Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3114/23.5T8BRG.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: MENOR
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL DE ACTO
INVENTÁRIO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Desde a entrada em vigor do D.L. n.º 227/94, de 8/9, o legislador eliminou da ordem jurídica nacional o inventário obrigatório, competindo ao legal do menor ou de outros incapazes, no caso de lhes ser deferida herança, optar por a aceitar, em representação daqueles, a herança a título de inventário ou extrajudicialmente, sem prejuízo do Ministério Público dispor de legitimidade ativa para instaurar ação de inventário caso, face aos elementos que recolha, conclua que o recurso a esse processo é necessário para melhor salvaguarda dos interesses do incapaz.
2- Caso o representante legal do incapaz opte pela aceitação da herança por via extrajudicial terá de obter prévia autorização judicial para ficar habilitado a aceitá-la em representação do seu representado, em ação especial, regulada no art. 1014º do CPC.
3- Nessa ação podem ser cumulados: o pedido de autorização para aceitação extrajudicial da herança em representação do incapaz; o pedido de autorização para outorgar a respetiva partilha extrajudicial, em representação daquele; o pedido de autorização para proceder à venda dos bens ou direitos que venham a ser adjudicados ao incapaz; e o pedido de nomeação ao incapaz de curador especial quando o representante legal concorra à herança.
4- Exceto quando for pedida autorização para partilha extrajudicial de herança deferida a incapaz em nome deste, e o seu representante legal concorra também à sucessão, ou nos casos em que o pedido de autorização deduzido seja dependente de processo de inventário ou de acompanhamento (em que a competência para conhecer daqueles pedidos de autorização compete ao tribunal), a competência para conhecer dos mesmos cabe ao Ministério Público.
5- Daí que, tendo sido instaurada ação especial de autorização por morte do marido da requerente e pai dos seus filhos menores, em que requer: autorização para aceitação extrajudicial da herança em representação destes; para partilha extrajudicial (parcial) da herança em nome daqueles; para posterior venda dos direitos que lhes venham a ser adjudicados; e para que lhes seja nomeado curador especial, dado que a requerente é com eles concorrente na herança, o processo especial eleito pela requerente seja o processualmente adequado para conhecer desses pedidos, cabendo aos Juízos de Família e Menores a competência material para conhecer dos mesmos (na ausência de processo de inventário).
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

AA, viúva, residente em ... ..., ..., na qualidade de legal representante de seus filhos menores, BB, CC e DD, consigo residentes, instaurou ação especial para autorização de ato, pedindo que:
a- fosse autorizada a partilha extrajudicial (e parcial) de herança, na parte que compreende ½ do prédio sito em ..., ..., por forma a que seja adjudicado a cada um dos menores a sua quota-parte na herança;
b- se nomeasse curador especial aos menores, porque a representação legal dos mesmos pela requerente se encontra em concurso sucessório com aqueles;
c- se autorizasse a representação dos menores por curador especial, na partilha extrajudicial e que, na sequência dessa partilha e adjudicação de ¼ de metade do prédio urbano constante da herança indivisa, seja autorizada a respetiva venda das quotas partes dos menores, que juntamente com a requerente procederá à alienação da totalidade do prédio, cabendo, consequentemente, a cada um dos menores a quantia de ¼ de 50% do produto da venda, a ser transferido para contas bancárias na titularidade dos menores.
Para tanto alegou, em síntese: os menores são filhos da requerente e de EE, falecido em ../../2021, no estado de casado com a requerente e deixando como seus únicos sucessores a requerente e os três filhos menores do casal; da herança aberta por óbito de EE faz parte a metade indivisa do prédio urbano, inscrito na matriz predial sob o art. ...44º, da União de Freguesias ..., ... e ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...27º da freguesia ..., o qual precisa de ser alienado dado: a requerente e os filhos associam o mesmo à morte de EE, o que lhes causa dor e perturbação emocional; o prédio era essencialmente utilizado para efeitos de habitação permanente em Portugal, em regime de férias; os menores recusam deslocar-se àquele; e a requerente não tem condições para suportar as despesas com a educação e o sustento dos filhos e as de manutenção do prédio, o qual se encontra a deteriorar-se; é intenção da requerente utilizar o produto da venda  que lhe pertence para fazer face à economia da vida diária do seu agregado familiar e reservar o produto da venda, na proporção do direito de ¼, pertencente a cada filho menor, para garantir o futuro destes, seja para frequência de formação profissional ou universitária; o prédio foi adquirido pela requerente e pelo seu falecido marido no estado de solteiros, em regime de compropriedade; posteriormente, estes casaram no regime da comunhão de adquiridos, pelo que a requerente concorre à herança aberta por óbito de EE com os filhos.
Por despacho de 31/05/2023, a 1ª Instância indeferiu liminarmente a petição inicial, nos seguintes termos (procede-se à transcrição integral e ipsis verbis do despacho):
Veio AA, viúva, portadora do cartão de cidadão n.º ...34, e contribuinte n.º ...50, residente em território nacional em Rua ..., ... ... ..., e em território estrangeiro em ... ..., ..., na qualidade de representante legal dos filhos menores:
BB, nascido em ../../2011, com 12 anos de idade, portador do cartão de cidadão n.º ...05, contribuinte fiscal n.º ...19, residente na ... ..., ...;
CC, nascido em ../../2015, com 7 anos de idade, portador do cartão de cidadão n.º ...91, contribuinte fiscal n.º ...68, residente na ... ..., ...; e
DD, nascida em ../../2018, com 5 anos de idade, portadora do cartão de cidadão n.º ...98, contribuinte fiscal n.º ...01, residente na ... ..., ...;
Deduzir a presente autorização para outorgar partilha extrajudicial de alienação de bem imóvel.
Para tanto alega que concorre à herança aberta por morte do marido e pai dos menores, da qual faz parte bem imóvel que pretende que seja alienado.
Cumpre apreciar:
A questão que se nos coloca é saber qual o meio processual próprio para a requerente obter o fim pretendido.
Na perspetiva da requerente é o processo especial para autorização de prática de ato.
Quanto a nós, entendemos que, no caso em análise, terá de se proceder a inventário, obrigatório, pois que só este meio é que é o próprio para obter a partilha - cfr. art.º 2102.º, n.º 2, al, b) do C.Civil[1].
