Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
13526/23.9T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
Nº do Documento: RP2024031813526/23.9T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 03/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No incidente da intervenção principal provocada é chamado um terceiro a uma ação, pendente, para se associar a uma das partes primitivas, a fim de aí fazer vale um interesse próprio, paralelo ao da parte ativa ou ao da parte passiva.
II - A intervenção principal provocada pelo Autor/Requerente, apenas é admissível numa das seguintes situações:
a) ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário (destinando-se o incidente a sanar a ilegitimidade ativa ou passiva) - v. nº1, do art 316º, do CPC.;
b) nos casos de litisconsórcio voluntário, em que o Autor/Requerente pretenda chamar a juízo algum dos litisconsortes dos Réus/Requeridos que não tenha demando inicialmente a fim de contra ele, também, dirigir o pedido - v. 1ª parte, do nº2, do art 316º, do CPC;
c) nos casos de dúvida fundamentada sobre os titulares da relação material controvertida em que o Autor/Requerente pretenda dirigir o pedido contra terceiro, a título subsidiário, no quadro de pluralidade subjetiva subsidiária previsto no art. 39º do CPC - v. 2ª parte, do nº2, do art 316º, do CPC;
III - Este incidente visa evitar o risco de, surgindo, da contestação, dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida, a ação prosseguir, em exclusivo, contra alguém que, afinal, poderá não ser o seu titular e, além de contornar os riscos decorrentes da verificação de uma ilegitimidade singular, aproveita a ação pendente para fazer valer a mesma pretensão, ainda que, subsidiariamente, contra novo demandado, solução economicista, útil e produtiva, querida pelo legislador e de aproveitar, sempre que adjetivamente possível, por conforme ao princípio da economia processual e à proibição da prática de atos inúteis. Deste modo, melhor se realiza, também, a vontade do legislador, de privilegiar a decisão de mérito em detrimento da mera solução formal, afastando-se entraves processuais a dificultar, de modo excessivo e desproporcionado, a realização da justiça material.
IV - Contudo, não é caso de pluralidade subjetiva subsidiária passiva superveniente, resultante de legítima e fundamentada dúvida sobre o sujeito da relação material controvertida, surgida no decurso da demanda, com enquadramento no mecanismo previsto na parte final do nº2, do art. 316º, do CPC, nem a justificar o chamamento nos restantes termos consagrados na lei (nº1 e 1ª parte do nº2, do referido artigo), situação de a parte ativa chamar a intervir terceiro, para contra ele formular um pedido principal (de ”condenação solidária”).
V - Em sede de procedimento cautelar não é admissível, como regra, formular pedido condenatório nem em situação de dúvida é admissível pedido de condenação solidária (mas pretensão cautelar, a título subsidiário, para a eventualidade de a pretensão dirigida contra primitivo Requerido não proceder).
VI - A decisão de anulação ou revogação do decidido produz efeitos quanto a atos que com ela estão numa relação de dependência, nenhuns se produzindo sobre os autónomos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 13526/23.9T8PRT-B.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível do Porto -Juiz 7




Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto: Des. Carlos Gil
2º Adjunto: Des. Jorge Martins Ribeiro

           


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto


Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO


Recorrente: a requerida A..., Sa
Recorrida: a requerente B..., Lda
 

            B..., Lda requereu providência Cautelar não especificada contra A..., Sa e AA pedindo:
i) sejam de imediato suspensas as obras de adaptação da fração autónoma designada pela letra A destinada a estabelecimento de restauração/bar;
ii) os Requeridos se abstenham de instalar e abrir ao público um restaurante e/ou bar na aludida fração A, até decisão final transitada em julgado, a proferir em ação principal.
Alega, para tanto, os seguintes factos:

“I. INTRODUÇÃO

1. A Autora é administradora do prédio em regime de propriedade horizontal sito (…)

2. O referido prédio foi submetido ao regime da propriedade horizontal por escritura pública celebrada no dia 2 de outubro de 2018, no Cartório Notarial da Drª BB, no Porto, cuja cópia se junta e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais (cfr. Doc. n.º 2).

3.O prédio é composto por cave, rés-do-chão e três andares, com pátio, divido nas seguintes 7 frações autónomas: (…) conforme certidão permanente cuja cópia se junta e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais (Doc. n.º 3).

4. A Fração A é propriedade da sociedade A... S.A, que por sua vez a deu de arrendamento a AA (cfr. Doc. n.º 3 e Doc. n.º 6).

5. A providência cautelar ora requerida visa impedir que à fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a uma Loja no piso -1, destinada a comércio, seja afetada a uso diverso a que é destinada.

6. A propositura da presente providência cautelar foi aprovada em reunião de condóminos realizada no dia 25 de julho de 2023, daí resultando a legitimidade da A., conforme a ata respetiva, cuja cópia se junta e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais (cfr. Doc. n.º 4).

II. DOS FACTOS

7. Conforme supra referido, o prédio em questão é composto por cave, rés-do-chão e três andares, com pátio, dividido em 7 frações autónomas.

8. As frações autónomas designadas pelas letras A e B, sitas no piso -1 e piso 0 destinam-se ao comércio.

9. As restantes 5 frações autónomas destinam-se a habitação.

10. A Câmara Municipal do Porto, em 16/01/2019, emitiu o alvará de utilização n.º ...9... para o prédio na sua totalidade, onde se pode verificar que o prédio se destina unicamente a habitação (5 fogos) e comércio/serviços, conforme cópia que se junta e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais (cfr. Doc. n.º 5).

11. A emissão da sobredita autorização de utilização pela Câmara Municipal do Porto para comércio/serviços foi efetuada ao arrepio do título constitutivo da propriedade horizontal (cfr. Doc. n.º 2).

12. Porquanto este prevê como destino para a fração A, o comércio (cfr. Doc. n.º 2).

13. O Prédio é, assim, eminentemente habitacional.

14. A Requerente foi confrontada com queixas de vários condóminos das frações habitacionais de que o condómino da fração A estava a efetuar na sua fração obras de adaptação para a instalação de um C.../restaurante, ou seja, de um estabelecimento de restauração.

