Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1/23.0T8ORQ.E2
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO AMBIENTAL
CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A falta de consciência da ilicitude, no caso dos autos, decorre de uma interpretação técnico-jurídica da “Licença Ambiental” concedida à arguida, interpretação essa que foi efetuada, do mesmo modo, quer por uma Sr.ª Engenheira trabalhadora da arguida, quer pela Sr.ª Inspetora da IGAMAOT, não tendo a atuação omissiva da arguida resultado de falta de cuidado ou de alheamento das disposições legais e regulamentares aplicáveis.
II - O erro sobre a ilicitude não é censurável à arguida porquanto essas pessoas, detentoras de conhecimentos específicos e especiais sobre a matéria contraordenacional em causa, esclareceram que, se os incidentes não ocorreram no âmbito da atividade produtiva da empresa, mas sim no âmbito da manutenção ou em equipamento de terceiro, não haveria lugar à obrigação de comunicação dos incidentes verificados.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


1. RELATÓRIO


A – Decisão Recorrida


No recurso de impugnação judicial nº 1/23.0T8ORQ, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo de Competência Genérica de Ourique, foi A condenada na coima de € 12.000,00 (doze mil euros), pela prática de uma contraordenação ambiental grave, p.p., pelo Artº 111 nº2 al. e) do D.L. 127/2013, de 30/08, sancionada a título de negligência, nos termos previstos no Artº 22 nº3 al. b) da Lei 50/2006 de 29/08, alterada e republicada pela Lei 114/2015 de 28/08, relativa ao incumprimento do estipulado na licença ambiental, porquanto não notificou a IGAMAOT dos incêndios que teve nas suas instalações a 16/06/2016 e 26/10/2016, no cumprimento do estabelecido no quadro 11, do capítulo 4 da licença Ambiental nº 63/01/2015 de Maio de 2015, no mais curto espaço possível, assim se confirmando a decisão administrativa proferida pela Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território.

Interposto recurso pela arguida de tal decisão, veio a ser proferido acórdão por esta Relação que declarou a nulidade da decisão recorrida, a qual deveria ser suprida pelo tribunal a quo, proferindo-se nova decisão, onde se suprisse as deficiências apontadas.

Baixando os autos à 1ª instância, veio a ser elaborada nova sentença onde se julgou improcedente o recurso de impugnação judicial deduzido pela arguida.

B – Recurso

Inconformada com o assim decidido, recorreu a arguida, concluindo as suas motivações da seguinte forma (transcrição):

