Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21933/21.5T8LSB.L1-8
Relator: CARLA CRISTINA FIGUEIRA MATOS
Descritores: DIREITO À IMAGEM
DIREITO AO BOM NOME E REPUTAÇÃO
VIOLAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
LIBERDADE DE IMPRENSA
LIMITAÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/02/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Para que o lesado possa beneficiar do alargamento do prazo prescricional previsto no art.º 498 nº 3 do CC é efetivamente necessário que o mesmo prove que os factos que imputa aos lesantes integram, em abstrato, determinando tipo de crime. Não em concreto, mas sim em abstrato. Daí que não seja sequer necessária a demonstração da efetiva ocorrência de qualquer processo criminal. E, tendo existindo processo criminal, é irrelevante o seu desfecho.
II. Os direitos à imagem, reputação e bom nome, por um lado, e liberdade de expressão e imprensa, por outro, muitas vezes colidem entre si, sendo que a resolução desses conflitos terá que ser apreciada de forma casuística, elegendo-se, conforme as circunstâncias de cada caso, qual o valor que deve prevalecer e em que medida deve prevalecer. Isto sem olvidar que a jurisprudência do TEDH tem vindo a dar prevalência à liberdade de expressão e imprensa, fazendo uma interpretação restritiva das limitações previstas no art.º 10 nº 2 da CEDH.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
A propôs a presente ação declarativa em processo comum contra B, C, D e E [… MEDIA, SA], pessoa coletiva número 502…, com sede na Rua …, n.º … Lisboa, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de €25.000,00.
Para tanto, alegou, e em síntese, que os réus publicaram, em edições impressas e online, títulos em que era visada e que ofenderam o seu bom nome e reputação. Alega, também, que os réus divulgaram, no canal de televisão e na sua página online, vídeo contendo excertos da sua inquirição, como testemunha, no âmbito do “Processo W”, que ofendeu o seu bom nome e reputação e lesou o seu direito à imagem.
Concluiu, assim, que a conduta dos réus lhe causou danos de natureza não patrimonial, que computa em quantia não inferior a €25.000,00, cuja compensação peticiona.
Citados, os réus contestaram, excecionando a ilegitimidade processual do réu D, a prescrição do direito da autora e a ilegitimidade substantiva da ré E e do réu C e, no mais, impugnando a ação.
A autora foi convidada a pronunciar-se por escrito quanto à matéria de exceção, o que fez a ref.ª 33007955, pugnando pela sua improcedência.
Por despacho de ref.ª 419389153 (13.10.2022) foi dispensada a realização de audiência prévia, conhecida a exceção de ilegitimidade do réu D, e identificado o objeto do litígio e os temas da prova.
Realizou-se a audiência final (ref.ªs 425554971, 426140649 e 426385018).
Seguidamente foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“DECISÃO
Por todo o exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação e, em consequência:
a. Absolvo o réu D de todos os pedidos contra si formulados nos autos;
b. Condeno o réu C e a ré E, a, solidariamente, pagarem à autora, a título de compensação, a quantia de €8.000,00 (oito mil euros);
c. Condeno o réu C, a ré B e a ré E, a, solidariamente, pagarem à autora, a título de compensação, a quantia de €10.000,00 (dez mil euros);
d. Condeno a autora e os réus C, B e E, no pagamento das custas do processo, na proporção, para a autora, de 25%.
Registe.”
Inconformados, vieram E, C e B interpor recurso de apelação da sentença, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
“1. No que respeita ao efeito do recurso, tendo em conta que a execução da decisão comporta prejuízo considerável aos Recorrentes, vêm os mesmos requerer que, nos termos do disposto no n.º 4, do artigo 647º, do CPC seja atribuído efeito suspensivo ao recurso e admitida a prestação de caução, por via de garantia bancária, a prestar pela Recorrente E, no montante de €18.000,00, correspondente ao montante em que os Recorrentes foram condenados.
2. A Autora, ora Recorrida, intentou contra os Recorrentes e ainda contra D, ação declarativa comum, na qual peticionou a condenação solidária no pagamento da quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), correspondentes a danos de natureza não patrimonial, na sequência da publicação, em edições impressas e online, de títulos em que era visada, assim como, de um vídeo publicado no serviço de programas “CM TV” e na sua edição online, que continha excetos da sua inquirição, como testemunha, no âmbito do processo “Operação W”.
3. O Tribunal a quo julgou a ação parcialmente procedente e condenou os Réus C e E, a, solidariamente, pagarem à Autora, a título de compensação, a quantia de €8.000,00, e os Réus C, B e E, a, solidariamente, pagarem à Autora, a título de compensação, a quantia de €10.000,00.
4. Em síntese considerou o Tribunal a quo: (i) a não verificação da alegada prescrição do direito da Autora; (ii) a peça transmitida no serviço de programas “CM TV” e na sua edição online, de dia 22.04.2018, no qual foram transmitidos excertos da inquirição da Autora, na qualidade de testemunha, no âmbito do processo “Operação W”, não corresponde ao exercício legítimo da liberdade de expressão; (iii) os títulos “A fala de dinheiro com WW mas usa código”, “Pagamos em dinheiro sem fatura”, “A apaga rasco da fortuna de WW” e “A na farsa de WW escritor” extravasam o âmbito de proteção da liberdade de expressão; (iv) a peça e os títulos em causa atingem a honra da Autora, de forma não consentida pelo Direito; (v) a condenação do Réu C, na qualidade de diretor, pelos danos da publicação dos títulos; (vi) a condenação da Ré B, na qualidade de autora da peça jornalística, pela inclusão de excertos do depoimento da autora no DCIAP; (vii) a Condenação da Ré E pelo facto de as condutas do Réu C, na qualidade de diretor, bem como da Ré B, na qualidade de jornalista, ocorrerem no âmbito de uma relação de comissão com a Ré E, ou seja, de uma relação de dependência; (viii) como consequência da conduta dos Réus, a Autora sofreu danos de natureza não patrimonial, tendo-se sentido triste, humilhada e enfurecida.
5. Porém, vêm os Recorrentes impugnar a decisão proferida, desde logo invocar a nulidade da sentença por falta de fundamento de facto e de Direito quanto à Ré B, impugnar a decisão proferida quanto à prescrição quanto nulidade por falta de fundamento de facto e de Direito quanto à Ré B, impugnar a decisão proferida quanto à prescrição à matéria de facto e quanto à matéria de direito, sem perder de vista que ao Tribunal cabe a livre apreciação da prova, que em face da matéria de facto que se encontra provada nos autos, também a respetiva interpretação e aplicação do Direito imporia decisão diversa.
6. Primeiramente, quanto à nulidade por falta de fundamento de facto e de Direito que justificam a decisão da condenação da Ré B nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, desde logo se diga que Tribunal a quo condenou a ora Recorrente B sem fundamentar os princípios jurídicos nos quais baseou a sua decisão, nem tão pouco referiu qualquer disposição legal que justificasse a responsabilização da Recorrente.
7. Deste modo, dúvidas não temos que, na sentença ora recorrida existe falta absoluta de fundamentação, ausência total de fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão final, que impossibilitam o conhecimento das razões que levaram à decisão final.
Nem tão pouco o Tribunal a quo fez referência a qualquer disposição legal ou princípios jurídicos que fundamentassem a sua decisão.
8. Face ao exposto, deve a sentença recorrida ser considerada nula, por manifesta falta de fundamentação de facto e de direito no que respeita à condenação da Recorrente B, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, nulidade que desde já se invoca.
9. Quanto à alegada prescrição, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, entendem os Recorrentes que a mesma se verifica, visto que os presentes autos têm por objeto notícias de 13 e 14 de outubro de 2017 e de 5 de novembro de 2017, tendo a Autora tido conhecimento de todos os conteúdos referidos em momento próximo das datas em que os mesmos foram publicados. Contudo, só deu entrada da presente ação a 23 de setembro de 2021.
10. Não obstante a suspensão dos prazos de prescrição decorrente da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que visou dar resposta à situação epidemiológica provocada pelo Coronavírus Sars-Cov-2, é notório que decorreram mais de três anos entre a data do alegado facto ilícito (13.10.2017, 14.10.2017 e 05.11.2017) e a data da ação destinada a peticionar a indemnização em causa nos presentes autos.
11. Pelo que, a Autora apenas teria legitimidade para intentar a presente ação até ao dia 07.01.2021, 08.01.2021 e 14.04.2021, respetivamente no que se refere às notícias de 13.10.2017, 14.10.2017 e 05.11.2017.
12. Sempre se diga que para poder beneficiar do prazo mais longe, nos termos do artigo 498.º, n.º 3, do C.C. não basta a mera alegação pelo autor da ação de indemnização de matéria integradora de um tipo legal de crime, sendo necessário que essa factualidade seja provada, razão pela qual se encontra prescrito o direito que a Autora pretenda exercer através dos presentes autos quanto aos ora Recorrentes.
13. Encontrando-se prescrito o direito que a Autora pretende exercer através dos presentes autos e deverão os Recorrentes ser absolvidos do pedido com as devidas consequências legais.
14. Caso assim não se entenda, deverá ser reapreciada a prova e em consequência alterada a resposta dada aos pontos 30, 31 e 32 dos factos provados da sentença recorrida.
15. A verdade é que relativamente aos factos indicados, não foi produzida qualquer prova no sentido de as publicações e a peça transmitida tenham trazido repercussões negativas na esfera jurídica da Autora.
16. Desde logo se diga que no que respeita à testemunha R, a mesma teve um depoimento virado para a sua experiência pessoal, que coloca em causa quer a produção, quer a intensidade dos danos alegados pela Recorrida, quer a credibilidade e razão de ciência do seu testemunho (depoimento prestado no dia 26 de maio de 2023, das 10:42:00 a 11:05:00, mais concretamente aos minutos 00:07:32- 00:07:45, 00:08:13- 00:09:17, 00:09:44- 00:09:53). Pelo que andou mal o Tribunal a quo a considerar o referido testemunho como essencial para dar como provados os danos alegados pela Recorrida.
17. A Recorrida era uma figura conhecida do grande público, nomeadamente, por ter um espaço de comentário na “TVI 24”, pelo menos desde 2012 e por ser colunista no “Diário de Notícias”, podendo ser considerada como se chama na Doutrina de uma “figura pública relativa”.
18. Tendo a Recorrida tal notoriedade, e sendo a mesma, à data dos factos, companheira de WW, claro é o interesse jornalístico ao redor da ora Recorrida e da sua função e papel no desenrolar da Operação W.
19. Tal notoriedade e exposição mediática é também referida pela testemunha P, ao referir que “A A, como qualquer pessoa, como eu, peço desculpa, que temos muitos seguidores e que enfim, como não agradamos a muita gente, somos muito criticados e elogiados (…)”, tendo ainda feito menção a várias notícias e não só as que se encontram em causa no presente processo: “O que eu, de notícias, tive conhecimento da impressa toda. (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, das 10:59:00 a 11:20:00, mais concretamente aos minutos 00:17:47- 00:17:57, 19:07-20:02).
20. Ou como o mesmo referiu sobre a Autora: “A A, como qualquer pessoa como eu, peço desculpa, que temos muitos seguidores e que enfim, como não agradamos a muita gente, somos muito criticados ou elogiados, (…)”. (minutos 17:36-18:35)
21. De facto, ocorreu todo um círculo mediático à volta deste processo, várias capas de jornais de vários órgãos de comunicação social noticiaram tais factos, envolvendo naturalmente a Recorrida, enquanto companheira de WW, como mencionado no depoimento da testemunha R (depoimento prestado no dia 26 de maio de 2023, das 10:42:00 a 11:05:00, mais concretamente aos minutos 00:08:13- 00:09:17) que afirma que não sabe precisar quantas capas foram divulgadas.
22. A testemunha H (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, das 10:29:00 a 10:58:00, mais concretamente aos minutos 00:23:29 – 00:25:08, 00:27:54- 00:28:11, 00:28:16-00:28:22) não soube concretizar as repercussões que a Recorrida sentira na sequência das publicações e da peça jornalística em causa nos presentes autos, nem tão pouco precisar quais foram as publicações que levaram a uma alegada alteração negativa na sua vida profissional, referindo “Não deixou de exercer a sua profissão, eu não sei exatamente dentro do jornal onde a A trabalha o que é que terá acontecido”.
23. Por sua vez, a testemunha M (depoimento prestado no 10 de maio de 2023, das 11:21:00 a 11:38:00, mais concretamente aos minutos 00:06:57- 00:07:17, 00:11:12- 00:11:46), referiu outras capas de jornais que terão provocado danos na Autora: “não só com essa…esse programa em concreto, mas enfim, com outras várias capas de jornais, destruírem completamente a imagem, o bom nome, de uma pessoa que é o contrário absoluto do que foi aí retratado”.
24. Neste sentido, não podem os Recorrentes serem responsabilizados por danos que, como supra explicado, em momento algum foram concretizados e diretamente relacionados às publicações e peça jornalística em causa.
25. De facto, a Operação W teve uma exposição mediática bastante ampla, tendo sido divulgadas notícias, reportagens e informações em múltiplos órgãos de comunicação social, com todos os órgãos de comunicação social a cobrir os avanços e os desenvolvimentos da mesma.
26. E nestes termos, de acordo com a prova produzida, ficou demonstrado que não foram as publicações e peça jornalística dos presentes autos que trouxeram repercussões negativas na vida profissional e pessoal ou que tenham produzido os danos não patrimoniais alegados pela Recorrida, e que imputa aos Recorrentes.
27. Em nenhum momento foi referido, nem tão pouco concretamente concretizado, pelas testemunhas que as repercussões alegadas pela Recorrida foram única e exclusivamente em consequência das publicações do Jornal “CM” e da peça jornalística do “CM TV”.
