilateral”, Coimbra, 1996, p. 87 e ss.).
Entende-se assim equivaler ao incumprimento definitivo, a declaração antecipada do devedor (expressa ou tácita) de não querer (ou não poder) cumprir, ou quando o seu comportamento seja próprio de pessoa que não quer ou não pode cumprir; ponto é que seja séria, certa e segura ou definitiva a declaração (ou o comportamento) do promitente vendedor de não querer ou não poder cumprir, hipótese em que o promitente-comprador fundadamente a toma por boa, a aceita como uma decisão unívoca/definitiva, e resolve o contrato.
Ora, no caso dos autos, mesmo perante a evidência revelada pela vistoria realizada à obra em 10.2.2021 – na qual foram elencados vários defeitos/desconformidades do apartamento relativamente ao mapa de acabamentos acordado -, ousou a ré marcar a escritura para 16.2.2021 (6 dias após a data daquela vistoria), sem qualquer hipótese de resolução dos problemas (estruturais) verificados - o que revela que era sua intenção “forçar” o A a celebrar o negócio contra a sua vontade, relativamente a um apartamento com acabamentos que não foram os por si acordados.
A postura da ré perante o A foi inequivocamente a de que pretendia realizar a escritura a todo o custo, e vender o apartamento ao A no estado em que ele se encontrava, declinando qualquer responsabilidade pelos aludidos defeitos.
Efetivamente, mesmo não tendo declarado expressamente que não iria resolver os problemas do apartamento (sobretudo os dos tetos e dos muros exteriores), o seu comportamento foi de molde a fazer crer que iria ser essa a sua postura.
Ora, no circunstancialismo apurado, analisando e interpretando todo o quadro circunstancial apurado à luz dos ditames da boa-fé, temos de concluir, como o faria qualquer destinatário normal, que o comportamento da ré evidencia uma inequívoca vontade de não cumprir a obrigação assumida para com o A (apesar de assumir o incumprimento do contrato quanto ao lugar de garagem, aos tetos da fração e aos muros do jardim).
E, como se disse, adotando o devedor um comportamento incompatível com o cumprimento da prestação a que está vinculado, tal comportamento equivale ao incumprimento definitivo do contrato, tornando desnecessário que o credor proceda à conversão da mora em incumprimento definitivo – quer através da prova da insubsistência do seu interesse no cumprimento, quer mediante o ónus de fixação de um prazo suplementar e admonitório previsto no art.º 808º, n.º 1 do CC – para poder peticionar a restituição do sinal em dobro.
Conclui-se assim do exposto sempre teria o A – perante o incumprimento da ré, manifestado no seu comportamento de não pretender cumprir a obrigação -, o direito à resolução do contrato promessa, e a pedir a restituição do sinal em dobro.
Ou seja, e em conclusão, tendo a resolução como fundamento o incumprimento definitivo e culposo da ré, tem o A direito de obter da mesma a quantia prestada a título de sinal em dobro.
Procede assim na totalidade, a Apelação do A.
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Decisão:

Por todo o exposto, Julga-se procedente a Apelação, e revoga-se a sentença proferida, condenando-se a ré a restituir ao A a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no valor de € 203.400,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação da Ré até efetivo pagamento.
Custas pela Ré/Apelada (art.º 527º nº1 e 2 do CPC).
Notifique e DN.
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Sumário do Acórdão (art. 663º, n.º 7, do CPC):

I – Ao contrato promessa são aplicáveis, nos termos da lei (art.º 410º nº1 do CC) as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato promessa.
II- É por isso válido o contrato promessa de bens futuros, produzindo a celebração do contrato efeitos meramente obrigacionais, mas ficando o promitente vendedor obrigado a exercer as diligências necessárias para que o promitente comprador adquira os bens prometidos vender, segundo o que for estipulado, ou resultar das circunstâncias do contrato (art.º 880º do CC).
III- Ao contrato promessa é também aplicável o regime geral dos contratos, sendo-lhe aplicáveis, designadamente, as regras atinentes à falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor, tendo este ainda um regime específico quanto às sanções aplicáveis, quando tenha havido constituição de sinal (convencionado ou presumido) - arts. 440º, 441º, e 442º do CC).
IV- A resolução do contrato-promessa e as sanções da perda do sinal ou da sua restituição em dobro só têm lugar, no entanto, em caso de incumprimento definitivo da promessa, que pode resultar da conversão da mora em incumprimento definitivo, por atuação do promitente comprador.
V- A conversão da mora em incumprimento definitivo pode resultar da perda do interesse do promitente comprador na prestação, na sequência da mora do promitente vendedor em realizar o contrato prometido, concluindo a obra nos termos acordados, ou pela conduta daquele, da qual resulte de forma irrefutável, que ele não pretende cumprir a promessa a que se obrigou.
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Guimarães, 18.4.2024