Das nulidades da Sentença
Da falta de fundamentação da Sentença
A).1 – Da errada inclusão de juízos de valor e de direito na matéria de facto dada como provada e retificação de lapso material
I. Dos n.ºs 7, 8 e 10 dos factos provados da Sentença, constam verdadeiras conclusões jurídicas, as quais não têm qualquer cabimento no segmento da Sentença onde se inserem.
II. A inclusão de valorações jurídicas e subjetivas no elenco da matéria de facto provada constitui uma grave violação da lei processual penal, em particular no que respeita o dever de fundamentação previsto no n.º 2 do artigo 374.º do CPP.
III. Pelo que, do elenco dos factos provados, deverão expurgar-se as situações que não correspondem a factos, mas antes à subsunção jurídica dos factos, nomeadamente à sua apreciação e qualificação jurídica, devendo os números 7, 8 e 10 dos factos provados serem dados por não escritos.
IV. Do mesmo modo, deve do número 19 dos factos provados suprimir-se o juízo de valor aí constante.
V. Além disso, atendendo à prova produzida e à própria motivação da Sentença recorrida, onde se dá conta que a Eng.ª Vera Palma afirmou por diversas vezes que “nem sequer representou a possibilidade de ter de comunicar” o facto em questão à IGAMAOT, deverá reparar-se o lapso material de escrita e teor do número 19 passando o mesmo a ter a seguinte redação:
“19. A responsável pela área de ambiente da recorrente não enviou a comunicação à IGAMAOT, de imediato, porquanto nem sequer representou a possibilidade de que tal seria enquadrável no âmbito da Licença ambiental de que a recorrente era titular – nomeadamente do quadro 11, al. D do Capítulo 4.
VI. Assim, nos termos supra descritos, constata-se que a Sentença recorrida não dá cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 374.º do CPP, sendo por isso nula nos termos previstos na al. a) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP (aplicável, in casu, ex vi artigo 41.º, n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações), nulidade essa que se invoca para os devidos efeitos legais, devendo a decisão recorrida ser substituída por outra que julgue a matéria de facto nos termos supra descritos.
A). 2 – Da falta de exame crítico da prova e da sua errada apreciação
VII. Nos termos do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 al. a) do CPP, a Sentença recorrida deverá considerar-se nula por a fundamentação da decisão da matéria de facto não conter o exame crítico da prova.
VIII. Analisando a parte da decisão recorrida que se reporta à convicção probatória, constata-se, desde logo, que um dos elementos em que o Tribunal a quo formou a sua convicção foi nos documentos juntos aos autos.
IX. Porém, e apesar de identificar alguns deles, a Sentença recorrida não explica qual o critério que o Tribunal adotou para considerar que alguns documentos são suficientes para a prova de determinados factos, e outros não o são, nem qual a razão por que não tomou em consideração determinados documentos.
X. No caso do e-mail da IGAMAOT, alegadamente enviado à Almina, que foi objeto de oportuna e tempestiva impugnação pela Recorrente, não existindo nos autos qualquer evidência da receção do referido e-mail pela Almina, o Tribunal, ainda assim, deu tal facto como provado.
XI. Já no caso do encaminhamento dos resíduos para destino final adequado, e apesar de a IGAMAOT não ter colocado em causa, de modo algum, tal facto, a Sentença, de modo absolutamente incompreensível, considerou que as guias relativas ao encaminhamento dos resíduos do incêndio para destino final adequado, juntas aos autos pela A, não permitiram verificar a existência de um “nexo causal” entre esses documentos e o facto alegado.
XII. Não obstante tal facto, sublinhe-se, não ter sido colocado em causa pela IGAMAOT e constar do conteúdo da comunicação dos incidentes àquela entidade (junto aos autos com o requerimento da A de 13/12/2017), sendo que tais factos e documento são completamente ignorados pela Sentença Recorrida.
XIII. Ora, o facto de o email da IGAMAOT não ter sido recebido pela A reveste elevada importância para a sua defesa, desde logo porque, como sempre referiu, se tivesse tido conhecimento do referido e-mail, ter-lhe-ia dado pronta e cabal resposta, e, por outro lado, porque terá sido a ausência de resposta a esse e-mail que desencadeou o presente processo contraordenacional, como o reconhece a própria Sentença recorrida.
XIV. Efetivamente, e como afirmado no Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 12/07/2023, proferido no âmbito dos presentes autos, tal facto reveste “potencial relevância para a discussão da causa, seja na apreciação da sua responsabilidade, seja mesmo, se for caso disso, na determinação da coima a aplicar e eventual suspensão da mesma”. (cfr. Ac. TRE de 12/07/2023, pág. 24).
XV. Porém, o Tribunal a quo ignorou por completo o alegado pela A a este propósito, não podendo deixar de saber, contudo, que está em causa o envio de uma comunicação via email (e não uma carta registada com aviso de receção) e a prova de um facto negativo (não receção do e-mail).
XVI. Por outro lado, não consta da Sentença, nem dos autos, qualquer referência ou prova que a Arguida tenha efetivamente recebido o alegado e-mail da IGAMAOT, nem foi efetuada qualquer prova idónea, em julgamento, que permitisse dar como provado que a A recebeu o e-mail e que não respondeu, pelo que jamais se poderia ter dado como provado os factos constantes da parte inicial do n.º 18, devendo tal conteúdo ser eliminado e devidamente ponderado na decisão a proferir.
XVII. Da conjugação dos elementos constantes dos autos resulta que, caso a A tivesse tido conhecimento do e-mail da IGAMAOT de 22/06/2016, o procedimento contraordenacional que deu origem aos presentes autos nunca teria ocorrido, pois, à data do primeiro incêndio ocorrido a 16/06/2016, a A realizou o relatório de ocorrência constante do doc. 1 junto com a impugnação judicial, e, considerando que o e-mail da IGAMAOT terá sido enviado no dia 22/06/2016, caso o mesmo tivesse chegado ao conhecimento da A, esta de imediato teria fornecido também à IGAMAOT todas as informações que tinha disponíveis.
XVIII. E, por maioria de razão, aquando do incidente registado em 26/10/2016, se a A já tivesse conhecimento da necessidade de notificação da IGAMAOT, de imediato a teria efetuado.
XIX. De facto, como consta da motivação da Sentença (cfr. pág. 6), a A comunicou, através da sua responsável ambiental, os incidentes à Tutela (leia-se, à Direção Geral da Energia e Geologia), a qual é responsável pela emissão de Parecer no âmbito da atribuição da Licença Ambiental, pelo que, caso estivesse consciente que tal comunicação também deveria ser efetuada à IGAMAOT, naturalmente que o teria feito, não havendo qualquer razão, à luz da experiência comum, para que o não fizesse.
XX. Efetivamente, a não receção do email por parte da A constitui um facto com elevado relevo para a aferição da ilicitude e culpa da sua conduta, pelo que deveria o mesmo ter sido convenientemente analisado e incluído, mediante justificação, nos factos provados ou nos factos não provados. Porém, nada disto se verificou.
XXI. Ao não ter procedido à análise crítica de todas as provas, incluindo a devida fundamentação no que respeita à decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente não explicando os critérios para considerar determinados documentos e excluir outros, o Tribunal atuou com arbitrariedade, extravasando, de modo ilícito, os poderes que lhe são atribuídos pelo princípio da livre apreciação da prova.
XXII. Assim, a Sentença a quo padece de nulidade por falta de fundamentação da sua decisão, nos termos conjugados dos artigos 368.º, 374.º, n.º 2 e al. a) do n.º 1 do artigo 379.º, todos do CPP, o que se invoca expressamente para os devidos efeitos legais.
XXIII. Do mesmo modo, a Sentença recorrida deixa por explicar por que razão considerou não provado, sob a alínea a) dos factos não provados, “que os resíduos do incêndio tenham sido todos devidamente encaminhados para destino final adequado”; quando, conforme suprarreferido, a IGAMAOT, devidamente notificada desse facto, não o questionou de qualquer modo.
XXIV. Na verdade, mal andou a Sentença recorrida ao afirmar que as guias de acompanhamento de resíduos juntas aos autos (cfr. fls. 51, 52 e 53) não provam o encaminhamento adequado dos resíduos, e quando ignorou a comunicação dos incidentes à IGAMAOT, da qual consta expressamente o encaminhamento dos resíduos para destino final adequado.
XXV. De facto, a A encaminhou os resíduos dos incêndios para destino final adequado, como resulta do teor das guias juntas aos autos e da comunicação enviada à entidade fiscalizadora competente, a saber, a IGAMAOT, que, reitere-se, não colocou de modo algum em causa tal encaminhamento.
XXVI. A atividade da A, exploração mineira, não produz resíduos de ferro ou aço, muito menos nas quantidades referidas nas guias de acompanhamento constantes de fls. 51 a 53 (mais de 20 toneladas de resíduos), sendo as mesmas, naturalmente, posteriores ao incidente.
XXVII. Se o Tribunal a quo tivesse dúvidas sobre o facto de a A ter ou não encaminhado os resíduos para destino final adequado, ou sobre a veracidade dos documentos em causa, tinha todos os meios ao seu dispor para dissipar tais dúvidas.
