Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
407/07.2TBVCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DE JESUS PEREIRA
Descritores: ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
Nº do Documento: RP20120207407/07.2TBVCD.P1
Data do Acordão: 02/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O art. 1817º nº 1, na redacção dada pela lei nº 14/2009, aplicável ex vi do art. 1873º ambos do Código Civil, tal como acontecia na redacção anterior, continua a contrariar o constante no art. 26º, bem como o disposto nos arts 18º nº 3 e 36º nº 1 todos da CRP, sendo, por isso, materialmente inconstitucional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pc. 407/07.2TBVCD.P1
(Apelação)
Relatora Maria de Jesus Pereira
Adjuntos: Des. Henrique Araújo
Des. Fernando Samões

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1-Relatório.
B…, casada, 49 anos, residente na Rua …, nº …, freguesia de … – …-… Vila Do Conde, intentou acção de investigação de paternidade contra C…, casado, residente na Rua …, nº …, … – ….-… Vila do Conde alegando, fundamentalmente, que:
- no dia 13 de Setembro de 1957, na freguesia de …, concelho de Vila do Conde, nasceu B… que apenas foi registada como filha de D… e sem menção do nome do pai;
- não existe qualquer grau de parentesco ou afinidade entre a referida D… e a autora com o réu;
-a mãe da autora conheceu o réu, quando tinha vinte anos de idade e trabalhava e vivia como criada de servir na casa agrícola dos pais deste, sita em … e conhecida como a “E…”;
- o réu era filho dos patrões da mãe da autora que após a conhecer passou a contactar com ele diariamente nessa casa onde trabalhava e vivia.
- na data dos factos o réu era um adolescente de cerca de 14 anos e idade e ele e a mãe da autora passaram a conviver com a cumplicidade de namorados numa base diária;
- na partir dessa altura e durante os meses de Agosto a Dezembro de 1956 e de Janeiro de 1957 a Maio desse ano o réu e a mãe da autora mantiveram com frequência, relações sexuais de cópula;
- a mãe da autora nesse período manteve relações sexuais exclusivamente com o réu;
- em consequência das relações de cópula mantidas com o réu, a mãe da autora engravidou e deu à luz a autora;
- no mês de Maio de 1957 a mãe do réu tomou conhecimento da existência de relações sexuais entre ambos e da gravidez da mãe da autora e foi expulsa pelos pais do réu da casa de lavoura onde trabalhava e vivia;
- em Maio de 1959 a mãe da autora casou e ficou a viver na casa dos pais em … até 1971 data em que emigrou, sendo que a autora também emigrou em 1972 conde casou em 1975;
- a autora sempre sonhou em saber quem era o seu pai biológico mas a sua mãe não lho revelou com o passar sucessivo dos anos, só no início de Março de 2006 é que a autora logrou obter a informação da sua mãe sobre a identidade do seu pai;
- o direito de a autora conhecer e estabelecer a sua verdadeira identidade pessoal é constitucionalmente assegurado e a possibilidade “biostatisticas” dos testes de ADN abrem caminho à descoberta da verdade.
Conclui pela procedência da acção e, em consequência, ser declarado que a autora é filha do réu, ordenando-se o averbamento dessa paternidade no seu assento de nascimento.

Regularmente citado, o réu contestou por excepção e por impugnação.
Por excepção alega, em síntese, que o acórdão em que a autora se funda julgou inconstitucional o prazo de caducidade de 2 anos após a maioridade para a propositura da acção de investigação de paternidade; porém, o prazo máximo que temos no nosso ordenamento jurídico quanto à prescrição é o de 20 anos e por já terem decorridos mais de 31 anos entende que o eventual direito da autora caducou.
Por impugnação alega, fundamentalmente, que, à data dos factos, era uma criança e nada teve com a mãe da autora, a qual era uma mulher feita e que, apesar de continuar a viver na mesma freguesia nunca a mãe da autora ou esta alguma vez contactou o réu.
Conclui pela procedência da excepção invocada e, em qualquer caso, pela improcedência da acção.

Na réplica, a autora manteve o alegado na sua petição concluindo que o seu direito, de natureza indisponível, é imprescritível.