E quanto a partilha que se trata não restam dúvidas já que é a própria requerente que assim delineia a sua causa de pedir.
Ademais este Tribunal é materialmente incompetente, em razão da matéria, para conhecer de tal processo de inventário - cfr. artigos 122.º e 123.º da LOSJ.
Assim, face ao exposto, indefere-se liminarmente o peticionado.
Custas a cargo da requerente, fixando o valor da causa no indicado pela requerente - cfr. artigo 527.º e 301.º, n.º 1 do C.P.Civil.
Notifique e registe.

Inconformada com o decidido, a requerente AA, em representação dos seus filhos menores, interpôs recurso, em que formulou as conclusões que se seguem:

I- O PRESENTE RECURSO, VEM INTERPOSTO DA SENTENÇA, QUE COLOCOU TERMO À CAUSA, POR MEIO DE INDEFERIMENTO LIMINAR, POR INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL, QUE NÃO CONSIDERA SER COMPETENTE PARA AJUIZAR UM PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO DE PARTILHA EXTRAJUDICIAL, DO QUINHÃO HEREDITÁRIO DOS MENORES, DO BEM IMÓVEL PERTENCENTE AOS MESMOS E À REPRESENTANTE LEGAL, E RESPETIVA NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL, PARA A ALIENAÇÃO, PORQUE A REPRESENTANTE LEGAL, SE ENCONTRA EM CONCURSO SUCESSÓRIO COM OS DESCENDENTES.
II- EM CAUSA ESTÁ UMA SENTENÇA, QUE INDEFERIU LIMINARMENTE, UM PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, COM BASE NO FUNDAMENTO DE QUE O MEIO PROCESSUAL ADEQUADO, PARA O EFEITO, É O INVENTÁRIO OBRIGATÓRIO.
III- O TRIBUNAL, POR FORÇA DA NÃO ADMISSÃO DA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, COMO MEIO PROCESSUAL ADEQUADO, NÃO SE CONSIDEROU MATERIALMENTE COMPETENTE PARA CONHECER DO INVENTÁRIO.
V- O TRIBUNAL “A QUO” PROFERIU UMA DECISÃO, QUE COLOCOU TERMO À CAUSA, NOS TERMOS DO ARTIGO 644º N.º 1 DO CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC). OS AUTOS NÃO PROSSEGUIRAM E FORAM FINDOS.
V- ÀPRESENTE SENTENÇA NÃO SE APLICA O ARTIGO 644º N.º 2ALÍNEA B) DO CPC.
VI- OARTIGO 644º N.º 2, APLICA-SE A DESPACHOS INTERLOCUTÓRIO OU DECISÕES QUE NÃO COLOCAM UM TERMO À CAUSA.
VII- AS ALÍNEAS DO ARTIGO 644º N.º 2, UNICAMENTE SE APLICAM A DECISÕES QUE NÃO COLOCAM TERMO AO PROCESSO.
VIII- NOS CASOS EM QUE O TRIBUNAL APRECIEA COMPETÊNCIA ABSOLUTA, COLOCANDO TERMO À CAUSA E PROFERINDO INDEFERIMENTO LIMINAR, DEVE PREVALECER A REGRA GERAL DO ARTIGO 644º N.º 1ALÍNEA A) E 638º N.º 1DO CPC,NOMEADAMENTE, QUE O RECURSO DAS DECISÕES QUE COLOQUEM TERMO À CAUSA,É DE 30 DIAS.
IX- NOS CASOS DE EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA, COM INDEFERIMENTO LIMINAR TOTAL DA PETIÇÃO INICIAL OU DE DECLARAÇÃO DE ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA, DEVE PREVALECER O PRAZO NORMAL DE 30DIAS.
X- O ART. 644º, N.º 2 SÓ LOGRA CABAL COMPREENSÃO SE TIVERMOS POR ADQUIRIDO QUE A MESMA ABARCA APENAS AS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS QUE APRECIEM A COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL E DETERMINEM O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS, SEM PÔR TERMO À CAUSA.
XI- O TRIBUNAL A QUO, DECIDIU, TERMINAR O PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, COM O FUNDAMENTO, DE QUE O INVENTÁRIO É O MEIO OBRIGATÓRIO PARA OBTER A PARTILHA EXTRAJUDICIAL, DO BEM DE MENORES, PERTENCENTE A HERANÇAINDIVISAE QUE POR ISSO O TRIBUNAL NÃO SE CONSIDERA COMPETENTE EM RAZÃO DA MATÉRIA, NESTA SITUAÇÃO ESTÁ-SE PERANTE UMA VERDADEIRA DECISÃO DE MÉRITO, SUSCETÍVEL DE RECURSO, NO PRAZO DE 30DIAS.
XII- ARECORRENTE ATUA EM REPRESENTAÇÃO LEGAL DOS SEUS 3FILHOS MENORES.
XIII- O PROGENITOR PAI, FALECEU, DEIXANDO COMO ÚNICOS HERDEIROS A CÔNJUGE E OS 3 FILHOS.
XIV- O ÚNICO BEM PERTENCENTE À HERANÇA INDIVISA, É UM PRÉDIO URBANO INSCRITO NA MATRIZ PREDIAL SOB O ARTIGO ...44..., ... UNIÃO DE FREGUESIAS ..., ... E ..., concelho ... E DESCRITO NA ... CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL ..., SOB O N.º ....
XV- O ÚNICO BEM DA HERANÇA, TEM DE SER ALIENADO PARA FAZER FACE ÀS DIFICULDADES ECONÓMICAS E SUSTENTO DOS MENORES.
XVI- O CÔNJUGE SOBREVIVO, E REPRESENTANTE LEGAL DOS MENORES CONCORRE COM OS MESMOS NA SUCESSÃO DO ÚNICO BEM DA HERANÇA INDIVISA.
XVII- POR ISSO,FOI SOLICITADA A NOMEAÇÃO DE UM CURADOR ESPECIAL.
XVIII- E EFETUADO UM PROJETO DE PARTILHA EXTRAJUDICIAL, NA MEDIDA EM QUE 50% DO PRÉDIO URBANO PERTENCE AO CÔNJUGE SOBREVIVO, E OS RESTANTES 50% DEVEM SER PARTILHADOS, E PELOS HERDEIROS, NA PROPORÇÃO DE ¼.