XXVIII. Estando em causa um facto essencial à defesa da A (como o reconheceu o Ac. do TRE proferido nos presentes autos), e sendo um facto que demonstra as preocupações ambientais e o cumprimento das regras a que a sua atividade está adstrita, e tendo a A juntado aos autos os documentos comprovativos do encaminhamento adequado dos resíduos em causa, jamais poderia equacionar que o Tribunal viesse a considerá-los insuficientes para que esse encaminhamento se tivesse como provado.
XXIX. Pelo que, duvidando o Tribunal da prova documental junta, incumbia-lhe sanar tais dúvidas nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 124.º do CPP.
XXX. O mesmo se diga relativamente ao facto dado como não provado sob a al. c) dos factos não provados – “Que há longa data demonstra grandes preocupações ambientais.
XXXI. A Sentença a quo, apesar da prova documental junta pela A relativamente às quantias por si despendidas na área ambiental, e de saber que a mesma dispõe de técnicos ambientais exclusivamente dedicados à proteção do ambiente, ainda assim considerou que tal não era suficiente para demonstrar as preocupações ambientais da Recorrente.
XXXII. A Recorrente não se conforma com tal entendimento, na medida em que o mesmo representa uma opinião meramente subjetiva sem qualquer suporte em critérios objetivos e mensuráveis, ignorando a prova documental e testemunhal produzidas pela Recorrente.
XXXIII. Sendo de referir que a A nunca equacionou que atenta a prova produzida, nomeadamente os valores gastos em matérias ambientais, bem como o facto de ter dois Engenheiros e um técnico dedicados em exclusivo a área do ambiente no seu quadro de colaboradores, o Tribunal pudesse considerar não provada a sua correta postura ambiental, a qual sempre deverá militar a seu favor nos presentes autos.
XXXIV. Para além do referido no que respeita a parte inicial do vertido sob n.º 18 dos factos provados (que deve ser elimidado), cumpre ainda sublinhar que a parte restante desse facto não corresponde inteiramente à prova documental constante dos autos, na qual o Tribunal a quo afirma ter formado a sua convicção.
XXXV. De facto, compulsados os documentos juntos aos autos pela entidade administrativa, verifica-se que a IGAMAOT apenas terá solicitado esclarecimentos do primeiro incidente através do envio de UM único e-mail, datado de 22 de junho de 2016, alegadamente dirigido a geral@almina.pt, sendo certo que a empresa Arguida não recebeu o referido e-mail, como oportunamente impugnado na sua defesa.
XXXVI. Deste modo, parece-nos estar em causa um erro notório na apreciação da prova, consubstanciado na contradição entre os factos provados sob o n.º 17 e o vertido sob o n.º 18, bem como um erro na apreciação da prova decorrente da prova documental junta aos autos.
XXXVII. Pelo que, em face do exposto, deverá a Sentença recorrida ser considerada nula por falta de fundamentação, nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, devendo os factos constantes das alíneas a) e c) dos factos não provados passar a constar da lista de factos provados e corrigir-se nos termos referidos o vertido sob o n.º 18 dos factos provados.
XXXVIII. Sem prejuízo do referido, e tendo em consideração o supra alegado, no entendimento da Recorrente, a Sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova, no que respeita a valoração do e-mail da IGAMAOT de fls. 26, sendo por isso nula, nos termos do disposto na al. c), do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, ex vi, artigo 41.º, n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações. Além disso, tendo em conta a prova produzida, devem os factos constantes das alíneas a) e c) dos factos não provados passar a constar da lista de factos provados.
B) Da violação dos princípios fundamentais do processo penal
XXXIX. A Meritíssima Juíza a quo afirma que a falta de impugnação dos factos pela Recorrente foi um dos elementos que “permitiu estabelecer a factualidade dada como provada” (cfr. primeiroo parágrafo da Motivação da Decisão de Facto – pág 6 da Sentença).
LX. Contudo, no direito processual penal, cujas regras e princípios são aplicáveis ao direito contraordenacional, não existe norma cominatória de efeitos aplicável à ausência de impugnação ou defesa do arguido.
XLI. Em processo penal, do silêncio não pode resultar a prova de qualquer facto que seja prejudicial ao Arguido
XLII. Deste modo, a Sentença recorrida, ao afirmar que a falta de impugnação da empresa arguida permitiu estabelecer a factualidade dada como provada, violou frontalmente os princípios e garantias Constitucionais essenciais do processo penal, em particular o princípio in dubio pro reo, ínsito no n.º 2 do artigo 32.º da CRP.
XLIII. Pelo que, atenta a grave violação da Lei Fundamental, deverá a Sentença recorrida ser revogada.
II. Da errada aplicação do Direito
a)Da falta de consciência da ilicitude
XLIV. A Recorrente arguiu, quer em sede da defesa administrativa, quer em sede da impugnação judicial, a falta de consciência da ilicitude, uma vez que a Eng. V, que detinha a competência para acompanhar a implementação da LA e gerir as situações ambientais inerentes, desconhecia em absoluto que a ocorrência de um incêndio nas circunstâncias em que ocorreu – fora da atividade da A e, no segundo caso, num veículo de uma entidade terceira à empresa – implicariam o envio de uma comunicação desses factos à IGAMAOT; sendo certo que tal facto é reconhecido pela Sentença recorrida, conforme resulta da sua motivação.
XLV. Além disso, é ainda afirmando na Sentença recorrida que a Inspetora da IGAMAOT, Dra. B, detentora de conhecimentos específicos e especiais sobre a matéria, esclareceu que, se os incidentes não ocorreram no âmbito da atividade produtiva da empresa, mas sim no âmbito da manutenção ou em equipamento de terceiro, não haveria lugar à obrigação de comunicação de tais incidentes.
XLVI. Pelo que não se compreende, de modo algum, que a Sentença recorrida tenha considerado que o erro invocado pela Recorrente seja censurável.
XLVII. Efetivamente, resulta evidente dos autos que a falta de consciência da ilicitude decorre de uma interpretação técnico-jurídica da Licença Ambiental, interpretação essa que foi efetuada do mesmo modo quer pela Eng. V, trabalhadora da A, quer pela Sra. Inspetora Dra. B da IGAMAOT, não resultando de uma falta de cuidado ou alheamento das disposições legais e regulamentares aplicáveis.
XLVIII. Sendo certo que a A, conforme reconhecido na Sentença recorrida, comunicou os incidentes à Direção Geral da Energia e Geologia (Tutela), não se vislumbra qualquer razão que pudesse levar a crer que a A não teria também enviado de imediato as comunicações à IGAMAOT caso tivesse interpretado a LA no sentido de que tal comunicação lhe era exigida.
XLIX. Reitera-se que, do referido incidente decorreram, essencialmente, resíduos de ferro e aço e danos materiais, conforme resulta do relatório de ocorrência elaborado pela A, os quais foram todos devidamente encaminhados para destino final adequado, conforme guias de acompanhamento de resíduos que se juntaram.
L. Os incidentes em causa apenas causaram prejuízo à A, não tendo a mesma obtido qualquer benefício económico com os mesmos nem, note-se, com o facto de não ter enviado as comunicações de imediato à IGAMAOT!
LI. Reitera-se, uma vez mais, que a A não recebeu qualquer email da IGAMAOT a solicitar qualquer informação sobre a ocorrência; sendo certo que se o tivesse recebido, prontamente responderia com todas as informações que fossem solicitadas, pois conforme suprarreferido foi elaborado um relatório da ocorrência dirigido à Tutela.
LII. Quando a A tomou conhecimento do entendimento da IGAMAOT sobre a alegada obrigação, através da notificação da contraordenação e independentemente da leitura do estabelecido no aludido Quadro 11, mandou proceder, de imediato, à elaboração de uma comunicação com os elementos constantes do Quadro 12 do Capítulo 4 da LA, a qual foi enviada à IGAMAOT e às outras entidades competentes.
LIII. Assim, como facilmente se constata, todas as circunstâncias anteriores, contemporâneas e posteriores aos incidentes demonstram claramente a falta de censurabilidade do erro da Recorrente, atenta a sua boa-fé e pronta resposta, quer aos incidentes, quer à elaboração das comunicações.
LIV. É, pois, patente que o erro sobre a proibição (in casu, obrigação de comunicação) da A não reveste qualquer censurabilidade.
LV. Não obstante, e inexplicavelmente, a Sentença recorrida, contrariando a prova produzida, em claro erro de interpretação dos factos e à revelia do entendimento do Ac. do TRE quanto a esta matéria, considerou existir censurabilidade no erro da Recorrente.
LVI. Na verdade, e apesar de na motivação da Sentença recorrida constar que a Eng. V por diversas vezes afirmou que nunca equacionou que os incidentes em causa estariam abrangidos pela obrigação de comunicação constante da LA, a Sentença afirma de forma absolutamente contraditória e infundada que a não comunicação à IGAMAOT resultou de uma decisão censurável e deliberada da Recorrente!!
LVII. Inconformada, a A esclarece, uma vez mais, e em suma, o seguinte: a não comunicação dos incidentes à IGAMAOT não decorreu de qualquer deliberação de incumprir a LA ou a lei, como o Tribunal a quo incompreensivelmente parece fazer crer; decorreu, outrossim, da interpretação que a técnica da A efetuou da LA e da lei, entendendo que os incidentes em questão não estavam abrangidos pela LA, interpretação essa que, reitera-se, é idêntica à da Sra. Inspetora da IGAMAOT, Dra. B.