Procedeu-se à elaboração do despacho saneador, dos factos assentes e da elaboração da BI relativa à matéria controvertida vertida nos 5 pontos daquela peça processual.
Porque o estado dos autos não permitia o conhecimento da excepção invocada relegou-se esse conhecimento para a sentença.
Após cumprimento do disposto no artigo 512 do CPC, a autora veio apresentar o seu rol de testemunhas, bem como outras diligências provatórias, entre as quais, a realização de prova pericial através de exame genético com teste de ADN, no IML ao réu, à autora e à mãe desta.
O réu opôs-se à realização da perícia requerida e, restabelecido o contraditório, essa recusa foi desatendida e, em consequência, foi designado dia para a sua realização a cuja perícia o réu não compareceu e disso deu conhecimento aos autos, mas o juiz a quo julgou a recusa ilegítima e manteve a realização do exame médico para recolha de amostras biológicas, mas porque o réu manteve a sua posição anteriormente assumida os autos transitaram para julgamento.
Teve, então lugar a audiência de julgamento no termo do qual após produção de prova foi fixada a matéria de facto constante de fls.318 a 321, a qual não foi objecto de qualquer reclamação e, de seguida, foi proferida a seguinte decisão: “ Por tudo o exposto, julgo a presente acção procedente por provada, e, consequentemente, declaro a Autora B… filha do réu C…”.
Inconformado com esta decisão interpôs o réu recurso de apelação ora em apreciação que culminou com as seguintes conclusões:
1ª) A resposta aos 5 quesitos deve ser alterada de provado para não provado.
2ª) A resposta positiva aos quesitos 1 a 3 da base instrutória baseou-se no depoimento da testemunha D…, como consta da fundamentação de fls. 318 a 321.
3ª) O depoimento da mãe da autora não merece a credibilidade que o Tribunal recorrido lhe conferiu, pelo contrário estava cheio de irregularidades e contradições.
4ª) O período legal da concepção situa-se entre 18-11-1956 e 27-03-1957. A testemunha referiu 3 relações sexuais de cópula completa que o Tribunal situou entre Agosto e Dezembro de 1956.
5ª) A relação sexual que concretizou na corte do gado em dia indeterminado pelas 4 horas da manhã não é credível porquanto se apurou que o leite era tirado por mais que uma pessoa, que havia o moço a alumiar a ordenha e que tinha de estar o trabalho pronto às 5 horas para ser transportado para o comboio.
6ª) E não pode ter ocorrido porque, como se apurou a mãe do réu estava sempre presente para dirigir este trabalho;
7ª) E não era crível que ocorresse porquanto o réu tinha 14 anos e a mãe da autora 21 anos, não sendo possível ao réu ter relação sexual de pé.
8ª) A relação sexual que a mãe da autora localiza no campo, quando iram (deve ser lapso iam) cortar os pondões a ter ocorrido, que não ocorreu, não podia ter ocorrido no período legal da concepção já que ali só há erva para cegar entre Maio e Setembro (como se apurou) face à abundância de água própria do lameiro nos períodos de inverno.
9ª) Também não é crível que vivendo o réu em casa dos pais e, com estes a trabalhar em casa, não se tivessem estes apercebido que havia interesse sexual do réu na mãe da autora e muito menos que não proibissem imediatamente tal hipótese, situação agravada por o réu ser uma criança.
10ª) Também não é crível que uma mulher de 21 anos fizesse favores sexuais a um rapaz de 14 anos.
11ª) Não é natural que com 14 anos o réu tivesse e conseguisse manter a erecção para penetrar sexualmente uma mulher e com ela manter uma relação sexual de cópula completa.
12ª) Não é natural nem normal que os pais da D:ª D… mantivessem boa relação com os pais do réu se estes tivessem mandando a filha embora, grávida do filho deles, tal qual o tribunal recorrido entendeu na fundamentação.
13ª) A exclusividade do relacionamento sexual também não podia ter sido dada como provada já que a mãe da autora foi vista, por duas vezes, a ter relações sexuais com um trabalhador da casa como depôs a testemunha F… (viu-a duas vezes deitada com um homem em cima dela no cavaneiro o que se traduz em factos concretos) e como referenciamos devidamente.