15. Manifestando a sua preocupação quanto à instalação no prédio de um estabelecimento de restauração, do qual resultarão a emissão de vapores, fumos, cheiros e ruídos que inevitavelmente afetarão a qualidade de vida dos condóminos que habitam no prédio.

16. A entrada para o projetado restaurante efetua-se através do espaço comum do prédio.

17. Ou seja, tanto os potenciais clientes como os moradores das frações habitacionais acedem ao prédio pelo mesmo espaço comum, que corresponde a um pequeno logradouro com escadas na parte da frente do prédio.

18. Ademais, a própria saída de emergência do restaurante previsto para a Fração A, dá diretamente para o hall de entrada para as habitação do prédio, que é uma zona comum.

19. Os incómodos daí advindos prejudicam sobretudo os condóminos que habitam no prédio, porquanto as suas habitações situam-se por cima da fração A, onde será instalado o estabelecimento de restauração.

20. Cujo direito ao descanso, tranquilidade e sossego será seriamente perturbado e afetado.

21. O condómino da fração A não pediu aos restantes condóminos autorização para alterar o destino da sua fração autónoma.

22. Os restantes condóminos apenas tomaram conhecimento da alteração do destino da fração A com o início das obras de adaptação a restaurante, e com a afixação do aviso do respetivo início de obras, conforme documentos que se juntam e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais (cfr. Doc. n.º 6 e 7).

23. Estes, por sua vez manifestaram à A. e ao próprio condómino da fração A a sua oposição à alteração do uso da fração A, que os Requeridos estão a levar a cabo com as obras em curso para a abertura de um estabelecimento de restauração, quando as mesmas estiverem concluídas.

24. Perante as denúncias dos condóminos habitacionais, a Requerente confirmou que as mesmas tinham fundamento, pois foi possível verificar que na fração A estão a ser efetuadas obras de alteração dos espaços interiores.

25. Estando afixado no local um documento que identifica o requerente e as obras a executar (cfr. Doc. n.º 6)”.

Citados os requeridos, nos termos e para os efeitos previstos no art. 366º, nº 2, do Código de Processo Civil, cada um deles apresentou a sua oposição, deduzindo o requerido a exceção da sua ilegitimidade, por a arrendatária da fração em causa ser D..., Unipessoal, Lda.

Notificada, a requerente respondeu[1], deduzindo o incidente de intervenção provocada desta sociedade, como associada do requerido AA, afirmando vir fazê-lo ao abrigo do disposto nos artigos 39.º, 316.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, dado a ser, como é referido pelos requeridos, esta a arrendatária  deverá a mesma “abster-se de dar ao arrendado uma utilização diferente da prevista no título constitutivo da propriedade horizontal” e “deve a sociedade chamada ser condenada solidariamente com os requeridos inicialmente, nos precisos termos do pedido”.

A Sociedade Requerida, notificada do incidente de intervenção principal provocada, deduzido pela Requerente, apresentou oposição a solicitar seja o mesmo rejeitado, sustentando, desde logo, dever o requerimento ser desentranhado e/ou indeferido, visto o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida não ter sido junto, o que equivale à falta de pagamento, e, ainda, ser o mesmo inadmissível[2].

O Requerido AA apresentou, também, oposição ao incidente, sustentando não ser admissível a alteração subjetiva da instância cautelar, verificando-se inadmissibilidade legal do referido incidente de intervenção principal provocada no âmbito dos procedimentos cautelares atenta a sua incompatibilidade com o objetivo da celeridade processual que lhes está subjacente.

De seguida, o tribunal a quo proferiu o seguinte


Despacho:
Req. da A. de 31/08/2023 (Ref. 46388820 – fls. 45):
Atentos os motivos invocados, afigura-se-nos que a necessidade e utilidade da requerida intervenção principal sob o ponto de vista da eficácia da presente providência justifica o sacrifício do princípio da celeridade que caracteriza o respectivo procedimento e, como tal, ao abrigo dos arts. 316.º, n.º 2 e 39.º do CPC, admito a requerida intervenção principal provocada da sociedade D..., Unipessoal, Lda., melhor id. pelo A. no art. 14.º do Requerimento em referência (neste sentido vide, entre outros, Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 6/04/2017, relatado pela Exm. Desembargadora Florbela Moreira Lança, in www.dgsi.pt).
Cite a chamada nos termos e para os efeitos do art. 319.º do CPC”.

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Notificada de tal despacho, a Requerida apresentou recurso de apelação da referida decisão e foi proferido por este Tribunal Acórdão, com a seguinte
Parte dispositiva:
“Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em, na procedência da arguida nulidade, anular o despacho que admitiu o incidente de intervenção principal provocada e os ulteriores termos do processo, para que seja conhecida da questão omitida, prosseguindo, então, a, ulterior, tramitação que ao caso couber.
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Custas pela apelada, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC” (negrito nosso).

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Descidos os autos à 1ª instância, foi, em 15/1/2023, proferido o seguinte