LVIII. Acresce que, a A conta no seu quadro com dois Engenheiros e um técnico, dedicados exclusivamente à área do ambiente, pelo que, jamais se pode afirmar que não fez tudo o que estava ao seu alcance para cumprir as suas obrigações legais na área do ambiente.
LIX. Pelo que, deverá a Sentença recorrida ser revogada, requerendo-se a este Tribunal que, tendo em consideração todos os factos alegados, a substitua por outra que reconheça que os incidentes em causa não estão abrangidos pela LA, absolvendo a A da contraordenação que lhe é imputada, com todas as consequências legais.
LX. Por outro lado, atenta a reduzida gravidade da situação, a ausência de censurabilidade da atuação da empresa, o cumprimento da invocada obrigação em causa, e o facto de que a aplicação de uma qualquer coima seria manifestamente violador do princípio da proporcionalidade, atento o cumprimento da norma alegadamente violada, através da comunicação dos incidentes, não se verificando in casu qualquer necessidade de aplicação de uma sanção, forçoso será concluir que no caso sub judice apenas se fará inteira justiça absolvendo a empresa da contraordenação por que vem condenada.
LXI. Caso assim não se entenda, o que apenas se equaciona por cautela de patrocínio, deverá ainda a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, reconhecendo que a A agiu sem consciência da ilicitude do facto, por erro que não lhe é censurável, a absolva da contraordenação por que vem condenada.
SEM PRESCINDIR,
b) Da atenuação especial da coima e suspensão da sua execução nos termos da LQCA
LXII. Sem prescindir do supra requerido, e por cautela de patrocínio, caso o Tribunal considere que o erro da A sobre a falta de ilicitude do facto é censurável, o que não se concede, sempre deverá o Tribunal atenuar especialmente a coima, nos termos da parte final do disposto no n.º 2 do artigo 12.º, bem como nos termos dos artigos 23.º-A e 23.º-B, todos da LQCA e, ainda, suspender a sua execução de acordo com o artigo 20.º-A da LQCA.
LXIII. A este propósito o Tribunal a quo afirma que não existe erro sobre a ilicitude e, ao mesmo tempo, afirma também que existiu um erro censurável!!; considerando ainda que não existiu “arrependimento” nem atitude proativa por parte da A, decidindo, assim, não atenuar especialmente a coima aplicada, interpretando de forma errada e absolutamente incompreensível, quer os factos, quer o direito.
LXIV. Decisão inaceitável, pois como se deu conta, a A procedeu ao envio das comunicações à Tutela imediatamente a seguir à verificação dos incidentes, facto que não deveria ter sido ignorado pelo Tribunal a quo;
LXV. Sendo certo que o envio das comunicações à IGAMAOT após a notificação do processo contraordenacional, apenas ocorreu nesse momento em virtude de, só aí, a A ter tido conhecimento de que, no entendimento da IGAMAOT, a LA obrigaria a tais comunicações.
LXVI. No mais, reitera-se tudo quanto foi dito e requerido relativamente ao facto de a A ter procedido, efetivamente, ao encaminhamento adequado dos resíduos.
LXVII. Refira-se ainda que a Recorrente dispõe de uma Engenheira Ambiental Responsável pela área do ambiente que “nunca pensou nem nunca realizou” que os incêndios ocorridos deveriam ser comunicados à IGAMAOT no âmbito da Licença Ambiental;
LXVIII. E, ainda, o facto de a Sra. Inspetora da IGAMAOT, Dra. Ana Monteiro, ter esclarecido que, se os incidentes se deram “fora da matéria de produção eventualmente não teriam de ter feito qualquer comunicação”, tendo sido dado como provado que o incidente de 16/06/2016 ocorreu na manutenção e não na produção (cfr. n.º 11 dos factos provados), e que o incidente de 26/11/2016 ocorreu num veículo pertencente a um empreiteiro (cfr. n.ºs 15 e 16 dos factos provados).
LXIX. Sendo de realçar que, da comunicação dos incidentes à IGAMAOT, efetuada por carta registada de 12/12/2017, da qual consta, nomeadamente, o encaminhamento dos resíduos para destino final adequado, a A não recebeu qualquer resposta, advertência ou indicação para a implementação de qualquer outro procedimento, tendo decorrido mais de sete anos sobre a alegada prática da contraordenação.
LXX. Saliente-se, ainda, que o incidente do dia 16/06/2016 teve a duração de cerca de uma hora, como consta dos factos provados (cfr. n.º 13 dos factos provados), e o incidente do dia 26/10/2016 tratou-se de uma ocorrência ocasional com o equipamento de um terceiro (empreiteiro), não estando em causa, por isso, acidentes de grande relevo, não se afigurando estarmos perante uma necessidade de especial, constituindo a atenuação especial uma válvula de segurança aplicável a situações como a aqui em causa.
LXXI. Cumpre, ainda, salientar que, dos factos em questão, a empresa arguida não retirou qualquer benefício económico (cfr. facto provado n.º 20), sendo certo que, atento o já demonstrado, se a A soubesse que tinha obrigação de comunicação do incidente à IGAMAOT, prontamente o teria feito, conforme atesta o seu procedimento, assim que tomou conhecimento da invocada potencial obrigação.
LXXII. Sendo ainda certo que, da falta de comunicação dos incidentes à IGAMAOT, não decorreu absolutamente nenhum prejuízo para o ambiente.
LXXIII. Pelo que, mal andou a Sentença recorrida ao decidir pela não atenuação especial da coima, pois, tendo em consideração o erro sobre a ilicitude do facto, não censurável e atentas as circunstâncias anteriores, contemporâneas e posteriores aos factos, sempre deveria ter procedido à atenuação especial da punição, reduzindo para metade a coima aplicada.
LXXIV. Deste modo, entende a Recorrente que a Sentença recorrida fez uma errada aplicação das normas suprarreferidas, sendo que as circunstâncias dos incidentes e o comportamento da Recorrente constituem fundamentos que justificam integralmente a atenuação especial da coima, o que desde já se requer.
Ainda sem prescindir,
LXXV. Para além desta atenuação especial da coima, a Recorrente solicitou também a sua suspensão nos termos do disposto no artigo 20.º-A da e de acordo com a jurisprudência que tem sido proferida a esse propósito, tendo o Tribunal a quo indeferido esta pretensão com base no facto de não existir qualquer sanção acessória.
LXXVI. Atentas as circunstâncias que rodeiam o presente caso, bem como a jurisprudência citada, justifica-se que, caso seja aplicada alguma sanção pecuniária à ora Recorrente, a mesma seja suspensa na sua execução, porquanto se mostra suficiente e adequada para satisfazer as necessidades legais de prevenção geral e especial pois, não obstante a Recorrente não ter comunicado os incidentes dentro do prazo das 24 horas, tais comunicações vieram a ser remetidas mais tarde, assim que a A tomou conhecimento do entendimento da IGAMAOT sobre essa situação, sendo certo que tais factos não colocaram em risco qualquer procedimento a nível preventivo subjacente às normas de tutela do meio ambiente, nem criaram quaisquer outros riscos (muito menos significativos ou perigosos) para os seres humanos, pois a Tutela, que é a entidade competente para Parecer sobre a concessão de Licença Ambiental foi devidamente notificada, sendo de realçar que à A foi atribuído, posteriormente a estes factos, o Título Único Ambiental constante dos factos provados (título que substitui a antiga Licença Ambiental).
LXXVII. Assim, em face do exposto, e sem prejuízo do supra requerido, caso venha a decidir-se pela aplicação à A de uma qualquer coima, deverá a mesma ser suspensa na sua execução, com as demais consequências legais.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO,
A) Deverão V. Exc.ªs considerar a Sentença recorrida nula por falta de fundamentação, nos termos do n.º 2 do artigo 374.º, do artigo 379.º n.º 1 alínea a), do artigo 374.º e do artigo 122.º n.º 1, todos do CPP, aplicáveis, in casu, ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO;
B) Deverão V. Exc.ªs considerar a Sentença recorrida nula por erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto na al. c), do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, ex vi, artigo 41.º, n.º 1 do RGCO;
C) Deverão V. Exc.ªs revogar a Sentença recorrida por violação dos princípios e garantias Constitucionais essenciais do processo penal, em particular o princípio in dubio pro reo, ínsito no n.º 2 do artigo 32.º da CRP, e da estrutura acusatória, referida no n.º 5 do artigo 32.º, também da CRP;
D) Requer-se a V. Exc.ªs a absolvição da Recorrente, reconhecendo a falta de preenchimento do tipo objetivo de ilícito em causa, revogando a decisão proferida pelo Tribunal a quo, com as demais consequências legais;
E) Requer-se a V. Exc.ªs a absolvição da Recorrente, reconhecendo a falta de consciência da ilicitude por erro não censurável, revogando a decisão proferida pelo Tribunal a quo, com as demais consequências legais;
Sem prescindir ainda, e por último, em caso de condenação da Recorrente,
F) Caso se considere que o erro é censurável, o que apenas se admite como hipótese académica, requer-se a V. Exc.ªs, a especial atenuação da pena, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da LQCA, revogando a decisão proferida pelo Tribunal a quo, com as demais consequências legais; ou
G) Deverão V. Exc.ªs revogar a Sentença recorrida, substituindo-a por outra decisão que proceda à atenuação especial da pena; nos termos do disposto nos artigos 23.º-A e 23.º-B, ambos da LQCA;
E, em qualquer uma das situações de condenação,
H) Deverão V. Exc.ªs revogar a Sentença recorrida, substituindo-a por outra decisão que proceda à suspensão da sua execução nos termos do artigo 20.º-A da LQCA.

