Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
983/20.4T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: PROCESSO DE TUTELA DE INTERESSE DE AUSENTES E INCAPAZES
AUTORIZAÇÃO PARA ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS DE HERANÇA INDIVISA
COMPETÊNCIA DECISÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
DECISÃO INEXISTENTE
Nº do Documento: RP20200924983/20.4T8PRD.P1
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O Ministério Público carece de competência para apreciar e decidir pedido da mãe de dois menores para a autorizar, como representante legal deles, a alienar bens imóveis pertencentes à herança indivisa aberta por óbito do seu marido e pai dos menores.
II - Tal alienação terá de ser precedida de partilha com inventário obrigatório, na qual a representante legal concorre à sucessão com os seus representados.
III - Proferida decisão pelo Ministério Público num pedido dessa natureza a decisão é inexistente, tudo se passando como se nunca tivesse sido proferida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 983/20.4T8PRD.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo de Família e Menores de Paredes - Juiz 2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
B… e esposa C…, reformados, residentes na …, n.º .., ….-… …, concelho de Marco de Canaveses, vieram requerer a reapreciação sobre a autorização para a prática de acto, ao abrigo do disposto no n.º 6, do art.º 3º, do DL 272/2001, de 13 de Outubro, instaurando para tal a presente acção de autorização judicial, prevista no artigo 1014º do CPC. Alegaram que: na qualidade de interessados e avós paternos dos menores, D… e E…, manifestaram a sua oposição ao pedido de autorização para a venda de bens, que correu termos no Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca do Porto Este - Procuradoria do Juízo de Família e Menores de Paredes, sob o n.º 1771/19.6T9PRD, instaurado pela mãe dos seus referidos netos, pois pretendia vender o prédio urbano, “composto por casa com a tipologia T3, com 2 pisos, sito na …, n.º .., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P 4448 da freguesia 130741 …” dado que, no dia 24 de Março de 2018, tinha falecido o pai dos menores, F…, deixando-a a ela e aos seus dois filhos menores como únicos herdeiros, que o património do casal era composto por esse prédio, que o quer alienar porque a morte súbita do seu marido e pai dos menores deixaram-nos numa situação económica difícil, tendo que sobreviver com o seu vencimento que rondava os 610,00€ líquidos, que se tinha tornado difícil fazer face às despesas do dia-a-dia, bem como toda a manutenção do imóvel supra referido, que o preço da venda é de 210.000,00€, que para tanto já tinha assinado o contrato promessa de compra e venda, no dia 2 de Outubro de 2019, que considera esse valor compensador e ajustado ao preço corrente na localidade e tendo em conta as características do prédio, localização e ao seu estado de conservação, que os menores terão direito a receber a sua quota-parte no montante de 35.000,00€, para cada um, que se compromete a depositar esse valor numa conta a prazo, em nome de cada um dos menores ou, alternativamente, a adquirir um imóvel ficando os menores comproprietários do mesmo no valor da sua quota-parte da herança, que indicou como parente mais próximo dos menores a avó materna.
Que que nesse processo se decidiu pela justeza da pretensão e se autorizou a requerente G…, por si e na qualidade de representante legal dos menores D…, nascido a 18 de Abril de 2002, e E…, nascido a 4 de Abril de 2011, a vender o dito prédio e o prédio rústico denominado “H…”, composto por cultura, oliveiras e videiras, sito no …, na freguesia …, concelho de Marco de Canaveses, descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canaveses sob o n.º 562, da mencionada freguesia … e inscrita na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 18 da freguesia …, venda essa que deverá ser efectuada pelo preço mínimo de 210.000,00€ (duzentos e dez mil euros), que Na sua oposição alegaram que o património do casal, constituído na constância do matrimónio, era composto, para além do prédio urbano e prédio rústico, por um automóvel, que era um bem próprio do falecido e que, inexplicavelmente, se encontra a ser conduzido por pessoa estranha, nunca tendo sido solicitado autorização para venda do mesmo, bem como por depósitos bancários e quantias em dinheiro.