XIX- FOI ASSIM REQUERIDA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, PARA PARTILHA PARCIAL DA HERANÇA INDIVISA, NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL, AUTORIZAÇÃO PARA PARTILHA EXTRAJUDICIAL E FUTURA ALIENAÇÃO.
XX- O ARTIGO 2102º Nº 2 ALÍNEA B) DO CÓDIGO CIVIL, NÃO É APLICÁVEL AOS PRESENTES AUTOS.
XXI- NOS PRESENTES AUTOS, NÃO SE ESTÁ PERANTE UMA COMUNHÃO HEREDITÁRIA, SEM ACORDO ENTRE OS INTERESSADOS, NÃO SE ESTÁ PERANTE UMA SITUAÇÃO DE INCAPAZ, COM REDUÇÃO PERMANENTE, NEM EXISTE AUSÊNCIA DE ALGUM DOS HERDEIROS DA PARTILHA.
XXII- OMEIO PROCESSUAL ADEQUADO PARA OBTER AUTORIZAÇÃO PARA OUTORGAR PARTILHA EXTRAJUDICIAL, EM REPRESENTAÇÃO DOS MENORES, É A AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.
XXIII- CASO O REPRESENTANTE LEGAL, CONCORRA À SUCESSÃO, É NECESSÁRIO A NOMEAÇÃO DE UM CURADOR ESPECIAL, QUE PODE SER NOMEADO, NO PRÓPRIO PROCESSO DE AUTORIZAÇÃO –ARTIGO 1014º N.º 5DO CPC.
XXIV- NÃO EXISTE NECESSIDADE, POR UMA QUESTÃO DE ECONOMIA PROCESSUAL, DE RECORRER AO PROCESSO DE INVENTÁRIO, POISEXISTINDO ACORDO DE TODOS OS INTERESSADOS, NÃO É NECESSÁRIA A PRÉVIA PARTILHA.
XXV- O PREÂMBULO DO DECRETO-LEI Nº 227/94, DE 08 DE SETEMBRO, JÁ DETERMINAVA: SENDO ASSIM, HAVERIA, COERENTEMENTE, QUE ELIMINAR A ATUAL OBRIGATORIEDADE DE INVENTÁRIO PRÉVIO À ACEITAÇÃO DA HERANÇA POR MENOR, MEDIDA QUE ORA SE ADOPTA.
NÃO SE QUIS, PORÉM, ISENTAR DE TODO E QUALQUER ACOMPANHAMENTO JUDICIAL E CONTROLO LEGISLATIVO AQUELA OPÇÃO DOS PAIS OU REPRESENTANTE LEGAL DO MENOR, CONSCIENTES DE QUE CASOS HAVERÁ EM QUE A DEFESA DOS INTERESSES DESTE EXIGIRÁ OUTRAS MEDIDAS.DAÍ QUE A PARTILHA EXTRAJUDICIAL DE HERANÇA DEFERIDA A MENOR SE ENCONTRE CONDICIONADA A AUTORIZAÇÃO PRÉVIA DO TRIBUNAL.
XXVI- A AUTORIZAÇÃO PARA OUTORGA DE PARTILHA EXTRAJUDICIAL QUANDO O REPRESENTANTE LEGAL CONCORRE À SUCESSÃO COM O SEU REPRESENTADO, IMPLICA A NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL (ARTIGOS 1889.º, ALÍNEA L), 1890.º, N.º 4 DO CÓDIGO CIVIL)) IMPÕE-SE ENTÃO RECORRER AO PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.
XXVII- EXISTINDO ACORDO DE TODOS OS INTERESSADOS, PARA A VENDA DE BEM DE HERANÇA NÃO PARTILHADA (ARTIGO 2091.º DO CÓDIGO CIVIL) PODE PEDIR-SE AUTORIZAÇÃO PARA SE PROCEDER A ESSA VENDA, NÃO SE MOSTRANDO NECESSÁRIO PROCEDER-SE A PRÉVIA PARTILHA, SE AFINAL O OBJETIVO PRETENDIDO É A VENDA DE UM DETERMINADO IMÓVEL INTEGRATIVO DA HERANÇA INDIVISA.
XXVIII- O MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO ASSUME COMPETÊNCIAS, QUANDO ESTEJA EM CAUSA AUTORIZAÇÃO PARA OUTORGAR PARTILHA EXTRAJUDICIAL E O REPRESENTANTE LEGAL CONCORRA À SUCESSÃO COM O SEU REPRESENTADO, SENDO NECESSÁRIO NOMEAR CURADOR ESPECIAL –ARTIGO 2º Nº 2DO DL N.º 272/2001,DE 13DE OUTUBRO.
XXIX- O ARTIGO 1439º DO ANTIGO CÓDIGO PROCESSO CIVIL, MANTÉM O ESPÍRITO DO LEGISLADOR, NO ARTIGO 1014º DO ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL QUE PASSOU A APLICAR-SE APENAS ÀS SITUAÇÕES A QUE ALUDE O N.º 2, DO ARTIGO 2.º DO DECRETO-LEI N.º 272/2001, OU SEJA, NÃO  É  COMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO A AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE ATOS PELO REPRESENTANTE LEGAL DO MENOR PARA OUTORGAR PARTILHA EXTRAJUDICIAL E QUANDO O REPRESENTANTE LEGAL CONCORRA À SUCESSÃO COM O SEU REPRESENTADO,SENDO NECESSÁRIO NOMEAR CURADOR ESPECIAL.
XXX- O QUADRO LEGAL APLICÁVEL, AOS AUTOS, E QUE DEMONSTRAM O ERRO NA DETERMINAÇÃO DAS NORMAS APLICÁVEIS E QUAIS AS NORMAS QUE DEVERIAM TER SIDO APLICADAS, SÃO NOMEADAMENTE: MEIO PROCESSUAL–AUTORIZAÇÃOJUDICIAL –ARTIGO 1014º N.º 5 DO CÓDIGO PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADES PARENTAIS EM RELAÇÃO A HERANÇAS –ARTIGO 1889º N.º 1 ALÍNEA L E 1890º Nº 4 DO CÓDIGO CIVIL. EXCLUSÃODE COMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO – ARTIGO 2º N.º 2 DO DL N.º 272/2001, DE 13DE OUTUBRO.