C – Resposta ao Recurso

O M. P, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, não tendo apresentado conclusões.

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que apenas emitiu o seu visto
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.


2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que a recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, impostas pelos Artsº 410 e 379 do CPP.
Por outro lado, em sede contravencional, os tribunais de recurso apenas conhecem de direito, nos termos do Artº 75 nº3 do D.L. 433/82 de 27/10.
O objecto do recurso cinge-se, assim, às conclusões da recorrente, nas quais solicita a apreciação das seguintes questões:

1) Nulidades da sentença e vícios do Artº 410 nº2 do CPP
2) Falta de consciência da ilictude
3) Alteração da coima e suspensão da mesma

B – Apreciação

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra fixado, em termos factuais, pela instância recorrida, bem como, a motivação factual.
Ali, foi dado como provado e não provado, o seguinte (transcrição):

II. Fundamentação de Facto
A.Factos Provados: Com interesse para a decisão a proferir, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 16 de Junho de 2016 nas instalações da empresa A, deflagrou um incêndio, tendo a IGAMAOT tomado conhecimento do mesmo apenas por noticia publicada no jornal correio da Manhã de 17/06/2016.
2. Por notícia publicada no “jornal de notícias” de 27/10/2016, tomou a IGAMAOT conhecimento de novo incêndio nas instalações da A.
3. Estas Instalações estão abrangidas pelo regime PCIP e tinha à data, licença Ambiental nº 63/0.1/2015, emitida em Maio de 2015 e válida até 20 de Maio de 2025.
4. No quadro 11 do capítulo 4. – Prevenção e controlo de acidentes/gestão de situações de emergência da referida licença, são identificadas as situações para as quais o operador deve declarar uma situação de (potencial) emergência e notificar a IGAMAOT desse facto, por fax, tão rapidamente quanto possível e no máximo de 24 horas após a ocorrência.
5. Do referido quadro 11, do capitulo 4, consta o seguinte ponto D. “Qualquer outra libertação não programada para a atmosfera, àgua, solo, ou colector de terceiros, por outas causas, nomeadamente falha humana e/ou causas externa à instalação (de origem natural ou humana)”
6. A arguida não notificou a IGAMAOT dos factos ocorridos em 16/06/2016 e 26/10/2016 nas 24h seguintes aos mesmos ou no mais curto espaço de tempo possível.
7. Ao actuar da forma descrita em 6. Tal configura o incumprimento da condição imposta pelo quadro 11 do capitulo 4, ponto D., da licença ambiental nº 63/01/2015.
8. A recorrente, através dos seus representantes, aí actuar da forma como actuou, incumpriu as normas a que estava adstrita pela Licença ambiental e pela Lei, em sabendo que as mesmas lhe estavam cometidas, atento o facto de consubstanciarem normas que regem a sua actividade.
9. A actividade da recorrente é regulada por Lei, pelo que tinha obrigação de conhecer e cumprir com o prescrito na lei (DL 127/2013 de 30/08) e na Licença ambiental que lhe está atribuída, para o exercício de tal actividade.
10. A recorrente incumpriu com obrigações que lhe advinham da lei e da licença ambiental, não actuando com a diligência necessária e de que era capaz, não resultando dos autos quaisquer factos que retirem a censurabilidade aos factos ou ilicitude às suas condutas.
Mais se provou que
11. O incêndio de 16/06/2016 ocorreu em fase de manutenção do edifício.
12. Que se desenvolveu maioritariamente em queima de ferro e borracha.
13. Que ardeu por cerca de 1h.
14. Que apenas determinou danos materiais ao nível dos crivos de britagem de superfície.
15. Que o incêndio de 26/10/2016 ocorreu num veículo que fazia transporte no interior das instalações da recorrente – Mina de Feitais.
16. Que o incêndio de 26/10/2016 ocorreu em equipamento de empreiteiro.
17. A recorrente não informou a IGAMAOT destes incidentes, em momento prévio à instauração do processo contra-ordenacional.
18. Pese tenha sido solicitado, pelo IGAMAOT, esclarecimentos sobre os mesmos, em momento após os factos, tendo as respostas sido formuladas muito tempo depois dos factos ocorridos.
19. A responsável pela área de ambiente da recorrente não cumpriu com a comunicação ao IGAMAOT por entender que tal seria enquadrável no âmbito da Licença ambiental de que a recorrente era titular – nomeadamente do quadro 11, al. D do Capitulo 4.
20. Não existiu beneficio económico para a recorrente da não comunicação ou decorrente dos incidentes.
21. A recorrente conta, no seu quadro, com, pelo menos, uma engenheira ambiental.
22. No ano de 2015 a recorrente despendeu com o ambiente €247.209,00
23. No ano de 2016 a recorrente despendeu com ambiente a quantia de € 300.389,00
24. No ano de 2017, até Outubro, tinha despendido cerca de € 236.000,00
25. A recorrente apresentou, em 2017, um lucro tributável de €9.049.762.51
26. A recorrente é actualmente detentora de Título Único Ambiental com o nº 20210306000086, emitido em 31/03/2021.
*
B. Factos não provados
Não resultaram provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:
a) Que os resíduos do incêndio tenham sido todos devidamente encaminhados para destino final adequado.
b) Que a A é uma empresa de média de dimensão empregando 343 trabalhadores
c) Que há longa data demonstra grandes preocupações ambientais.

Aferindo agora da bondade do peticionado pela recorrente:

B.1. Nulidades da sentença e vícios do Artº 410 nº2 do CPP

Invoca a recorrente a nulidade da sentença, nos termos combinados dos Artsº 410 nº2 al. c), 374 nº2 e 379 nº1 als. a) e c), todos do CPP, ex vi, Artº 41 nº1 do Regime Geral das Contraordenações ( RGCO), por falta de fundamentação, ausência de exame crítico da prova, erro notório na sua apreciação errada inclusão de juízos de valor e de direito na matéria de facto dada como provada e violação dos princípios fundamentais do processo penal, em particular o princípio in dubio pro reo, ínsito no nº2 do Artº 32 da CRP.
Atente-se, antes de mais, na motivação factual constante da decisão sindicada (transcrição):

C. Motivação da Decisão de Facto:
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise conjugada dos documentos juntos aos autos, tanto pela entidade administrativa, como pela recorrente, elementos que se revelaram fundamentais para a configuração da matéria dada como provada.
Mais resultou demonstrada a factualidade elencada na decisão administrativa, porquanto, como resultou da oposição apresentada, a ora recorrente não coloca em causa que não comunicou os factos, coloca em causa apenas se deveria ou não ter comunicado, e mesmo assim apenas faz referência aos factos ocorridos a 16/06/2016, sem qualquer referência aos factos ocorridos a 26/10/2016.
Efectivamente é a própria recorrente que refere que apenas terá informado a IGAMAOT dos incidentes ocorridos, após a comunicação da contra ordenação.
Da impugnação apresentada pela própria recorrente, da prova realizada em julgamento e da decisão administrativa, dúvidas não restaram ao tribunal quanto à matéria vertida na factualidade dada como provada, motivo pela qual a consubstanciou de tal forma.
Como bem resulta do disposto do n.º 3 do artigo 59.º do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, o recurso da decisão de aplicação de coimas deve constar de alegações e conclusões, sendo que, conforme jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, sem prejuízo da apreciação de todas as matérias que sejam de conhecimento oficioso.
Para além da falta de impugnação que permitiu estabelecer a factualidade dada como provada, foi ainda tido em conta para a convicção do Tribunal, a licença ambiental e mais concretamente o quadro 11 do capitulo 4 da referida licença.
No campo D desse quadro resulta o que consta elencado no facto 5. - “Qualquer outra libertação não programada para a atmosfera, àgua, solo, ou colector de terceiros, por outas causas, nomeadamente falha humana e/ou causas externa à instalação (de origem natural ou humana)”.
Ouvidos em julgamentos Engª V, técnica Ambiental da recorrente esclareceu o tipo de incidente ocorrido, que se trataram de incêndios e que foram ocorrências que não se associam à produção da recorrente, e que o 1º teria ocorrido em contexto de manutenção, e o segundo, teria sido nas instalações da recorrente, mas num equipamento de um empreiteiro, que não teria sequer se apercebido.
Mais esclareceu que comunicou os incêndios, à tutela, mas não ao IGAMAOT, pois nunca pensou nem nunca realizou que tais elementos recaíssem sobre qualquer obrigação decorrente da licença ambiental, apesar de admitir que efectivamente foi emitido um resíduo, que não foi monitorizado, porque não têm forma de o fazer e que foi uma decisão sua, própria, de não comunicar, por entender que não teria de o fazer.
Assim corroborou também G que é Eng. Mecânico, responsável de manutenção e que esclareceu que o incêndio de 16/06 ocorreu em contexto de manutenção no edifício de crivo primário – há superfície –tendo ocorrido na zona de britagem, tendo sido queimada borracha, pois os crivos são forrados de borrachas. E também ferro.
Referiu que não existiu qualquer beneficio económico decorrente deste incidente, bem pelo contrário, até houve prejuízo, que levou à paragem durante algum tempo, desconhecendo se foi comunicado as emissões, e a quem e se deveria ou não sê-lo.
Foi também ouvida em Tribunal, a, à data, Sr. inspectora da IGAMAOT Dra. B, que esclareceu que tomou conhecimento das ocorrências pela comunicação social e que entrou em contacto, via email com as recorrente, para pedir os devidos esclarecimentos à recorrente, e que a mesma não os deu nem respondeu, e que, por isso se terá avançado com o procedimento que originou os presentes autos, tendo dito em julgamento que, se os acontecimentos de deram origem ao procedimento, ocorreram fora da matéria de produção eventualmente não teriam de ter feito qualquer comunicação, mas esclarecendo que nunca teve acesso a qualquer esclarecimento por parte da recorrente, informou que por isso não poderia dizer a título ocorreram.
Estas testemunhas ajudaram esclarecer o tribunal sob a natureza dos acontecimentos, sendo que a matéria factual decorreu maioritariamente dos documentos juntos aos autos, nomeadamente da licença ambiental, e dos elementos decorrente das informações prestadas pela recorrente, quanto aos incidentes pelas informações dos jornais (fls 27 e 28) , a decisão administrativa e ainda a declaração de irc junta com a sua defesa pela recorrente.
Da conjugação dos depoimentos prestados, foi possível ao tribunal estabelecer a factualidade provada quanto à verificação da factualidade decorrente da decisão administrativa, pois, que a Eng. V referiu por diversas vezes que foi exclusivamente por seu entendimento que não terá efectuado a comunicação ao IGAMAOT, não tendo a mesma sequer representado a possibilidade de ter de comunicar, sem sequer ponderar tal possibilidade, como a mesma referiu em tribunal, levando e fixando a convicção do tribunal de que a recorrente, por intermédio da sua responsável ambiental actuou da forma descrita na decisão administrativa.
O tribunal estabeleceu ainda a factualidade identificada em 22 a 26 dos factos provados, de acordo com os documentos juntos pela recorrente no âmbito da sua defesa.
Mais, na formação da sua convicção atendeu, ainda, aos documentos juntos aos autos com a decisão administrativa, que são a informação nº I/02758/PEM/16 da IGAMAOT, os email dirigido à recorrente datado de 22/06/2016 (fls 26) e ainda as informações de situações de emergência constantes de fls 56 e 57.
Já quanto à factualidade não provada, a mesma resultou da completa falta de prova em julgamento dos elementos relativos a tal factualidade.
Efectivamente, resulta da impugnação e da defesa apresentada, que os resíduos decorrentes dos incêndios, terão sido encaminhados para destino final adequado.
No entanto, e pese embora os documentos juntos, que refiram o encaminhamento de Aço, por meio de guia de acompanhamento de resíduos, a verdade é que nenhum nexo causal existe entre os documentos juntos a fls 51, 52 e 53 que permitissem ao tribunal estabelecer que tais resíduos tiveram origem em tais acontecimentos, tanto mais que as guias apresentam como datas 03/08/2016, 12/09/2016 e 14/09/2016, sendo que o incêndio em causa terá ocorrido a 16/06/2016, tudo conjugado com o facto de nenhuma testemunha ter referido tal encaminhamento nem o fim dado aos resíduos decorrentes em sede de julgamento, outra solução não poderia resultar que não fosse dar como não provado os factos atinentes a tais documentos.
Mais, quanto à dimensão da empresa, nenhuma prova se fez, nem por meio documental nem em julgamento, o mesmo se diga quanto às grandes preocupações ambientais, pois que, pese embora se tenha demonstrado, por meio documental o valor gasto em questões ambientais, a verdade é que tal, só por si não é demonstrativo que a mesma apresente e demonstre preocupações ambientais de relevo, sendo que, a própria actividade desenvolvida pela recorrente é já de si, um risco ambiental, que obriga, por isso mesmo a que os valore de protecção sejam elevados, e que por tal, não se demonstrando que preocupações ambientais a recorrente apresenta, não poderá o tribunal dar tais elementos como provados.