Despacho,
“Compulsados os sutos principais verifica-se o seguinte:
O Requerimento da intervenção principal de D..., Unipessoal, Lda. foi apresentado pela Requerente a 31/08/2023 (Req. 46388820 – fls. 45; Ref. Citius 36523290), sem que, nessa altura, tenha sido junto comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida por tal incidente.
Ordenada, a 4/09/2023, a notificação dos Requeridos para se pronunciarem sobre o requerido chamamento (fls. 49), a Requerente, a 6/09/2023, juntou comprovativo do pagamento daquela taxa de justiça no próprio dia 31/08/2023, do que os Requeridos foram notificados (Req. 46423391 – fls. 50; Ref. Citius 36559903).
Nesta medida, apesar de a Requerida A... ter requerido o desentranhamento/indeferimento liminar do mencionado requerimento (Oposição de 20/09/2023 (Req. 46550414 – fls. 63; Ref. Citius 36696665), a requerida intervenção foi admitida por despacho de 25/09/2023 (fls. 74), de que ambos os Requeridos recorreram, invocando a Requerida A..., além do mais, a nulidade do despacho por omissão de pronúncia relativamente à questão da falta de comprovativo do taxa de justiça (Req. de recurso de 27/09/2023 – 46627762 – fls. 75; Ref. Citius 36779322).
A Requerente não apresentou contra-alegações e a 10/11/2023 e 13/11/2023, respectivamente, os recursos interpostos pelas Requeridas foram admitidos, sem que, contudo, o respectivo apenso em separado tivesse sido instruído com o supra id. comprovativo do pagamento desta taxa de justiça.
Do que vem de se dizer, resulta, pois, a comprovação do pagamento atempado da taxa de justiça devida pela intervenção principal requerida pela Requerente a 31/08/2023 (Req. 46388820 – fls. 45; Ref. Citius 36523290) em relação à qual o Tribunal profere, assim, o despacho seguinte:
Atentos os motivos invocados, afigura-se-nos que a necessidade e utilidade da requerida intervenção principal sob o ponto de vista da eficácia da presente providência justifica o sacrifício do princípio da celeridade que caracteriza o respectivo procedimento e, como tal, ao abrigo dos arts. 316.º, n.º 2 e 39.º do CPC, admito a requerida intervenção principal provocada da sociedade D..., Unipessoal, Lda., melhor id. pelo A. no art. 14.º do Requerimento em referência (neste sentido vide, entre outros, Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 6/04/2017, relatado pela Exm. Desembargadora Florbela Moreira Lança, in www.dgsi.pt).
Não se determina a citação da chamada por a já efectuada nos termos e para os efeitos do art. 319.º do CPC assim como a Contestação da mesma não ficaram prejudicadas pela Decisão do Tribunal Superior e por forma a evitar a prática de actos inúteis.
Req. da Requerida A... de 12/01/2024[3] – 47631260 (Ref. Citius 37810179):
Em face do supra exposto e por força do novo despacho ora proferido, a chamada D...-Unipessoal, Lda. intervém na presente providência na mesma qualidade e nos termos que já sucediam anteriormente, pelo que, não havendo prejuízo para fase da instrução e discussão já iniciada (cfr. art. 195.º, n.ºs 2 e 3 do CPC), se determina o seu aproveitamento com a consequente manutenção da prova já produzida em sede de audiência final e da sua continuação para o dia de amanhã.
Termos em que se indefere o requerimento em referência.
 Sem custas, atenta a simplicidade do incidente”.
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De tal despacho apresentou a Sociedade Requerida, recurso de apelação, pugnando pela sua revogação, com as consequências legais, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
(…)
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O Requerido e a interveniente, vieram, ao abrigo do disposto no artigo 634.º, do Código de Processo Civil, manifestar a sua adesão ao recurso interposto pela Sociedade Requerida.
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Foi admitido o recurso de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo (arts. 644.º, n.º 1, al. a), última parte; 645.º, n.º 2, al. a) e 647.º, n.º 1 do CPC), indeferido tendo sido o efeito suspensivo, por o referido efeito devolutivo ser o que melhor preserva a urgência que caracteriza as providências cautelares.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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            II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

         Tendo-se presente que o recurso é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal, a questão a decidir é a seguinte:
- Da inadmissibilidade do incidente de intervenção principal provocada deduzido pela requerente e consequências da sua rejeição.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos provados com relevância para a decisão constam já do relatório que antecede, resultando a sua prova dos autos, e não se reproduzindo por tal se revelar desnecessário.