Não existia passivo, que não corresponde à verdade a alegada situação económica da mãe dos menores, que aquando do falecimento existia em nome do casal uma conta bancária com o saldo de 17.000,00€, e outras quantias monetárias que o falecido tinha na sua posse em França, no montante de 5.000,00€, que a Requerida recebeu a quantia de 20.000,00€ proveniente de um seguro de vida que estava associado a uma conta bancária no “I…”, agência … na Córsega - França, que o falecido era titular numa instituição bancária em França, o qual deveria em parte estar depositado numa conta bancária em nome dos menores, que o Ministério Público não questionou a mãe dos menores sobre os valores depositados nas instituições bancárias e recebidos, como o proveniente do seguro de vida acima referido, nem indagou junto das instituições bancárias ou da Segurança Social, que não é verdade que a mãe dos menores tivesse dificuldades em fazer face às despesas do dia a dia, nem com a manutenção do imóvel, até porque o imóvel foi dado como concluído em Abril de 2017, que a mãe dos menores disse que teve que pagar a divida que tinham para com o electricista, mas não juntou qualquer documento que o justifique, que disse que mandou construir o muro que veda a moradia, o que não corresponde à verdade, pois o muro já estava construído e pago ainda o falecido estava vivo, nem foi junto aos autos qualquer documento relativo à despesa, que quando apresentou o pedido de autorização já recebia a pensão de sobrevivência, bem como os menores, para além do subsidio de desemprego no montante de cerca de 490,00€, conforme documento junto aos autos pela ora Requerida, que o pedido para vender o supra identificado prédio urbano não se fundamenta nas dificuldades económicas, pois tais nunca existiram, nem existem, que a mãe dos menores recebia a título de pensão de sobrevivência o valor trimestral de 2.142,66€ e cada um dos filhos o valor trimestral de 1.339,16€, no valor total de 4.820,97€ por trimestre, perfazendo o valor de 1.606,99€ mensal, totalizando um rendimento mensal do agregado familiar na ordem dos 2.000,00€ mensais líquidos, a que acrescem os valores monetários que o casal possuía e os que advieram por consequência do óbito, que a mãe dos menores decidiu após o falecimento do pai dos menores ir viver para o concelho de Penafiel, tirando-os do local onde viveram desde que eles nasceram, onde frequentavam a escola e onde tinham os seus amigos e familiares paternos, indo viver para casa da sua mãe, a qual não tem as mínimas condições para viverem mais três pessoas, não possui um quarto para cada um dos menores.
O Ministério Público fundamenta a sua decisão, também, num relatório pericial mandado efectuar para avaliar o imóvel urbano, bem como o prédio rústico que faz parte do acervo hereditário, mas sobre o qual a Representante Legal dos Menores não formulou pedido de autorização de venda, pelo que deve, por analogia, ser declarada nula a decisão proferida, nos termos do artigo 609.º, n.º 1 e artigo 615.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil.
Afirmam que são interessados no processo e têm uma posição oposta à pretensão, que após a notificação da decisão do Ministério Público, solicitaram o envio do relatório pericial, pelo que só agora estão em condições de se pronunciar sobre o mesmo, que o prédio urbano, tal como o prédio rústico, estiveram à venda na imobiliária “J…” de Penafiel, com publicitação no respectivo sítio electrónico da internet, que esta imobiliária foi a mediadora do negócio a que se refere o contrato de promessa de compra e venda junto aos autos, que o prédio rústico, destinado à construção, estava nesse sítio electrónico da internet à venda pelo valor de 27.000,00€, com a área de 775 m2, todo murado e com poço de água, com 35 m2 de frente de rua, e o prédio urbano, estava à venda pelo valor de 220.000,00€, sendo o mesmo descrito com as seguintes características: moradia em pedra com excelente exposição solar e terreno constituída por: três quartos com pavimento flutuante, sendo um deles suite, mobilado; cozinha mobilada e equipada com electrodomésticos AEG, incluindo frigorifico modelo americano; sala ampla com abertura para a cozinha; escritório; garagem; caixilharia dupla em PVC e estores eléctricos, painéis solares, aquecimento central e bomba de calor; classificado com a classe energética B.
O custo da construção da habitação considerado pelo Senhor Perito, de 600€/m2, é o custo para uma habitação corrente conforme, inclusive, definido em portarias nacionais, e não para habitações com acabamentos em materiais nobres, tal como o granito, com sistemas de climatização composto por bomba de calor, painéis solares e ventilo-convectores, das marcas BAXI e DAIKIN (sistemas exclusivos e que se encontram disponíveis no mercado com preços altos e exclusivos de construção de alta gama). A caixilharia da marca Schüco, em PVC, também não se afigura como o sistema usado em construção corrente e a cozinha, encontra-se equipada com electrodomésticos de gama média/alta, acabamentos e equipamentos sanitários de gama média/alta.
Após consulta com outros técnicos, construtores e promotores, por todos foi afirmado que o valor de 600€/m2 é manifestamente inferior pelo que deverá o mesmo ser recalculado, sendo o valor para este tipo de construções e com este tipo de acabamentos e gama de equipamentos, de aproximadamente 800€/m2.