28. Foram períodos de exposição e condenar os Réus ao pagamento de uma indemnização à Autora por notícias cujos danos não foram possíveis apurar, nem tão pouco relacionar temporalmente, é fazer com que os Réus paguem por todas as eventuais repercussões que a Autora alegadamente sofreu pelo facto de ter sido namorada de um ex-primeiro ministro, por toda a exposição mediática que teve por ser ex-namorada da figura central na Operação W, o que consequentemente a levou a ser alvo de interesse jornalístico por parte de todos os órgãos de comunicação social.
29. Face ao supra exposto, considerando a prova produzida, não poderia o Tribunal a quo ter dado como provado os factos 30, 31 e 32, pelo que deve ser alterada a resposta dada aos respetivos factos, passando os mesmos a considerar-se como não provados.
30. Relativamente à alteração da resposta dada aos pontos G) e H) dos factos não provados da sentença recorrida, mais concretamente no que respeita ao alegado conhecimento e não oposição do Diretor, ora Réu C, entendem os Recorrentes que não foi corretamente valorada a prova produzida nos presentes autos, tendo sido prova suficiente para se concluir que o Réu C, na qualidade de diretor, não teve conhecimento prévio das notícias e da peça jornalística em causa, e consequentemente, não se opôs à divulgação das mesmas.
31. Foi explicado pelas testemunhas Q, L, e N o processo de funcionamento do Jornal “CM” e do serviço de programas “CM TV”. Tendo ainda sido referido a existência de uma hierarquia, tendo todos asseverado com clareza a plena autonomia das chefias intermédias.
32. A testemunha L (depoimento prestado no dia 26 de maio de 2023, das 11:51 a 12:22, mais concretamente aos minutos 00:13:24 a 00:14:53, 00:22:30 a 00:23:09, 00:23:09 a 00:23:53) referiu que o diretor C não tem conhecimento, nem intervenção nos títulos das publicações, nem das chamadas de capa visto que as mesmas são feitas no fecho da edição, altura em que o diretor já não se encontra na redação. Sendo o mesmo feito pelo diretor adjunto ou pelo chefe de redação.
33. Por sua vez, o mesmo foi confirmado pela testemunha N (depoimento prestado no dia 26 de maio de 2023, das 14:15 a 14:55, mais concretamente aos minutos 00:11:32 a 00:13:49, 00:13:49 a 00:16:40, 00:21:57 a 00:23:10, 00:25:22 a 00:28:44) que afirmou que o Réu C não tinha conhecimento prévio das notícias. Poderia saber que iriam ser publicadas notícias sobre a Operação W, mas não sabia o conteúdo em concreto.
34. E ainda pela testemunha Q (no dia 26 de maio de 2023 das
11:07 às 11:50, mais concretamente aos minutos 00:09:13 a 00:10:46, 00:10:46 a 00:11:40, 00:12:09 a 00:13:19, 00:23:58 a 00:24:58, 00:25:31 a 00:26:02) que afirmou que o diretor não tinha conhecimento prévio das publicações do Jornal “CM”, quer edição impressa que online, nem sequer na reportagem que foi divulgada na “CM TV”, tendo explicado qual a função de um diretor “a participação de um Diretor de uma redação é conhecida e digamos é o estabelecimento das grandes linhas estratégicas, da grande gestão editorial e no caso, na altura enfrentávamos, a imprensa, ou começávamos a enfrentar de forma um bocadinho mais corajosa um desafio que ainda hoje se coloca que é o desafio digamos da subsistência financeira dos meios de comunicação social portanto penso que também nessa altura terá sido a fase de transição do C como mero Diretor do CM para Diretor Geral Editorial. O que é o Diretor Geral Editorial? Mais não é do que uma forma estratégica que eu pessoalmente reputo de inteligente e estou à vontade para dizer isso apesar de ocupar hoje esse cargo não fui eu que participei na criação dele que é uma forma de reforçar digamos os deveres de gestão e representação e de planeamento estratégico das diversas marcas de comunicação social do grupo de forma a enfrentar os desafios, portanto, a função do Diretor Geral Editorial é uma função supletiva em relação a cada uma das marcas, portanto assim é que depois enfim esse movimento estratégico teve bom resultado.”.
35. Acrescentando ainda que “O conteúdo das reportagens que estamos aqui a discutir é todo ele baseado na acusação, portanto, é evidente que fazer notícias sobre a acusação, sobre a matéria constante num processo, digamos é uma matéria que não faz muito sentido imaginarmos que passaria pelo crivo do Diretor, digamos assim.” (00:12:09 a 00:13:19).
36. Por fim, em declarações de parte da Ré B (declarações prestadas na audiência de julgamento de dia 2 de junho 14:44 a 16:25, mais concretamente aos minutos 10:13 – 11: 44; 12:40 – 12:44), a mesma referiu que a decisão de passar a peça foi da coordenação e que não sabe em concreto quem era porque fizeram dezenas de peças sobre a Operação W.
37. De facto, dos depoimentos das testemunhas ora mencionadas, assim como das declarações da Ré B, retiramos que, não obstante a existência de cadeias de hierarquia e decisão, no topo das quais figurava C como diretor, os títulos e chamadas de capa eram da responsabilidade dos editores, responsáveis das secções e, eventualmente, poderia ir ao chefe da redação (no caso L) ou, no máximo, ao diretor-adjunto (N). Dizendo-se o mesmo relativamente à peça transmitida na “CM TV”. Não tendo ficado provado qualquer intervenção do Réu C.
38. Face ao supra exposto, considerando a prova produzida, deve ser alterada a resposta dada aos pontos G) e H) dos factos não provados passando os mesmos a ser considerados como provados.
39. No que respeita à impugnação da matéria de direito, no que se refere à impossibilidade legal de responsabilização do Réu C, sempre se diga que não obstante a alteração dos factos não provados e à prova que foi produzida, mesmo que tivesse tido conhecimento e não se tivesse oposto à publicação das notícias em causa, o que não se concede, o mesmo não poderia ser civilmente responsável nos termos do artigo 29.º, n.º 2, da Lei de Imprensa e nos termos do artigo 70.º, n.º 2, da Lei da Televisão.
40. Em parte alguma do artigo 29.º da Lei de Imprensa está prevista a responsabilidade objetiva do Diretor do periódico, pelos textos que sejam publicados, mesmo quando este tenha tido conhecimento prévio do seu conteúdo e não se tenha oposto à sua publicação.
41. O conhecimento do Diretor da publicação apenas poderá relevar para aferir da eventual responsabilidade solidária da empresa jornalística, no pagamento dos danos que tenham sido, efetivamente, provocados pelos escritos, não se prevendo qualquer responsabilidade do próprio diretor da publicação, de acordo com Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 4822/06.06TVLSB, decisão do Tribunal da Comarca de Lisboa, processo n.º 590/07.7TVLSB, 1ª secção, 7ª Vara Cível, Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 6160/05-2, de 17.09.2009.
42. O diretor, aqui Recorrente C, não sendo o autor dos textos em causa, não pode ser pessoalmente responsabilizado por quaisquer danos provocados pelos mesmos, uma vez que, nos termos da lei, apenas responde o próprio autor e a empresa proprietária, no caso de a notícia ter sido publicada com o conhecimento e sem oposição do seu diretor, mas nunca o Recorrente enquanto Diretor do jornal, ao contrário do entendimento seguido pelo Tribunal a quo.
43. Por via das funções que a Lei de Imprensa lhe comete, presume-se que o diretor conhece, ou devia conhecer, o conteúdo de cada edição, daí ser invertido o regime geral do ónus da prova. Porém, esta enumeração de competências funcionais tem, obviamente, de ser entendida no plano genérico e abstrato, tendo em conta a diversidade de organizações empresariais que editam publicações e a diversidade de produtos que lançam.
44. Em parte alguma da lei se impõe ao Diretor, que tenha “conhecimento” prévio dos artigos antes dos mesmos serem publicados. O artigo 20.º, n.º 1, da Lei de Imprensa não consagra um dever especial do diretor da publicação em conhecer antecipadamente o teor de todos os conteúdos da mesma.
45. A lei não diz que o diretor tem de aprovar todos os artigos, ou sequer conhecê-los antecipadamente, como algumas interpretações mais radicais, sugerem. Diz apenas que lhe cabe, orientar, superintender e determinar, o que são coisas diferentes! Não nos podemos olvidar que, num jornal diário, de expansão nacional, não é humanamente possível exigir-se que o seu diretor conheça antecipadamente, o conteúdo de todas as edições.
46. Incluir o diretor, na cadeia de responsáveis por um eventual ilícito, equivaleria a aplicar-lhe um quase estatuto de responsabilidade objetiva, com uma dimensão desproporcionada, se atentarmos, por exemplo, que num jornal diário como o CM, cada edição tem dezenas de páginas, todos os dias do ano.
47. Pelo que, ao condenar o Réu C, solidariamente com os restantes, ao pagamento à Autora da indemnização fixada, violou o tribunal a quo o disposto no n.º 2 do artigo 29.º da Lei da Imprensa, devendo a decisão recorrida ser alterada e substituída por outra que absolva o Réu C do pedido.
48. No que se refere à responsabilidade do Recorrente C no que concerne à peça transmitida no serviço de programas “CM TV”, em consonância com a Lei da Televisão (Lei n.º 27/2007, de 30 de julho) e no âmbito da responsabilidade civil, não há qualquer tipo de imputação de responsabilidade ao Diretor, não existindo, sequer, qualquer responsabilidade presumida.
49. As regras da responsabilidade civil, em matéria de emissões televisivas, regem-se pelo disposto no artigo 70º da Lei da Televisão, o qual estabelece dois princípios fundamentais: na determinação de efetivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos através da televisão, observam-se os princípios gerais; os operadores de televisão, respondem solidariamente com os responsáveis de programas previamente gravados, com exceção dos transmitidos ao abrigo do direito de antena, de réplica política, de resposta e de retificação ou no decurso de entrevistas ou debates protagonizados por pessoas não vinculadas contratualmente ao operador.
50. Com efeito, se o legislador entendeu que para a matéria de atividade televisiva ou de serviços audiovisuais a pedido devia haver uma norma especial, deve ser esta a aplicada, e não uma norma geral, por ser a norma especial a que tem em atenção as circunstâncias específicas da sua previsão, e os valores e interesses em causa naquela matéria.
51. Neste sentido, nunca poderia o Tribunal a quo ter condenado o Recorrente C, enquanto diretor do serviço de programas “CM TV”, uma vez que o mesmo não tem qualquer responsabilidade, presumida, muito menos pessoal.
52. Pelo que, ao condenar o Réu C, solidariamente com os restantes, ao pagamento à Autora da indemnização fixada, violou o tribunal a quo o disposto no n.º 2 do artigo 29.º da Lei da Imprensa assim como o artigo 70.º, n.º 2, da Lei da Televisão, devendo a decisão recorrida ser alterada e substituída por outra que absolva o Réu C do pedido.
53. No que respeita à responsabilidade da E, sempre se diga que, a Constituição da República Portuguesa, a Lei da Imprensa e da Televisão e o Estatuto dos Jornalistas preveem a separação entre o poder económico e a liberdade editorial, proibindo que as empresas detentoras das publicações, através da sua administração, interfiram nos conteúdos daquelas.
54. Daqui resulta que, quer os jornais, quer os serviços de programas, têm total liberdade editorial para publicarem qualquer tema que entendam ser relevante, sem que para tal necessitem de informar a sociedade detentora do título, nem esta pode proibir ou impor a publicação de quaisquer conteúdos. Não cabe à empresa proprietária da publicação ou do serviço de programas, orientar, superintender nem determinar o conteúdo do jornal, pelo que não foi a Recorrente quem alegadamente expôs, reproduziu, incumbiu ou lançou no comércio qualquer a notícia objeto dos presentes autos.
55. Neste sentido, o Tribunal a quo ao decidir condenar a E viola a disposição prevista no artigo 38.º, da CRP.
56. Por outro lado, nos termos da Lei de Imprensa, as empresas jornalísticas apenas podem ser responsabilizadas no caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação: com o conhecimento e sem oposição do diretor ou seu substituto legal. E considerando o atendimento ao pedido de alteração à resposta dada à matéria de facto, e passando a constar da mesma que o Réu C não teve conhecimento prévio da publicação da notícia em causa, nem da transmissão televisiva, e consequentemente agiu com o cuidado que devia e lhe era possível, ficando tal facto provado, nunca poderá a Ré E responder por quaisquer danos provocados pelas publicações.
57. Também no que respeita à transmissão da peça no serviço de programas “CM TV”, nos termos do artigo 70.º, n.º 2, da Lei da Televisão, deverá a Recorrente E ser absolvida do pedido, pois não ficou sequer provado que os Réus C e B tenham violado ilicitamente o direito da Autora, nem tão pouco que os mesmos tenham orientado, autorizado e determinado a reportagem em causa, o que consequentemente, nos leva a concluir que nunca poderá a Ré E responder por quaisquer danos provocados pelas transmissões em causa.
58. Por tudo o supra exposto deve a Ré E, enquanto proprietária do jornal “CM” e do serviço de programas “CM TV”, ser absolvida do pedido uma vez que não se encontram preenchidos os requisitos previstos no n.º 2, do artigo 29.º, da Lei da Imprensa, nem do n.º 2, do artigo 70.º, da Lei da Televisão, dos quais depende a sua responsabilidade por textos inseridos no referido periódico e de transmissões televisivas, respetivamente.
59. No que concerne à responsabilidade da Ré B sempre se diga que não era a responsável pela transmissão, tendo aliás sido referido pelas testemunhas e pela própria que a decisão de a peça ser divulgada foi de um coordenador, não podendo ser a mesma.
60. Aqui chegados, importa abordar a questão da licitude ou ilicitude dos títulos das notícias em causa e da peça transmitida na “CM TV”, sem poder esquecer que os alegados factos ilícitos têm como pano de fundo o processo “Operação W”. Não estamos a falar de um processo banal, mas sim de um processo com especial interesse público.