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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 - Da inadmissibilidade do incidente e consequências da rejeição.
Insurgem-se os Requeridos contra a decisão que, ao abrigo dos arts. 316.º, n.º 2 e 39.º, do Código de Processo Civil, diploma a que doravante nos reportamos na falta de outra referência, admitiu a deduzida intervenção principal provocada da sociedade D..., Unipessoal, Lda, por “sob o ponto de vista da eficácia da presente providência se justificar o sacrifício do princípio da celeridade que caracteriza o respetivo procedimento”.
Tal intervenção havia sido requerida pela Requerente da providência/Recorrida, ao abrigo do disposto dos referidos preceitos, por a ser esta sociedade a arrendatária, como afirmam os requeridos nas oposições, dever a mesma “abster-se de dar ao arrendado uma utilização diferente da prevista no título constitutivo da propriedade horizontal”, pretendendo seja a chamada “condenada solidariamente com os requeridos inicialmente, nos precisos termos do pedido.
Ora, pretendendo a Requerente chamar a referida sociedade, por estarmos perante situação de “pluralidade subjetiva subsidiária”, prevista no art. 39º, e configurando a mesma a pretensão nos termos referidos, não pode a intervenção ser admitida, por, legalmente, inadmissível. Na verdade, não pode o incidente ser admitido por, para além de nos movermos num procedimento cautelar, em que na decisão a proferir apenas se concede uma providência para acautelar um direito, não podendo, por isso, como regra, ser formulado, em termos cautelares, um pedido condenatório, este reservado à ação principal, onde o direito é regulado, nunca contra a chamada, em situação de dúvida quanto ao titular da relação controvertida, poderia ser formulada uma pretensão de condenação solidária com os Requeridos.
Não sendo caso de substituição de parte primitiva (do requerido) pelo terceiro, como conclui a apelante, está, contudo, a requerente a pretender trazer para a lide mais uma parte para contra ela formular pretensão, não subsidiariamente, mas a título principal - “condenação solidária” com os requeridos -, o que é inadmissível.
Analisemos o caso, de incidente de intervenção de terceiros deduzido em procedimento cautelar.
Procedimentos cautelares são instrumentos processuais/adjetivos dirigidos à obtenção de uma providência ou medida para acautelar a eficácia de uma decisão judicial, sendo as medidas cautelares as pretensões de direito material solicitadas, as providências tidas como necessárias para acautelar o direito material a definir na ação principal. Destinam-se a assegurar o direito à efetiva tutela jurisdicional, a evitar danos que possam advir da demora da decisão da ação principal, sendo, assim, instrumentos de eficácia do processo principal a que se recorre perante situações em que a regulação dos interesses não pode aguardar a decisão definitiva, mostrando-se necessária, para assegurar a utilidade da decisão final e a efetividade da tutela jurisdicional, uma composição provisória do litígio.
O processo cautelar surge, assim, como o instrumento de preservação do fim do processo – tutela jurisdicional cautelar do caso concreto. É “…na expressiva síntese de CALAMANDREI, “garantia da garantia”, caracterizando-se a sua natureza por uma dupla instrumentalidade”, tendo por fim a proteção da garantia, isto é, através da sua garantia, do seu fruto (a providência cautelar), garantir a produção do efeito útil final – a decisão da ação principal[4]. Permite assegurar a validade e a eficácia da definitiva decisão através da adoção de medidas (providências) que atuam ao nível da realidade por forma a preservar, a acautelar, o efeito útil a produzir pela ação principal. A decisão cautelar não traduz, em regra[5], uma  antecipação da decisão principal, embora possa, conduzir à produção de alguns dos efeitos próprios desta. Antes tem uma natureza preventiva, pois visa acautelar e prevenir que, no período que decorre entre o momento em que a providência é proposta e aquele em que a decisão da ação principal produz efeitos, não ocorra situação que inviabilize a utilidade da mesma. Destina-se a tutelar o efeito da ação, a assegurar o direito à efetiva tutela jurisdicional, isto é, a garantir o efeito útil da ação principal que vai regular definitivamente o direito.
      Como estatui o nº1, do art. 362º: “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.
         E o nº 1, do artigo 364º, consagra que “Exceto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa ou executiva”.
         Todos os procedimentos cautelares, salvo decretação da inversão do contencioso, estão numa relação de dependência perante uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado, pois que visam acautelar os efeitos da decisão definitiva favorável a proferir no processo principal, sendo a providência conservatória ou antecipatória. “Por providência conservatória entende-se aquela que visa manter inalterada a situação, de facto ou de direito, existente, evitando alterações prejudiciais”[6]. “Por providência antecipatória entende-se aquela que antecipa a decisão ou uma providência executiva futura, sem prejuízo de, no primeiro caso, poder também antecipar, de outro modo, a realização do direito acautelado”[7].  Existe, pois, dependência do procedimento cautelar, expressa através da identidade entre o direito ou interesse acautelado e aquele que se faz valer na ação, sendo que a causa de pedir do procedimento e a da ação coincidem, ao menos em parte, embora, por definição, não coincida, normalmente, o pedido formulado.
 Os procedimentos cautelares, pela sua própria natureza, visam, apenas, uma solução provisória, tendente a evitar prejuízos que a demora da resolução da ação principal pode ocasionar ao requerente, não a obtenção de uma condenação, esta reservada para a ação principal de que o procedimento é dependência.

No caso, sendo pedido no procedimento cautelar contra os requeridos:
i) sejam de imediato suspensas as obras de adaptação da fração autónoma designada pela letra A destinada a estabelecimento de restauração/bar;
ii) os Requeridos se abstenham de instalar e abrir ao público um restaurante e/ou bar na aludida fração A, até decisão final transitada em julgado, a proferir em ação principal,
vem pedido, no incidente, contra a chamada:
seja “condenada solidariamente com os requeridos inicialmente, nos precisos termos do pedido”
Ora, para além da inadmissibilidade de pedido de condenação, para que terceiro pudesse intervir na causa e o incidente fosse admissível, tinha o pedido que lhe é dirigido de ser formulado subsidiariamente.
Vejamos.
Numa ação, iniciando-se a instância com a sua propositura, a mesma estabiliza-se, com a citação do Réu, como decorre do disposto no artigo 260º, o que tem “como efeito adjetivo essencial a estabilização da instância no que concerne aos seus elementos subjetivo e objetivo”[8]. Desvios resultam dos incidentes de intervenção de terceiros a esta regra, sendo que “Estas exceções confirmam a regra de que o autor, antes de apresentar a acção, deve desenhar a estratégia que prossegue, identificar os sujeitos da relação processual e tomar uma posição clara quer sobre a solução que pretende para o litígio, quer sobre os fundamentos que a sustentam, se necessário usando dos mecanismos processuais que admitem a cumulação de pedidos e de causas de pedir ou até a formulação de causas de pedir e/ou de pedidos em relação de subsidiariedade”[9], pois que não é admissível a mera e simples substituição de uma parte por outra.
Assim, o incidente da intervenção principal provocada é um dos incidentes de intervenção de terceiros na instância pendente, que configuram exceções ao princípio da estabilidade da instância, consagrado no art. 260º.
Com efeito, o princípio da estabilidade da instância impõe que, citado o réu, a instância se mantenha imutável quanto às partes, ao pedido e à causa de pedir, ressalvando o referido preceito “as possibilidades de modificação consignadas na lei”, sendo precisamente excecionado, na sua vertente subjetiva, pelos incidentes da intervenção de terceiros previstos nos arts. 311º a 341º do CPC, contando-se, entre eles o, que agora está em apreciação - a intervenção principal.
Esta caracteriza-se pela intervenção de um terceiro numa causa que se encontre pendente, para aí fazer valer um direito próprio paralelo ao do autor ou do réu[10], podendo legitimamente dizer-se que o terceiro faz valer (mais do que um direito) um interesse paralelo ao do autor ou ao do réu (pois que, por princípio, o réu, enquanto demandado, não faz valer qualquer direito, sendo apenas alvo do exercício de um direito pelo autor)[11].    
Esse terceiro, que o Autor poderia acionar inicialmente em termos de litisconsórcio, associa-se ou é chamado a associar-se a uma das partes primitivas, assumindo o estatuto de parte principal, pelo que mediante o incidente da intervenção de terceiro visa-se, perante uma ação já pendente entre duas partes, facultar ao terceiro o litisconsórcio com algumas das partes primitivas da ação, seja do lado ativo, seja do lado passivo.
A intervenção principal do terceiro pode ser espontânea, quando o próprio terceiro se dirige ao processo e aí pede a sua intervenção (configurando-se o incidente como uma ação por ele intentada contra o réu ou como defesa deduzida contra o autor da causa principal), ou provocada, quando a iniciativa da dedução do incidente parte das partes primitivas da ação pendente, sendo que “A admissibilidade deste tipo de intervenção depende de não ser contraposta a posição substantiva ou adjetiva do chamado e da parte que o chama para se posicionar em juízo a seu lado”[12], pois que o interveniente se apresenta, para fazer valer um interesse próprio paralelo ao do autor ou do réu, não sendo admissível quando pretenda fazer valer um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com o direito das partes primitivas, sem prejuízo do que adiante se dirá para situações em que seja configurada dúvida fundamentada.
O incidente da intervenção principal provocada encontra-se regulado no art. 316º, do CPC, que estatui:
“1. Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado como legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”.
2. Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do art. 39º(negrito nosso).