Quanto aos 10% de desvalorização numa habitação que se encontra nova, pronta a habitar, e numa crescente valorização imobiliária a que se tem assistido deveria ser um valor apreciativo e não depreciativo (-10%) pois que existem vários métodos possíveis para a avaliação imobiliária e no que concerne à escolha do método para a avaliação do prédio rústico, o método mais justo a ser tomado será o método comparativo que contempla os preços actuais e tendências, centrando-se, em especial, nos componentes do imóvel que influem no valor do mercado, sendo que, nas redondezas, segundo pesquisa acessível a todos, nos sítios da internet, o custo do terreno por metro em condições semelhantes ronda os 45€/m2. O terreno, apesar da sua forma alongada, permite a construção visto que o limite do Lote dista 4 metros (tal qual consta na planta de loteamento do processo ..-Lote- ./2011) ao alçado lateral esquerdo (norte), o qual é paralelo ao mesmo e o limite posterior é pelo cimo do talude existente, sendo portanto possível a colmatação da frente da rua através de uma nova construção. Deveria ter sido ponderado o impacto que a venda de tais bens imóveis terá em sede de mais-valias e consequentemente do imposto a pagar por todos, particularmente na parte que caberá aos menores. Não ficou esclarecido qual o valor atribuído na venda a cada um dos imóveis, sendo que da parte de quem administra os bens da herança, dos quais os menores são interessados, deve haver um comportamento mais cauteloso e conservador, pugnando pela manutenção dos bens na herança, procurando deles retirar rendimento, designadamente através do instituto do arrendamento, que dessa forma podendo conservá-los e assegurar o pagamento das despesas inerentes ao direito de propriedade e ao mesmo tempo assegurando outra fonte de rendimento para o agregado familiar, mantendo, assim, intacto o património imobiliário, valorizando-o através do tempo.
Requereram ainda a apensação aos presentes autos do processo pendente e que corre os seus termos sob o n.º1771/19.6T9PRD na Procuradoria do Juízo de Família e Menores de Paredes, bem como todos os documentos que se encontram juntos ao mesmo, tomando-se em consideração os actos aí praticados.
Indicaram prova testemunhal, requereram que se oficiasse à Câmara Municipal de Marco de Canaveses, um pedido de informação sobre a viabilidade de construção do prédio rústico que identificaram, se notificasse a mãe dos menores para juntar aos autos extractos bancários dos valores depositados em nome do casal ou de um deles à data do óbito, assim como documentos comprovativos de todas as quantias recebidas por consequência da morte do falecido e pai dos menores, designadamente seguro de vida do “I…”, agência … na Córsega – França.

Foi solicitado o processo que correu termos no Ministério Público para consulta e solicitou-se certidão de todo o processo e que se certificasse a identidade do parente sucessível que foi notificado para contestar, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3º, al. b) do DL n.º 272/2001 e se apresentou oposição, assim como a data em que a, ali Requerente e o/a/s oponente/s, foram notificados da decisão.

Foi depois lavrado despacho: “Considerando que a presente ação constitui uma nova ação de autorização judicial, atento o artigo 3º, n.º 6 do citado diploma legal, não se vislumbra qualquer base legal que justifique a apensação da ação de autorização judicial que correu os seus termos no Ministério Público, sendo bastante a sua certidão, pelo que se indefere a pretendida apensação.”

Posteriormente, foi proferida decisão que se transcreve:
“Factualidade a ter presente:
Tem-se em atenção a pretensão que consta do requerimento inicial e ainda o teor da certidão junta a fls. 35 e sgts.
*
Considerando o pedido e a causa de pedir o Tribunal deve antes de mais averiguar da legitimidade dos Requerentes para a presente ação, assim como da tempestividade do pedido, face ao teor do artigo 3º, n.º 6, do DL 272/2001 que reza “No prazo de 10 dias, contados da notificação da decisão, pode o requerente ou qualquer interessado que tenha apresentado oposição, requerer a reapreciação da pretensão através da propositura da correspondente ação no tribunal referido no n.º 1 do presente artigo”. Ademais entende-se que a decisão de tal questão não constitui qualquer decisão surpresa nem impõe o cumprimento prévio do disposto no artigo 3º, n.º 3 do CPC. Efetivamente,
De acordo com o nº 3 do artigo 3º do CPC, norma que consagra o princípio do contraditório “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”. Tem-se entendido que tal significa que o juiz antes de decidir com base em questão de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado deve convidar as partes a, sobre elas, se pronunciarem. No caso em apreço não se trata de decidir questão que as partes não tenham considerado, já que também os advogados conhecem o Direito e conseguem prever as possíveis qualificações jurídicas. Da legitimidade.
Em causa está um pedido de reapreciação de uma autorização judicial para venda de bens imóveis que em parte pertencem a dois menores, o qual é formulado através da propositura de uma nova ação de autorização judicial, a prevista no artigo 1014º do CPC.
