Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
599/11.6TTBCL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: DESPEDIMENTO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Nº do Documento: RP20130321599/11.6TTBCL.P1
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: INDEFERIDO O PEDIDO.
Indicações Eventuais: SOCIAL - 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I- O despedimento referido na alínea a) do artigo 79º do CPT que determina um grau de recurso independentemente do valor da causa e da sucumbência é o despedimento em sentido técnico-jurídico e não o chamado “auto-despedimento”.
II- Não é admissível recurso nas acções em que se discute a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, que peticiona simples montante indemnizatório, se o valor da causa é inferior à alçada do tribunal de 1ª instância, ou se excedendo-o, o valor da sucumbência é inferior a metade desta alçada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Processo nº 599/11.6TTBCL.P1
Apelação
Reclamação

Relator: Eduardo Petersen Silva
Adjunto: Desembargador João Diogo Rodrigues
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B...... veio intentar a presente acção declarativa de condenação com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra C......, Ldª, pedindo que:
- seja declarado nulo o contrato de formação;
- seja declarada nula a declaração de reconhecimento de dívida, por se considerarem cláusulas abusivas e ilegais, bem como por se verificar vício de vontade;
- seja declarado sem termo o contrato de trabalho celebrado entre A. e R.;
- seja declarada lícita a resolução do contrato de trabalho por iniciativa da A. e assim seja condenada a R. a pagar-lhe a quantia de €3.041,50 relativa a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação e da indemnização, acrescidos de juros.

A R. contestou e deduziu reconvenção, concluindo pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, pedindo nesta a declaração de ilicitude da resolução operada pela A. e a sua condenação a pagar-lhe quantia não inferior a €475,00.

A A. respondeu à reconvenção, pugnando pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador em que se decidiu pela inadmissibilidade da reconvenção e se fixou à acção o valor de €3.041,50.
Não foi interposto recurso do despacho saneador.

Procedeu-se a julgamento, foi fixada a matéria de facto decidida provada e foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
“Face ao exposto, e sem necessidade de maiores considerações, decide-se:
1. Julgar nula a declaração de reconhecimento de dívida junta aos autos a fls. 31 e ss.;
2. Julgar nulo o termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre a autora e a ré, junto aos autos a fls. 24 e ss.;
3. Julgar verificada a existência de justa causa invocada pela autora B......, para a resolução do contrato de trabalho que a vinculava à ré “C…., Ldª” e consequentemente condenar a ré a pagar à autora, a título de indemnização, a quantia de 712,50€;
4. Sobre a quantia fixada deverá a ré pagar juros de mora contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.;
5. Absolver a ré dos demais pedidos formulados”

A ré veio requerer a reforma da sentença na parte em que declara inválida a declaração de reconhecimento de dívida, invocando aliás que da sentença não cabe recurso.
Seguidamente, interpôs recurso da sentença.
Foi então proferido despacho que admitiu o recurso e decidiu, por isso, não se pronunciar sobre a reforma pretendida.

No recurso interposto, a Ré alegou como questão prévia a da recorribilidade da sentença, uma vez que é entendimento expresso da jurisprudência que: “é sempre admissível recurso para a Relação nas acções em que se discute a existência de justa causa de rescisão do contrato de trabalho pelo trabalhador, ainda que o valor da causa seja inferior ao da alçada do tribunal, devendo interpretar-se a expressão “despedimento do trabalhador” usada no artigo 79º, a), em sentido amplo, de forma a abranger o chamado auto-despedimento” (Ac. RL, de 11.2.2004)”.
Após formular as suas conclusões, a Ré pediu “Termos em que e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e a sentença, na parte em que considera lícita a resolução com justa causa operada pela Apelada, ser revogada e substituída por outra que a considere ilícita”.

Foram apresentadas contra-alegações.
O Exmº Senhor Procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido do recurso não merecer provimento, ao qual respondeu a Ré, apelante.

Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo relator foi proferido o seguinte despacho: “O recurso de decisão final, sentença, proferido numa acção em que se pede a declaração de licitude da resolução com justa causa, operada pelo trabalhador, do seu contrato de trabalho, não se enquadra no disposto no art. 79º do Código do Processo de Trabalho. Tal recurso é sujeito às regras de admissibilidade gerais previstas no art. 678º nº 1 do C.P.Civil.
Assim, atento que o valor da acção é de €3.041,50 e que a alçada do tribunal de 1ª instância é de €5.000,00 – art. 24º da Lei 3/99 de 13.1 na redacção dada no DL 3032007 de 24.8 – sendo aquele inferior a este, não admito o recurso interposto. Notifique”.

Inconformada, vem a recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 700º nº 3 do CPC, apresentar a sua reclamação para a conferência, com os fundamentos que aqui sintetizamos:
“- No caso da apreciação da licitude do despedimento, o que está em causa é a verificação da existência de circunstâncias que legitimem a entidade empregadora a colocar termo à relação laboral, com todas as consequências daí advenientes. É precisamente a gravidade destas que justificam a excepção às regras da recorribilidade.
- Ora, é justamente o mesmo valor que está em causa na apreciação da licitude da rescisão operada pelo trabalhador, a verificação de causas objectivas, fundadas na culpa do empregador, que legitimem o trabalhador a pôr termo ao vínculo que o liga ao empregador, constituindo este na consequente obrigação de o indemnizar.
- Ou seja, a apreciação da existência de uma justa causa para a cessação da relação laboral está presente num e noutro caso, não se compreendendo que possa recorrer-se da decisão que se pronuncia sobre a licitude do despedimento e já não da decisão que recaia sobre o chamado “auto-despedimento”.
- Para esse mesmo aspecto alerta o citado acórdão da Relação de Lisboa ao mencionar expressamente que “Seria verdadeiramente discriminatório não conferir ao trabalhador que rescinde o seu contrato de trabalho com alegação de justa causa, o mesmo direito de acesso ao recurso para a Relação que é conferido ao empregador que despede o trabalhador com alegação de justa causa”.
- Assim, a não extensão do regime excepcional da alínea a) do artigo 79º ao presente caso traduzir-se-ia numa tremenda discriminação: se o que está em causa é a verificação da existência de justa causa para a cessação do contrato de trabalho, dificilmente se compreenderia que tal fosse ou não relevante para efeitos de recorribilidade da sentença consoante estivesse em causa uma cessação determinada por iniciativa do trabalhador ou do empregador.
- Relembre-se que as partes se encontram aqui no plano processual. Se, no âmbito do direito material laboral, poderá haver uma construção sistemática tendente ao fortalecimento da posição contratual do trabalhador perante o empregador em virtude da sua situação de subordinação jurídica e, em muitos casos, de dependência económica, no plano processual, tal diferenciação não se justifica como não se admite, em face do princípio da igualdade das partes constante do artigo 3º-A CPC, aplicável ex vi do nº 2 do artigo 1º do CPT.
- Não se compreende pois que, estando em causa a apreciação de um despedimento – de um “auto-despedimento”, entenda-se – esteja a recorribilidade da decisão que sobre este incidiu limitada, ao arrepio dos fundamentos materiais vertidos na alínea a) do artigo 79º do CPT.
- Daí que a douta argumentação expendida pelo Tribunal da Relação de Lisboa (…) se aplica, mutatis mutandis, ao presente caso.