Assim, para a intervenção principal provocada, vêm previstas as seguintes situações de admissibilidade, sendo que a qualificação e subsunção jurídica cabe ao juiz, nunca vinculado à efetuada pelas partes:
Uma, no nº1, a de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário ativo ou passivo (arts. 33º e 34º), podendo, neste caso, qualquer das partes primitivas, requerer o chamamento de terceiro para que se associe a si ou à parte contrária a fim de assegurar a legitimidade das partes;
Outra, na 1ª parte do nº2, a do chamamento de um terceiro litisconsorte do Réu inicialmente demandado, isto é, de alguém que é titular passivo da mesma relação jurídica que está na base da demanda do primitivo Réu e que, por isso mesmo, poderia ter sido, desde logo, demandado juntamente com ele em regime de litisconsórcio voluntário (art. 32º), podendo, neste caso, o Autor requerer o chamamento do terceiro;
Outra ainda, na 2ª parte do nº2, a do chamamento de um terceiro visando constituir pluralidade subjetiva subsidiária passiva, nos termos do art. 39º (caso de dúvida fundamentada sobre a titularidade da relação controvertida), podendo, neste caso, o Autor requerer o chamamento do terceiro.
A intervenção principal provocada consubstancia-se, assim, “… em regra, no chamamento ao processo, por qualquer das partes, de terceiros interessados na intervenção, seja como seus associados, seja como associados da parte contrária, sobretudo em situações de litisconsórcio”[13]. E “… o chamamento ao processo é desencadeado por alguma das partes iniciais com interesse em alargar o âmbito da eficácia subjetiva da decisão aos chamados, terceiros interessados na intervenção, seja como seus associados, seja como associados da parte contrária”, sendo que o “incidente da intervenção principal provocada ou da pluralidade subjetiva subsidiária superveniente tem aplicação, quer ocorra preterição do litisconsórcio necessário, quer nos casos de litisconsórcio voluntário, ou seja, em que a relação material controvertida respeite a várias pessoas, destinado a chamar a juízo algum litisconsorte do réu que não haja sido demandado, inicialmente, quer para chamar a intervir um terceiro contra quem o autor pretenda dirigir o pedido, no quadro da pluralidade subjetiva subsidiária, o que deve ser possível, tanto nas situações de litisconsórcio, como de coligação”[14], (cfr. 2ª parte, do nº2, do art. 316º) por ambas caberem na previsão do artigo 39º.
Este mecanismo, para salvar o efeito útil da ação, está dependente “…da verificação de uma situação de fundada dúvida sobre o elemento subjetivo, justificando que a pretensão possa ser deduzida em via principal por um autor e, em via subsidiária, por outro, para a eventualidade de aquele ser considerado parte ilegítima, ou que o Autor demande um determinado réu e, precavendo-se quanto à sua ilegitimidade, demande subsidiariamente outro réu (…RE 7-6-18, 2279/15…)”, podendo haver “a dedução de um pedido por um autor ou contra determinado réu e outro pedido subsidiário por autor ou contra réu diverso”[15].
O referido “pode ser supervenientemente desencadeado pelo Autor, através do incidente de intervenção principal provocada previsto no art. 316, nº2, situação que, no entanto, se restringe aos casos em que a “dúvida fundamentada” se verifica relativamente à identificação do sujeito passivo da relação controvertida, isto é, uma dúvida objetiva que, não podendo ser imediata e seguramente ultrapassada, colida com a definição dos sujeitos da relação material controvertida”[16], situação diversa de uma dúvida meramente subjetiva ou emergente da violação dos deveres de diligência investigatória que deve preceder a instauração de uma ação[17].
Assim, embora se possa recorrer a este mecanismo logo na petição inicial, a verificar-se situação de dúvida fundamentada, pode suceder e sucede com frequência, como no caso, que a “dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida” apenas brote do teor da contestação e, surgindo, “este incidente evita o risco de a ação prosseguir em exclusivo contra alguém que, afinal, poderá não ser o titular da relação controvertida. Deste modo, além de se contornarem os riscos decorrentes da verificação de uma ilegitimidade singular, aproveita-se a ação pendente para fazer valer a mesma pretensão, ainda que subsidiariamente, contra novo demandado[18]. Esta solução pragmática e útil traduz uma materialização do princípio da economia processual e o reafirmar da regra de proibição de atos inúteis.
“O requerente do chamamento deve, porém, convencer o tribunal das, legítimas, razões da sua incerteza sobre quem é o titular passivo da relação jurídica material controvertida, ou seja, tem de expor os factos reveladores da justificada dúvida necessários para se ajuizar da legitimidade e do interesse em agir do chamado[19].
Assim, no novo Código de Processo Civil, a intervenção principal provocada apenas pode ser requerida em situações de litisconsórcio, não de mera coligação, abrangendo, contudo, também, a situação do art. 39º, esta que se reporta a situações em que existem dúvidas fundamentadas sobre o titular da relação material controvertida[20].
No caso, a Requerente da providência, veio deduzir incidente de intervenção principal, do lado passivo, da Sociedade D..., Unipessoal, Lda, manifestando essas dúvidas, que para si resultaram do teor das oposições deduzidas nos autos.
Cumpre, pois, analisar:
i) - se estamos perante uma situação de “dúvida fundamentada” sobre o sujeito passivo da relação controvertida que justifique o chamamento; e
ii) -  se o mesmo é admissível face ao pedido que contra o terceiro é dirigido.