XXXI- O TRIBUNAL A QUO, INCORREU EM VIOLAÇÃO DAS NORMAS DE COMPETÊNCIA MATERIAL, NOMEADAMENTE ARTIGO 123º, Nº 1 DA LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO, NA MEDIDA, EM QUE CONFIGURA COMPETÊNCIA DOS JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES: I) AUTORIZAR O REPRESENTANTE LEGAL DOS MENORES A PRATICAR CERTOS ATOS, CONFIRMAR OS QUE TENHAM SIDO PRATICADOS SEM AUTORIZAÇÃO E PROVIDENCIAR ACERCA DA ACEITAÇÃO DE LIBERALIDADES; B) NOMEAR PESSOA QUE HAJA DE CELEBRAR NEGÓCIOSEM NOMEDO MENOR E,BEM ASSIM,NOMEARCURADOR-GERALQUEREPRESENTE EXTRAJUDICIALMENTE O MENOR SUJEITO A RESPONSABILIDADES PARENTAIS.
XXXII- PROMOVENDO-SE A ANÁLISE DO REQUERIMENTO INICIAL DOS PRESENTES AUTOS DE QUE SE RECORRE, É EVIDENTE, QUE A RECORRENTE, DELIMITOU BEM A CAUSA DE PEDIR E O PEDIDO, PRETENDENDO EFETIVAMENTE QUE O SEU PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO FOSSE APRECIADO PELO TRIBUNAL A QUO, INVOCANDO RAZÕES DE FACTO E DE DIREITO, NOMEADAMENTE O PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO DE OUTORGA DE PARTILHA EXTRAJUDICIAL, DE CÔNJUGE E DESCENDENTES, QUE CONCORREM NA SUCESSÃO, E QUE POR FORÇA DESSAS CIRCUNSTÂNCIAS,IMPLICA A NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL.
XXXIII- O PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA PARTILHA EXTRAJUDICIAL, CONFORME PERMITE O N.º 5, DO ARTº 1014, DO CPC, MOSTRA-SE O MEIO PROCESSUAL ADEQUADO, COMO JÁ SE DEMONSTROU, NÃO SENDO NECESSÁRIO O RECURSO AO PROCESSO DE INVENTÁRIO.
XXXIV- INCORREU O TRIBUNAL A QUO, EM VIOLAÇÃO DAS NORMAS DE COMPETÊNCIA MATERIAL, NÃO APLICANDO O QUADRO NORMATIVO, QUE REGULAMENTA OS FACTOS OBJETO DE RECURSO.
TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXAS QUE SE CONCEDA PROVIMENTO AO RECURSO, RECONHECENDO-SE A TEMPESTIVIDADE DO RECURSO DA DECISÃO QUE PÕE TERMO À CAUSA, E A AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, COMO MEIO ADEQUADO AOS FACTOS INVOCADOS, PROMOVENDO A REVOGAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA, NOS TERMOS DAS PRESENTES ALEGAÇÕES, E O PROSSEGUIMENTO DOS PRESENTES AUTOS. E SE ASSIM FOR, FARÁ O DOUTO TRIBUNAL, A ACOSTUMADA JUSTIÇA!

O Ministério Público contra-alegou pugnando no sentido de que o recurso não fosse admitido, por extemporaneidade, dado que, na sua perspetiva, o prazo de interposição do recurso aplicável ao despacho recorrido, que inferiu liminarmente a petição inicial, é de 15 dias.
Por despacho de 12/10/2023, a 1ª Instância indeferiu o recurso, por extemporaneidade.
A recorrente reclamou desse despacho.
Por decisão do aqui relator, proferida em 10 de novembro de 2023, transitada em julgado, a reclamação foi julgada procedente e, em consequência, ordenou-se a subida do recurso a esta Relação, “devendo a 1ª Instância, em cumprimento do disposto no art. 641º, n.º 4 do CPC, previamente ordenar a citação dos Requeridos, tanto para os termos do recurso como para os termos da causa e, por conseguinte, apenas ordenar a subida do recurso a esta Relação uma vez decorrido o prazo de trinta dias para os Requeridos apresentarem, querendo, contra-alegações e, bem assim, após lhe ter fixado o modo de subida e o respetivo efeito”.

Tendo ao 1ª Instância dado cumprimento ao ordenado, o Ministério Público contra-alegou, pugnando no sentido de que fosse dado provimento ao recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. A recorrente interpôs recurso de apelação de despacho proferido em 31.05.2023, que colocou termo à causa, por meio de indeferimento liminar, por incompetência material do tribunal, que não considera ser competente para ajuizar um pedido de autorização de partilha extrajudicial, do quinhão hereditário dos menores, composto por um bem imóvel pertencente aos mesmos e à representação legal e respetiva nomeação de curador especial, para a alineação.
2. O pedido de intervenção judicial foi sustentado no fundamento de que a representação legal se encontra em concurso sucessório com os descendentes.
3. Salvo melhor entendimento, entendemos assistir razão à apelante, aqui se dando por produzidas, por economia, as alegações que a esse propósito foram apresentadas.
4. Foi requerida autorização judicial para partilha parcial da herança indivisa, nomeação de curador especial, autorização para partilha extrajudicial e futura alineação.
5. Nos termos do artigo 2102º, n.º 2, alínea b) do Código Civil procede-se à partilha por inventário;
 6. - Quando não houver acordo de todos os interessados na partilha;
7. - Quando o Ministério Público entenda que o interesse do incapaz a quem a herança é deferida implica aceitação beneficiária;
8. - Nos casos em que algum dos herdeiros não possa, por motivo de ausência em parte incerta ou de incapacidade de facto permanente, intervir em partilha realizada por acordo.
9. Dispõe o artigo 1014º, n.º 5 do CPC que, caso o representante legal, concorra à sucessão, é necessário a nomeação de um curador especial, que pode ser nomeado, no próprio processo de autorização.
10. Nos termos do artigo 123º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, é da competência dos juízos de família e menores:
a. autorizar o representante legal dos menores a praticar certos atos, confirmar os que tenham sido praticados sem autorização e providenciar acerca da aceitação de liberalidades;
b. nomear pessoa que haja de celebrar negócios em nome do menor e, bem assim, nomear curador-geral que represente extrajudicialmente o menor sujeito a responsabilidades parentais.