Por sua vez, o pedido de autorização para a venda desses bens que correu termos no Ministério Público, cuja reapreciação se pretende, impôs-se porque em causa estão bens imóveis, cuja propriedade, pelo menos em parte, pertence a dois menores e apesar de o artigo 1904º do CC dispor que por morte de um dos progenitores, o exercício das responsabilidades parentais pertence ao sobrevivo», o artigo 1889º do CC, com o título «Atos cuja validade depende de autorização judicial» estabelece que «Como representantes do filho não podem os pais, sem autorização do tribunal: a) Alienar ou onerar bens, salvo tratando-se de alienação onerosa de coisas suscetíveis de perda ou deterioração».
Acresce que também o artigo 1881ª do CC, intitulado «Poder de representação», dispõe que «1. O poder de representação compreende o exercício de todos os direitos e o cumprimento de todas as obrigações do filho, excetuados os atos puramente pessoais, aqueles que o menor tem o direito de praticar pessoal e livremente e os atos respeitantes a bens cuja administração não pertença aos pais. 2. Se houver conflito de interesses cuja resolução dependa de autoridade pública, entre qualquer dos pais e o filho sujeito às responsabilidades parentais, ou entre os filhos, ainda que, neste caso, algum deles seja maior, são os menores representados por um ou mais curadores especiais nomeados pelo tribunal. Por sua vez o artigo 17.º do CPC, no seu n.º 4 atribui legitimidade ao Ministério Público e a qualquer parente sucessível, ou seja, a qualquer familiar que esteja em linha de sucessão dos menores. No caso presente o pedido de autorização judicial instaurado pela mãe dos menores para obter a autorização necessária para a venda dos bens dos seus filhos menores regeu-se pelo artigo 2º do DL 272/2001, com o título «Competências» que «São da competência exclusiva do Ministério Público as decisões relativas a pedidos de: (…) b) Autorização para a prática de atos pelo representante legal do menor ou do acompanhado, quando legalmente exigida; (…).» E ainda nos termos do artigo 3º intitulado «Procedimento perante o Ministério Público», do mesmo diploma legal que «O interessado apresenta o pedido ao agente do Ministério Público que exercer funções junto do: (…) c) Tribunal de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição da residência do representante nos restantes casos. 2 - Juntamente com o pedido são apresentados os fundamentos de facto e de direito, indicadas as provas e junta a prova documental. 3 - São citados para, no prazo de 15 dias, apresentar oposição, indicar as provas e juntar a prova documental: (…) b) Nas situações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior, o parente sucessível mais próximo do visado ou, havendo vários parentes no mesmo grau, o que for considerado mais idóneo. (…) 5 - O Ministério Público decide depois de produzidas as provas que admitir, de concluídas outras diligências necessárias e de ouvido o conselho de família, quando o seu parecer for obrigatório. 6 - No prazo de 10 dias contados da notificação da decisão, pode o requerente ou qualquer interessado que tenha apresentado oposição, requerer a reapreciação da pretensão através da propositura da correspondente ação no tribunal referido no n.º 1 do presente artigo.»
Nessa ação de autorização judicial, que ora está em causa e que corre os seus termos no Ministério Público, conforme decorre da certidão que antecede, é Requerente G…, são menores D…, nascido em 18.04.2003 e E…, nascido em 04.04.2011, ambos filhos da Requerente G… e de F…, o qual faleceu no dia 24.03.2018 e deixou como seus herdeiros o seu cônjuge sobrevivo, G… e os seus referidos filhos, D…, nascido em 18.04.2003 e E…, nascido em 04.04.2011.
No processo aludido foi designada parente sucessível a avó materna K…. A parente sucessível foi citada no dia 09.10.2019 e não apresentou qualquer oposição. B… e esposa C…, são os pais do falecido F… e nesse aludido processo de autorização solicitaram se procedesse à sua audição, enquanto avós paternos dos menores e nesse seguimento foi designado dia para prestarem declarações, as quais foram tomadas no dia 25.11.2019, tendo ambos referido que não concordam com a venda em causa.
Pela Magistrada do Ministério Público foi proferida decisão que deferiu a pretendida autorização formulada pela mãe dos menores, o que motivou a instauração da presente ação pelos Requerentes.
Acontece que, como é manifesto, observando o que decorre da ação de autorização judicial, em questão, qualquer um dos aqui Requerentes, B… e esposa C…, não foram citados nessa ação para apresentar oposição, indicar provas e juntar a prova documental, enquanto parente sucessível. O parente sucessível dos menores aí designado para os representar foi a avó materna K….
A intervenção dos Requerentes nesse processo consistiu apenas na sua audição pelo Ministério Público, após pedido formulado pelos mesmos, onde expressaram o seu entendimento, ou seja, no âmbito das diligências de prova que o magistrado do processo entendeu levar a cabo, tendo em vista a prolação de uma decisão conscienciosa.