O recurso ao mecanismo previsto na 2ª parte, do n.º 2, do art. 316º seria admissível, mesmo no âmbito de procedimento cautelar, apesar da urgência deste, por tal não representar prejuízo de relevo e dada a vantagem, que o legislador, também, viu e consagrou, no aproveitamento dos atos, a estar-se perante uma situação de dúvida fundamentada sobre o sujeito passivo da relação controvertida e, perante essa situação de dúvida, se pretendesse dirigir contra o terceiro, possível sujeito dessa relação, a título subsidiário, o pedido formulado contra o sujeito passivo originário. E o pedido que o Autor/Requerente pode formular contra terceiro é aquele que ele inicialmente deduziu contra o sujeito passivo primitivo e, mantendo-se este como parte principal, o terceiro é chamado como parte subsidiária.
Contudo, tal, como vimos, não acontece nos autos, pois que o terceiro não é chamado para contra ele ser formulado um pedido subsidiário, mas, sim, um pedido principal (de condenação solidária com os Requeridos).
Na verdade, logo após se pronunciar pela legitimidade do Requerido, respondendo à exceção da ilegitimidade por este deduzida, na oposição, o que gerou a fundada dúvida, a Requerente vem, nos termos do nº2, do art. 316º e 39º, deduzir incidente de intervenção principal provocada, requerendo o chamamento da sociedade supra referida. Como a Requerente dá a entender no requerimento em que deduziu o incidente em causa, fê-lo para o caso de se vir a julgar procedente a arguida exceção dilatória da ilegitimidade passiva do Requerido. Interpretando o requerimento em causa e analisando a intenção da parte ao formulá-lo, não pode deixar de se considerar ter de valer a interpretação que resultaria, necessariamente, para o homem médio, que é a de que o incidente da intervenção provocada é deduzido por cautela, para o caso de proceder a exceção da ilegitimidade do Requerido, mas, de modo incongruente, não vem formulada pretensão a expressar situação de dúvida sobre a titularidade da relação controvertida, antes vem formulado pedido de condenação solidária do terceiro com as partes primitivas.
Assim, o caso não pode ser subsumido à parte final do nº2, do art. 316º (de chamamento de um terceiro, visando constituir pluralidade subjetiva subsidiária passiva, nos termos do art. 39º, com a parte ativa a requerer o chamamento do terceiro para, contra ele, dirigir o pedido inicialmente formulado contra a parte passiva, mas subsidiariamente).
Na verdade, consagra o artigo 39º, abarcando as situações do litisconsórcio e da coligação,
“É admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvidas fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida”.
Em face da posição assumida pelo Requerido, na oposição, quanto à sua legitimidade, e da possibilidade de diversos enquadramentos jurídicos (dúvida sobre os factos e dúvida sobre a interpretação das normas aplicáveis), decidiu a Requerente pelo chamamento de um terceiro, mas acaba por contra ele formular pretensão de condenação solidária, não pedido nos termos do art. 39º.
Podendo não resultar a existência de dúvida meramente subjetiva, dúvida resultante do incumprimento de dever de diligência investigatória sobre contra quem instaurar a ação, mas uma dúvida objetiva que em face dos factos não podia ser imediatamente ultrapassada, de forma segura, certo é que não vem formulada pretensão subsidiária, mas principal ou primária.
Destarte, surgindo dúvida sobre factos, a prenderem-se com questões de legitimidade do requerido, não chamou, contudo, a requerente terceiro para contra ele deduzir pedido subsidiário, acautelando o prosseguimento dos autos e evitando que entraves processuais obstem ou dificultem, em termos excessivos e desproporcionados, a realização da justiça material[21], antes chamou terceiro para contra ele deduzir pedido principal.
Não obstante o legislador privilegiar a decisão de mérito em detrimento da mera solução formal, tendo, até, consagrado o princípio da prevalência da decisão de fundo sobre a mera forma, certo é que o chamamento tem de ser rejeitado. Não estamos perante situação de pluralidade subjetiva subsidiária passiva superveniente, resultante de fundada dúvida sobre o sujeito da relação material controvertida, surgida no decurso da demanda que se enquadre na parte final do nº2, do art. 316º, atenta a pretensão formulada (condenação solidária), não se mostrando preenchidos os requisitos de admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada, e dado não se enquadrar o caso, também, numa outra das situações de admissibilidade do incidente deduzido, tem a decisão recorrida de ser revogada.
Assim, na procedência das conclusões da apelação, não podendo, como exposto, a decisão recorrida ser mantida, na sua revogação, nenhum efeito produzem os atos praticados no processo, no que ao incidente em apreciação no recurso, digam respeito.