61. Foi durante o interrogatório de WW, no âmbito do processo “Operação W” que foi feita referência a A e às viagens que ambos fizeram juntos. Não podem ser apagadas referências que são feitas a pessoas que estavam com WW. Fazer referência à Autora nas notícias em causa foi necessário para fazer um contexto ao público. A Autora era namorada de WW, foi ela que viajou com ele, por isso, os factos têm de ser retratados tal como ocorreram.
62. Não pode a Autora querer que seja completamente desconsiderada dos factos, do contexto da investigação criminal, quando na verdade as viagens que estavam sob investigação, tinham sido realizadas com ela.
63. Ora, não obstante o Tribunal a quo ter considerado que a publicação das notícias é de “inquestionável interesse público”, pelo simples facto de ter no seu centro um antigo …. A referência, nessas notícias, a pessoas que, de uma forma ou outra, o acompanharam em alguns momentos sob investigação está, necessariamente, incluída no âmbito noticioso. A publicação das notícias a que se referem os títulos mencionados em 4, 7, 11, 13 e 14 e dos títulos em si corresponde, assim, ao exercício legítimo da liberdade de imprensa, vertente essencial da liberdade de expressão.”, entendeu que os títulos em causa “são lesivos da honra, bom nome e reputação da autora, de forma que extravasa o âmbito de proteção da liberdade de expressão”, (tudo conforme págs. 29 e 33 da sentença recorrida).
64. Antes de mais sempre se diga que, a Autora não imputou a elaboração dos referidos títulos a qualquer um dos Réus, tendo estes, feito prova suficiente de que, não foram os autores dos mesmos, nem tiveram qualquer intervenção.
65. A linguagem a que os jornais recorrem para a elaboração dos seus títulos tem, obrigatoriamente, de respeitar determinadas regras de comunicação e está relacionada com a linha editorial de cada um dos jornais, concordando-se ou não com o jornalismo mais ou menos sensacionalista que coloca ênfase nas primeiras impressões e em chamar a atenção através das emoções/sensações do público a que se dirige, o direito à liberdade de expressão, informação e imprensa (artigos 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa) engloba e enquadra também aquele tipo de publicações e o respetivo conteúdo, sendo certo que o referido conceito de interesse e relevância pública é relativo, mutável e bastante abrangente, podendo abarcar também o universo em análise (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15.03.2007 e de 27.06.2017, disponíveis em www.dgsi.pt).
66. No presente caso, as capas, títulos e subtítulos, quer quando individualmente considerados, quer depois de conjugados e lidos em conjunto, não estão desfasados nem são desproporcionais, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo. A linguagem a que os jornais recorrem para a elaboração dos seus títulos tem, obrigatoriamente, de respeitar determinadas regras de comunicação e está relacionada com a linha editorial de cada um
dos jornais.
67. Os jornais têm de utilizar uma linguagem desde que relatem, os factos com objetividade e respeito pelas normas deontológicas, pressuposto que, nos presentes autos, foi claramente respeitado. Para além disso, o título e a informação que o mesmo contém, deverá sempre de ser analisado, em conjunto com o texto e os mesmos limitam-se a relatar factos que, aparentemente foram objeto de suspeita por parte do Ministério Público, tanto assim é que, WW foi diretamente questionado sobre quem, em concreto, teria pago as viagens, assim como, os valores relativos à venda do livro.
68. Nestes termos, os Recorrentes não podem ser responsabilizados pelos factos que lhes são imputados relativamente aos títulos das notícias em causa.
69. Quanto à reportagem na “CM TV” não é feito qualquer tipo de comentário desprimoroso,
nem tão pouco qualquer juízo de valor sobre a Autora.
70. Resulta evidente que todos os factos emitidos na reportagem em causa nos presentes autos constituem matéria de interesse público, pelo que, a informação relatada teria interesse jornalístico, conforme também o decidiu o Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal da Maia, Juiz 2, processo n.º 4547/18.4T9PRT.
71. Ora, as notícias e a peça em causa limitaram-se a relatar os factos e os fundados indícios que existiam à data, sem nunca terem sido feitos quaisquer juízos de valor sobre a Autora.
O não reconhecimento do direito dos jornalistas a relatarem factos com interesse público, como aqueles que são objeto dos presentes autos, sempre constituirá uma patente violação, não só dos instrumentos internacionais a que Portugal aderiu e aos quais se encontra vinculado, mas também das leis nacionais.
72. Tanto a Jurisprudência como a Doutrina têm defendido que, o direito à informação comporta três limites essenciais e desde que estes não sejam ultrapassados, o exercício daquele direito terá de ser considerado legítimo. São assim pressupostos relevantes a ter em consideração: (i) o valor socialmente relevante da notícia; (ii) a moderação da forma de a veicular; (iii) a verdade, que deve ser medida através da objetividade, seriedade das fontes, isenção e imparcialidade do seu autor, de forma a evitar manipulações, as quais são rejeitadas pela própria deontologia profissional – cfr. neste sentido acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça, de 26.02.2004, CJ/STJ 2004, t.1, 74-80.
73. O envolvimento da Autora num processo tão mediático e onde se investiga a prática de crimes económicos por parte de várias personalidades públicas e de grande notoriedade, é um facto com manifesto e indiscutível interesse público. E onde o interesse público se sobrepõe aos direitos de personalidade e a outros deveres previstos na lei, como sejam os invocados na petição inicial, que em todo o caso não se consideram violados.
74. Não podem restar dúvidas que a notícia aqui em causa procede à divulgação de uma notícia com valor socialmente relevante e onde foi cumprida a função pública da imprensa.
75. Ademais, sempre se diga que, a democracia depende de uma sociedade civil educada e bem informada cujo acesso à informação lhe permite participar tão plenamente quanto possível na vida pública da sua sociedade e criticar atos de justiça que se considerem injustos e dúbios.
76. “Os meios de comunicação social têm o dever de informar o público sublinhando a importância de reportagens realizadas sobre processos criminais para permitir a este algum controlo sobre o funcionamento do sistema de justiça penal. No anexo a esta recomendação consagra-se, nomeadamente, o direito do público a receber dos meios de comunicação social informações sobre as atividades das autoridades judiciárias e dos serviços de polícia, do que decorre, para os jornalistas, o direito de prestar contas livremente sobre o funcionamento do sistema de justiça penal. (sobre este tema ver “Campos … contra Portugal”, acórdão do TEDH de 24.4.2008, queixa n.º 17107/05, disponível em http://hudoc.echr.coe.int” 7 (sublinhado e negrito nossos).
77. Nestes termos, conclui-se que nenhum facto ilícito foi praticado pelos Recorrentes.
78. Relativamente aos danos invocados e nexo causalidade, sempre se diga que, considerando o pedido de alteração da matéria de facto, no que respeita à resposta dada aos pontos 30,31 e 32 dos factos provados, passando os mesmos a não provados, caí por terra o pressuposto dos danos.
79. Mas caso assim não se entenda, por mero dever de patrocínio, sempre se diga que não é alegado um único e concreto dano que tenha sido diretamente provocado pelos Recorrentes à Autora na sequência dos títulos das notícias em causa e da peça transmitida na “CM TV”, inexistindo nexo de imputação entre o agente, ora Recorrentes, e os alegados factos ilícitos.
80. De facto, os danos que a Autora invoca, mais não são do que elementares consequências
e o resultado daquela ter tido um relacionamento público com o ex-primeiro ministro e o
facto de este estar sob investigação.
81. Para se considerarem preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, têm de ser alegados factos adequados que comprovem a existência de um nexo de causalidade entre o facto praticado pelos Réus, e os danos alegadamente sofridos pela Autora, o qual competia a esta último o ónus de prova, que não logrou fazer.
7 Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11.10.2019, processo n.º 21503/17.2T8LSB.L1.
82. Sendo que, à luz do supra exposto, é evidente que as notícias em causa, não são aptas, por não serem a consequência normal ou típica daquele, à produção dos danos que a Autora invoca.
83. No caso dos presentes autos, resulta evidente que, tendo em conta os “danos” concretamente alegados, para além de não existir, qualquer vínculo causal entre as notícias e a produção destes, estes não têm a gravidade ou intensidade adequada ou merecedora de qualquer indemnização.
84. Sendo ainda de referir que nenhuma das testemunhas descreveu concretamente que repercussões as notícias em causa tiveram na vida pessoal e profissional da Autora.
85. Nunca foi intenção dos Recorrentes violar o direito da Autora, mas apenas dar a conhecer ao cidadão os contornos do processo, a eventual envolvência do Autor no mesmo, assim como, o tratamento que a justiça faz dos “poderosos”.
86. Nos termos do n.º 2, do artigo 487º, do CC, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um “bonus pater familiae”, em face das circunstâncias do caso concreto, por referência a alguém medianamente diligente, representando um juízo de reprovação e de censura ético-jurídica, por poder agir de modo diverso.
87. Tendo em conta tudo isto, não se pode afirmar que os Recorrentes tenham agido com culpa, pois, conforme já referido supra, limitaram-se a informar os contornos de um processo crime mediático, o qual figuravam como intervenientes principais altos funcionários de cargos públicos.
88. Tendo em conta o supra exposto, nenhuma responsabilidade pode ser assacada aos Recorrentes, a título de responsabilidade civil pois não se encontram preenchidos os requisitos previstos no artigo 483.º do Código Civil, o qual cabia ao Autor provar nos termos do artigo 487.º do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida.
Pois só se assim se fará a costumada Justiça!”
A Autora apresentou contra-alegações de recurso, pugnando pela manutenção da decisao recorrida.
O recurso foi admitido com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.
O Tribunal de 1ª instância fez consignar que (cf. despacho de 31.01.2024):
“Nas suas alegações de recurso, os recorrentes vêm arguir a nulidade da sentença proferida, por considerar que nesta o tribunal não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil).
Porém, não se afigura que a sentença em crise padeça da referida nulidade.
Com efeito, conforme cremos vir sendo entendido pela jurisprudência superior, apenas a falta absoluta de fundamentação constituiu nulidade. Ora, quer quanto à decisão de facto, quer quanto à solução jurídica dada à causa, a sentença encontra-se fundamentada.
Não se vislumbra, assim, nulidades de que a sentença proferida padeça, afigurando-se, antes, que a nulidade invocada se apresenta, essencialmente, como forma de expressão de discordância quanto ao decidido.
Mas os Venerandos Desembargadores, como sempre, melhor decidirão.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
OBJETO DO RECURSO:
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do CPC) e da liberdade do tribunal na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º nº 3 do mesmo CPC).
No caso, as questões a decidir são as seguintes:
- Aferir se a sentença enferma da nulidade prevista no art.º 615 nº1 al. b) do CPC;
- Apreciar a prescrição do direito indemnizatório invocado pela Autora;
- Apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto;
- Apreciar a correção/incorreção da decisão de direito.
*
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
1. O WW foi detido e constituído arguido em novembro de 2014, no âmbito do processo n.º 122/13.8TELSB, conhecido como “Processo W” (artigo 5.º da petição inicial).
2. No dito “Processo W” foi deduzida acusação contra, entre outros, o antigo …, a quem foi imputada a prática de crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais (artigo 6.º da petição inicial).
3. A autora foi inquirida no âmbito do Processo W na qualidade de testemunha (artigos 12.º e 23.º da petição inicial).
4. Na versão digital do CM do dia 13.10.2017 (CM AO MINUTO), no endereço https://www.cmjornal.pt/cm-ao-minuto/detalhe/...-fala-de-dinheiro-mas-usa-codigo, foram publicadas quatro fotografias da autora e uma de WW, e um vídeo, encabeçados pelo título “A FALA DE DINHEIRO COM WW MAS USA CÓDIGO” (artigo 14.º da petição inicial).
5. Sob o mencionado título foi publicado o subtítulo «Antigo … ficou furioso por Y ter ligado para a sua namorada a falar de “documentos”» e o seguinte texto:
«A 11 de julho de 2014, WW estava de férias com A, em Espanha. Tinha incumbido o motorista de ir buscar 5 mil euros a X, mas aquele não sabia que destino dar ao dinheiro.
Tentou ligar ao patrão, mas como não conseguiu, telefonou para A e disse-lhe que já tinha "os documentos". A jornalista avisou logo o namorado.
O WW ficou furioso com Y. Ligou-lhe logo de seguida e disse-lhe que aquelas "matérias", ou seja, as entregas de dinheiro, tinham que ser tratadas direta e exclusivamente com ele. Teria que esperar se não atendesse, não podia falar com mais ninguém sobre o assunto, estava proibido.
Y tentou argumentar e chegou a dizer ao patrão que durante a conversa nunca falou com A em dinheiro, que usou sempre a palavra "documentos". Sanada a discussão, WW deu instruções a Y para que entregasse os 5 mil euros a Z, uma das suas amigas, que segundo o Ministério Público terá sido beneficiada ao longo do tempo com elevadas quantias de dinheiro.
"O arguido WW pretendia que os compromissos entre ele e X, bem como o conhecimento acerca da obtenção das quantias em numerário, ficasse reservado a um círculo muito restrito de pessoas, tudo fazendo para passar a imagem, junto das pessoas das suas relações mais próximas, que era uma pessoa de sucesso, sem problemas financeiros, com um nível de vida que permitia pagar férias, oferecer quantias em numerário, sem que isso lhe causasse qualquer dificuldade", diz a acusação do Ministério Público.
Estas férias em Espanha foram aliás pagas com o dinheiro de X.
Casa em Espanha custa 18 mil euros
WW e A estiveram na moradia em Espanha com X e a mulher, mas nada pagaram. O empresário da … pagou 18 mil euros pela casa de férias, que foi, no entanto, escolhida pelo WW e reservada a mando deste.
"Estou certa que o CM há-de arranjar manchete comigo"
A usou ontem o Twitter para se referir às notícias que o CM tem dado sobre a acusação. "Estou certa de que o CM há-de conseguir arranjar uma manchete comigo", escreveu a jornalista, que criticou ainda uma entrevista sobre o caso dada pelo advogado que representa a E. A não fez, no entanto, qualquer comentário direto sobre a acusação, que imputa um total de 31 crimes ao seu antigo namorado.