Assim como também, nesses termos, foi ouvido o jovem D… e como poderiam ser ouvidos quaisquer outros familiares ou outras pessoas. Os Requerentes, repercute-se, não foram o parente sucessível escolhido nesse processo para serem citados e deduzirem oposição em nome dos menores, por isso não foram citados para deduzir oposição, como representante dos menores e também a não deduziram.
Decorre, pois, que os Requerentes não tiveram intervenção no processo que correu no Ministério Público como representantes dos menores. Saliente-se que a representante legal dos menores é a sua mãe e no âmbito do processo de autorização judicial os mesmos foram representados pela avó materna K…. Evidencie-se ainda que a nomeação do parente sucessível para representar os interesses dos menores tem a sua duração limitada ao tempo de duração do processo/conflito e nessa medida a resolução do conflito de interesses será causa objetiva de extinção do cargo.
Por outro lado, os Requerentes não podem ser considerados interessados no processo que correu os seus termos no Ministério Público.
Nesse pedido de autorização judicial são interessados a Requerente, os menores e o seu representante/parente sucessível.
De facto, a ação de autorização judicial para a venda de bens de menores apenas visa defender os interesses dos menores e não os interesses de quaisquer outros, ainda que esses outros sejam parentes sucessíveis dos menores.
A ação em causa não se destina a possibilitar ao parente sucessível citado ou mesmo a qualquer outro parente sucessível fazer valer um qualquer direito próprio, mas tão só defender os interesses dos menores, ajudando o magistrado decisor a formular um juízo sobre o proveito que resulta para os menores da prática do ato.
O interesse a ter em conta é o dos menores, no sentido de se apurar se lhes convém a autorização pretendida para a venda dos bens.
Em suma a autorização para a venda de bens dos menores visa defender interesses destes e não se destina a resolver um qualquer conflito de interesses entre os sucessíveis dos menores.
Desta feita, os Requerentes, que, repercute-se, não foram citados para o processo de autorização judicial (tendo sido ouvidos no âmbito das diligências que o magistrado do Ministério Público entendeu por bem fazer), também não poderiam intervir nesse processo de autorização judicial, espontaneamente, nos termos das regras previstas para os incidentes de intervenção de terceiros, dado que a admissão do interveniente principal apenas é admissível para fazer valer um direito próprio e, como é ostensivo e já se consignou, o único direito que o processo especial de autorização visa exercitar é o direito dos menores.
Isto para se concluir que os Requerentes também não podem ser considerados interessados na ação de autorização judicial. Consequentemente, atento o disposto no citado n.º 6 do artigo 3º, não podendo os Requerentes ser considerados interessados, nem tendo sido citados para deduzirem oposição nem a tendo apresentado nesse seguimento, não podem requerer a reapreciação da decisão aí proferida pelo M.P. por falta de legitimidade processual.
Estabelece, o artigo 30º, n.º 1 do Código de Processo Civil que “1 — O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer. 2 — O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. 3 — Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.»
Assim, de acordo com o referido preceito legal, in casu o interesse direto em demandar exprime-se pela vantagem jurídica que resultará para o Autor da procedência da ação e o interesse direto em contradizer exprime-se, por sua vez, pela desvantagem jurídica que resultará para o Réu da sua perda (neste sentido, Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil, Anotado, Coimbra Editora, Vol. I, p.51).
Com o pressuposto processual da legitimidade tem-se em vista que a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica.
Como se viu os Requerentes carecem de legitimidade para a presente ação. A ilegitimidade singular ativa constitui uma exceção dilatória insuprível e acarreta o indeferimento do presente requerimento.
Pelo exposto e atento o disposto nos preceitos legais citados indefere-se liminarmente o presente requerimento inicial.
Custas a cargo dos Requerentes.”

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, a questão a resolver consiste em saber se pode haver reapreciação da autorização para a venda dos imóveis proferida pelo Ministério Público.

B… e esposa C… vieram interpor recurso, concluindo:
I) O despacho recorrido, pronunciou-se oficiosamente sobre a ilegitimidade dos Recorrentes, concluindo pela ilegitimidade destes para instaurar a acção.
II) Sendo de jurisdição voluntária o processo que visa a autorização judicial para venda de bens de menor, o Tribunal, incluindo a Relação na decisão do respetivo recurso, não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo adoptar em cada caso a solução que julgar mais conveniente e oportuna.
III) O estudo de uma figura jurídica como a representação legal, reconhecida por diversos preceitos legais mas desprovida de uma base legal firme, obriga-nos a uma tarefa de interpretação conceptual. Para tanto, exercitaremos desde já uma aproximação à noção de representação.