14ª) E houve testemunhos indirectos (o réu não pode sair prejudicado por a autora ter posto a acção com mais de 50 anos e as pessoas com quem a sua mãe se relacionava intimamente já terem falecido) nomeadamente G…, H… e I…, que demonstraram inequivocamente que havia pessoas que admitiam poderem ser os pais da autora.
15ª) Pelas mesmas razões não podia ter tido resposta positiva o quesito 3º.
16ª) Há contradição entre a fundamentação e a resposta aos 3 primeiros quesitos – o Tribunal na decisão de fls, 318 a 321, o Tribunal situou as relações sexuais durante os meses de Agosto a Dezembro de 1956 e com base nelas deu como provada a exclusividade das relações no período legal da concepção o que, como é manifesto e objectivo não pode ser, por não haver coincidência temporal.
17ª) A resposta aos quesitos 4 e 5 não podia ter sido a que lhes foi dada, quer face ao depoimento da mãe da autora. (esta no seu depoimento na parte final, na penúltima página da transcrição e refere – Ah, eles na escola andam-me a chamar B1…, andam-me a chamar B1…. E eu só lhe respondia não ligues, deixa dizer, deixa dizer, não ligues).
18ª) Se em criança lhe chamavam B1… (na tese da mãe) naturalmente que depois de adulta manteve a informação que pode aprofundar com o aumento da idade.
19ª) Quer com as testemunhas que trouxe a depor sobre o assunto – as duas últimas (o empregado da oficina e a esposa que nada sabiam, J… e K…) nada sabiam, mas situaram o acontecimento em 2005/2006 sem qualquer justificação ou explicação ( parecia que era tão importante para eles que tinham o ano pronto na ponta da língua para dizer ao tribunal).
20ª) Quer o próprio padrasto da autora (a testemunha F…) vem no mesmo sentido – “Olhe e a mãe contou por iniciativa dela ou da filha? Eu acho que foi a filha que lhe perguntou. E quando a filha falou ela disse-lhe logo Exactamente”.
21ª) O próprio marido da autora, e também interessado no desfecho da causa, esclareceu que a mulher só soube em 2006, mas conjugado o seu depoimento com o de I… vê-se que não corresponde “há” verdade já que há 9 anos ele levou a mulher a E… (aproveitando este estar interessado com doença pulmonar e utilizando a hora da visita) na camioneta da farinha que conduzia por conta do seu patrão que vendia.
22ª) A expulsão da casa dos pais do réu é uma versão que está contraditada e não faz sentido. Como podia ser expulsa a D… se a própria mãe do réu (na versão da testemunha) a viu a ter relação sexual com o filho bem antes.
23ª) Tem outra credibilidade a versão que nos foi trazida por G… que transmitiu o que soube pela sua mãe, de que a mãe da autora foi entregue aos pais por ter sido “apanhada” a ter relações sexuais com um trabalhador já casado.
24ª) A não disponibilidade do réu para efectuar o exame hematológico de ADN não pode justificar uma apreciação de prova tal qual foi feita sem equidistância e sem permitir o apuramento dos factos circunstanciais que permitissem testar as declarações da mãe da autora quanto às por si referidas relações sexuais.
25ª) A única testemunha que depôs quanto aos factos dos quesitos 1,2 e 3 é mãe da autora, é parcial e tem interesse no desfecho da causa: O depoimento da N... nada trouxe de novo (só referiu a uma conversa quando tinha dez anos – conversa que tão pouco faz sentido, sendo a mãe da autora e a sua mãe colegas porque vinha contra-lhe da mãe à autora aquilo a que assistira).
26ª) A presente acção porque foi proposta 32 anos depois da maioridade da autora não tem a virtualidade de conferir o direito peticionado porquanto ultrapassa dos dez anos previstos no artigo 1817, nº1, do CC.
27ª) Norma que é constitucional como ensina o Acórdão do TC 401/2011.
28ª) A provada revelação que foi dada como provada a mãe lhe fez em Março de 2006 de que o seu pai era o réu (só lhe revelou com 50 anos) traduzindo-se na confirmação de que na tese da autora já toda a gente sabia, inclusive ela desde os tempos da escola) não é susceptível de preencher o requisito do nº 3 alínea c) do artigo 1817 do CC.
29ª) Está por isso a presente acção caduca.