Tentou escolher jornalistas de confiança para posições-chaves na ZZ.
WW falou várias vezes com T, que chegou a ser seu advogado e que é presidente da administração da ZZ, para escolher jornalistas da sua confiança para posições-chaves no grupo.
A estratégia passava por colocar J à frente do Diário de Notícias e também do JN. J chegou mesmo a dizer a WW que era bom que os acionistas percebessem que ele era um "joker em qualquer posição para mandar".
"Marca uma vitória da democracia"
"É um acontecimento histórico, que marca uma grande vitória da democracia em Portugal". Foi assim que O caracterizou as acusações no processo da Operação W. Ontem, no programa ‘Antena Aberta’, da Antena 1, o filósofo disse que "qualquer que seja o resultado do processo, podemos já afirmar que este acontecimento marca uma viragem decisiva e única na história do funcionamento judicial do Estado português."
À estação de rádio pública, O explicou que "até aqui, o Estado assentava numa série de fenómenos que influenciavam os seus mecanismos, como a corrupção e a promiscuidade entre poder político e o poder económico, tudo isto em total impunidade e silêncio". Contudo, a acusação de WW "marca o fim deste ciclo."
O ensaísta afirmou ainda que tudo isto se deve à "mudança de todo um staff" na Procuradoria-Geral da República, "desde JJ ao juiz CC, que são de uma integridade e de uma transparência totais". E acrescenta: "Não será o fim da corrupção, mas é emblemático."» (alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil e artigo 104.º da contestação).
6. Sob o vídeo acima referido em 4. foi publicada a seguinte legenda:
«Antigo … ficou furioso por Y ter ligado para a sua namorada a falar daquelas “matérias”» (alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil e artigo 104.º da contestação).
7. A capa da edição do jornal CM do dia 14.10.2017 foi a seguinte:

(artigo 15.º da petição inicial).
8. Nas páginas 19 a 34 da edição impressa do jornal “CM” do dia 14.10.2017, foi publicado um “CM Dossiê” (alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil e artigo 104.º da contestação).
9. Da página 19 da edição impressa do jornal “CM” do dia 14.10.2017 consta o seguinte teor:
(...)
(alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil e artigo 104.º da contestação).
10. Da página 20 da edição impressa do jornal “CM” do dia 14.10.2017 consta o seguinte teor:
(...)
(alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil e artigo 104.º da contestação).
11. Na versão digital do jornal “CM” do mesmo dia 14.10.2017, no endereço https://www.cmjornal.pt/portugal/detalhe/...-apaga-rasto-da-fortuna-de-...?ref=Mais%20Sobre%CC%B2BlocoMaisSobre, foi divulgado um vídeo introduzido pelo título “A APAGA RASTO DA FORTUNA DE WW” (artigo 16.º da petição inicial).
12. Sob o título mencionado em 11. foi publicado o subtítulo «Antigo … insistiu com a namorada para que estadia em hotel fosse paga em dinheiro.» e o seguinte texto:
«A 30 de abril de 2014, WW combinou um fim de semana prolongado com A em …. O antigo … não queria ser identificado nem deixar rasto do dinheiro e insistiu para que A fizesse reserva no hotel, com uma condição: pagar em notas.
A jornalista alertou para a necessidade de um cartão de crédito. Mas, depois de feita a reserva, A confirmou que o pagamento era lá. "A proprietária é simpática", frisou. Na conversa escutada pelo Ministério Público, A manifestou alguma preocupação ao admitir que deveria ser "tudo sem IVA", ou seja, sem fatura, pois não queria que WW "tivesse problemas com isso". A fez várias viagens com WW pagas por X. O Ministério Público considerou que as conversas sobre a compra de casas em Lisboa e no Algarve são relevantes. A mulher de X, XX, chegou a confessar à jornalista que o dinheiro não era do marido, mas de WW.
Férias de 18 mil euros em Espanha
WW e A namoraram durante vários anos, estiveram uns anos separados e voltaram a namorar, por pouco tempo, em 2014, altura em que viajaram para …, nas ilhas Baleares, Espanha. O antigo … gostava de aproveitar as férias em grande e foi precisamente o que fez em julho na companhia da namorada. Os dois alugaram uma vivenda e por aí permaneceram durante 11 dias. As férias, no valor de 18 mil euros, foram pagas pelo amigo X, o alegado testa de ferro do antigo governante. O empresário da … e a mulher, XX, também fizeram a viagem, mas só metade da estadia.
Já no verão de 2012, WW tinha passado férias em Creta, na Grécia. A viagem foi recheada de luxos. WW e A ficaram alojados no Hotel ….
A foi ouvida como testemunha no processo W. Em causa estão as viagens que fez com WW: Veneza e uma luxuosa estância de esqui, na passagem de ano 2008/2009, Menorca, em 2009, e …, bem como a procura de casas para o casal em Lisboa e em Tavira.
A jornalista nega o conhecimento da circulação do dinheiro. "Nunca assisti a gastos que me parecessem ir além das possibilidades de alguém com acesso a um confortável pecúlio familiar e um bom ordenado", afirmou à ‘V’.
A foi comprar carro de luxo a Leiria
A também foi a Leiria adquirir em leasing um carro de luxo. A referência está no processo e a frase dos magistrados à funcionária da empresa do Grupo … é direta: "Temos conhecimento que haveria algumas viaturas que seriam utilizadas por PP, por Fava ou A", disseram. A funcionária disse que não sabia.
Jornalista pede computador e jipe a WW.
As escutas revelam que, em 2014, a jornalista pediu que WW lhe oferecesse um computador, que custava 1.349 euros.
Noutra altura, A recomendou que o antigo … comprasse um jipe pequeno. A ideia era "oferecê-lo e ensiná-la a guiar". Em junho de 2014, depois de um fim de semana no Algarve, na Vila …, com A, X decide que quer comprar a propriedade, à venda por 1,2 milhões de euros. WW e o amigo X chegam a fazer uma oferta no valor de 900 mil euros.
85 mil euros para Menorca e Itália
WW e A desfrutaram de uns dias de descanso na ilha de Menorca, no verão de 2009. As despesas da viagem não foram pagas através da conta do antigo … na CGD. Mais uma vez, os encargos com a deslocação e estadia foram suportados por X. Ainda nesse ano, WW celebra a passagem de ano em Veneza.
Segundo a acusação, as viagens realizadas nos anos de 2008 e de 2009, a Menorca e a Itália, tiveram um custo total de cerca de 85 mil euros.
Cuidado com as conversas
A acusação descreve como F, ex-mulher de WW, e a ex-namorada A alertaram WW para este ter cuidado nas conversas mantidas ao telefone. Em causa estavam suspeitas de que uma investigação contra o antigo … pudesse estar em curso.
Férias em Porto Santo
MM revela num telefonema com o filho que não tinha dinheiro, mas que queria passar 15 dias de férias em Porto Santo, na Madeira. A mãe de WW chegou a dizer que "estava à rasca". WW tratou logo de ligar a X para que aquele arranjasse o dinheiro.» (alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil e artigo 104.º da contestação).
13. A capa da edição do jornal “CM” do dia 05.11.2017 foi a seguinte:

(artigo 17.º da petição inicial).
14. Na versão digital do CM do dia 05.11.2017, no endereço https://www.cmjornal.pt/multimedia/videos/detalhe/...-na-farsa-de-...-escritor, foi publicado um vídeo encabeçado pelo título “A NA FARSA DE WW. ESCRITOR” (artigo 18.º da petição inicial).
15. No mencionado vídeo, enquanto são transmitidas imagens da autora e de WW a jornalista diz o seguinte texto:
As escutas da operação W revelam que a ex-namorada de WW, A, sabia que o antigo … não era o autor do livro “A Confiança no Mundo”. A jornalista sugeriu ainda que WW pedisse ajuda a YY, professor universitário, para reler o texto final, já que WW revela ter menos de 24 hora para o fazer. Além do antigo …, a obra foi redigida por RR, que assinava sob o pseudónimo BB no blog Câmara Corporativa e YY, professor universitário. Os investigadores da Operação W acreditam que a versão final do livro foi redigida por YY, mas WW sempre o negou.” (alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil e artigo 104.º da contestação).
16. Dois funcionários da ré E que se constituíram assistentes no “Processo W” requereram, em 15.12.2015, que a autora ali fosse constituída arguida (artigo 11.º da petição inicial).
17. No dia 22 de abril de 2018, o CM multimédia e o canal de televisão “CM TV” divulgaram excertos da inquirição da autora, ouvida na qualidade de testemunha, no âmbito do “Processo W” (artigo 23.º da petição inicial).
18. A divulgação dos referidos registos audiovisuais foi feita através de uma peça jornalística da autoria da ré B (artigos 1.º e 24.º da petição inicial).
19. O registo audiovisual da inquirição da autora pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) está disponível em https://www.cmjornal.pt/multimedia/videos/detalhe/...-ao-ataque-na-inquiricao-do-dciap (artigo 25.º da petição inicial).
20. Na peça jornalística referida em 18. são alternados excertos do registo audiovisual da inquirição da autora no DCIAP, com a divulgação da sua imagem (sozinha ou acompanhada por WW), e os seguintes comentários (apenas em voz) da ré B:
«Contas simples, matemática da 4.ª classe, que contam a história de umas férias em …. A constatação óbvia de que o dinheiro não é elástico. LL fazia as perguntas, A barricava-se nas respostas. Não sabe, não conhece. Achava que WW tinha fortuna para pagar férias, para sustentar luxos.
As mensagens dizem que sim, mas afinal querem dizer que não. A nunca se atrapalha, mas contradiz-se. Não sabe se WW. tem dinheiro, mas as suas palavras dizem exatamente o contrário.
Afinal era ironia. Não tinha riqueza ou fortuna, mas havia gastos caros. Procura de imóveis de fazer inveja, mas A acha tudo normal e de forma recorrente faz de conta que não percebe as perguntas.
O interrogatório sobe de tom. A continua a usar a ironia. Diz “há quem veja casas apenas por diversão”. LL pergunta-lhe se trabalha no ramo imobiliário.
Voltemos, pois, aos factos: A Procuradora e o Inspetor tributário querem saber como se processava a marcação de férias entre WW e A.
A lembra-se de muito pouco. Está sempre ao ataque e quer factos concretos. A Procuradora insiste numa viagem de fim-de-ano.
Afinal havia outra. A faz um esforço de memória.
Nada por iniciativa de A que disfrutava de luxos que não pagava, nem se importava com ninharias.
A diz depois que nem sabe quem pagava as contas. Até porque nos hotéis estava tudo incluído. LL desmente-a, apresenta-lhe dados.
Passaram depois para a casa de Tavira que WW queria comprar. Foi A quem tratou dos contactos, mas mais uma vez nada tem a ver com este negócio.
A, WW e X foram visitar os apartamentos. Custavam também mais de 1M€. Nada que fizesse soar as campainhas da jornalista, para quem falar de milhões é, afinal, uma normalidade.
Tal como WW, A abriu o interrogatório ao ataque: durante 5 minutos leu um texto sobre a cabala da justiça que a arrastou para um processo que, garante, mal conhece.
A jornalista, vítima do jornalismo e da sua própria ausência de perguntas já que A nunca se interrogou se WW podia sustentar os luxos, os dele e os dela própria.» (artigo 29.º da petição inicial).
21. A peça acima mencionada em 18. foi divulgada no canal de televisão “CM TV”, no dia 22 de abril de 2018, num programa especial sobre o assunto (artigo 37.º da petição inicial).
22. Na página do Facebook da “CM TV”, na sequência da divulgação da peça acima referida em 18., constam, entre outros, os seguintes comentários, por utilizadores da mencionada rede social:
“Ganda gozo, tudo brinca com esta justiça…enfim…que trupe que andou por aí a limpar os bolsos dos contribuinte WW”
“Esta tb foi aos figos prisão já”
“A gaija mente e muito parece Uma anjinha a falar com medo enfelismente em Portugal e tudo a roubar.”
“Choldra! República das bananas …”
“Grande romance que havia com X e WW!!! Droga, Milhões e Sexo… só no Bujon…”
“Mais areia pros olhos dos portugueses, palhaços …. O nosso dinheiro algum dia vai aparecer???? Cambada de mafiosos”
“Coitada não sabia de nada!!! Grande cambada de corruptos …”
“esta senhora teve uma atitude muito parecida com o sr. WW, arrogante, pouco educada e muita falta de memória! vergonha!”
“Porca suja nojenta”
“so sanguessuga do povo português! até quando o estado vai deixar estas pessoas a rir? tantos milhões que ainda tem nas contas porque não ir buscar para abater a divida que fizeram ao povo?
“ESTA TAMBÉM devia ir visitar as instalações de Évora” (artigo 36.º da petição inicial).
23. A autora integra a redação do jornal “Diário de Notícias” com a categoria de grande repórter, onde assina uma coluna no jornal à sexta (artigo 73.º da petição inicial, artigo 83.º da contestação).
24. A autora foi comentadora no programa da estação televisiva “TVI 24” denominado “A torto e a direito” e no programa “25ª hora” da TVI 24 (artigo 74.º da petição inicial e artigo 83.º da contestação).
25. O réu C era o responsável máximo editorial dos canais onde foram divulgadas as peças acima referidas em 4., 7., 11., 13., 14. e 18. (artigo 2.º da petição inicial).
26. O réu C era o responsável máximo editorial do jornal CM (suporte físico e digital) (artigo 53.º da petição inicial, artigo 81.º da contestação).
27. A ré E é proprietária dos meios de comunicação social que publicaram e divulgaram as notícias objeto dos presentes autos (artigo 4.º da petição inicial).
28. Em abril de 2017 o réu D começou a exercer a função de Diretor da publicação periódica “Sábado” (artigo 9.º da contestação).