Dispensados os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

Trata-se de saber se a possibilidade de recurso independentemente do valor da acção, consagrada no artigo 79º do Código do Processo de Trabalho, existe também para os casos em que o trabalhador resolve o contrato de trabalho.
Dispõe o artigo 79º do Código do Processo de Trabalho, sob a epígrafe “Decisões que admitem sempre recurso”: “Sem prejuízo do disposto no artigo 678º do Código de Processo Civil e independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação:
a) Nas acções em que esteja em causa a determinação da categoria profissional, o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa e a validade ou subsistência do contrato de trabalho;
(…)”.
O despedimento do trabalhador é também a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, o chamado “auto-despedimento”?
Não está em causa a igualdade das partes, no plano processual. É evidente que se é admitido recurso para uma determinada categoria de processos, tal admissão é independente da qualidade da pessoa vencida.
O percurso feito pela reclamante, no sentido de que a decisão judicial de primeira instância sobre auto-despedimento tem sempre recurso, permite a conclusão subsequente de que, se assim é, então quer seja o trabalhador quer seja o empregador que fique vencido, haverá recurso. Esta extrapolação é necessária, em termos de pensamento, porque a citação do acórdão de Lisboa debruça-se sobre a discriminação entre um trabalhador que é despedido com justa causa e um que se despede com o mesmo fundamento.
Podemos até avançar que é facto que por vezes os trabalhadores que se despedem foram levados a despedir-se. E neste caso, parece que ficariam prejudicados se não pudessem recorrer da decisão de 1ª instância que lhes não reconhecesse razão.
Deste modo, e por ser pressuposto da conclusão oferecida a partir do princípio da igualdade das partes, o que é verdadeiramente necessário averiguar é se realmente o artigo 79º al. a) do CPT admite o recurso nos casos em que o trabalhador resolve o seu contrato de trabalho.
Tal não resulta do sentido literal da interpretação: - o preceito refere despedimento e não resolução do contrato, nem sequer avança uma fórmula menos rigorosa, como “despedimento do e pelo trabalhador”.
Como se sabe, são figuras jurídicas diferentes – artigo 340º do Código do Trabalho, alíneas c) a f) por um lado, e g) por outro. No despedimento o empregador, por diversas causas que a lei considera que são válidas para postergar a estabilidade de emprego, promove a cessação unilateral do contrato, na resolução do contrato é o trabalhador quem o faz, com motivos que podem ser imputados culposamente ao empregador ou com motivos que lhe dizem respeito a ele mesmo, trabalhador, como a necessidade de cumprir obrigação legal incompatível, ou a não adaptação a uma alteração licitamente determinada pelo empregador – artigo 394º nº 2 e 3 do Código do Trabalho.
Se voltarmos ao texto da alínea a) do artigo 79º, nele não vemos referência à discussão da justa causa, e portanto não é correcto, ou não é inteiramente correcto dizer que o que está em causa nos dois casos, tanto no caso do despedimento como no da resolução, é a discussão da existência de justa causa.
Constitui ainda regra interpretativa, segundo o artigo 9º nº 3 do Código Civil, que se deva presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, regra na qual se integra a noção de que o legislador sabe qual é a diferença entre um despedimento e uma resolução do contrato e que se exprime com adequado rigor técnico – a partir do que diríamos que se o legislador, conhecendo tal diferença, escreveu despedimento, estava a referir-se apenas ao despedimento em sentido técnico-jurídico, isto é, à cessação unilateral do contrato de trabalho promovida pelo empregador. É por isso que a reconstituição do pensamento do legislador, através de outros meios de interpretação, não pode conduzir a um resultado que não tenha um mínimo de correspondência no texto legal.
Elemento fundamental da interpretação das normas jurídicas é também o teleológico, a indagação do objectivo que o legislador quis salvaguardar ou implementar.