IV) No ordenamento juscivilístico português, o conceito de representação infere-se do art.º 258.º do Código Civil, resultando da leitura da fórmula legal utilizada que a representação se traduz no fenómeno jurídico em virtude do qual uma pessoa pratica um ato jurídico em nome de outrem, produzindo-se na esfera jurídica deste os respetivos efeitos daquela atuação.
V) Os poderes de representação podem ser atribuídos, por acto voluntário, pelo representado ao representante (representação voluntária), podem resultar dos estatutos de uma pessoa coletiva (representação institucional ou orgânica) ou podem ter a sua origem na lei (representação legal). Neste particular, merece a nossa especial atenção a representação legal.
VI) Assim, a representação legal consiste no pôr em movimento a esfera jurídica do incapaz por outra pessoa, designada pela lei ou em conformidade com ela, agindo em nome, no interesse e em vez daquele.
VII) Dito de outra forma, traduz-se na substituição da atuação jurídica do incapaz, cuja capacidade de atuação a lei transfere integralmente para outra pessoa. Considerando o disposto, fica demonstrado que a representação legal é uma espécie do instituto geral da representação.
VII) Do carácter funcional das responsabilidades parentais resulta que o exercício dos direitos e deveres que as definem (responsabilidade de guarda, de educação, de representação, de administração de bens, de convívio e de relacionamento pessoal e de vigilância educativa) está vinculado ao interesse do filho (art.º 1878.º, n.º 1 do Código Civil), não podendo tais faculdades ser exercidas se e quando o seu titular quiser e como queira, mas antes do modo exigido pela função do direito.
VIII) A douta decisão recorrida interpretou o artigo 3.º, n.º 6 do Decreto Lei 272/01 restritivamente, considerando “qualquer interessado”, como sendo apenas: a Requerente, os menores e a avó materna, indicada pela Requerente como parente sucessível.
IX) Ora, a sentença recorrida violou por erro de interpretação e aplicação o artigo 3.º, n.º 6 do DL 272/01, pois se interessados fossem apenas aqueles que o Tribunal a quo considera, o legislador não referia “qualquer interessado que tenha apresentado oposição”, bem com os artºs 258 e 1878 nº 1 ambos do Código Civil.
X) Na interpretação da lei devem considerar-se os seguintes elementos: 1) O elemento gramatical ou literal; 2) Os elementos lógicos, que são: a) O sistemático, que tem em conta unidade do sistema jurídico; b) O histórico, constituído pelos precedentes normativos, trabalhos preparatórios e a occasio legis; c) O teleológico, que é a justificação social da lei.
XI) Os menores também são proprietários dos prédios e se nada for feito a tempo de os proteger contra a dissipação do seu património, podem sofrer de prejuízos irreversíveis, quando futuramente terão necessidades básicas que carecem de adequada satisfação, o que importa acautelar.
XII) Violou o disposto no artigo 3.º, n.º 6 do DL 272/01 cujos pressupostos não atendeu.
XIII) Desatendendo ao elemento sistemático e teleológico na interpretação do artigo 3.º, n.º 6 do DL 272/01, violou o disposto no art. 9.º, n.º 1, do Código Civil.
XIV) Como determina o artigo 9.º, n.º 1, do C. Civil, na interpretação da lei não deve o intérprete “cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
XV) E, de acordo com o n.º 3 do mesmo preceito, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
XVI) Os juízes – escreveu-se de forma douta no Ac. do S.T.J. de 29/10/96, B.M.J. n.º 460º, 663 – “decidem de uma forma ou de outra, assumida a sua responsabilidade na interpretação da lei e na, tanto quanto possível, justa resolução do caso concreto.
XVII) É a visão do direito judiciário, procurando a consonância da lei com a vida, até porque esta é a razão de ser daquela.
XVIII) Obviamente, os juízes não podem deixar de ser os garantes da observância da lei, ressalvado o respeito pela Constituição (artigos 206º e 207º da Constituição), mas também não podem limitar-se a conhecer e a dizer as palavras da lei, assim a modos como ensinava Montesquieu – impressionante, positivamente, a propósito da definição e repartição dos poderes de Estado, mas naturalmente desconhecedor do sentido judiciário e da diferença entre ler e dizer ou, por outro lado, interpretar e aplicar a lei aos casos concretos.
XIX) Como reflectia Cabral de Moncada, a ordem social é dinâmica e não estática; «saber cientificamente o direito não é só isso», ou seja, não é só «saber o que dizem as leis»; todo o direito é «pensamento ao serviço da vida» (Filosofia do Direito e do Estado, 2º, 42, 56 e 76). E é nesta linha de entendimento que surgem normas como as do tão simples como essencial artigo 9º do Código Civil, designadamente com a sua «nota vincadamente actualista», nas palavras autorizadas e impressivas dos Prof.s P. de Lima e A. Varela (C.C. Anotado, 1º, 4.ª ed., 58), o que vale dizer que a lei é passível de interpretação evolutiva que, quanto possível, a sintonize com a dinâmica social, científica e, especialmente, com a perspectiva concreta do justo (...)”.