11. O pedido de autorização para partilha extrajudicial, nos termos do n.º 5, do art. 1014º do CPC, mostra-se o meio processual adequado, não sendo necessário o recurso ao processo de inventário pelo que, deve ser concedido provimento ao recurso, reconhecendo-se a autorização judicial, como meio adequado aos factos invocados.
Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso interposto, revogando-se a decisão proferida e ordenando-se o prosseguimento dos autos, assim se fazendo Justiça.  

A 1ª Instância admitiu o recurso interposto como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[2].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar uma única questão que consiste em saber se o despacho recorrido (que indeferiu liminarmente a petição inicial, com fundamento em erro na forma de processo, por o meio processual próprio para conhecer da pretensão de tutela judiciária formulada pela apelante ser o processo de inventário obrigatório e por o Juízo de Família e Menores ser incompetente, em razão da matéria, para conhecer desse processo) padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe revogar o mesmo e ordenar o prosseguimento dos autos.
Note-se que a questão que a apelante suscita nas conclusões I a XI das alegações de recurso não faz parte do objeto do presente recurso, dado tratar-se de questão que respeita à reclamação do despacho da 1ª Instância que reteve o recurso, com fundamento em extemporaneidade, onde essa questão já foi apreciada e decidida, por decisão do aqui relator, transitada em julgado, proferida em 10 de novembro de 2023.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para a decisão a proferir no âmbito do presente recurso são os que constam no relatório acima exarado.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Do erro na forma do processo
Entendeu a 1ª Instância que, ante o pedido formulado na petição inicial, o processo adequado para proceder à apreciação deste não é o processo especial para autorização de ato, a que a apelante recorreu, mas antes o processo de inventário obrigatório, “pois que só este meio é que é o próprio para obter a partilha – cfr. art. 2102º, n.º 2, al. b) do C. Civil. E quanto a partilha que se trata não restam dúvidas, já que é a própria requerente que assim delineia a sua causa de pedir” e, em consequência, considerou existir erro na forma de processo, por o adequado para o efeito ser o processo especial de inventário, para cuja apreciação falece competência, em razão da matéria, aos Juízos de Família e Menores, e indeferiu liminarmente a petição inicial.
A apelante não se conforma com o decidido, imputando-lhe erro de direito e, antecipe-se desde já, salvo melhor entendimento, com razão.
Antes de mais, cumpre precisar que o erro na forma de processo afere-se pelo tipo de pretensão formulada pelo autor na petição inicial, ocorrendo este quando ao pedido formulado corresponde uma forma diversa da empregue, ou seja, o autor utilizou o processo comum quando a forma adequada, atenta a pretensão de tutela judiciária (pedido) que visa que o tribunal lhe reconheça, é o processo especial ou vice-versa[3].
Enfatize-se que o erro na forma de processo não implica necessariamente o desaproveitamento da petição inicial, nem dos atos processuais que, na sequência desta, foram praticados no processo, não determinando a sua verificação impreterivelmente o indeferimento liminar daquele articulado inicial, e quando detetado em momento posterior, não consubstancia, em princípio, uma exceção dilatória, determinando a anulação de todo o processado, com a consequente absolvição do réu da instância (arts. 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º, al. b) do CPC), posto que, conforme decorre do art. 193º do mesmo diploma, o princípio regra que vigora na lei adjetiva é  que o erro na forma de processo apenas determina que o julgador tenha de corrigir oficiosamente o mesmo, determinando que o processo prossiga os termos processuais adequados (n.º 3, do art. 193º), anulando os atos já praticados que não possam ser aproveitados e praticando os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei (n.º 1, do art. 193º), salvo os que implicarem uma diminuição de garantias do réu (n.º 3). 
Daí que o erro na forma de processo apenas determine o indeferimento liminar da petição inicial ou, quando detetado em momento posterior, consubstancie exceção dilatória, obstando ao conhecimento do mérito da causa delineada, subjetiva (quanto aos sujeitos) e objetivamente (pedido e causa de pedir) pelo autor na petição inicial, com a consequente absolvição do réu da instância, quando a petição inicial não possa ser de todo aproveitada, por tal implicar uma diminuição das garantias de defesa do réu, ou quando se verifique uma outra exceção que impeça que o tribunal possa conhecer da forma processual adequada ao pedido deduzido pelo autor, conforme, na perspetiva do julgador a quo acontecerá no caso sobre que versam os autos, em que considerou que a forma processual adequada à pretensão da apelante é o processo de inventário obrigatório, para cujo conhecimento lhe falece competência material.
A questão essencial decidenda no presente recurso é, assim, a de se saber se o processo especial para autorização de ato, regulado no art. 1014º do CPC, é o adequado para apreciar a pretensão de tutela judiciária formulada pela apelante na petição inicial, em que pede que seja concedida autorização para se proceder à partilha extrajudicial e parcial da herança aberta por óbito de seu marido e pais dos menores, por ela representados; para que seja nomeado aos últimos curador especial, atenta a circunstância daquela concorrer com estes a essa herança; e para que se autorize a venda extrajudicial dos direitos que venham a ser adjudicados aos menores na metade indivisa do prédio que integra a herança e a partilhar.
No que ao caso presente interessa, lê-se no art. 1889º, n.º 1, do CC, que: “Como representantes do filho não podem os pais, sem autorização do tribunal: a) Alienar ou onerar bens, salvo tratando-se de alienação onerosa de coisas suscetíveis de perda ou de deterioração; j) Repudiar herança ou legado; l) Aceitar herança, doação ou legado com encargos, ou convencionar partilha extrajudicial”.
E no n.º 4, do art. 1890º do mesmo diploma que: “No processo em que os pais requeiram autorização judicial para aceitar a herança, quando dela necessitem, poderão requerer autorização para convencionar a respetiva partilha extrajudicial, bem como, a nomeação de curador especial para nela outorgar, em representação do menor, quando com ele concorram à sucessão ou a ela concorram vários incapazes por ele representados”.

Por sua vez, estabelece o art. 2102º que:

“1- Havendo acordo dos interessados, a partilha é realizada nas conservatórias ou por via notarial, e, em qualquer outro caso, por meio de inventário, nos termos previstos na lei especial.