A disposição do actual CPT já constava do CPT na versão aprovada pelo DL 480/99 de 9 de Novembro, tendo aliás sido introduzida, com este contorno, nesta versão, visto que a anterior, constante do DL 272-A/81 de 30 de Setembro era diferente. Lê-se no preâmbulo do DL 480/99 que “Em matéria de recursos, as alterações propostas visam fundamentalmente a consagração expressa de que também no foro laboral tem aplicação a regra da sucumbência estabelecida no Código de Processo Civil, sem prejuízo dos casos em que, por força dos valores em discussão, o recurso até à Relação é sempre admissível, e a cujo elenco se acrescenta o relativo às causas respeitantes à determinação da categoria profissional”. A versão do CPT aprovada pelo DL 272-A/81 estabelecia no artigo 74º, nº 4, que “Só admitem recurso as decisões proferidas nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e naquelas para as quais a lei determina expressamente não haver alçada”, e no seu nº 5 que “Não há alçada nos processos emergentes de doenças profissionais e nos processos do contencioso das instituições de previdência, abono de família e organismos sindicais”. E, no preambulo deste diploma, lia-se: “Para além das inovações introduzidas em 1979, algumas das quais corrigidas pelo actual Código, apresenta-se o seguinte conjunto de princípios acolhidos de novo pelo presente diploma: (…) al. e) Do mesmo passo, permite-se sempre o recurso em casos de manifesta gravidade para os interesses dos trabalhadores”.
Portanto, não será fora de propósito assentar que o que legislador intentou proteger foram “os interesses dos trabalhadores”, ou seja, prevenir com um grau de recurso, em qualquer caso, os casos de maior gravidade para os interesses dos trabalhadores. Esses casos vieram a ser enumerados, gradualmente, até à versão actual, e correspondem a uma opção legislativa que tem de ser expressa, enquanto representa uma excepção à regra geral da sucumbência, também acolhida no processo laboral.
E qual é então a maior gravidade, ou como bem afirma a reclamante, quais são as consequências que se querem prevenir? A nosso ver, aqueles que não se reconduzem, a final, a uma questão simplesmente monetária. Já não considerando senão os casos constantes da alínea a) do artigo 79º do CPT, na determinação da categoria profissional não está em causa apenas a valorização salarial - e mesmo assim esta mostrar-se-ia enquadrada na pendência da relação laboral, caracterizada pela subordinação do trabalhador - mas também, senão sobretudo, a valorização pessoal do trabalhador, o seu posicionamento na empresa, na estrutura hierárquica. No caso do despedimento do trabalhador, quer o mesmo seja determinado por razões de culpa sua, quer por razões objectivas que levam à extinção do posto de trabalho, seu ou duma pluralidade de trabalhadores, quer por inadaptação do trabalhador, bem assim como na menção expressa à reintegração na empresa e à validade ou subsistência do contrato de trabalho, está manifestamente em causa o princípio da segurança laboral, da estabilidade laboral, enquanto direito constitucionalmente garantido que é também pensado, constitucionalmente, enquanto condição de realização pessoal, social e familiar do trabalhador, além de, obviamente, ser condição da sua própria sobrevivência, enquanto mantivermos uma estrutura económica assente no trabalho.
E no caso do auto-despedimento? A primeira observação é a de que o mesmo resulta do exercício de vontade do trabalhador. Isto significa que, em termos gerais, é o próprio trabalhador que prescinde da estabilidade ou segurança no emprego. Este seu mesmo exercício de vontade permite outras formas de cessação do vínculo laboral. Permite que o trabalhador denuncie o contrato, unilateralmente, permite que o trabalhador nem se dê ao trabalho de o denunciar, e simplesmente abandone o trabalho. A lei equipara o abandono à denúncia, servindo à falta de aviso prévio que a ambos possa assistir, a penalização da indemnização a favor do empregador.
Manifestamente, estes são também casos de auto-despedimento, mas a estes não faria sentido considerá-los de especial gravidade para os interesses do trabalhador, justamente porque ocorre neles o exercício duma liberdade pessoal do trabalhador, e o único interesse que pode estar em prejuízo é do empregador, cuja organização produtiva pode ter sido afectada, ou se presume (indemnização correspondente ao período em falta) que foi afectada.
Voltemos ao auto-despedimento consistente na resolução do contrato com fundamento em justa causa. De novo, no que toca aos casos em que a justa causa procede de facto imputável ao trabalhador – artigo 394º nº 3 alíneas a) e b) – não faria sentido discutir sempre até à Relação, se a obrigação legal que o trabalhador invocou como incompatível com a continuação da sua prestação laboral era ou não verdadeira ou era ou não incompatível. O que está em causa não é o interesse do trabalhador, mas o do empregador na consequência da ilícita resolução, isto é, na indemnização. Trata-se dum interesse meramente monetário, o trabalhador não vai ser obrigado a voltar a integrar a organização produtiva, e esse interesse monetário terá ou não relevância e dignidade (isto é, valor suficiente) segundo a regra geral da alçada e da sucumbência.