29. Após a data referida no número anterior, o réu D manteve-se como comentador na “CM TV” (artigo 13.º da contestação).
30. Com as publicações acima referidas em 4., 7., 11., 13. e 14. e com a divulgação da peça acima referida em 18., a autora sente-se humilhada e atingida (artigo 78.º da petição inicial).
31. Com as publicações acima referidas em 4., 7., 11., 13. e 14., e a divulgação da peça acima referida em 18., a autora sente-se enfurecida e muito triste (artigo 87.º da petição inicial).
32. As publicações acima referidas em 4., 7., 11., 13. e 14. e a divulgação da peça acima referida em 18., contribuíram para que a autora seja alvo de comentários negativos relacionados com a sua relação com WW e com os benefícios que abusivamente teria tirado da mesma (artigo 79.º da petição inicial).
33. A ré E e os seus órgãos de comunicação em que foram publicados os títulos referidos em 4., 7., 11., 13. e 14., e divulgada a peça referida em 18. – CM e CM TV – têm grande divulgação em todo o país (artigo 94.º da petição inicial).
E considerou não provado que:
“Com relevância para a decisão da causa, não ficaram por provar quaisquer factos em contradição com os anteriormente elencados e, em especial, não ficou provado que:
A. Entre outubro de 2017 e abril de 2018 o réu D fosse diretor-adjunto do jornal “CM” (artigos 3.º e 53.º da petição inicial).
B. Em abril de 2018 o réu D assumisse, no canal de televisão “CM TV”, a responsabilidade pelas áreas da Justiça, congregando as matérias que diziam respeito ao Ministério da Justiça, da Administração Interna e da política em geral, coordenado uma equipa de investigação incumbida de acompanhar os grandes processos, os mais mediáticos, assumindo a coordenação direta dos jornalistas que faziam parte dessa equipa de investigação ‒ entre os quais se encontram a ré B (artigo 3.º da petição inicial).
C. O réu C tenha efetuado uma delegação genérica de competências no réu D (artigo 3.º da petição inicial).
D. O réu D tenha acompanhado a edição da peça da autoria da ré B acima mencionada em 18. (artigo 3.º da petição inicial).
E. O réu D fosse o responsável direto pela coordenação do trabalho da ré B (artigo 54.º da petição inicial).
F. A Ré B tenha sido condenada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 29.01.2020, proferido no processo n.º 7995/15.8TDLSB.L1, pela prática de um crime de desobediência (artigo 51.º da petição inicial).
G. O réu C desconhecesse as peças acima referidas em 4., 7., 11., 13., 14. e 18. (artigo 2.º da petição inicial).
H. O réu C se tenha oposto à publicação das peças acima referidas 4., 7., 11., 13., 14. e 18. (artigo 2.º da petição inicial).
I. A autora seja licenciada em Comunicação Social pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (artigo 66.º da petição inicial).
J. A autora tenha iniciado a atividade profissional de jornalista em 1986/87, no jornal “Expresso”, tendo sido de 1988 a 1991 jornalista da revista “Elle” portuguesa, de 1991 a 1997, fazendo parte da redação da revista “Grande Reportagem”, de 1997 a 2003 tenha estado na redação da revista “Notícias Magazine” (suplemento de domingo do “Jornal de Notícias” e do “Diário de Notícias”), tendo colaborado, de 1996 a 2002, com a estação televisiva “SIC”, onde integrou o elenco jornalístico do programa “Esta Semana” e em 2010 tenha sido uma das pivôs do programa de entrevistas “agora a sério”, do canal Q (artigo 67.º da petição inicial).
K. A autora tenha realizado duas grandes reportagens para o canal de televisão “SIC” ‒ “Licença para matar”, em coautoria com DD (1996), e “Olhem para mim” (2002) (artigo 68.º da petição inicial).
L. A autora seja coautora, com o realizador EE, da série de documentários (sobre habitantes de “bairros críticos”) “A vida normalmente”, exibida em 2008 na RTP2 (artigo 69.º da petição inicial).
M. A autora seja autora de dois livros de reportagem ‒ “Olhem para Mim”, Dom Quixote, 2003 e “Cidades sem Nome”, edição da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, 2004 e Tinta da China, 2008 (artigo 70.º da petição inicial).
N. Em 2007 a autora tenha publicado “Até não perceber”, na Tinta da China e, em 2011, “Sermões impossíveis”, coletânea das crónicas publicadas na revista “Noticias Magazine”, revista de domingo do DN e JN (artigo 71.º da petição inicial).
O. A autora tenha publicado trabalhos na Visão, Jornal de Letras, Marie Claire, Cosmopolitan, Icon, Conscience (EUA) (artigo 72.º da petição inicial).
P. A autora viva, desde que acabou a sua formação universitária, do rendimento por si auferido (artigo 75.º da petição inicial).
Q. A autora vive, desde 1996, em casa própria, adquirida com recurso a crédito bancário que ainda se encontra a liquidar (artigo 76.º da petição inicial).
*
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Tal como já se referiu na definição do objeto do recurso, as questões a dirimir no âmbito da presente apelação são as seguintes: Aferir se a sentença enferma da nulidade prevista no art.º 615 nº1 al. b) do CPC; Apreciar a prescrição do direito indemnizatório invocado pela Autora; Apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto; Apreciar da alteração da decisão de direito.
Vejamos.
Da nulidade da sentença nos termos do art.º 615 nº1 al. b) do CPC
Nos termos do art.º 615 nº1 al. b) CPC, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Tem sido comummente entendido pela jurisprudência que só a absoluta falta de fundamentação (e não a fundamentação alegadamente insuficiente, deficiente ou medíocre) origina a nulidade da sentença.
A titulo de exemplo indica-se o Ac. do STJ de 07.09.2020 proferido no Proc. 2774/17.0T8STR.E1.S1, em cujo sumário consta, entre o mais, o seguinte: “Impõe-se ao juiz na decisão que profere indicar a razão que lhe serve de fundamento, não lhe cabendo, porém, apreciar todos os argumentos invocados pelas partes” (ponto II do sumário);  “Apenas a falta absoluta de fundamentação (fáctica ou jurídica) conduz à nulidade da decisão, não integrando tal vício, uma fundamentação deficiente” (ponto III do sumário).
Assim, tal nulidade apenas ocorre nos casos em que se constate a ausência de qualquer fundamentação de facto ou de direito.
Invocam os recorrentes que a sentença é nula por não fundamentada relativamente à condenação da recorrente B, considerando que o Tribunal a quo não fundamentou os princípios jurídicos nos quais baseou a sua decisão nem referiu disposição legal que justificasse a responsabilização da recorrente.
Ora, nos pontos 17 a 21 da matéria de facto provada consta que a ora recorrente B foi autora de uma peça jornalística onde foram divulgados excertos da inquirição de A, ouvida na qualidade de testemunha, no âmbito do “Processo W” no DCIAP, com a divulgação da sua imagem (sozinha ou acompanhada por WW), e com os comentários (apenas em voz) da ré B aí descritos (peça divulgada em canal de televisão).
 E na parte de direito, para além das considerações gerais relativas à ilicitude das publicações e a todas as normas internacionais e nacionais aí aludidas (que incluem, por via do art.º 70º da Lei da Televisão, o  483º do CC que prevê a responsabilidade civil por factos ilícitos), fez-se constar, especificamente no que toca à peça  aludida em 18 da matéria provada (recorde-se, da autoria de B) que:
“Começando por esta última, a peça jornalística em que são alternados excertos do registo audiovisual da inquirição da autora no DCIAP, com a divulgação da sua imagem (sozinha ou acompanhada por WW), e os comentários (apenas em voz) da ré B, pode desde já adiantar-se que a resposta à questão acima enunciada é necessariamente negativa: a conduta (potencialmente) lesiva não corresponde ao exercício legítimo de um direito.
Com efeito, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 88.º do CPP, não é autorizada [a] transmissão ou registo de imagens ou de tomadas de som relativas à prática de qualquer ato processual, nomeadamente da audiência, salvo se a autoridade judiciária referida na alínea anterior, por despacho, a autorizar; não pode, porém, ser autorizada a transmissão ou registo de imagens ou tomada de som relativas a pessoa que a tal se opuser.
Independentemente da lesão que a sua reprodução possa ou não implicar na pessoa visada, a transmissão é legalmente vedada nas circunstâncias transcritas, numa concretização de uma restrição à liberdade de expressão que cumpre os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 10.º da CEDH (e, bem assim, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição): i) consta de lei, ii) prossegue fins consagrados no próprio n.º 2 do artigo 10.º (nomeadamente, a autoridade e imparcialidade do poder judicial, bem como o direito à imagem dos intervenientes), e iii) é necessária numa sociedade democrática – na medida em que o afastamento dos julgamentos em praça pública e a garantia da serenidade dos atos processuais se apresentam como garantes da independência do poder judiciário.
Assim, a inclusão na peça jornalística divulgada de excertos do depoimento da autora no DCIAP é, por si só, ilícita. Como tal, não pode corresponder ao exercício legítimo da liberdade de expressão. Estamos, então, perante uma conduta ilícita, pelo que importará depois apreciar a quem pode ser imputada, se causou danos à autora, em que medida, e se esses danos são tutelados pelo Direito, impondo a respetiva compensação.” (págs 28/29 da sentença).
E acrescenta-se, na pág. 35 da sentença, que:
“Relativamente à divulgação da peça referida em 18., ficou demonstrado que a sua autoria é da ré B, que podia, e devia ter atuado diferentemente: a inclusão de excertos do depoimento da autora no DCIAP não era inevitável. Poderia, dentro da ampla margem que o n.º 1 do artigo 88.º do Código de Processo Penal admite, ter procedido à narração circunstanciada do teor do ato processual em causa, sem a sua divulgação ilícita.
A atuação da ré B é, assim, merecedora de um juízo de censura, nos termos acima mencionados, pelo que responde pelos danos que a divulgação daquela peça possa ter causado.”
Face a estes excertos da sentença, não se pode de todo considerar que a sentença enferma de absoluta falta de fundamentação relativamente à condenação de B, cuja atuação foi considerada ilícita pelo Tribunal a quo, desde logo por confronto com o disposto no art.º 88º do CPP.
Improcede assim a arguição de nulidade da sentença.
Da prescrição do direito indemnizatório invocado pela Autora
Movendo-nos no campo da responsabilidade civil por factos ilícitos prevista no art.º 483º do CC, aplica-se, quanto ao prazo de prescrição do respetivo direito indemnizatório o disposto no art.º 498º do CC.
Dispõe este preceito que:
“1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
4. A prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra.”
As publicações em causa nos autos ocorreram em 13.10.2017, 14.10.2017 e 05.11.2017e a ação foi intentada em 23.09.2021, tal como se refere na pág. 22 da sentença recorrida, e não foi posto em causa no recurso.
Quer isto dizer que o prazo de três anos previsto no art.º 498 nº 1 do CC já havia decorrido aquando da propositura da presente ação, ainda que considerando o prazo de suspensão decorrente da aplicação da Lei 1 A/2020 de 19.03 e da Lei 4-B/2021 de 01.02.
Resta então verificar se, nos termos previstos no art.º 498 nº 3 do CC, os factos invocados como base do direito indemnizatório constituem crime para o qual a lei estabeleça prazo de prescrição superior.
O Tribunal a quo considerou que os factos alegados pela autora são suscetíveis de integrar, em abstrato, a norma incriminadora da difamação (arts 180 nº1 e 183 nº2 do Código Penal), sendo, como tal, aplicável o prazo de prescrição de cinco anos, o qual à data de 28.09.2021 (data de interrupção do prazo prescricional nos termos previstos no art.º 323 nºs 1 e 2 do CC - cinco dias depois da propositura  da ação) ainda não havia decorrido – cf págs. 21 e 22 da sentença.
Os recorrentes insurgem-se por considerarem ser necessário que a factualidade alegada como sendo integradora de um tipo de crime seja provada.
Tem sido comummente entendido pela jurisprudência que a razão de ser do alargamento do prazo prescricional previsto no art.º 498 nº 3 do CC assenta apenas na especial qualidade e gravidade do facto ilícito, pelo que para a verificação de tal alargamento, é mister que se alegue e prove na acção cível que os factos que são imputados ao lesante integram, em abstracto, determinado tipo criminal. E que tal alargamento do prazo prescricional não está dependente de, previamente, ter sido ou não exercido o direito de queixa, ter havido ou não processo crime ou de o lesante ter sido ou não condenado pela prática do respectivo crime, assim como não impede a aplicação daquele preceito o facto de o processo crime ter sido arquivado (por qualquer motivo) ou amnistiado – cf Ac. do TRL de 06-01-2022 proferido no Proc.4294/20.7T8SNT.L1-6  e Ac de TRL de 16.06.2020 proferido no Proc1662/19.0T8PDL.L1-7.
Vejam-se ainda os Acs. TRC de 28.01.2014 proferido no Proc. 631/09.3TBPMS.C1, e do TRG de 23.03.2023 proferido no Proc2754/22.4T8BRG-A.G1.
Ou seja, para que o lesado possa beneficiar desse alargamento do prazo prescricional é efetivamente necessário que o mesmo prove que os factos que imputa aos lesantes integram, em abstrato, determinando tipo de crime. Não em concreto, mas sim em abstrato. Daí que não seja sequer necessária a demonstração da efetiva ocorrência de qualquer processo criminal.  E, tendo existindo processo criminal, é irrelevante o seu desfecho.
Analisada a matéria de facto dada como provada, verificamos que sob os nºs 4,7,11, e 13/14 foram, respetivamente dados como provados: a publicação na versão digital de jornal de vídeo cujo titulo foi “A FALA DE DINHEIRO COM WW. MAS USA CÓDIGO”); que na capa de determinada edição do jornal constou “A AJUDA NAMORADO A ESCONDER RASTO DE MILHARES”; a divulgação  na versão digital de jornal de vídeo com o titulo “A APAGA RASTO DA FORTUNA DE WW.”; que na capa de determinada edição de jornal constou o titulo “A NA FARSA DE WW ESCRITOR” e ainda a publicação, na versão digital de jornal, de vídeo com o mesmo titulo.