Como se sabe, a decisão proferida em processo penal integra três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo.
A fundamentação abrange a enumeração dos factos provados e não provados relevantes para a decisão e que o tribunal podia e devia investigar, expõe os motivos de facto e de direito que a fundamentam e indica, procedendo ao seu exame crítico e explanando o processo de formação da sua convicção, as provas que serviram para basear a decisão do tribunal.
Ensina Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 294:
«A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias. Permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina. (…) No actual sistema processual português, os tribunais de recurso não podem substituir-se ao tribunal de julgamento em 1ª instância na apreciação directa da prova, mas pode e deve apreciar, nos termos do artº 410º, nº 2, se o tribunal de 1ª instância fez correcta aplicação dos princípios jurídicos em matéria de prova; deve poder julgar em recurso se houve ou não erro notório na apreciação da prova ou contradição insanável na fundamentação. Para tanto, necessário se torna que a sentença indique a motivação dos juízos em matéria de facto, para que o tribunal de recurso possa apreciar da legalidade da decisão».

Também Marques Ferreira, “Meios de Prova” (in Jornadas de Direito Processual Penal, 228 e segs), diz que “exige-se (…) a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão. Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso (…). E extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade”,

Sobre o significado do termo ''exame crítico das provas'' pode ler-se no Acórdão do STJ, de 21/03/07, disponível em www.dgsi.pt: ''a fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do seu exame crítico, destina-se a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.
A integração das noções de “exame crítico” e de “fundamentação” facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.''
Vigorando na nossa lei adjectiva penal um sistema de persuasão racional e não de íntimo convencimento, instituiu o legislador mecanismos de motivação e controle da fundamentação da decisão de facto, dando corpo ao princípio da publicidade, em termos tais que o processo - e, portanto, a actividade probatória e demonstrativa -, deva ser conduzido de modo a permitir que qualquer pessoa siga o juízo, e, presumivelmente, se convença como o julgador.
A obrigação de fundamentação respeita à possibilidade de controlo da decisão, de forma a impedir a avaliação probatória caprichosa ou arbitrária e deve ser conjugada com o sistema de livre apreciação da prova.
É, pois, na fundamentação da sentença, sua explicitação e exame crítico que se poderá avaliar a consistência, objectividade, rigor e legitimidade do processo lógico e subjectivo da formação da convicção do julgador.
A razão de ser da exigência de fundamentação em geral está ligada ao próprio conceito do Estado de direito democrático, sendo um instrumento de legitimação da decisão que serve a garantia do direito ao recurso e a possibilidade de conhecimento mais autêntico pelo tribunal de recurso.
Deste modo, a fundamentação da decisão deve obedecer a uma lógica de convencimento que permita a sua compreensão pelos destinatários, mas também ao tribunal de recurso.
Sublinhe-se que a necessidade de motivar as decisões judiciais é uma das exigências do processo equitativo, um dos Direitos do Homem, consagrados no Artº 6 nº1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na medida em que a motivação é um elemento de transparência da justiça inerente a qualquer acto processual.
Na sequência disso, é entendimento da jurisprudência de que o dever de fundamentação se não basta com a mera indicação dos meios de prova, não dispensando uma explicitação do processo de formação da convicção do tribunal de 1ª instância, sob pena de violação do Artº 205 da Constituição da República Portuguesa e do direito ao recurso.
O que se exige do tribunal é que explique e fundamente a sua decisão segundo as regras do entendimento correcto e normal, isto é, de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada, só assim tornando possível que aquela possa ser sindicada por um tribunal superior.
Ora, sendo sabido que estas exigências, como é amplamente ensinado pela doutrina e jurisprudência, são significativamente atenuadas em processo contraordenacional, atenta as suas maior celeridade e simplicidade, decorrentes, desde logo, da possibilidade de poder ser decidido por mero despacho e, no caso de prolação de sentença, após audiência, aquela pode ser proferida verbalmente e ditada para a acta, cremos que, desta vez, não assiste razão à recorrente quando alega a falta de fundamentação do recurso ou a ausência de exame crítico da prova.
Antes de mais, importa dizer que os eventuais juízos de valor constantes dos Artsº 7, 8, 10 e 19 da factualidade dada como provada, devem ser entendidos como o desenho dos elementos objectivos e subjectivos da infracção imputada, inexistindo, por isso, motivo bastante para a sua alteração ou eliminação.
No que toca à ausência de fundamentação por via de um deficiente exame crítico da prova e tendo em conta a menor exigência decorrente de um processo de contra-ordenação o que se demandava do tribunal é que explicasse e fundamentasse a sua decisão segundo as regras do entendimento correcto e normal, isto é, de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada, só assim tornando possível que aquela possa ser sindicada por um tribunal superior.
No fundo, que explicasse o raciocínio pela qual assumiu como provados uns factos e outros não.
In casu, e como claramente se retira da motivação da sentença, a formação da convicção do tribunal a quo sustentou-se tendo em atenção a conjugação dos depoimentos das testemunhas - cujo conteúdo foi descrito - com o teor dos documentos juntos aos autos e que se mostraram importantes para a prova, como a licença ambiental, as notícias dos jornais pelas quais a IGAMOT teve conhecido dos incêndios ocorridos nas instalações da recorrente e ainda, os documentos juntos aos autos com a decisão administrativa e os apresentados pela recorrente, explicando, ao contrário do que esta afirma, com suficiência bastante, as razões pelas quais os considerou, ou não, relevantes para os aquisição probatória e em que termos.
Nessa medida, não existe dúvida que a fundamentação da sentença recorrida encontra eco na prova produzida em audiência e da constante dos autos, num processo lógico e sequencial, que se impõe aos outros.
A recorrente pode discordar das conclusões factuais (e de direito) alcançadas pela instância recorrida, mas já não pode sustentar, de forma procedente, a nulidade da sentença por falta de fundamentação, já que a mera leitura da motivação factual permite atingir o raciocínio pelo qual o tribunal recorrido deu por assente o quadro factual aqui em causa.
No mais, o que resulta de grande parte da argumentação recursiva é uma diferença valoratória da prova, testemunhal e documental que nos autos foi produzida ou uma diferente convicção sobre a a matéria de facto que deveria, ou não, ter sido dada como provada, como se alcança da mera leitura das conclusões X/XIII e XV/XX.
Ora, este tipo de defesa, bem como, aquela que alude a um erro de julgamento na apreciação da prova que foi produzida e apela a uma alteração do quadro factual (Cfr. conclusões XXIII/XXXV) assumido pela instância recorrida, viola o estatuído no Artº 75 nº3 do D.L. 433/82 de 27/10, pelo qual, como já se mencionou, os tribunais de recurso, em sede contravencional, só conhecem de direito, sem prejuízo da demonstração dos vícios decorrentes do Artº 410 do CPP.
Ora, estabelece esta norma que “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) - A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) - A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) - Erro notório na apreciação da prova”.
Por outro lado, dispõe o seu nº3, que, “o recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada”.
Como ressalta do nº2 do citado Artº 410, a norma reporta-se aos vícios intrínsecos da decisão, como peça autónoma, verificáveis pelo simples exame do seu texto ou por esse exame conjugado com as regras da experiência comum, sendo por isso evidente que os ditos vícios têm de resultar do acórdão recorrido considerado na sua globalidade, por si só ou conjugado com as regras de experiência comum, sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos que ao mesmo sejam estranhos, ainda que constem dos autos.
Daí que não possa invocar-se a existência de qualquer um dos vícios enumerados nas alíneas do referido nº2 apelando para elementos não constantes da decisão, como sejam, por exemplo, um documento junto ao processo, ou um depoimento prestado em audiência, ainda que os mesmos se achem documentados como é o caso dos autos.
São vícios que não podem ser confundidos - apesar de assim suceder com frequência - com o erro de julgamento, que resulta de uma errada apreciação da prova produzida ou da insuficiência desta para fundamentar a decisão recorrida.
Relativamente ao invocado erro notório na apreciação da prova, ensinam Simas Santos e Leal-Henriques, em Recursos Penais, Rei dos Livros, 8ª Ed., pág. 80, que é uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível para o cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se tirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis.”
Ora, descendo ao concreto da situação sub judice, não se crê que este vício – aliás deficientemente formulado, pois funda-se numa alegada contradição entre os nsº 17 e 18 da factualidade provada e numa discordância com o modo como a decisão recorrida apreciou a prova – se mostre esboçado na decisão recorrida e, muito menos, de forma notória, para que se possam dar razão à recorrente.
No que toca à alegada contradição, é evidente que a mesma não se verifica, já que no Artº 17 dos factos provados, afirma-se que a recorrente não informou a IGAMOT dos incêndios em causa em momento prévio à instauração do presente processo, e, no numero seguinte, é referido que os esclarecimentos por aquela solicitados à recorrente só foram prestados muito tempo depois ds factos ocorridos.
Da leitura da motivação factual, transparecem, de modo sólido, os elementos de prova que levaram às conclusões factuais alcançada pelo tribunal recorrido, quer em sentido positivo, quer negativo, não parecendo que a decisão recorrida tenha cometido qualquer erro e, muito menos notório, quando fixou o quadro factual em que se moveu.
As premissas probatórias em que se fundou, não só são evidentemente suficientes para as conclusões jurídicas que delas retirou como não se configuram como manifestamente erróneas, ilógicas, arbitrárias, ou violadoras das regras da experiência comum, da razoabilidade da vida ou da normalidade das coisas.
O alegado pelo recorrente não consubstancia, assim, o vício reclamado, nem este se vislumbra do descritivo factual, nem da decisão desponta.
Na verdade, o que está em causa, no fundo, na sua invocação, é uma diferente valoração, por parte da recorrente, da prova produzida nos autos, mas esse é um segmento inapreciável em sede de recurso contraordenacional, que, como atrás se disse, nos termos do Artº 75 do RGCO, apenas pode conhecer de direito ou dos alegados vícios da sentença.
Igualmente não se vislumbra a violação de quaisquer princípios constitucionais que sejam estruturantes do nosso sistema processual penal, designadamente, o do in dubio pro reo, cuja violação só ocorre, quando, em sede de prova, perante uma dúvida objectiva e intransponível, o tribunal decide desfavoravelmente ao arguido.
Sendo uma emanação do princípio constitucional da presunção de inocência, surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo.
Se, a final, persistir uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova terá de ser resolvido a seu favor, por imposição do estatuído no Artº 32 nº1 da Constituição da República Portuguesa.
Mas tal dúvida, não é a que a recorrente entende que o tribunal deveria ter tido, mas antes, a que o tribunal efectivamente teve.
Ora resulta, com toda a clareza, da fundamentação da sentença recorrida, que não existiu qualquer dúvida no espírito do julgador, na construção do esqueleto factual dos autos, após a apreciação, livre mas responsável, livre mas motivada, da prova produzida em Audiência de Julgamento, corroborada com a já existente nos autos.
Em conclusão, não resultando da decisão recorrida o vício invocado pela arguida, e não padecendo aquela das nulidades que lhe são assacadas, o recurso terá de improceder neste segmento.