XX) Presumindo o intérprete que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (citado artº 9º, nº 3), seria ir contra a letra e o espírito da lei restringir a legitimidade para a acção em análise à Requerente, aos menores e ao parente sucessível indicado pela Requerente.
XXI) Caso o legislador quisesse restringir, tal como defende o despacho recorrido, a legitimidade para a instauração das acções referidas aos intervenientes supra citados, excluindo os demais sucessíveis, não teria utilizado o adjectivo indefinido «qualquer», mas exprimir-se-ia certamente noutros termos.
XXII) Procedem, assim, as conclusões da alegação dos apelantes, pelo que a sentença recorrida não pode manter-se, tendo de ser substituído por outra que afirme a legitimidade dos apelantes para os termos da intentada acção e, por conseguinte, para o presente recurso, seguindo-se os demais termos.
Termos em que se requer que o presente recurso seja julgado procedente e, em consequência, seja a sentença recorrida revogada, decidindo-se pela legitimidade dos Recorrentes, pois decidindo assim, farão V. Exas. a habitual JUSTIÇA.

O MP apresentou contra-alegações, concluindo:
1. º - A douta decisão recorrida não merece censura, por não ter violado os preceitos legais invocados pelos recorrentes;
2.º - O artigo 3º, n.º 6, do DL 272/2001, de 13 de outubro, dispõe que “no prazo de 10 dias, contados da notificação da decisão, pode o requerente ou qualquer interessado que tenha apresentado oposição, requerer a reapreciação da pretensão através da propositura da correspondente ação no tribunal referido no n.º 1 do presente artigo”.
3.º- Na verdade, a reapreciação da decisão do Ministério Público, proferida em processo de autorização para a prática de atos em representação de incapaz, não é efetuada mediante recurso, mas sim através da proposição de nova ação no tribunal.
4º - Os recorrentes não foram requerentes no processo de autorização que correu os seus termos na Procuradoria da República do Juízo de Família e Menores de Paredes, da Comarca do Porto Este, nem foram aí citados nos termos e para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea b), do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro.
5º - A intervenção dos Recorrentes nesse processo traduziu-se apenas na sua inquirição, no âmbito das diligências de prova que a magistrada do Ministério Público titular do processo entendeu efetuar, tendo em vista a prolação de uma decisão conscienciosa, que viria a deferir a pretensão da aí requerente, mãe dos menores D… e E….
6.º-Assim como também poderiam ser ouvidos quaisquer outros familiares, ou outras pessoas com conhecimento da situação.
7.ºNenhum dos Recorrentes foi o parente sucessível escolhido nesse processo para ser citado e deduzir oposição à pretensão da aí requerente.
8.ºDesta sorte, os recorrentes não podem ser considerados interessados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 6, do Decreto- Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro.
9.º - De resto, a ação de autorização judicial para a venda de bens de menores apenas visa defender os interesses dos menores e não os interesses de quaisquer outras pessoas, ainda que estas sejam parentes sucessíveis dos menores.
10.º - Pelo que o recurso a que ora se responde não merece provimento.
V.ªs Exªs, porém, decidindo, farão como sempre JUSTIÇA

Também G… apresentou contra-alegações, concluindo:
I. A douta decisão recorrida não merece censura, por não ter violado os preceitos legais invocados pelos recorrentes;
II. O artigo 3º, n.º 6, do DL 272/2001, de 13 de outubro, dispõe que “no prazo de 10 dias, contados da notificação da decisão, pode o requerente ou qualquer interessado que tenha apresentado oposição, requerer a reapreciação da pretensão através da propositura da correspondente acção no tribunal referido no n.º 1 do presente artigo”.
III. Na verdade, a reapreciação da decisão do Ministério Público, proferida em processo de autorização para a prática de atos em representação de incapaz, não é efetuada mediante recurso, mas sim através da proposição de nova ação no tribunal.
IV. Os recorrentes não foram requerentes no processo de autorização que correu os seus termos na Procuradoria da República do Juízo de Família e Menores de Paredes, da Comarca do Porto Este, nem foram aí citados nos termos e para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea b), do Decreto- Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro.
V. A intervenção dos Recorrentes nesse processo traduziu-se apenas na sua inquirição, no âmbito das diligências de prova que o Ministério Público entendeu efetuar, tendo em vista a prolação de uma decisão justa e consciente, que viria a deferir a pretensão da aí requerente, mãe dos menores D… e E….