Tais factos não foram impugnados no âmbito do recurso, e como, tal, estão definitivamente assentes.
E analisados os mesmos não pode deixar de se concluir que, em abstrato, a respetiva prática integra o tipo criminal do crime de difamação previsto nos arts  180 nº1 e 183 nº2 do Código Penal, respetivamente, com as seguintes redações: “Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias”; Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.”
Efetivamente, dos títulos referidos em 4, 7 e 11 resulta, para qualquer cidadão médio/declaratário normal, a imputação à Autora de  condutas de comparticipação/conluio em situações de ocultação de dinheiro por parte de WW (quem foi acusado da prática de crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais - factos provados 1 e 2 não impugnados em sede de recurso), e portanto a imputação à autora da comparticipação em ilícitos penais; e do titulo  referido em 13 e 14 resulta, para qualquer cidadão medio/declaratário normal, a imputação à autora de conduta de comparticipação/conluio na situação de falsificação (farsa) da autoria de um escrito.
Tal imputação de condutas à autora é objetivamente suscetível de ofender a sua honra e consideração.
Assim sendo, porque os factos provados sob os pontos 4,7,11, 13/14 são idóneos a integrar, em abstrato, o tipo criminal de difamação previsto e punido nos art.º 180 nº1 e 183 nº 2 do Código Penal com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias, ao qual corresponde o prazo de prescrição de cinco anos (cf art.º 118 nº1 al. c) do CP), é esse o prazo prescricional aplicável in casu ao direito indemnizatório fundado na prática daqueles factos – art.º 498 nº 3 do CC.
Ora, considerando a data da prática dos factos em causa (todos em 2017) é inequívoco que tal prazo de cinco anos ainda não havia decorrido aquando da propositura da ação (23.09.2021), ou melhor, aquando da interrupção do prazo prescricional decorrente do art.º 323 nº 2 do CC (cinco dias após a propositura da ação), ou seja, em 28.09.2021.
Razão pela qual não se verifica a exceção de prescrição invocados pelos recorrentes, improcedendo este fundamento do recurso.
Da impugnação da decisão da matéria de facto:
Dispõe o artigo 640.º do CPC, com a epigrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Para além do cumprimento dos ónus referidos no art.º 640º do CPC, o recurso da decisão sobre a matéria de facto pressupõe ainda a utilidade ou pertinência da pretendida alteração da matéria de facto, de acordo com a regra prevista no art.º 130º do CPC, aplicável a todos os atos processuais, segundo a qual “Não é lícito realizar no processo atos inúteis.”
Ou seja, a alteração pretendida deverá ser relevante para a decisão da causa.
Os recorrentes impugnam a decisão sobre a matéria de facto relativamente aos factos 30, 31 e 32 dados como provados e às alíneas G e H da matéria dada como não provada.
Relativamente aos factos 30,31, e 32 pretendem os recorrentes a sua exclusão da matéria provada, passando a constar na matéria não provada, por considerarem que os depoimentos prestados pelas testemunhas R, P, H, e M  (dos quais reproduzem alguns trechos) não permitem a respetiva prova, na medida em que não foi, para os recorrentes, concretizado pelas testemunhas que as repercussões alegadas pela recorrida foram única e exclusivamente em consequência das publicações do jornal CM e da peça jornalística do CM TV.
A recorrida discorda, reproduzindo excertos mais abrangentes dos depoimentos em causa.
São os seguintes os factos em causa:
- Com as publicações acima referidas em 4., 7., 11., 13. e 14. e com a divulgação da peça acima referida em 18., a autora sente-se humilhada e atingida (facto nº 30).
- Com as publicações acima referidas em 4., 7., 11., 13. e 14., e a divulgação da peça acima referida em 18., a autora sente-se enfurecida e muito triste (facto nº 31).
- As publicações acima referidas em 4., 7., 11., 13. e 14. e a divulgação da peça acima referida em 18., contribuíram para que a autora seja alvo de comentários negativos relacionados com a sua relação com WW e com os benefícios que abusivamente teria tirado da mesma (facto nº 32).
Na sentença recorrida fez-se consignar a propósito da motivação subjacente à prova desses factos o seguinte:
“O descrito nos n.ºs 30 a 32 ficou adquirido nos autos pela apreciação do depoimento das testemunhas apresentadas H, P, M, V e R.
Pese embora a relação de amizade com a autora, depuseram de forma clara e natural sobre as consequências para a autora das publicações em causa nos autos.
A primeira testemunha, editora, referiu-se, sem hesitações, às consequências profissionais que presenciou direta e pessoalmente, como o veto ao nome da autora para determinadas publicações.
A segunda e terceira testemunhas referiram espontaneamente o estado de tristeza que observaram na autora, tendo igualmente descrito o impacto que constataram, sobretudo nas redes sociais, das publicações relativas à autora.
A quarta testemunha, médica psiquiatra, não só pela sua relação de amizade, mas também pela sua formação profissional, descreveu com detalhe o estado que constatou na autora, nomeadamente a perda de peso, a queda de cabelo, alteração do sono, humor depressivo, diminuição de imunidade e consequente frequência de doenças respiratórias, mais tendo referido, espontaneamente, ter prescrito à autora medicação para dormir.
Por fim, a última testemunha, pese embora a comoção ao longo do depoimento, por evocação de eventos pessoais, depôs de forma considerada credível pelo tribunal, narrando com fluidez o estado de tristeza que constatou na autora, bem como as suas reações às publicações identificadas e em causa nos autos.
Quanto a 30. e 31., todas as mencionadas testemunhas foram perentórias e concordantes na localização temporal do estado da autora, associando-o sem dificuldade à sequência das publicações identificadas nos n.ºs 4., 7., 11., 13. e 14. e, posteriormente, à emissão do programa mencionado em 18.
Relativamente a 32., o tribunal considerou, ainda, o teor do n.º 22 acima identificado, bem como o documento n.º 1 junto com o requerimento de ref.ª 36152297 (02.06.2023).”
Analisados os depoimentos das testemunhas referidas pelo tribunal a quo, entende-se não assistir razão aos recorrentes.
Não se concorda com a avaliação dos recorrentes relativamente ao testemunho de R (a de que o testemunho foi virado para a sua experiência pessoal)  porque a referida testemunha, não obstante ter aludido à sua experiência pessoal, fê-lo para demonstrar a sua compreensão  do que se passou com a autora, não deixando, pois de se reportar à situação pessoal da autora. Situação que descreveu como sendo de tristeza, angustia, e de alerta permanente e que relacionou inequivocamente com as publicações em causa nos presentes autos, designadamente com as capas de jornal do ano de 2017 referidas na matéria provada, designadamente na que aludia ao esconder de dinheiro.
Da mesma forma, a testemunha H relacionou os títulos em causa nos autos e o programa especial exibido na CM TV com o facto de o nome da autora ter ficado manchado e com a perturbação da autora, referindo expressamente que estas notícias agravaram muitíssimo a situação da autora e que ela estava efetivamente muito perturbada.
Por sua vez, do depoimento da testemunha P resultou que as notícias de 2017 em causa nos autos amplificaram de maneira brutal as críticas à autora, não se comparando com nada que se tenha passado antes.
E a testemunha M também associou inequivocamente a angústia, tristeza e revolta sofridas pela autora à atuação do grupo E, aludindo às referidas capas de jornais, exemplificando com a que falava do “código”, e à reportagem em causa nos autos.
Para além do depoimento da testemunha V que estabeleceu uma relação causal entre as notícias e programa televisivo referidos nos presentes autos e a descrição clínica que efetuou relativamente à autora.
Não há, pois, erro na classificação, como provados, dos factos descritos em 30,31 e 32.
Insurgem-se ainda os recorrentes a contra inclusão na matéria de facto não provada da alegação descrita nas alíneas G e H, pretendendo que a mesma seja dada como provada.
Efetivamente consta da sentença não se ter provado que:
 - O réu C desconhecesse as peças acima referidas em 4., 7., 11., 13., 14. e 18. (Alínea G.).
- O réu C se tenha oposto à publicação das peças acima referidas 4., 7., 11., 13., 14. e 18. (al H).
Entendem os recorrentes, com base nos depoimentos das testemunhas Q, L e N e nas declarações de B ter sido feita prova suficiente da matéria em causa, pois as testemunhas explicaram o processo de funcionamento do jornal CM e do serviço de programas CM TV, referindo a existência de uma hierarquia e a plena autonomia das chefias intermédias, sendo  que os títulos e chamadas de capa eram da responsabilidade dos editores, responsáveis das seções e eventualmente poderia ir ao chefe de redação ou no máximo ao Diretor Ajunto; o mesmo se passando relativamente à peça transmitida na CM TV, pois B referiu que a decisão de a passar foi da coordenação, que não sabe em concreto quem era.  Não se tendo provado qualquer intervenção de C.
A recorrida discorda.
A fundamentação que consta na sentença relativamente a esta questão é a seguinte:
“No que respeita à matéria não provada, além da acima já mencionada, não foi produzida nos autos prova do descrito em F., nomeadamente não constando nos autos nenhum documento – como se impunha – que permitisse comprovar o ali descrito.
No respeita ao vertido em G. e H., e sem prejuízo de maior desenvolvimento aquando da discussão jurídica da ação, adianta-se desde já que se entende vigorar, no âmbito da responsabilidade civil por factos cometidos por meio da imprensa ou de serviços de programas televisivos ou de serviços audiovisuais a pedido, nos termos, respetivamente, da Lei da Imprensa (Lei n.º 2/99, de 13 de janeiro) e da Lei da Televisão (Lei n.º 27/2007, de 30 de julho), a presunção de culpa do diretor, decorrente do seu dever legal de orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação (n.º 1 do artigo 20.º da Lei da Imprensa) e do seu dever de orientar e supervisionar o conteúdo das emissões (n.º 1 d artigo 35.º da Lei da Televisão).
Cabia, assim, ao réu C o seu afastamento (n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil), nomeadamente a prova do desconhecimento das publicações e divulgações aqui em apreciação (G.) ou, bem assim, da oposição à sua publicação (H.).
Ora, da prova testemunhal produzida pelos réus, nomeadamente dos depoimentos de Q, L e N, todos trabalhadores da ré E, decorreu a existência de cadeias de hierarquia e decisão, no topo das quais identificaram, expressa e descomprometidamente, o réu C. Todos esclareceram que, por norma, a decisão sobre o conteúdo noticioso, a decisão da primeira página, a escolha dos títulos, a escolha da programação e a decisão sobre o conteúdo da programação não passa pelo diretor geral editorial, tanto do jornal como do canal de televisão, sendo decididos pela cadeia hierárquica, em função de diversos critérios como a disponibilidade, a matéria ou o dia da semana.
Nenhuma das mencionadas testemunhas referiu orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação (n.º 1 do artigo 20.º da Lei da Imprensa) e do seu dever de orientar e supervisionar o conteúdo das emissões (n.º 1 d artigo 35.º da Lei da Televisão).
qualquer circunstância extraordinária que pudesse fazer supor ou concluir que a cadeia de hierarquia tivesse sido defraudada, tendo os títulos sido publicados e a peça divulgada sem o devido conhecimento da cadeia de controlo.”
Analisados os depoimentos e declarações em causa, não se vislumbra motivo para modificar a decisão do tribunal a quo.
É certo que de tais depoimentos e declarações, dos quais aliás os recorrentes reproduzem alguns excertos, resultou a existência de uma hierarquia e de delegação de competências, designadamente em sede de acompanhamentos dos títulos/chamadas de capa, responsabilidade da Direção que podia ser delegada no chefe de redação. Todavia, conforme  resulta de regras de experiência comum, a própria existência de uma hierarquia (e não de uma paridade) implica que quem se encontra no topo pode estar a par e a qualquer momento intervir em questões que, por virtude de delegação de competências, sejam tratadas em níveis inferiores da hierarquia, mais a mais quando sobre si impende uma responsabilidade legal de orientar, superintender e determinar o conteúdo das publicações (n.º 1 do artigo 20.º da Lei da Imprensa) e orientar e supervisionar o conteúdo das emissões (n.º 1 d artigo 35.º da Lei da Televisão).  
O êxito da pretensão dos recorrentes relativamente à prova do alegado nas alíneas G e H pressupunha, pois, que tivesse sido demonstrado, relativamente a cada uma das publicações e ao programa em causa, que efetivamente e em concreto, o Diretor não teve conhecimento das mesmas. Ora, não foi apresentada essa prova inequívoca e circunstanciada, falando-se, quer no que respeita ao Jornal CM quer no que respeita à CM TV, na respetiva organização e funcionamento em abstracto e não, com as necessárias segurança e certeza, no que concretamente aconteceu relativamente a cada especifica publicação em causa. Veja-se que quanto à peça emitida na CM TV B nem identificou sequer em concreto quem, na coordenação, a decidiu passar, não podendo, pois, afiançar que não houve qualquer conhecimento da peça nos níveis mais altos da hierarquia, nomeadamente por parte de C.
Sabendo-se que C se encontrava no nível mais elevado da hierarquia, o que não é discutido pelos recorrentes, improcede a pretensão dos recorrentes relativamente à inclusão nos factos provados da matéria descrita nas al G) e H).
Improcede, pois, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Da correção/incorreção da decisão de direito
Na sentença recorrida concluiu-se no sentido da ilicitude das publicações e divulgação identificadas na matéria provadas e imputaram-se as mesmas, enquanto factos ilícitos, aos ora recorrentes.
Os recorrentes discordam quer da ilicitude dos referidos atos quer da imputação que lhes foi feita, enquanto a recorrida pugna pela manutenção do decidido.
Elenquemos, então, as normas relevantes para a apreciação desta parte do recurso.