B.2. Falta de consciência da ilicitude

Alega depois a recorrente, a falta de consciência da ilicitude, uma vez que a Eng. V, que detinha a competência para acompanhar a implementação da LA e gerir as situações ambientais inerentes, desconhecia em absoluto que a ocorrência de dois incêndios nas circunstâncias em que ocorreram – fora da sua actividade e, no segundo caso, num veículo de uma entidade terceira à empresa – implicariam o envio de uma comunicação desses factos à IGAMAOT.
Nessa medida, agiu sem consciência da ilicitude, em erro que não lhe é censurável, já que não tinha conhecimento da obrigação de comunicação devendo, por isso, ser absolvida da prática da contraordenação em causa.
A este nível, escreveu-se na decisão recorrida (transcrição):

À recorrente foi aplicada uma coima, por violação da disposição prevista nos artigos 111º, nº 2, al. e) do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30/08, relativa ao incumprimento das
condições impostas na licença ambiental.
Este Decreto-Lei tem como objectivo estabelecer o regime de emissões industriais aplicável à prevenção e ao controlo integrados da poluição, bem como as regras destinadas a evitar e ou reduzir as emissões para o ar, a água e o solo e a produção de resíduos.
Estabelece o artigo 7º do supra referido Decreto-Lei que configuram obrigações do operador, nomeadamente no seu nº 1 na sua al. a) cumprir o disposto no presente decreto-lei e as condições de licenciamento especificamente estabelecidas.
A licença ambiental deve incluir todas as medidas necessárias ao cumprimento das condições referidas nos artigos 5º e 7º, a fim de assegurar a protecção do ar, da água e do solo, e de prevenir ou reduzir a poluição sonora e a produção de resíduos, com o objectivo de alcançar um nível elevado de protecção do ambiente no seu todo.
Tendo em conta o que resultou provado, verifica-se que a recorrente era possuidora de uma licença ambiental nº 63/0.1/2015, emitida em Maio de 2015 e válida até 20 de Maio de 2025.
De acordo com tal licença e lançando-nos ao caso concreto, de acordo com o quadro 11 do capitulo 4, o mesmo apresenta-se como correspondendo às obrigações do operador em caso de acidente/gestão de situações de emergência, e que infra se transcreve:
(…)
Conforme é fácil de verificar, pese embora decorra facilmente do indicado em A, que os elementos a comunicar devam ser aqueles que ocorrem em produção, e que o mesmo se possam inferir quando ao determinado em B e C, pelas características das funções ai descritas, a verdade é que, não se afere que tenha sido esse o entendimento vertido na decisão administrativa, e bem assim, não se afere que possa ser esse o entendimento a retirar da própria interpretação a licença ambiental, no que aos pontos D e E.
Veja-se que efectivamente todo o quadro 11 se reporta a elementos acidentais. Estamos, portanto, no campo dos acontecimentos excepcionais e imprevisíveis.
Mas dentro desses campos acidentais, imprevisíveis, e excepcionais, há também uma clara divisão. Repare-se que os pontos A, B e C claramente se reportam a acontecimentos que ocorrem EM PRODUÇÃO.
Os pontos A, B e C, elencam no seu texto, expressamente ou de forma derivativa da actividade a possibilidade de tais acidentes e incidentes ocorrerem EM PRODUÇÃO, o que, claramente, não se mostra expresso nos pontos D e E, em que se afere, que de forma expressa se acredita se quis contemplar todos os acontecimento que ocorram para além da produção, e em outras circunstâncias de laboração e não laboração da empresa – como em manutenções – quando se prevê falhas humanas, por exemplo – nomeadamente quanto se afere “qualquer outra libertação” … “e/ou causa externas à instalação…”
Como bem decorre da decisão administrativa, quando ocorre um incêndio, são libertados gases da combustão, sendo, nomeadamente o ocorrido a 16/06/2021, combustão de borrachas, de elevada toxicidade.
Ora, aferindo-se que resultando da combustão dos materiais atingidos pelo incêndio, e do calor dissipado para o ambiente são libertados gases dessa mesma combustão, fumos e outros aerossóis que são produtos voláteis afere-se que efectivamente correu uma libertação não programada para a atmosfera de substâncias, que recaem, evidentemente no estabelecido no ponto D. do quadro 11 do capitulo 4 da Licença Ambiental de que a recorrente era titular pelo que deveria, sim a recorrente ter comunicado tais ocorrências à IGAMAOT nos termos da referida Licença.
Ora, em face disso, dúvidas não surgem que efectivamente deveria a recorrente ter comunicado ambos os incidentes ocorridos, nos termos da licença ambiental que lhe estava atribuída.
No entanto, a recorrente alega a exclusão da ilicitude por inconsciência da ilicitude do facto, por parte da mesma.
Mas, como resulta bem expresso da matéria factual dada como provada a mesma actuou, em incumprimento de um dever que, sendo seu, e da qual deveria ser conhecedora, dever que lhe estava adstrito pela actividade que exerce, não cumpriu com o mesmo, preenchendo assim os elementos atinentes à negligência.
Com isto se diga que, sendo a técnica ambiental V, como se adiantou durante a audiência de julgamento, pessoa experiente na área, e a empresa devidamente conhecedora da sua licença ambiental, e das obrigações delas decorrentes, ainda que pudesse ser considerada a existência de um erro sobre a proibição, nos termos do art.º 8.º do regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27/10, e por conseguinte existia necessariamente falta de consciência da ilicitude do facto, nos termos do art. 9.º do mesmo diploma, mas, sendo a conduta punível a título de negligência, como ressalvado no n.º 3 daquela primeira norma, a mesma só se tem por excluída se o erro não for censurável.
O que, tendo em conta o que se disse quanto à actuação negligente e a forma como actuou a recorrente, mediante a decisão da sua responsável ambiental, entende-se que sim, existiu um erro censurável, porquanto, foi o incêndio comunicado às entidades reguladoras, e deliberadamente não foi comunicado à IGAMAOT, por decisão consciente e deliberada em não o fazer, e assim, nos termos do n.º 1 da segunda norma identificada supra, o que se entende por verificado, e assim, tendo a arguida, apesar de tudo, actuado sem consciência da ilicitude do facto, mas por erro censurável, mostra-se adequada a sua punição a título de negligência (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, 367/17.1T8BRG.G1, 16-11-2017)