*

Tal nada contende com a validade e eficácia dos demais atos, autónomos, praticados no procedimento cautelar, certo sendo ter sido indeferido o requerimento de atribuição de efeito suspensivo ao recurso.
Considerou o Tribunal a quo nenhum prejuízo haver para fase de produção de prova, tendo determinado a consideração da produzida e continuação de sua produção. Bem o decidiu, o que se mantém, pois que, na verdade, à tramitação do procedimento cautelar cabe imprimir a celeridade que as exigências cautelares do caso impõem e nenhum prejuízo resulta existir para a produção da prova proposta por requerente e requeridos.
Com efeito, não mantida decisão a admitir o chamamento de terceiro e julgado inadmissível o incidente, prejudicadas ficam todas as questões que se prendem com o chamamento e o procedimento cautelar tem de continuar a seguir termos com as partes primitivas. Bem motivou o Tribunal a quo o aproveitamento da prova produzida e a necessidade de continuação da sua produção na falta de prejuízo para a produção da prova proposta por requerente e requeridos e na urgência da tramitação do procedimento cautelar, acrescentando-se, ainda, não ser de repetir a prova, dado o efeito meramente devolutivo fixado ao recurso. Decisão de anulação ou revogação do decidido produz efeitos quanto a atos que com ela estão numa relação de dependência, nenhuns se produzindo sobre os autónomos.
Assim, na procedência das conclusões da apelação, cumpre revogar a decisão que admitiu a intervenção, não sendo de admitir a mesma, com os consequentes efeitos circunscritos ao que se relaciona com o incidente, não a atos autónomos relacionados com o meio adjetivo em que aquele foi suscitado.
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- Da responsabilidade tributária.
As custas do recurso são da responsabilidade da recorrida dada a procedência da pretensão recursória (nº1 e 2, do artigo 527º, do Código de Processo Civil).
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            III. DECISÃO

        Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogando a decisão recorrida, não admitem a intervenção principal provocada, ficando os atos que do incidente são dependência sem qualquer efeito, mantendo-se os demais, dele autónomos.
*
Custas pela recorrida.