Por um lado, está em causa o art.º 26º  (com a epigrafe “outros direitos pessoais”) da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), que no seu nº1 dispõe que: “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”.
O nº 2 do preceito prevê que: “A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.”
Estão também em causa os arts. 37º (com a epigrafe “Liberdade de expressão e informação”) e 38º (com a epigrafe “Liberdade de imprensa e meios de comunicação social”).
O primeiro (art.º 37º) tem o seguinte teor:
1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.
4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.”
Por seu turno, o art.º 38º da CRP (com a epigrafe “Liberdade de imprensa e meios de comunicação social”) prescreve no seu nº1 que: “É garantida a liberdade de imprensa”. E no seu nº2 que a liberdade de imprensa implica, entre o mais, “A liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional” (al. a)).
Dispõe ainda o art.º 18º (com a epigrafe” Força jurídica”) da CRP dispõe que:
“1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”
Das normas supra referidas resulta que a Constituição tutela, por um lado, direitos eminentemente pessoais como o direito à imagem, ao bom nome e à reputação, e por outro lado, o direito à liberdade de expressão, e à liberdade de imprensa, sendo que as respetivas restrições, conforme resulta do art.º 18º, se devem limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Releva ainda o art.º 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem de (cujas normas fazem parte do direito integrante do direito português – art.º 8º nº 1 da CRP) com o seguinte teor:
“1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão.
Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade
de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que
possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e
sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede
que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de
cinematografia ou de televisão a um regime de autorização
prévia.
2. O exercício desta liberdades, porquanto implica
deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas
formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela
lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade
democrática, para a segurança nacional, a integridade
territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a
prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a
protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a
divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a
autoridade e a imparcialidade do poder judicial.”
Esta norma consagra como direito e liberdade fundamental a liberdade de expressão, que apenas pode ser condicionada ou limitada por providências necessárias, numa sociedade democrática, para, entre outros, a proteção da honra e direitos de outrem.
No plano do direito ordinário português relevam os arts. 70º, 483 º e 484º do CC, os arts. 180 e 183º do C. Penal, 88º do C. P. Penal, e os arts. 3º e 29 º da Lei de Imprensa e 70º da Lei da Televisão.
O art.º 3º da Lei de imprensa prevê que “A liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.”
O art.º 29 nº 1 prescreve que “Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais”, enquanto que o art.º 70º nº1 da Lei da Televisão estipula que “Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos através de serviços de programas televisivos ou de serviços audiovisuais a pedido observam-se os princípios gerais.”
Estas duas últimas normas remetem, no âmbito da responsabilidade civil fundada em atos praticados por meio de imprensa ou televisão, para os princípios gerais.
Ou seja, para as normas gerais previstas nos arts 70º, 483º do e 484º do CC.
O art.º 70º dispõe que: “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”.
O art.º 483º dispõe que:
“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”
 O art.º 484º do CC dispõe que:
“Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.”
Em sede penal, o art.º 180 nº1 do Código Penal estipula que:
“1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 - A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.”
“Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias” – art.º 183 nº2 do CP.
Por último, o art.º 88 nº 1 do CPP prevê que: “ É permitida aos órgãos de comunicação social, dentro dos limites da lei, a narração circunstanciada do teor de actos processuais que se não encontrem cobertos por segredo de justiça ou a cujo decurso for permitida a assistência do público em geral”, estipulando o seu nº 2 que “Não é, porém, autorizada, sob pena de desobediência simples: a) (…); b) A transmissão ou registo de imagens ou de tomadas de som relativas à prática de qualquer acto processual, nomeadamente da audiência, salvo se a autoridade judiciária referida na alínea anterior, por despacho, a autorizar; não pode, porém, ser autorizada a transmissão ou registo de imagens ou tomada de som relativas a pessoa que a tal se opuser; c) (…).
Em suma: os arts 26º da CRP, 70 nº1 e 484º do CC tutelam direitos eminentemente pessoais como a imagem, reputação e bom nome, com expressão designadamente no art.º 180 nº 1 do CPC -que prevê a  criminalização das condutas que dirigidas a terceiro, imputem a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração -, e com expressão no art.º 88 do CPP -que prevê a criminalização da conduta de transmissão  de imagens de ato judiciário sem autorização da autoridade judiciaria e, no que respeita à transmissão de imagens ou tomada de som de determinada pessoa, sem a autorização, ainda que tácita, dessa pessoa (não oposição).
Em contraposição, os arts. 37 e 38 da CRP, e o art.º 10 nº 1 da CEDH e o art.º 3º da Lei da Imprensa tutelam a liberdade de expressão e de imprensa, sem prejuízo das reservas/limites neles previstos.
Tratam-se de direitos e liberdades (direito à imagem, reputação e bom nome, por um lado, e liberdade de expressão e imprensa, por outro) que muitas vezes colidem entre si, sendo que a resolução desses conflitos terá que ser apreciada de forma casuística, elegendo-se, conforme as circunstâncias de cada caso, qual o valor que deve prevalecer e em que medida deve prevalecer. Isto sem olvidar que a jurisprudência do TEDH tem vindo a dar prevalência à liberdade de expressão e imprensa, fazendo uma interpretação restritiva das limitações previstas no art.º 10 nº2 da CEDH.
Veja-se a este respeito o entendimento plasmado no Ac. do STJ de 31.01.2017 proferido no Proc. 1454/09.5TVLSB.L1.S1, no qual se sumaria que:
“I - A liberdade de expressão e a honra conformam dois direitos fundamentais, que, dada a sua relevância, mereceram a consagração constitucional.
II – Trata-se de direitos pertencentes à categoria dos direitos, liberdades e garantias pessoais, pelo que lhes é aplicável o seu regime específico, designadamente o previsto no nº 2, do art.18º, da CRP.
III - O citado nº 2 deu, assim, expressa guarida constitucional ao princípio da proporcionalidade, também chamado princípio da proibição do excesso.
IV - À luz da Constituição, a liberdade de expressão e a honra têm o mesmo valor jurídico, inviabilizando-se qualquer princípio de hierarquia abstracta entre si.
V - Importa, assim, recorrer ao princípio da concordância prática ou da harmonização.
VI - Todavia, revelando-se impossível alcançar uma solução de harmonização, para se obter uma solução justa para a colisão de direitos haverá que proceder a uma ponderação de bens, seguindo-se uma metodologia de balanceamento adaptada à especificidade do caso.
VII - Razão pela qual a resolução do conflito não poderá deixar de assumir uma natureza concreta, esgotando-se em cada caso que resolve.
VIII - A resolução concreta do conflito entre a liberdade de expressão e a honra das figuras públicas, no contexto jurídico europeu, onde nos inserimos, decorre sob a influência do paradigma jurisprudencial europeu dos direitos humanos.
IX - O TEDH, interpretando e aplicando a CEDH, tem defendido e desenvolvido uma doutrina de protecção reforçada da liberdade de expressão, designadamente quando o visado pelas imputações de factos e pelas formulações de juízos de valor desonrosos é uma figura pública e está em causa uma questão de interesse político ou público em geral.
X - Perante uma orientação jurisprudencial estabilizada junto do TEDH, como acontece em casos como o dos autos, os tribunais portugueses não poderão deixar de se influenciar pelo paradigma europeu dos direitos humanos.
XI - Em sede de ponderação dos interesses em causa e seguindo-se uma metodologia de balanceamento adaptada à especificidade do caso, é de concluir ser a liberdade de expressão que, no caso concreto, carece de maior protecção.
XII - Sendo que, no caso, atenta a matéria de facto apurada, o exercício da liberdade de expressão se conteve dentro dos limites que se devem ter por admissíveis numa sociedade democrática hodierna, aberta e plural, atentos os aludidos critérios de ponderação e o referido princípio da proporcionalidade, o que exclui a ilicitude da lesão da honra dos recorrentes.
XIII - O princípio da presunção de inocência e o dever de reserva não relevam para a decisão da questão que cumpre apreciar.”
Veja-se também o Ac. de 10.12.2019 do mesmo Tribunal proferido no Proc. 16687/16.0T8PRT.L1.S1, no qual se sumaria que:
“I - A Constituição da República Portuguesa não estabelece qualquer hierarquia entre o direito ao bom nome e reputação, e o direito à liberdade de expressão e informação, nomeadamente através da imprensa. Quando em colisão, devem tais direitos considerar-se como princípios susceptíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infra valoração abstracta.
II - A isenção do jornalista não pode significar a narração acrítica e asséptica dos factos, desprovida de uma valoração crítica do seu significado político, social e moral, particularmente quando se trata da conduta de titulares de cargos públicos.
III - É hoje pacífico que os jornalistas não têm apenas uma ampla latitude na formulação de juízos de valor sobre os políticos, como também na escolha do código linguístico empregado. Admite-se que possam recorrer a uma linguagem forte, dura, veemente, provocatória, polémica, metafórica, irónica, cáustica, sarcástica, imoderada e desagradável.
IV - De acordo com a orientação estabelecida pelo TEDH e que os tribunais nacionais terão que seguir, as condicionantes à liberdade de expressão e de imprensa devem ser objecto de uma interpretação restritiva e a sua necessidade deve ser estabelecida de forma convincente.
V - Muito embora o exercício da liberdade de expressão e do direito de informação sejam potencialmente conflituantes com o direito ao crédito e ao bom nome de outrem, tendo em consideração o que decorre da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), o Tribunal Europeu dos Direito do Homem (TEDH), tem vindo a dar particular relevo à liberdade de expressão, enquanto fundamento essencial de uma sociedade democrática.
VI - A resolução concreta do conflito entre a liberdade de expressão e a honra das figuras públicas, no contexto jurídico europeu, onde nos inserimos, decorre sob a influência do paradigma jurisprudencial europeu dos direitos humanos.
VII - O TEDH, interpretando e aplicando a CEDH, tem defendido e desenvolvido uma doutrina de protecção reforçada da liberdade de expressão, designadamente quando o visado pelas imputações de factos e pelas formulações de juízos de valor desonrosos é uma figura pública e está em causa uma questão de interesse político ou público em geral.
VIII - A vinculação dos juízes nacionais à CEDH e à jurisprudência consolidada do TEDH implica uma inflexão da jurisprudência portuguesa, assente no entendimento, até há pouco dominante, de que o direito ao bom nome e reputação se deveria sobrepor ao direito de liberdade de expressão e/ou informação. “
Lembremos que  a exigência de uma base factual suficiente, tal como a exigência de que os interessados tenham agido de boa-fé e de forma a fornecer informações exatas e dignas de crédito, em respeito pela deontologia jornalística, têm sido consideradas  pelo TEDH como  justificadoras das publicações que atentem contra os  direitos ao bom nome e reputação – cf. os pontos 46 e 53 do Acórdão do TEDH proferido em 07.12.2010 no Processo Publico Comunicação Social, sa e outros c. Portugal (queixa nº 39324/07).
Aplicando esses ensinamentos ao caso dos autos, comecemos por apreciar as publicações aludidas em 04, 07, 11, 13/14.
A sentença recorrida considerou que as notícias veiculadas nessas publicações, noticias relacionadas com a “Processo W” são de inquestionável interesse público e correspondem ao exercício legítimo da liberdade de imprensa.
Divergiu desse entendimento quanto aos títulos, considerando que os mesmos atingem a honra da autora de forma não consentida pelo direito.
Os títulos em causa são: “A FALA DE DINHEIRO COM WW. MAS USA CÓDIGO” (facto provado 4);” Pagamos em dinheiro sem fatura”, A ajuda namorado WW. a esconder rasto de milhares (facto provado 7); “A APAGA RASTO DA FORTUNA DE WW” (facto provado 11); “A NA FARSA DE WW ESCRITOR” (factos provados 13/14).
Começamos por dizer que partilhamos com o tribunal a quo o entendimento de que as notícias sobre o Processo W, que se referem a um ex-primeiro ministro português que foi alvo de acusação criminal por delitos de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais, são de indubitável interesse público.
E que a referência nessas notícias a pessoas que, de uma forma ou de outra, o acompanharam em alguns momentos sob investigação está, necessariamente incluída no âmbito noticioso.
Concordamos também que os títulos em causa se centram na autora (identificada pelo apelido e, várias vezes, também com fotografia), pois não obstante neles também se  aludir ao ex-primeiro ministro, o sujeito principal que emerge dos títulos é a autora, quem aparece  identificada em primeiro lugar e a quem são atribuídas diversas ações de colaboração com o ex - primeiro ministro em questão.
Ora, dos títulos referidos em 4, 7 e 11 resulta, para qualquer cidadão médio/declaratário normal, a imputação à Autora de  condutas de comparticipação/conluio em situações de ocultação de dinheiro por parte de WW (quem foi acusado da prática de crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais), e portanto a imputação à autora da comparticipação em ilícitos penais; e do titulo  referido em 13 e 14 resulta, para qualquer cidadão medio/declaratário normal, a imputação à autora de conduta de comparticipação na situação de falsificação (“farsa”) da autoria de um escrito.
Tal imputação de condutas à autora é objetivamente suscetível de ofender a sua honra e consideração, desde logo porque a autora apenas foi ouvida no processo como testemunha e não como arguida.
E será tal imputação lícita ao abrigo da liberdade de expressão e de imprensa?
Entendemos que não.
Conforme se pode ver pelo próprio corpo das notícias correspondentes aos referidos títulos, não existe sequer, na maioria dos casos, a devida correspondência entre o título e a notícia.
Efetivamente,  analisada a noticia correspondente ao primeiro título, aquele que se refere ao facto de a autora usar código para falar de dinheiro com WW,  verifica-se que a mesma apenas refere que a autora transmitiu, a pedido de um terceiro, uma mensagem a WW, sem que se diga que a autora teria conhecimento de que uma das palavras contida na mensagem seria um código para dinheiro. O título, tal como ele é interpretado por qualquer declaratário normal, inculca uma ideia de comparticipação/conluio que depois não resulta efetivamente da notícia. Trata-se, pois de um título excessivo e desproporcionado, que não reflete verdadeiramente a notícia, e como tal, não resulta de uma atuação de boa fé e de forma a transmitir uma informação exata e digna de crédito.