Da motivação da sentença recorrida resulta a confirmação do alegado pela recorrente, ou seja que “…a Eng. V referiu por diversas vezes que foi exclusivamente por seu entendimento que não terá efectuado a comunicação ao IGAMAOT, não tendo a mesma sequer representado a possibilidade de ter de comunicar, sem sequer ponderar tal possibilidade”.
Por outro lado, também na decisão sindicada é afirmado que a “…Sra. Inspetora da IGAMAOT, Dra. B, esclareceu que, se os incidentes não ocorreram no âmbito da atividade produtiva da empresa, mas sim no âmbito da manutenção ou em equipamento de terceiro (factos que desconhecia uma vez que já não estava a desempenhar funções na entidade administrativa e por isso não conhecia as comunicações efetuadas pela Recorrente), não haveria lugar à obrigação de comunicação de tais incidentes.”
Ora, tendo presente estas circunstâncias, não parece justificar-se a conclusão, assumida pela 1ª instância, que o erro em que laborou a recorrente – no sentido de não comunciar à IGAMOT as duas ocorrências – lhe deva ser imputado como censurável e, por isso, insusceptível de excluir a ilicitude.
Na verdade, como bem diz a arguida no seu recurso, “…tendo a própria Sra. Inspetora da IGAMAOT, pessoa detentora de conhecimentos específicos e especiais sobre a matéria, afirmado perentoriamente, em audiência de julgamento, que, no caso de se confirmar que os incidentes não tinham ocorrido no exercício da atividade produtiva – o que se confirmou – tal situação não obrigaria às comunicações dos incidentes, como é possível censurar o erro da Eng. V que afirmou, também perentoriamente “que nunca pensou nem nunca realizou” que existisse tal obrigação!”
Estamos, ao que se crê, no domínio da interpretação jurídica, sendo que a que foi efectuada pela recorrente – na pessoa da Engª V - corresponde à da Sra. Inspetora Dra. B da IGAMAOT, não sendo por isso possível concluir que a falta de consciência da ilicitude resulta de uma falta de cuidado ou alheamento das disposições legais e regulamentares aplicáveis.
Por outro lado, resulta também da decisão sindicada, que a arguida comunicou os incidentes em causa à tutela (Direcção-Geral da Energia e Geologia), pelo que faz sentido deduzir que a não comunicação dos mesmos á IGAMOT se deveu ao entendimento que a mesma não era exigida pela lei.
Provado está, que o incêndio de 16/06/2016 ocorreu em fase de manutenção do edifício, desenvolveu-se maioritariamente em queima de ferro e borracha e apenas determinou danos materiais ao nível dos crivos de britagem de superfície, e que o incêndio de 26/10/2016 teve lugar em equipamento de empreiteiro, num veículo que fazia transporte no interior das instalações da recorrente.
Ora, a leitura da legislação retratada na sentença recorrida não é inequívoca, sendo admissível a interpretação no sentido de que a exigência de comunicação dos eventos apenas se aplica às situações em que ocorram falhas técnicas ou humanas, ou qualquer disfunção ou avaria dos equipamentos relacionados com a produção e com os sistemas de redução e controlo da actividade poluente da empresa, relativas, por isso, às emissões para a água, solo ou ar associadas à produção.
Este entendimento, note-se – elemento que é particularmente importante e que não pode, de todo, ser desprezado – foi reforçado pelo depoimento da Sr.ª Inspetora da IGAMOT, Dr.ª B, que o corroborou por inteiro.
Assim sendo, tendo ocorrido um incêndio praticamente limitado ao interior das instalações da empresa e outro, em equipamento de terceiro, seja compreensível que a recorrente, na pessoa da sua técnica, a Eng. V, não tenha pensado ou sequer equacionado que tais incidente se pudesse enquadrar na referida alínea D do Quadro 11 da sua LA, e, por isso, devessem ser comunicados à IGAMOT, porquanto, dos mesmos não teriam resultado a libertação de quaisquer substâncias resultantes da actividade produtiva da empresa.
Como já se disse em anterior aresto, verdade é que para além do que já foi dito, também se provou que a arguida não retirou qualquer benefício económico das situações em causa, circunstância que importa não olvidar, aliando-a ao facto de um dos incidentes ter resultado de uma ocorrência ocasional com o equipamento de um terceiro, e de outro não ter decorrido da sua actividade de produção e ter durado cerca de uma hora, não estando em causa, tanto quanto se percebe, incêndios de grande relevo, ou que tenham colocado em risco, de forma significativa, o ambiente.
Do acima exposto, parece razoável concluir, como demanda a recorrente, que a não comunicação dos incidentes à IGAMAOT não decorreu de qualquer deliberação de incumprir a LA ou a lei, mas apenas de uma diversa interpretação jurídica efectuada pelos seus quadros responsáveis a qual foi também aceite pela própria IGAMOT.
As circunstâncias do caso concreto justificam, pelo exposto, que o erro em que incorreu a recorrente em não ter comunicado à IGAMOT os dois incidentes em causa se deva ter como não censurável, ou, dito de outro modo, o erro sobre a proibição (in casu, obrigação de comunicação) em que incorreu a arguida não reveste qualquer censurabilidade, o que acarreta, necessariamente, que a mesma seja absolvida da contraordenação pela qual foi condenada.
Procede, nestes termos o recurso, ficando prejudicada a apreciação do que demais nele é suscitado.


3. DECISÃO

Nestes termos, julga-se procedente o recurso e em consequência, revogando-se a decisão recorrida, absolve-se a arguida da contraordenação pela qual foi condenada, por falta de consciência da ilicitude por erro não censurável.
Sem custas.
xxx
Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que a presente decisão foi elaborada pelo relator e integralmente revista pelos signatários.

Évora, 23 de abril de 2024
Renato Barroso
Maria Gomes Perquilhas
Carlos de Campos Lobo