Nas contra-alegações a autora, com interesse, invoca a inadmissibilidade do recurso da matéria de facto por configurar um “segundo julgamento” e, quanto à matéria, de direito, pugna pela manutenção do decidido.

2-Objecto do recurso.
Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – art. 690, nº1, do CPC na redacção dada pelo D-L 329-A/95, de 12-12 aplicável aos autos – as questões que importa apreciar e decidir são as seguintes:
- Se é de alterar a matéria de facto como pretendido pelo apelante.
- Se há preclusão do direito da autora.

3- Factos provados.
Na sentença foram considerados os seguintes factos:
1-A autora nasceu no dia 13 de Setembro de 1957 (al. A dos factos assentes).
2-É filha de D… e esta filha de L… e M… – certidão de fls.12-
3-O seu registo de nascimento é omisso quanto à paternidade (aliena C dos factos assentes).
4-Nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da autora, D… manteve relações sexuais de cópula completa com o réu (ponto. 1 da BI)
5- E nesse período só com ele (ponto 2 da BI).
6-A gravidez de D… e o consequente nascimento da Autora foram consequência do facto referido no ponto 1 da BI (Ponto 3 da BI).
7-A autora sempre quis saber quem era o seu pai) ponto 4 da BI).
8- Só no início de Março de 2006 a mãe da Autora lhe revelou que o seu pai era o réu (ponto 5 da BI)

4-Fundamentação de direito.
4-1 Se é alterar a matéria de facto como pretendido pelo apelante.
Quando o recorrente pretende que a matéria de facto seja objecto de reapreciação pelo Tribunal da Relação tem o ónus de indicar nos termos do artigo 690-A, nº1, alíneas a) e b) do CPC na redacção dada pelo D-L nº 329-A/95, de 12-12 aplicável aos autos “quais os concretos pontos de facto que considere incorrectamente julgados” e “quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.
Daqui sobressai nitidamente que o controlo efectuado pela Relação sobre a matéria de facto julgada pela primeira instância incide sobre os “pontos concretos de facto” que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, portanto de prova que, na perspectiva do recorrente, impunha decisão diversa da recorrida. Ora, in casu, não é isto que o réu/apelante pretende.
Com efeito, decorre, quer das alegações, quer das conclusões do recurso - mais concretamente das alegações -, que o apelante pretende um segundo julgamento com base em todos os depoimentos cuja transcrição juntou - na parte em que, segundo o apelante, não estão inquinados de contradições/ parcialidade e/ou de conhecimento “na ponta da língua” – a fim de obter respostas diferentes das fixadas em primeira instância, isto é de “ não provados” o que não é permitido tal como acima mencionado.
Como nos diz António Santos Abrantes Geraldes in Recurso em processo Civil – Novo Regime – 3ª ed. pág. 309 “a competência da Relação é residual, circunscrevendo-se os seus poderes à reapreciação de concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados, sendo recusada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto” – cfr, tb Ac. da RL do Porto de 19-03-2000 – Relator Afonso Correia in CJ, tomo IV, pág. 188 –. Ou seja, que o Tribunal de recurso não procede a um novo julgamento, apenas remedia vícios de julgamento de primeira instância em pontos concretos o que não é o pretendido pelo apelante – cfr, Ac. desta Relação de 22-06-2011 in site DGSI –
De acordo com o exposto está vedado a esta Relação proceder a um novo julgamento, pelo que a matéria de facto a ter em consideração é a constante da sentença posta em crise pelo apelante.
Todavia, não deixaremos de dizer que a existir contradição entre a fundamentação e as repostas dadas aos artigos 1 a 3 da BI a mesma não é objecto de recurso como decorre directamente do preceituado no artigo 653, nº5, do CPC contrariamente ao que acontece com a ampliação da matéria de facto quando objecto de reclamação cuja decisão que sobre ela recair pode ser impugnada em sede de recurso, o que, como demonstrado, não é o caso dos autos.