O mesmo se diga relativamente aos títulos referidos em 7 e 11: “Pagamos em dinheiro sem fatura”, A ajuda namorado WW a esconder rasto de milhares (facto provado 7); “A APAGA RASTO DA FORTUNA DE WW” (facto provado 11).
A notícia (factos provados 10 e 12) refere que na sequência do que lhe foi solicitado por WW, o pedido de reserva efetuado pela autora num estabelecimento hoteleiro para um fim de semana terá sido sem factura/Iva.
Ora, os títulos em causa inculcam uma ideia de conluio entre a autora e  WW para esconder largas quantias em dinheiro, o que não vem exatamente refletido na notícia, a qual se reporta afinal a uma especifica reserva de uma estadia em hotel num determinado fim de semana, sem fatura, e não a um esquema de que a autora fizesse parte para apagar o rasto de “uma fortuna” ou de “milhares”.
Assim sendo, também tais títulos são excessivos e desproporcionados, não refletindo verdadeiramente a notícia, e como tal, não resultam de uma atuação de boa fé e de forma a transmitir uma informação exata e digna de crédito.
Quanto ao título identificado em 13 e 14 - “. A NA FARSA DE WW. ESCRITOR” - a correspondente noticia (facto provado 15) refere que as escutas da operação W revelam que a ex-namorada de WW, A (ora autora), sabia que o antigo … não era o autor do livro “A Confiança no Mundo”. E que a mesma sugeriu ainda que WW pedisse ajuda a YY, professor universitário, para reler o texto final, já que WW revelou ter menos de 24 hora para o fazer.
Aqui é efetivamente imputado à autora o conhecimento de que o livro não era da autoria de WW, o que tem conexão com o título.
Todavia, esta imputação é feita com base na alusão genérica às escutas da operação W, sem que se especifiquem as concretas razões pelas quais se conclui que a autora teria tal conhecimento. A mera sugestão efetuada pela autora a WW para pedir auxílio para reler o texto final, porque o mesmo referiu ter menos de 24 horas para o fazer, não é manifestamente suficiente para imputar à autora um efetivo conhecimento e consciência da falsificação da autoria do livro.
E, como tal, a imputação carece de base factual suficiente, não tendo subjacente uma conduta de boa fé e de forma a transmitir uma informação exata e digna de crédito.
Consideramos, pois, que os todos os títulos são ilícitos, mesmo à luz da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo TEDH relativamente ao carácter restritivo das limitações à liberdade de expressão.
Isto porque existem normas legais que os vedam (designadamente os art.º 180 nº 1 e 183 nº 2 do CP, e próprio art.º 3º da Lei de Imprensa), porque violam  valores constitucionais e legais dignos de tutela, tais como honra, bom nome e reputação (valores esses também consagrados no art.º 10 nº 2 da CEDH),  e  porque a limitação da liberdade de expressão decorrente da qualificação dos títulos como ilícitos constitui providência necessária, numa sociedade democrática, para a proteção da honra ou dos direitos de outrem (na medida em que os mesmos carecem de base factual suficiente e/ou não têm subjacente uma conduta de boa fé e adequada a transmitir uma informação exata e digna de crédito, conforme acima exposto).
Passemos a apreciar a peça jornalística referida em 18, que incluiu o registo audiovisual de excertos da inquirição da autora, ouvida na qualidade de testemunha autora pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), no âmbito do “Processo W”, e os comentários descritos em 20.
Tal como já referimos o art.º 88 do CPP prevê a criminalização da conduta de transmissão de imagens de ato judiciário sem autorização da autoridade judiciária e, no que respeita à transmissão de imagens ou tomada de som de determinada pessoa, também sem a autorização, ainda que tácita, dessa pessoa (não oposição).
In casu procedeu-se a tal reprodução audiovisual sem a devida autorização, já que era aos RR que lhes cabia alegar e provar que tinham obtido as autorizações necessárias para o efeito, e não o fizeram.
Está em causa, para além dos interesses próprios da justiça, o direito à imagem da autora, direito eminentemente pessoal, tutelado pelos arts 26º da Constituição e 70 nº 1 do CC, e também ele referido no art.º 3º da Lei de Imprensa como valor a garantir - direito que é também invocado pela autora na p.i..
Efetivamente, a autora tem o direito de não autorizar a divulgação pública da sua imagem e voz durante um ato judiciário em que está ser sujeita a uma inquirição, ainda que na qualidade de testemunha, e portanto numa situação de alguma vulnerabilidade, decorrente desde logo do facto de não se poder recusar a responder às perguntas (apenas os arguidos dispõem de tal faculdade de recusa de responder às perguntas).
E esse direito foi lesado por via da divulgação pública e não autorizada do registo audiovisual da sua inquirição.
Divergimos, contudo, da sentença recorrida quando esta considera que a peça referida em 18 atinge a honra da autora de forma não consentida pelo direito (fls 33 da sentença), pois para nós a ofensa da honra não resulta diretamente da divulgação pública do registo audiovisual do depoimento da autora no DCIAP, enquanto testemunha.
 É certo que a peça jornalística também continha os comentários descritos em 20, comentários que não são neutros, e, antes pelo contrário, são caracterizados por um tom irónico e quiçá provocatório; todavia, os mesmos reconduzem-se a uma interpretação das respostas que foram dadas pela autora durante a respetiva inquirição. E essa interpretação (ou juízo de valor) podia ser sindicado pelo publico através do acesso (que foi disponibilizado) às respostas da autora, permitindo-se a cada pessoa tirar as suas próprias ilações, e desse modo aderir ou não à interpretação feita na peça.
Recorde-se que, como se referiu no Ac do STJ de 10.12.2019 supra indicado, “A isenção do jornalista não pode significar a narração acrítica e asséptica dos factos, desprovida de uma valoração crítica do seu significado político, social e moral, particularmente quando se trata da conduta de titulares de cargos públicos”, admitindo-se que os jornalistas “possam recorrer a uma linguagem forte, dura, veemente, provocatória, polémica, metafórica, irónica, cáustica, sarcástica, imoderada e desagradável.”
Necessário, designadamente à luz da jurisprudência do TEDH, é que exista base factual suficiente para tal tipo interpretação e/ou uma conduta de boa fé e de forma a transmitir uma informação exata e digna de crédito. E in casu tais exigências mostram-se minimamente verificadas, através da acessibilidade do público às respostas dadas pela autora durante a sua inquirição (se o registo audiovisual que continha tais respostas deveria ter sido publicamente divulgado é questão diversa, que já não se prende com a honra da autora, mas sim com o seu direito à imagem).
Em termos objetivos, o direito da autora que foi atingido pela referida peça jornalística foi o direito à imagem.
Assim, para nós, a peça jornalística é ilícita  por conter divulgação de registo audiovisual vedada pelo art.º 88º do CPP; por violar um direito digno de tutela, o direito à imagem protegido por normas constitucionais e legais (direito também abrangido na previsão do art.º 10 nº2 da CEDH); e por a limitação da liberdade de expressão/liberdade de imprensa decorrente da qualificação da peça como ilícita constituir providência necessária, numa sociedade democrática, para a proteção do direito de imagem - já que nada impedia que a divulgação objetiva das respostas do registo audiovisual da inquirição da autora tivesse sido substituído pela narração circunstanciada do teor do ato processual em causa- , e bem assim para a serenidade no funcionamento da justiça, de forma a afastar, como refere o tribunal a quo a fls. 29 da sentença, os julgamentos da praça pública.
Em conclusão, quer os títulos em causa nos autos quer a peça jornalística referida em 18 constituem factos ilícitos que geraram danos para a autora (nexo causal que resulta inequívoco face ao teor dos pontos 30 a 32 da matéria de facto dada como provada), os quais, pela sua gravidade, são dignos de tutela jurídica nos termos previstos no art.º 496º do CC (não se tratando de meros incómodos) e justificam os montantes indemnizatórios fixados pelo Tribunal a quo.
E, porque se trata também de matéria contestada no recurso, a quem são imputáveis tais factos ilícitos, e, consequentemente, a obrigação de indemnização dos correspondentes danos?
Em primeiro legar, no que tange à peça jornalística referida em 18, à autora da mesma peça (ora recorrente), uma vez que devia ter diligenciado para que a peça não incluísse a divulgação não autorizada do registo audiovisual da inquirição da autora no DCIAP (designadamente através da substituição de tal divulgação pela narração circunstanciada do ato processual nos termos permitidos no art.º 88 do CPP), sendo certo que não foi demonstrada qualquer causa de exclusão da sua culpa.
No que respeita aos títulos mencionados nos pontos 4,7,11, 13/14 da matéria provada, desconhece-se, por não constar da matéria provada, a respetiva autoria.
Por outro lado, também não se pode deixar de imputar tais factos ilícitos ao réu/ora recorrente C, que era o responsável máximo editorial do jornal CM (impresso e digital) e da CM TV (cf. factos provados 25 e 26).
Isto porque nos termos do art.º 35 nº 1 da Lei da Televisão, cada serviço de programas televisivo deve ter um diretor responsável pela orientação e supervisão do conteúdo das emissões.
Da mesma forma, prevê-se no art.º 20 nº 1 al a) da Lei de Imprensa que ao diretor compete orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação.
Estes deveres funcionais de orientação e supervisão do conteúdo das emissões televisivas e de orientação, superintendência, e até determinação do conteúdo da publicação implicam para o Diretor televisivo ou da publicação a responsabilidade de se inteirar antecipadamente sobre o conteúdo das emissões/ publicações, de forma, designadamente, a evitar a prática de ilícitos.
Veja-se a este propósito o Ac do STJ de 15.03.2022 proferido no Proc 405/14.0TBSTS.P1.S1, no qual se sumaria, entre o mais, que: “Efetivamente, o Diretor de uma publicação periódica que permite a publicação de notícia que preenche a previsão dos arts. 483.º e ss. do CC é, nos termos gerais (para que, aliás, remete o art.º 29.º, n.º 1, da Lei de Imprensa), solidariamente responsável – juntamente com os autores do escrito e a empresa jornalística proprietária – pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo lesado” (ponto II do Sumario); “Sendo de presumir, face às competências atribuídas por lei ao Diretor, principalmente a de orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação (cfr. art.º 20.º, n.º 1, al. a), da Lei de Imprensa), que o que foi publicado foi tido como aceite e autorizado por ele, o que leva a que se diga que a responsabilidade do Diretor da publicação, pelos respetivos conteúdos, resulta da própria titularidade da função e das competências que a lei lhe comete, integrando assim uma presunção legal de culpa (iuris tantum), pelo que, demandado o Diretor, como responsável, é a ele que cabe alegar e provar os factos suscetíveis de ilidirem tal presunção legal de culpa (é a ele que cabe fazer a prova de que ignorava, de forma não culposa, o conteúdo do escrito, ou de que este foi publicado com a sua oposição). (ponto III do sumário).
Em suma, por virtude dos seus deveres funcionais de conhecimento e superintendência do conteúdo da publicação,  recai sobre o Diretor, uma presunção legal de  conhecimento e não oposição ao conteúdo da publicação, que dispensa o interessado da prova de (tal) facto a que a presunção conduz (art.º 350.º, n.º 1, do CC), presunção que pode ser ilidida mediante prova em contrário (art.º 350.º, n.º 2, do CC).
Basta, portanto, ao interessado que demande civilmente o Diretor da Publicação demonstrar a publicação ilícita e a qualidade de Diretor do demandado, cabendo a este ilidir a referida presunção, alegando e provando que o escrito foi publicado sem o seu conhecimento ou com oposição sua.
Idêntico raciocínio se aplica ao Diretor televisivo, por virtude dos deveres previstos no art.º 35 nº1 da Lei da televisão, que incluem o dever de orientação e supervisão do conteúdo das emissões, originando a existência de uma presunção legal de conhecimento e não oposição ao conteúdo das emissões transmitidas, ilidível por prova em contrário.
No caso dos autos, o recorrente C não logrou ilidir as presunções em causa, respondendo, pois, pela reportagem referida em 18, solidariamente com a sua autora, também aqui recorrente; e respondendo pela publicação dos títulos referidos na matéria provada (cuja autoria não foi apurada nos autos).
Por último importa analisar a responsabilidade da recorrente E [… MEDIA, SA], proprietária dos meios de comunicação social que publicaram e divulgaram as notícias objeto dos presentes autos (facto provado 27).
Prevê-se no art.º 29 nº 2 da Lei de Imprensa que: “No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado.”
No caso dos autos, uma vez que não foi ilidida a presunção legal de conhecimento e não oposição do diretor relativamente ao conteúdo dos títulos publicados, verifica-se a premissa prevista no referido preceito para a responsabilização da empresa jornalística (o conhecimento e não oposição do Diretor).
Por sua vez, o art.º 70 nº 2 da Lei da Televisão prevê que: “Os operadores de televisão ou os operadores de serviços audiovisuais a pedido respondem solidariamente com os responsáveis pela transmissão de materiais previamente gravados, com excepção dos transmitidos ao abrigo do direito de antena, de réplica política, de resposta e de rectificação ou no decurso de entrevistas ou debates protagonizados por pessoas não vinculadas contratualmente ao operador.”
Por via deste preceito, a recorrente E, operadora de televisão, responde solidariamente com a respetiva autora e o diretor pelos danos decorrentes da transmissão da reportagem aludida em 18.
Verificados que estão todos os pressupostos da responsabilidade civil previstos no art.º 483º do CC, e a consequente obrigação de indemnização da autora a cargo dos recorrentes, improcede o recurso.
As custas são a cargo dos apelantes, por terem ficado vencidos (art.º 527 nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
***
DECISÃO:
Pelo exposto acordam as Juízes desta 8ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.

Lisboa, 02.05.2024
Carla Matos
Carla Mendes
Cristina Pires Lourenço