2- Procede-se à partilha por inventário:
a- Quando não houver acordo de todos os interessados na partilha;
b- Quando o Ministério Público entenda que o interesse do incapaz a quem a herança é deferida implica a aceitação beneficiária;
c- Nos casos em que algum dos herdeiros não possa, por motivo de ausência em parte incerta ou de incapacidade de facto permanente, intervir em partilhada realizada por acordo”.
Adiante-se que as atuais redações da al. h), do n.º 1, do art. 1889º, a do n.º 4, do art. 1890º, assim como a do n.º 2, do art. 2102º, esta nos seus traços essenciais, que se acabam de transcrever foram introduzidas pelo D.L. n.º 227/94, de 8/9, diploma que reviu a tramitação do processo de inventário então em vigor e que alterou diversas disposições legais do CC, do CPC e do CCJ com esse desiderato.
Conforme se lê no preâmbulo daquele diploma, este é enformado “por três linhas de força: a eliminação da obrigatoriedade de inventário prévio à aceitação da herança por menor; a adoção de disposições que garantam, não obstante aquela eliminação, a efetiva defesa dos interesses de menor e a simplificação do processo de inventário”. E nele adianta-se que: “Crê-se não subsistirem hoje as razões que – fundadas na desconfiança com que o legislador e a Administração encaravam os cidadãos e, neste particular, os pais e representantes legais do menor – exigiam ao Ministério Público, em regra, a instauração obrigatória de inventário sempre que estava em causa a aceitação de herança por menor. Na verdade, a necessidade de manutenção da integração e coesão familiares aponta iniludivelmente para que se adote o princípio de que ninguém melhor que os pais ou representantes legais do menor para definir, em cada caso, o que, de forma eficaz, defende os interesses deste. Também assim no que respeita a heranças que sejam deferidas ao menor, na medida em que é o pai ou o seu representante legal quem se encontra melhor posicionado para decidir, no caso, se a respetiva partilha se deve fazer por via judicial ou extrajudicial. Sendo assim, haveria, consentaneamente, que eliminar a atual obrigatoriedade de inventário prévio à aceitação da herança por menor, medida que ora se adota.
Não se quis, porém, isentar de todo qualquer acompanhamento judicial e controlo legislativo aquela opção dos pais ou representante legal do menor, conscientes de que casos haverá em que a defesa dos interesses deste exigirá outras medidas.
Daí que a partilha extrajudicial da herança deferida a menor se encontre condicionada a autorização prévia do tribunal; que o Ministério Público, sempre que, de acordo com os elementos que tenha podido obter – designadamente as relações que as repartições de finanças lhe enviarão relativas à liquidação do imposto sobre sucessões e doações -, entenda que a defesa dos interesses do menor na herança passa pela instauração de inventário o possa fazer (…)”.
Resulta do que se vem dizendo que, na sequência da entrada em vigor do D.L. 227/94, de 08/09, em 08/02/1995, e atualmente, as heranças deferidas a menores e outros incapazes deixaram de estar sujeitas a inventário obrigatório, deixando, aliás, o legislador de prever casos em que a instauração de inventário tem natureza obrigatória.
Quanto às heranças deferidas a menores e outros incapazes cabe aos progenitores ou aos representantes legais optarem por aceitar a herança a título de inventário ou extrajudicialmente.
Todavia, caso optem pela aceitação e/ou pela partilha da herança por via extrajudicial, com vista à cabal salvaguarda dos interesses do seu representado, terão de obter a prévia autorização judicial que os habilite a praticar esses atos em nome do seu representado (art. 1889º, n.º 1, al. l) do CC).
No processo em que requeiram autorização judicial para aceitar a herança extrajudicialmente, podem cumular esse pedido com o de autorização para convencionar a respetiva partilha extrajudicial, bem como, com o pedido para que seja nomeado curador especial para nela outorgar, em representação do seu representado, quando com ele se encontre em concurso sucessório (art. 1890º, n.º 1 do CC).
Acresce que, dentro da filosofia que preside àquele diploma e tendo sempre em vista a defesa dos interesses superiores do incapaz, apesar de se ter eliminado a anterior obrigatoriedade de instauração de processos de inventário obrigatórios quanto a heranças deferidas àqueles, reconheceu-se ao Ministério Público legitimidade ativa para instaurar ação de inventário sempre que, em função dos elementos que recolha, vier a concluir que a defesa dos interesses do incapaz passa pela aceitação da herança a título de inventário (al. b), do n.º 2 do art. 2102º do CC).
Em suma, contrariamente ao decidido pela 1ª Instância, desde ../../1995, a aceitação de herança deferida a menor ou outros incapazes deixou de estar dependente da instauração de inventário obrigatório, tendo essa obrigatoriedade sido eliminada da ordem jurídica nacional, passando a assistir aos representantes legais daqueles a faculdade de optarem por aceitar a herança a título de inventário ou extrajudicialmente, sem prejuízo de se reconhecer legitimidade ativa ao Ministério Público para requerer inventário sempre que conclua ser este o meio mais adequado para defender os interesses do incapaz.
Optando o representante do menor pela aceitação extrajudicial da herança em benefício do seu representado, como é o caso sobre que versam os autos, a aceitação daquela a favor dos seus representados está dependente da prévia obtenção de autorização judicial para que o possam fazer, podendo no processo especial para autorização, regulado no art. 1014º do CPC, cumular: o pedido de autorização para aceitação extrajudicial da herança a favor do seu representado; o pedido de autorização para outorga na partilha extrajudicial de herança, em representação deste; o pedido de nomeação de curador especial ao representado, quando com ele concorra à sucessão, tudo conforme o determinam os arts. 1890º, n.º 4 do CC e 1014º, n.º 5 do CPC. E, nos termos dos arts. 555º, n.º 1, 37º, a contrario, e 549º do CPC, naquele processo especial pode ainda ser cumulado o pedido de autorização de venda dos direitos que, na sequência da partilha, sejam adjudicados ao representado.  
Acresce referir que, com o objetivo de desonerar os tribunais de processos que não consubstanciam verdadeiros litígios e a salvaguardar os interesses superiores dos menores ou outros incapazes, garantindo-lhes uma decisão em tempo útil[4], o D.L. n.º 272/2001, de 13/10 (entretanto, objeto de sucessivas revisões, a última das quais, a sétima, introduzida pela Lei n.º 85/2019, de 03/09, aplicável aos autos, por se encontrar em vigor à data da sua instauração), operou a transferência de competência decisória em determinados processos de jurisdição voluntária dos tribunais judiciais para o Ministério Público e as conservatórias do registo civil e regulou os respetivos procedimentos (art. 1º do D.L. n.º 272/2001).