Este mesmo argumento se aplica à justa causa baseada na falta não culposa do pagamento da retribuição – alínea c) do dito nº 3. O trabalhador, se perder a acção, não será obrigado a voltar, no máximo será obrigado a indemnizar o empregador pelo período de pré-aviso que não dá.
Nos casos a que se refere o nº 2 do artigo 394º do Código do Trabalho, o que temos é ainda, salvo melhor opinião, a mesma coisa: - o que está em discussão é o valor estritamente monetário da indemnização, quer seja aquela que o trabalhador reclama, quer a que, na improcedência da justa causa invocada, o empregador tenha direito. Operada pelo trabalhador a resolução do contrato, não há qualquer forma de repor a situação anterior “in natura”. E por isso o que está em causa é apenas um valor monetário.
Dir-se-á: mas esse valor monetário, da banda do trabalhador, é ou pode ser o sucedâneo do seu posto de trabalho, é ou pode ser grave (de valor considerável). Mas é ou pode ser, quer dizer, não é sempre. Dependendo da antiguidade, ou mais correctamente da idade do trabalhador, o valor de indemnização pode ser apenas o trampolim de adequada e digna sobrevivência até à reorganização da sua vida profissional, não esquecendo que o caso dará lugar a protecção social. E se o valor for considerável, entrará na regra da alçada e sucumbência.
E dir-se-á: a al. a) do artigo 79º do CPT distingue o despedimento da reintegração[1], portanto o despedimento não tem necessariamente de pressupor que o trabalhador, na acção de impugnação do despedimento, peça a reintegração, isto é, peça o seu posto de trabalho de volta, podendo optar logo por uma indemnização por antiguidade.
Em primeiro lugar, cremos que a distinção entre o despedimento e a reintegração permite conceder sempre recurso aos casos em que não estando em causa o despedimento, está em causa a reintegração, por força da discussão sobre a validade do contrato ou da sua subsistência. Neste particular, a conjuntiva entre a reintegração e validade e subsistência do contrato constante da parte final da alínea a) em causa, permite consagrar autonomamente os casos em que esteja apenas em discussão a validade e subsistência mas também se refere àqueles em que por força desta discussão esteja ainda em causa a reintegração. Querendo autonomizar a reintegração, o legislador haveria de ter usado uma alternativa e não uma conjuntiva.
De resto, há casos em que não está em causa a validade nem a subsistência do contrato, pelo menos directamente, mas em que está em causa a validade de causa de cessação do contrato que não seja o despedimento. É o caso da discussão sobre os vícios de vontade ligados à revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo, ou até, podemos admitir, aqueles em que tendo o trabalhador resolvido ou denunciado o contrato, vem depois invocar vício da vontade nessa sua actuação negocial, e pedir que em função desse vício seja a final reintegrado.
Mesmo que não se entenda ser esta a causa da distinção legislativa entre despedimento e reintegração - e assim poderíamos porventura dizer que não estaria só em causa a estabilidade do posto de trabalho - então o que é que estaria em causa no despedimento, stricto sensu, que o fizesse merecer recurso para a Relação, sempre? Estaria também a protecção do trabalhador contra os casos mais graves, isto é, contra aqueles em que fenecem as razões objectivas que o legislador considera suficientes para que o empregador faça cessar a relação laboral, ou ainda mais gravemente, contra aqueles em que o fundamento real é diferente do fundamento declarado, quer dizer, contra os despedimentos que se fundam em motivos de discriminação – no fundo, como punição ou pedagogia autónoma da utilização abusiva da possibilidade legal de despedir.
Repare-se, dum ponto de vista prático, se a ilicitude do despedimento é formal, ou o vício é corrigido, ou é assumido pelo empregador – e neste caso a defesa do trabalhador será também contra a “complicação jurídica formal” em torno das questões procedimentais, que necessariamente carece da intervenção de profissionais habilitados e que sempre apresenta bastantes dúvidas e posições jurídicas e jurisprudenciais variadas. Se por outro lado, o motivo da ilicitude do despedimento é a ausência, pura e simples, de processo a ele conducente, em termos práticos nunca haverá recurso, pois essa ilicitude não tem como ser remediada e não ser decretada, inelutavelmente, pela 1ª instância.