VI. Assim como também poderiam ser ouvidos quaisquer outros familiares, ou outras pessoas com conhecimento da situação.
VII. Nenhum dos Recorrentes foi o parente sucessível escolhido nesse processo para ser citado e deduzir oposição à pretensão da aí requerente.
VIII. Desta sorte, os recorrentes não podem ser considerados interessados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro
IX. De resto, a ação de autorização judicial para a venda de bens de menores apenas visa defender os interesses dos menores e não os interesses de quaisquer outras pessoas, ainda que estas sejam parentes sucessíveis dos menores.
X. Pelo que o recurso a que ora se responde não merece provimento.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exª doutamente suprirá, requer não seja dado provimento ao Recurso de Apelação e respectivas Alegações oferecidas, devendo ser mantido na íntegra a Douta Decisão proferida pela Meritíssima Juíza “a quo” a 25 de maio de 2020, com todas as respetivas consequências legais. SÓ ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!

II – Fundamentação de facto.
Para a decisão do recurso releva a factualidade que se extrai do relatório supra.

III – Fundamentação de direito
O Decreto-Lei 272/01, de 13 de Outubro, tal como expressamente se alerta no seu preâmbulo, veio proceder "à transferência da competência decisória em processos cujo principal rácio é a tutela dos interesses dos incapazes ou ausentes, do tribunal para o Ministério Público, estatutariamente vocacionado para a tutela deste tipo de interesses, sendo este o caso das acções de suprimento do consentimento dos representantes, de autorização para a prática de actos, bem como a confirmação de actos em caso de inexistência de autorização"
Estabeleceu, no seu artigo 2º, nº 1, diversos tipos de decisões que passaram para a esfera de acção exclusiva do Ministério Público: a) Suprimento do consentimento, sendo a causa de pedir a incapacidade ou a ausência da pessoa; b) Autorização para a prática de actos pelo representante legal do incapaz, quando legalmente exigida; c) Autorização para a alienação ou oneração de bens do ausente, quando tenha sido deferida a curadoria provisória ou definitiva; d) Confirmação de actos praticados pelo representante do incapaz sem a necessária autorização.
Mas arredou-se dessa esfera de acção determinadas situações, nomeadamente e para o que aqui interessa, as previstas na alínea b) do nº 2 do citado artigo 2º, ou seja, a autorização para a prática de actos pelo representante legal do menor quando esteja em causa autorização para outorgarem partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo necessário nomear curador especial, bem como nos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou de interdição.
No presente caso estamos perante um pedido de autorização por parte da mãe de dois menores, como representante legal deles, para alienar bens imóveis pertencentes à herança indivisa, aberta por óbito do pai dos mesmos e seu marido.
Bem atentando neste cenário, essa alienação terá de ser precedida de partilha com inventário obrigatório, sendo que esta representante legal concorre à sucessão com os seus representados.
Trata-se precisamente do mencionado caso previsto no nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei 272/01.
Portanto, o Ministério Público actuou em matéria para a qual a lei excluiu expressamente a sua intervenção. Praticou acto para o qual a lei não lhe conferiu atribuições, logo, com falta de jurisdição.
Ora, tal falta de jurisdição é um vício essencial do acto praticado em que se consubstanciou a autorização concedida, o qual não constitui uma nulidade mas antes inexistência jurídica do acto.
A decisão inexistente é insusceptível de produzir efeitos e, demonstrando-se, em qualquer altura, que existe um vício que corresponde à inexistência jurídica, tudo se passa como se nunca tivesse sido proferida.
Como explica Alberto dos Reis, em Cód. de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 114, sendo inexistente, não só não produz efeitos, tal como a decisão nula (quod nullum est nullum producit effectum), como apenas constitui um «estado de facto com a aparência de sentença».
Portanto, neste recurso demonstrou-se que a decisão do Ministério do Público de autorizar a venda do imóvel pela mãe dos menores é uma decisão inexistente pelo que, embora com fundamentação completamente distinta, o recurso não deixou de surtir o efeito desejado, ou seja, a eliminação de tal decisão.
Pelo exposto delibera-se julgar totalmente procedente o recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, afirmando-se inexistência da decisão do Ministério Público que autorizou a venda dos imóveis pela mãe dos menores.
Custas pela Recorrida em 1ª e 2ª instâncias.

Porto, 24 de Setembro de 2020
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues
Atesta-se que o presente acórdão tem voto de concordância do Exmº Desembargador Adjunto José Carvalho, nos termos do disposto no artigo 15º-A do DL 10-A/2020, de 13/3, na redacção introduzida pelo artigo 3º do DL 20/2020, de 1/5.