Assim, nos termos do disposto no art. 2º, n.º 1 daquele diploma passaram a ser da competência exclusiva do Ministério Público as decisões relativas a pedidos de: suprimento do consentimento, sendo a causa de pedir a menoridade, o acompanhamento ou a ausência (al. a)); autorização para a prática de atos pelo representante legal do menor ou do acompanhado, quando legalmente exigida (al. b)); autorização para alineação ou oneração de bens do ausente, quando tenha sido deferida a curadoria provisória ou definitiva (al. c)); confirmação de atos praticados pelo representante do menor ou do acompanhado sem a necessária autorização.
Todavia, no que ao caso dos autos interessa e no que respeita à transferência para o Ministério Público da competência para proferir decisão quanto à matéria prevista no art. 2º, n.º 1, al. b) daquele diploma, o n.º 2, al. b) do mesmo preceito, determina que essa transferência não se verifica (continuando, pois, a estar reservada aos tribunais a decisão a proferir  quanto a autorização para a prática de atos pelo representante legal do menor ou do acompanhado, quando legalmente exigida) “quando esteja em causa autorização para outorgarem partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo necessário nomear curador especial, bem como nos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou de acompanhamento”.
Destarte, em face do quadro legal que se acaba de expor, no caso de herança deferida a menor ou incapaz, conforme antedito, não há lugar a inventário obrigatório, cabendo aos seus representantes legais optarem por aceitarem a herança a título de inventário ou extrajudicialmente. Aceitando-a a título extrajudicial, o representante legal do menor ou do incapaz necessita de obter prévia autorização judicial para o fazer, mediante a instauração da ação especial que se encontra regulada no art. 1014º do CPC.
Nessa ação especial, o representante legal do menor pode cumular: o pedido de autorização de aceitação da herança, em nome do representado; o pedido de autorização para proceder à partilha extrajudicial da herança em nome daquele; o pedido de autorização para proceder à posterior venda dos bens ou direitos que venham a ser adjudicados ao representado na sequência da partilha da herança.
A competência material para proferir decisão quanto a esses pedidos de autorização encontra-se deferida ao Ministério Público[5].
Porém, sempre que esteja em causa autorização para o representante legal do menor ou do incapaz outorgar partilha extrajudicial em nome deste e concorra com o último à sucessão (situação em que, dado o conflito de interesses, se impõe nomear curador especial ao representado), ou nos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou de acompanhamento (isto é, quando estes processos existam, estando em curso ou já findos, por decisão de mérito transitada em julgado – art. 1014º, n.º 4 do CPC -, caso em que a ação de autorização corre por apenso aos mesmos, conforme é determinado no n.º 2 do art. 206º do CPC[6]), a competência para conhecer do pedido de autorização compete aos tribunais[7].
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso dos autos, a apelante instaurou a presente ação especial de autorização de ato, na qualidade de representante legal dos seus filhos menores, BB, CC e DD, pedindo que seja concedida autorização judicial para partilha extrajudicial e parcial da herança aberta por óbito de seu marido e pai daqueles, EE, falecido em ../../2021, em representação desses seus filhos (pedido este que, salvo melhor opinião, tem implícito o pedido de autorização judicial para aceitação dessa herança em nome dos menores); se nomeie curador especial a esses seus filhos, dado que aquela concorre com eles na sucessão; e se autorize a venda extrajudicial dos direitos que venham a ser adjudicados aos menores sobre a metade indivisa do prédio a partilhar extrajudicialmente na sequência da partilha.
Contrariamente ao decidido pela 1ª Instância, como sobejamente já demonstrado, desde 1995 que, no ordenamento jurídico nacional, deixou de ser obrigatória a instauração de processo de inventário quanto a herança deferida a menor ou outros incapazes, cumprindo aos representantes legais daqueles optarem por aceitarem a herança em nome dos seus representados a título de inventário ou extrajudicialmente, sem prejuízo do Ministério Público poder instaurar processo de inventário na defesa dos interesses do incapaz.
No caso dos autos, não existe qualquer notícia em como tivesse sido instaurado processo de inventário por óbito do falecido marido da apelante e pai dos menores pelo Ministério Público ou por qualquer interessado.
Mediante a instauração da presente ação a apelante pretende que a herança deferida aos seus filhos menores, aberta por óbito do pai destes, seja aceite extrajudicialmente e pretende que esta seja partilhada igualmente por essa via e se autorize a alienação da metade indivisa do prédio que a integra, a cuja sucessão concorre a apelante e aqueles seus filhos, pelo que, conforme já demonstrado, essa autorização carece de ser concedida (ou não) mediante decisão judicial.
Daí que, salvo melhor opinião, a aceitação e a partilha da herança aberta por óbito de FF não carecem de ser feitas em processo de inventário, podendo serem realizadas extrajudicialmente, em representação dos menores, mediante prévia autorização judicial, a ser concedida em ação especial para a prática de certos atos, a que alude o art. 1014º do CPC, onde a apelante, conforme fez, pode cumular o pedido de autorização para aceitação da herança aberta por óbito de seu marido e deferida aos seus filhos menores, com o pedido para ser outorgada a respetiva partilha extrajudicial em representação dos mesmos, com o pedido para que lhes seja nomeado curador especial (dado que também concorre à herança) e com o pedido para se proceder à venda, em representação dos mesmos, dos direitos que lhes venham a ser adjudicados sobre a metade indivisa do prédio que integra aquela herança na sequência da sua partilha.
Decorre do exposto que, a decisão recorrida, ao julgar ocorrer erro na forma de processo, porquanto, o processo especial de autorização para a prática de ato, previsto no art. 1014º do CPC, eleito pela apelante, não seria o adequado para se conhecer do pedido por ela formulado, mas antes o processo de inventário obrigatório, padece de erro de direito, impondo-se a sua revogação, julgando-se que o processo especial eleito pela apelante é o processualmente adequado a fim de se conhecer da sua pretensão.