4-2 Se há preclusão do direito da autora.
Entende o apelante que a autora não pode alcançar o direito peticionado, porquanto a acção ultrapassa os dez anos previstos no artigo 1817 do CC que não é inconstitucional como ensina o Acórdão do TC 410/2011.
Antes, porém, de nos debruçarmos sobre a norma invocada, impõe-se que apreciamos a doutrina emanada do Acórdão do TC nº 32/2006 publicado no DR, Iª Série –A de 08 de Fevereiro que” declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de norma constante do nº1 do artigo 1817 do CC , aplicável por força do artigo 1873 do mesmo Código na redacção dada pelo D-L 496/77, de 25 de Novembro alterado pela Lei nº21/98,12-05, na media em que previa, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26,nº1, 36, nº1, e 18,nº2, do CRP”, bem como a alteração operada pela lei 14/2009, de 01-04 em que se funda agora o apelante.
O artigo 1817,nº1, na versão primitiva, dispunha que “A acção de investigação só podia ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação”.
O Tribunal Constitucional veio até àquela declaração entendendo que tal prazo era insuficiente por violar fundamentalmente o direito ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade de cariz constitucional até que a norma foi declara de inconstitucional com força obrigatória geral.
E, com base neste acórdão, a autora em 05-02-2007 veio intentar a acção de investigação contra o réu. Acontece, porém, que, no decorrer da acção, o legislador procedeu, através a Lei 14/2009, de 01-04, à alteração do referido preceito cuja redacção é a seguinte:” A acção de investigação (..) só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação” cuja alteração se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor que, in casu, ocorreu a 2-04-2009, portanto na pendência dos presentes autos (cfr. arts 2 e 3 da Lei 1472009)
Na sentença agora sob censura, o juiz a quo recusou a sua aplicação por considerar que a aplicação daquele artigo (art..3) aos processos pendentes constitui uma violação do princípio constitucional da justiça e da tutela da confiança ínsita no Estado de Direito, por a acção ser intentada na altura em que não existia qualquer prazo de caducidade em virtude da declaração de inconstitucionalidade decorrente daquele Acórdão, nº 23/2006 e, por outro lado, também, considerou que o novo prazo de dez anos estabelecido por aquela lei é materialmente inconstitucional na medida que é “limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível do direito do filho saber de quem descende” – cfr. Acórdão do STJ de 21.09-2010 in site DGSI e, ainda, no mesmo sentido Acórdão do STS de15-11-2011 – Relator Cons. Martins de Sousa In site DGSI e desta Relação de 23-11-2011 in site DGSI –
Quanto à questão da não aplicação da lei aos processos pendentes entendemos que o legislador pode atribuir eficácia retroactiva para tutelar relações jurídicas subjectivas como é o caso dos autos – sobre retroactividade cfr. José de Oliveira Ascensão in O Direito – Introdução e Teoria Geral – 13ª ed. pág. 551 e sobre direitos subjectivos vide Castro Mendes in Teoria Geral do Direito, edição AADFD 1978, pág.319 – sendo, no entanto, de recusar a aplicação do artigo 1871, nº1, na redacção emanada dessa lei por considerarmos que é materialmente inconstitucional tal como defendido na sentença sob censura, pois que a aplicação da doutrina emanada do Acórdão do TC proferido em Plenário com nº 401/2011 não nos vincula.
O direito “do investigante à descoberta da e/ou à declaração da sua ascendência parental não pode ter entraves temporais ao seu exercício, podendo apenas sofrer restrições em casos em que este exercício constitua um abuso de direito, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé ou pelo fim social daquele direito”- cfr. Acórdão da RL de 23-11-2010 e desta Relação de 23-11-2011 já citados -
Ora, no caso dos autos, não é pelo facto da autora ter proposto a acção decorridos mais de 40 anos que só por si se pode concluir pelo abuso de direito. Aliás, dos factos vertidos na petição inicial, sobressai tão-só que a autora intentou a acção por motivações de identidade pessoal: direito de saber quem é o seu pai (– cfr. art.14 da p.i. onde refere que” sempre sonhou saber quem era o seu pai biológico, mas a sua mãe não lho revelou com o passar sucessivos dos anos) direito esse de cariz constitucional – art. 26 do CRP-
Como nos diz o Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro no seu voto de vencido” (..) a natureza dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família reclama a sua vigência plena em todo o ciclo da vida do titular, harmonizando-se mal com soluções limitativas, inibidoras da sua plena realização por critérios de restrição temporal. Na medida em que a acção de investigação de paternidade é condição necessária à sua efectivação, o imperativo da tutela que na consagração constitucional destes direitos vai implicado resulta insatisfeito com a fixação de um prazo de caducidade para o exercício da acção (…), pois contende com o direito ao livre desenvolvimento da personalidade que decisões finalizadores ao obter, no presente, o gozo de bens que nuclearmente a constituem possam ser obstaculizadas por uma preclusão resultante do desinteresse, no passado, em tomar essa iniciativa (..)” – Acórdão TC 401/2011 -
Por isso, consideramos que o artigo 1817, nº1, na redacção dada pelo Lei nº 14/2009 aplicável ex-vi do artigo 1873 ambos do CC tal como acontecia na redacção anterior continua a contrariar o constante naquele artigo 26, bem como o disposto nos artigos 18, nº3, e 36, nº1, todos da CRP, sendo, por isso, de concluir que é materialmente inconstitucional, pelo que recusamos a sua aplicação.
Daqui resulta, pois, que não se verifica a excepção de caducidade ou de preclusão quanto ao exercício do direito da autora, e, ante os factos dados como provados, impõe-se a confirmação da decisão
Em face do exposto, fica, deste modo, prejudicada a análise do nº2, alínea c), do mesmo preceito legal – art. 660,nº2, do CPC -

O recurso é, pois, improcedente.
Decisão
Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam:
1º) Julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
2º) Condenar o apelante nas custas – art. 446, nº1, do CPC-

Porto, 07-02-2012
Maria de Jesus Pereira
Henrique Luís de Brito Araújo
Fernando Augusto Samões