Porto, 18 de março de 2024

Assinado eletronicamente pelos Senhores Juízes Desembargadores

Eugénia Cunha
Carlos Gil
Jorge Martins Ribeiro
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[1] Tendo-o feito nos seguintes termos:
“(…) II. DA IMPROCEDÊNCIA DA EXCEÇÃO INVOCADA
8ºCom o devido respeito pelo Requerido, a sua oposição apresenta não só inúmeras falsidades e equívocos, propositados ou não, como diversas considerações totalmente alheias à realidade.
9ºAssim, por estes factos serem falsos, inexatos e imprecisos, ou pela Requerente não ter obrigação de os conhecer, vão todos impugnados.
10ºNo que concerne a exceção dilatória de ilegitimidade passiva invocada pelo Requerido, cumpre antes de mais esclarecer que foi o próprio que se identificou como inquilino da fração A.
11.º Bastará, para tal, que se atente à “Comunicação de início dos trabalhos de operações urbanísticas” que o mesmo dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal do Porto e que se encontra afixada na aludida fração A (Cfr. Doc. 6 junto com a PI).
12.º Não será despiciendo salientar que o Requerido se tenta esconder atrás do véu da sociedade unipessoal “D..., UNIPESSOAL LDA. ”, da qual é o seu único sócio e gerente, como se verifica pela publicação do ato constitutivo desta sociedade, a
qual se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais (cfr. doc. n.º 1), para tentar obstar a produção de efeitos ao presente procedimento cautelar.
13ºAdemais, dispõe o artigo 30.º n.º 3 do CPC que: “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”
Sem prescindir,
III. DA INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
14ºAtenta a oposição deduzida pelo Requerido, e uma vez que este não requereu a intervenção nos presentes autos da sociedade por si totalmente detida, D..., UNIPESSOAL LDA., que, segundo o mesmo, será a arrendatária da Fração em questão nos autos,
15.º vem a Requerente deduzir o chamamento à presente demanda da sociedade D..., UNIPESSOAL LDA., com o NIPC ...36, com sede na Rua ..., ... Porto, , ao abrigo do disposto nos artigos 39.º, 316.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
16ºPois, sendo esta sociedade a arrendatária deverá abster-se de dar ao arrendado uma utilização diferente da prevista no título constitutivo da propriedade horizontal.
17.ºDestarte, deve a sociedade chamada ser condenada solidariamente com os requeridos inicialmente, nos precisos termos do pedido.
IV. DOS DOCUMENTOS JUNTOS
18.º O Requerido veio juntar aos autos três documentos.
19.º A Requerida desconhece, sem obrigação de conhecer, os documentos juntos aos autos pelo Requerido.
20.º Razão pela qual expressamente impugna, formal e materialmente, os Documentos ora juntos pelo Requerido, quer quanto ao seu alcance, efeito e valor probatório, não podendo dos mesmos extrair-se as conclusões e ilações que este pretende”.
[2] Apresenta os seguintes fundamentos:
“1.º Em primeiro lugar, cabe referir que deve ser desentranhado o requerimento que deu início ao incidente e/ou indeferido o mesmo liminarmente, visto que o comprovativo da taxa de justiça devida não foi junto com o mesmo, equivalendo tal à falta de pagamento da taxa de justiça devida para o efeito.
2ºAssim não se entendendo, o que apenas se admite por mera hipótese académica, sempre se deverá, no mínimo, condenar o Requerente em multa.
(…) 5ºDe todo modo, e sem prescindir, por mera cautela de patrocínio, impugna-se na totalidade o requerimento/incidente apresentado, bem como o documento que o acompanha, desconhecendo-se a sua origem, proveniência e veracidade/genuinidade, dele não sendo possível extrair as ilações que com a sua junção pretende a Requerente.
6º Sendo manifesto que a intervenção principal provocada deve ser indeferida.
7º Em primeira ratio porque os procedimentos cautelares não admitem incidentes deste tipo dada a sua estrutura processual sintética e à urgência que pauta as mesmas.
(…) 9.º Mais acresce, cumulativamente a este argumento jurídico, que de forma dolosa a Requerente impugnou, em resposta à contestação da aqui Requerida, o contrato de arrendamento junto (“desconhece, sem obrigação de conhecer” – artigo 20.º do seu “articulado superveniente”. Alias, os recibos de renda foram todos emitidos em nome da pessoa colectiva identificada no contrato – Doc.1) e veio alegar agora o impensável: que o “Requerido se tenta esconder atrás do véu da sociedade unipessoal “D..., UNIPESSOAL, LDA”, da qual é o seu único sócio e gerente (...) para tentar obstar a produção de efeitos ao presente procedimento cautelar”.
10.º Ou seja, na tese da Requerente, o Requerido AA constituiu uma sociedade, quase doze meses antes da instauração da providência cautelar, para obstar aos efeitos da mesma....
11.º Quando o que efetivamente aconteceu foi que a Requerente não diligenciou e/ou recolheu os elementos necessários antes da instauração da acção, numa clara violação do princípio do dispositivo e da autorresponsabilização.
12.º Pretendendo agora tentar suprir/corrigir o seu erro/falta de diligência com um incidente/mecanismo que não existe para tal efeito, o que não se pode de todo aceitar, inventando – em clara litigância de má fé – uma falsa e implausível justificação para tentar admitir em juízo a existência simultânea de dois requeridos, quando um é manifestamente parte ilegítima e quando não estamos perante qualquer litisconsórcio necessário e/ou voluntário.
13.º Ora, “os incidentes de intervenção de terceiros foram estruturados na base dos vários tipos de interesse na intervenção e das várias ligações entre esse interesse, que deve ser invocado como fundamento da legitimidade do interveniente, e da relação material controvertida desenvolvida entre as partes primitivas, estando para tal afastada a possibilidade do recurso ao incidente por parte do autor a fim de possibilitar a substituição do réu, contra quem, por erro, ou opção, dirigiu a ação” [V. Salvador da Costa in Os Incidentes da Instância, 3.ª edição, 78-79.]
14.º Pois bem, volvendo ao caso concreto, logo se constata que a dedução do incidente de intervenção principal por parte da Requerente não serve o estrito propósito de sanar a ilegitimidade de uma das partes no processo, concretamente, mas antes tem a intenção de substituir a parte primitiva- o 2.º Requerido contra quem intentou a ação -, amplitude que este instituto não tem.
15.º No quadro em apreço, assoma evidente que a Requerente pretende fazer intervir a chamada em substituição daquele primitivo requerido, já que o mesmo, por não ser arrendatário da fração em discussão (como se encontra documentalmente provado), não detém legitimidade, tal como a pretensão se encontra fundamentada e deduzida.
16.º Todavia, como supra se referiu, não pode a intervenção principal operar como um expediente da Requerente com vista à substituição do requerido contra quem, por erro, ou opção, dirigiu a presente ação.
(…)18.º Em síntese, a Requerente não pretende salvaguardar nenhuma situação de litisconsórcio passivo, antes pretende que ocorra uma substituição passiva, já que o eventual destinatário da providência não seria o Requerido AA, pessoa singular, mas a terceira que pretende agora chamar.
19.º Assim, a intervenção principal provocada requerida não é admissível, porquanto o seu real propósito não se subsume aos requisitos legais que a enquadram e justificam, sendo insuprível a apontada ilegitimidade singular (que não se confunde com a ilegitimidade grupal acautelada pelo artigo 316.º e seguintes), a qual face ao invocado deverá ser decidida de mérito na sentença.
20.º E se é certo que não olvidamos que a Requerente fundamenta o seu incidente na alegada dúvida sobre a identidade do arrendatário, o que nos reconduziria ao disposto no artigo 39.º do CPC quanto à “dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida”.
21.º A verdade é que o regime instituído neste normativo não pode ser interpretada da forma deturpada que a Requerente o faz…”.
.”.
[3] Tem o referido requerimento o seguinte teor:
“1.º Foi proferido, no passado dia 19 de Dezembro de 2023, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, na sequência do recurso apresentado pela aqui Requerida do despacho que admitiu a intervenção principal provocada, o qual transitou ontem em julgado, conforme confirmamos junto da secretaria da 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, tendo, igualmente, sido informado a Requerida que nos próximos dias desceria o mesmo à primeira instância.
2.º Ora, a fim de evitar a eventual prática de actos inúteis – por ser possível que o acórdão não desça por questões logísticas e/ou burocráticas até ao dia do julgamento agendado (16 de Janeiro) – e a deslocação desnecessária de todos os intervenientes processuais (incluindo testemunhas, partes, interpretes, mandatários, etc.), junta-se com o presente requerimento cópia simples do referido acórdão, que decidiu “anular o despacho que admitiu o incidente de intervenção principal provocada e os ulteriores termos do processo, para que seja conhecida da questão omitida, prosseguindo, então, a, ulterior, tramitação que ao caso couber”. – Cfr. Doc. 1
3.ºRequer-se, então, nestas circunstâncias, o adiamento – por tempo indeterminado – da audiência de julgamento, atento o conteúdo do referido acórdão e o facto de ter sido declarado anulado o despacho de admissão do incidente e todos os actos que lhe sucederam, incluindo a primeira sessão de julgamento.
TERMOS EM QUE:
Requer-se a V. Exia que se digne a deferir o presente requerimento, com as demais consequências legais”.
[4] Lucinda D. Dias da Silva, Processo Cautelar Comum, Princípio do Contraditório e dispensa de audição prévia do requerido, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 113.
[5] Cfr, contudo, o art. 369º, do Código de Processo Civil, com a epígrafe “Inversão do contencioso”
[6] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Edição, 2017, Almedina, pág. 10
[7] Ibidem, pág. 10
[8] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 313.
[9] Ibidem, pág. 313.
[10] Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, vol. I, 5ª ed., Almedina, pág. 810.
[11] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág 383
[12] Salvador da Costa, Os incidentes da Instância, 2017, 9ª Edição, Almedina, pág. 85.
[13] Ibidem, pág. 84.
[14] Ac. do STJ de 2/6/2015, processo 505/07.2TVLSB.L1.S1, in dgsi.net
[15] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 75
[16] Ibidem, pág. 76.
[17] Ibidem, pág. 76.
[18] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 388
[19] Salvador da Costa, Idem, pág. 88 e seg.
[20] Ac. da RP de 19/3/2015, proc. 150/14.6TBPVZ-A.P1.dgsi.net, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição revista e ampliada, março de 2017, Ediforum, pág. 452
[21] Ac. da RL de 23/4/2013, proc. 150/10.5TBLNH-A.L1-7, in dgsi.net