B- Da exceção dilatória de incompetência em razão da matéria do Juízo de Família e Menores de Braga para conhecer da relação jurídica material controvertida delineada na petição inicial.
Na sequência de ter julgado existir erro na forma de processo e que o processo próprio para conhecer da pretensão formulada pela apelante seria o processo de inventário, a 1ª instância indeferiu liminarmente a petição inicial com fundamento de que se verificaria a exceção dilatória de incompetência, em razão da matéria, dos Juízos de Família e Menores para conhecer desse processo de inventário.
Acontece que, sendo o processo especial de autorização para a prática de ato, regulado no art. 1014º do CPC, adotado pela apelante, a forma processual adequada a fim de se apreciar do pedido que formulou, a competência material para conhecer da relação material controvertida que aquela delineou, subjetiva (quanto aos sujeitos) e objetivamente (pedido e causa de pedir), na petição inicial, compete aos Juízos de Família e Menores, nos termos do disposto no art. 123º, n.º 1, als. b) e i) da Lei n.º 62/2013, de 26/08, que aprovou a Lei de Organização do Sistema Judiciário, em que se estabelece competir “igualmente aos juízos de família e menores: nomear pessoa que haja de celebrar negócios em nome do menor (al. b)); autorizar o representante legal dos menores a praticar certos atos (al. i))).
Resulta do excurso antecedente procederem os fundamentos de recurso aduzidos pela apelante, impondo-se julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar o despacho recorrido e ordenar o prosseguimento dos autos.
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Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- Desde a entrada em vigor do D.L. n.º 227/94, de 8/9, o legislador eliminou da ordem jurídica nacional o inventário obrigatório, competindo ao legal do menor ou de outros incapazes, no caso de lhes ser deferida herança, optar por a aceitar, em representação daqueles, a herança a título de inventário ou extrajudicialmente, sem prejuízo do Ministério Público dispor de legitimidade ativa para instaurar ação de inventário caso, face aos elementos que recolha, conclua que o recurso a esse processo é necessário para melhor salvaguarda dos interesses do incapaz.
2- Caso o representante legal do incapaz opte pela aceitação da herança por via extrajudicial terá de obter prévia autorização judicial para ficar habilitado a aceitá-la em representação do seu representado, em ação especial, regulada no art. 1014º do CPC.
3- Nessa ação podem ser cumulados: o pedido de autorização para aceitação extrajudicial da herança em representação do incapaz; o pedido de autorização para outorgar a respetiva partilha extrajudicial, em representação daquele; o pedido de autorização para proceder à venda dos bens ou direitos que venham a ser adjudicados ao incapaz; e o pedido de nomeação ao incapaz de curador especial quando o representante legal concorra à herança.
4- Exceto quando for pedida autorização para partilha extrajudicial de herança deferida a incapaz em nome deste, e o seu representante legal concorra também à sucessão, ou nos casos em que o pedido de autorização deduzido seja dependente de processo de inventário ou de acompanhamento (em que a competência para conhecer daqueles pedidos de autorização compete ao tribunal), a competência para conhecer dos mesmos cabe ao Ministério Público.
5- Daí que, tendo sido instaurada ação especial de autorização por morte do marido da requerente e pai dos seus filhos menores, em que requer: autorização para aceitação extrajudicial da herança em representação destes; para partilha extrajudicial (parcial) da herança em nome daqueles; para posterior venda dos direitos que lhes venham a ser adjudicados; e para que lhes seja nomeado curador especial, dado que a requerente é com eles concorrente na herança, o processo especial eleito pela requerente seja o processualmente adequado para conhecer desses pedidos, cabendo aos Juízos de Família e Menores a competência material para conhecer dos mesmos (na ausência de processo de inventário).  
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V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação procedente e, em consequência, revogam o despacho recorrido, que indeferiu liminarmente a petição inicial, e ordenam o prosseguimento dos autos.
*
Custas do recurso pela apelante, atento o critério do proveito, posto que, apesar de ter obtido vencimento, nele não há vencido, na medida em que a decisão recorrida acabada de revogar, foi proferida por iniciativa do tribunal e não foram apresentadas contra-alegações em que se pugnasse pela improcedência do recurso (art. 527º, n.º 1, parte final, do CPC).
*
Notifique.
*
Guimarães, 18 de abril de 2024

José Alberto Moreira Dias – Relator
Fernando Manuel Barroso Cabanelas – 1º Adjunto
Gonçalo Oliveira Magalhães – 2º Adjunto               
 


[1] Neste  sentido vide o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.9.2020, proferido no processo n.º 983/20.4T8PRD.P1, relatado por Ana Lucinda Cabral, e disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/1c88630794e737ba80258614003be814?OpenDocument.
[2] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., Almedina, pág. 245, nota 1; Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2Ç ed., janeiro/2014, Ediforum, págs. 252e 253 e múltipla jurisprudência aí citada.
[4] Preâmbulo do D.L. n.º 272/2001, de 13/10.
[5] Ac. R.G., de 10/01/2019, Proc. 1429/18.3T8VCT-G1: “Compete ao Ministério Público a autorização para a prática dos atos previstos no art. 2º, n.º 1 do D.L. 272/2001, nos casos em que o representante legal não concorra à sucessão com o seu representado e em que o pedido de autorização não está dependente de processo de inventário ou de interdição. Esta norma retira jurisdição ao tribunal para conhecer dessas questões, não se estando perante um caso de falta de competência. A complexidade ou conflituosidade das questões não é, nestes casos, um dos critérios legais que afasta para a atribuição da jurisdição ao Ministério Público para apreciar o pedido”.
[6] Ac. STJ., de 09/07/2014, Proc. 1129/07.0TBAGH-A.L1.S1; Ac. R.L., de 25/02/2014, Proc. 1129/07.0TBAGH.L1-1; Ac. RC., de 11/05/2021, Proc. 315/11.2TBCNT-A.C1, expendendo-se neste que: “É do tribunal judicial e não do Ministério Público a competência para decidir sobre a autorização a dar ao representante legal de incapaz para praticar ato que legalmente dependa dessa autorização, quando o pedido corra por apenso ao processo de inventário no âmbito do qual o menor adquiriu o bem que determina o pedido de autorização – art. 2º, n.º 1, al. b), do D.L. n.º 272/2001, de 13 de outubro, e art. 1014 do CPC”.
[7]