De novo, assim e nesta questão, o legislador parece dar seguimento a uma ideia de menor capacidade do trabalhador – justificada, injustificada ou porventura de novo justificada, em termos históricos – que subjaz ao princípio de maior favor.
Mas ainda assim, também esta ideia dita a possibilidade de voltar atrás na revogação – artigo 397º do Código do Trabalho. Significa isto que o legislador concedeu uma hipótese ao trabalhador de repensar a resolução invocada, e que por isso, quando a resolução é operada definitivamente, a liberdade e consciência do trabalhador na sua decisão de se desvincular está garantida.
Ora, a esta liberdade, a esta vontade livre e esclarecida[2], tem de corresponder a inerente responsabilidade, e a limitação do recurso para a Relação aos casos de despedimento stricto sensu não deixa de operar essa responsabilidade. O trabalhador opta por largar o seu posto de trabalho e por pedir apenas um valor monetário, e este, ou é ou não é suficientemente relevante, segundo a regra geral da alçada e da sucumbência.
Por outro lado, constituindo a norma jurídica um comando geral e abstracto, o legislador não podia manifestamente considerar como equivalente ao despedimento qualquer tipo de resolução do contrato, como resulta do já acima exposto, e o único que apresentaria semelhança com o despedimento por justa causa (sem ela, aliás) seria o do trabalhador ter sido forçado à resolução. Tal força – se não pudesse reconduzir-se a um verdadeiro vício de vontade – teria de ser de monta suficiente para tornar inúteis todos os outros meios que o trabalhador tem à sua disposição para combater o assédio, designadamente o recurso a tribunal para impor ao empregador outra conduta, ou o recurso às entidades competentes de fiscalização. Portanto, o legislador haveria de ter consagrado que o recurso para a Relação era sempre possível nos casos em que o trabalhador resolvesse o contrato de trabalho por ter sido inelutavelmente conduzido pelo empregador a um ambiente ou um condicionante insuportável. Este sentido literal, que havia de ter ficado expresso, é muito diferente do simples alargamento do conceito de despedimento ao “auto-despedimento”.
Deste modo, não há um mínimo de correspondência no texto, e não pode o intérprete fazer esta interpretação, no sentido de que o despedimento previsto no artigo 79º é também o chamado auto-despedimento.
Por fim, diga-se, a jurisprudência não é vasta, mas no nosso sentido – de que a decisão judicial nas causas em que se discuta a resolução, pelo trabalhador, do seu contrato de trabalho com invocação de justa causa, em que está em causa apenas um valor de indemnização, não tem garantido recurso para a Relação independentemente do valor – o acórdão do STJ de 6 de Julho de 1994 (CJ, tomo III), que decidiu que “se o pedido se refere só à indemnização por rescisão de contrato a termo, não estão em causa o despedimento e reintegração da trabalhadora, nem a validade do contrato de trabalho, pelo que o valor da acção há-de ser o do pedido de indemnização por aquela rescisão, não sendo aplicável o nº 3 do art. 74º do CPT” (em vigor à data).
Assim sendo, indefere-se a reclamação, confirmando-se o despacho do relator.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam indeferir a reclamação e confirmar o despacho do relator que não admitiu o recurso interposto da sentença da primeira instância.
Custas pela reclamante.

Porto, 21.3.2013
Eduardo Petersen Silva
João Diogo Rodrigues
Paula Maria Roberto
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Sumário:
O despedimento referido na alínea a) do artigo 79º do CPT, que determina um grau de recurso independentemente do valor da causa e da sucumbência, é o despedimento em sentido técnico-jurídico, e não o chamado “auto-despedimento”.
Não é assim admissível recurso nas acções em que se discute a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, que peticiona simples montante indemnizatório, quando o valor da causa é inferior à alçada do tribunal de 1ª instância, ou nos casos em que excedendo-o, o valor da sucumbência é inferior a metade desta alçada.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).
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[1] Note-se aliás que a redacção da alínea a) do artigo 79º do CPT já distingue a reintegração do despedimento mesmo antes da reintegração ter passado a ser materialmente discutível, de per si, por via do Código do Trabalho de 2003 – artigo 438º nº 2.
[2] Liberdade e esclarecimento que não existem nos casos que acima admitimos de invocação de vício da vontade na emissão da declaração de resolução, fundamento do pedido de reintegração por parte do trabalhador.