Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
732/06.0PBVLG-A.P1
Nº Convencional: JTRP00042456
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO
Nº do Documento: RP20090420732/06.0PBVLG-A.P1
Data do Acordão: 04/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 366 - FLS44.
Área Temática: .
Sumário: A decisão de conversão da multa em prisão subsidiária tem de ser notificada não só ao defensor, mas também pessoalmente ao condenado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 732/06.0PBVLG
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e Maria Elisa Marques,
- após conferência, profere, em 20 de Abril de 2009, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. No processo comum (tribunal singular) n.º 732/06.0PBVLG, do .º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, o arguido B………. foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo disposto no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 90 [noventa] dias de multa à taxa diária de €3,00, o que perfaz a quantia de €270,00 [duzentos e setenta euros] [fls. 14 da certidão que integra estes autos].
2. O arguido não procedeu ao pagamento da multa, pelo que foi determinada “a conversão da multa em prisão subsidiária e, consequentemente, o cumprimento pelo arguido de prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, que, no caso em concreto, corresponde a 60 [sessenta] dias de prisão subsidiária” [fls. 38 destes autos]. Mais se determinou que o arguido fosse notificado “pessoalmente, advertindo-o de que poderá, a todo o tempo, evitar a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado (artigo 49.º, n.º 2, do Código Penal)”.
3. Porém, não foi possível notificar o arguido do teor deste despacho, por ser desconhecido o seu actual paradeiro [fls. 43 destes autos]. Procedeu-se, isso sim, à notificação do defensor [fls. 39].
4. O Ministério Público promoveu, então, que se considerasse o arguido notificado na pessoa do seu defensor e que fossem emitidos os respectivos mandados de detenção e de condução do arguido ao estabelecimento prisional [fls. 45-47 destes autos].
5. Sobre tal promoção recaiu o seguinte despacho [fls. 49-50 destes autos]:
«Nos presentes autos, foi o arguido B………. condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º/1 do DL 2/98, de 03-01, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €3,00, no total de €270,00.
Notificado para proceder ao pagamento da pena de multa sob cominação de não o fazendo ser a mesma convertida em prisão subsidiária, o arguido não procedeu ao seu ­pagamento, pelo que foi determinada a conversão nos legais dias de prisão, que no caso correspondem a 60 dias de prisão subsidiária e determinada a sua notificação pessoal do despacho em causa.
O Ministério Público veio, a fls. 45 e 46, propugnar pelo trânsito em julgado da decisão que converteu a pena de multa em prisão subsidiária, alegando que a decisão em causa assume a forma de despacho, podendo a notificação da mesma ser feita apenas na pessoa do Defensor, atento o preceituado no art. 113º do CPP, o que promove.
Cumpre apreciar.
É certo que o art. 113º/9 do CPP estabelece que as notificações do arguido podem ser feitas ao respectivo defensor, exceptuando-se as relativas à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial, e dedução de pedido de indemnização civil.
Não obstante, há que ter presente que o despacho que determina a conversão da pena de multa em prisão subsidiária e que fixa os dias de cumprimento da prisão em causa ­consubstancia uma decisão que interfere com a liberdade do arguido, reconduzido à sua privação da mesma.
Como bem se nota no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-10-2007, disponível em www.dgsi.pt, com o n.º de documento RP24102007074-31465, "(...) antes da conversão da multa não paga em prisão subsidiária esta ainda não existe, verificando-se apenas uma pena de multa", pelo que converter a pena de multa em prisão subsidiária e notificar o condenado de tal despacho assegura mais cabalmente o direito ao arguido de se socorrer da faculdade legal do disposto no art. 49º/ 2 e 3) do Código Penal, porquanto, desde logo, se pode equacionar, caso o arguido o requeira, a possibilidade de suspensão de execução dessa pena.
Tal não se basta com a notificação do Defensor, já que o arguido, melhor do que ninguém conhecerá as razões do não pagamento da pena de multa e os fundamentos para uma eventual suspensão da sua execução, caso se verifiquem, tendo o direito de conhecer, através de uma notificação pessoal dos legais dias de prisão que lhe caberá cumprir pela falta de pagamento da pena de multa, não sendo surpreendido com um mandado de detenção para cumprimento dos mesmos [s]em ter tido oportunidade de os conhecer e reagir.
Este é o entendimento que, segundo cremos, melhor assegura as garantias de defesa do arguido consagradas constitucionalmente, e o que melhor se conjuga com a efectividade da primazia da pena de multa enquanto pena principal e com a sua função – a de constranger o condenado ao seu pagamento.
Face a tudo quanto ficou exposto, não considero o arguido devidamente notificado do teor do despacho de fls. 38 – onde, aliás, se determinava a sua notificação pessoal (uma vez que, transitada em julgado a sentença condenatória, o TIR, enquanto medida de coacção, se extinguiu), não tendo, como tal, tal decisão transitado em julgado, não podendo haver lugar à emissão de mandados de detenção.
Notifique.
(…)»
6. Inconformado, o Ministério Público recorre, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões [fls. 58-60 destes autos]:
«1.º - A Meritíssima juiz a quo proferiu despacho judicial em que não considerou o arguido notificado do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária e, por conseguinte, entendeu que o mesmo não transitou em julgado não sendo susceptível de execução.
2.º - Pese embora não ter sido possível notificar o arguido do teor do aludido despacho, por ser desconhecido o seu actual paradeiro, o certo é que a sua defensora dele foi notificada.
3.º - O legislador na formulação do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal discriminou exaustivamente as decisões cuja notificação deve ser feita quer na pessoa do arguido, quer na do seu defensor, não incluindo nessa enumeração o despacho ora em apreço.
4.º - Nem deve o mesmo ser considerado como fazendo parte integrante da sentença, na medida em que constitui uma decisão autónoma que se insere na sua fase de execução, pelo que não se mostra abrangido pela 2ª parte do n.º 9 do artigo 113.º, do Código de Processo Penal.
5.º - Por outro lado, esta interpretação não colide com as garantias de defesa do arguido, tanto mais que o mesmo foi advertido pessoal e expressamente das consequências que poderiam advir do não pagamento da pena de multa, das quais ficou ciente, tendo nessa altura tido a oportunidade de carrear para os autos os eventuais fundamentos justificativos (a existirem) do incumprimento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal, pelo que assegurado ficou o exercício do contraditório por parte do arguido.
6.º - Tendo o arguido sido notificado, na pessoa do seu defensor, do despacho que ordenou o cumprimento da pena de 60 dias de prisão subsidiária, o mesmo já transitou em julgado, devendo, por conseguinte, ser emitidos os respectivos mandados de detenção e condução do arguido ao Estabelecimento Prisional para cumprimento da pena.
7.º - Ao não entender assim, a Meritíssima Juiz a quo fez uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 49.º, n.ºs 1 a 3, do Código Penal e 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal.
Termos em que deve o recurso interposto pelo Ministério Público merecer o provimento de V. Ex.ª, ordenando-se a revogação do despacho judicial de fls. 48 e segs., devendo o mesmo ser substituído por despacho que considere o arguido notificado do despacho que decretou a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, na pessoa do seu defensor, e, em consequência, considere que o mesmo já transitou em julgado, ordenando a emissão dos mandados de detenção e condução do arguido ao Estabelecimento Prisional para cumprimento da respectiva pena.
(…)»
7. Nesta instância, o Exmo. procurador-geral adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, salientando que está em causa a privação da liberdade do arguido pelo que deve assegurar-se o exercício do contraditório antes da decisão de converter a multa não paga em prisão subsidiária – sob pena de se cometer a nulidade prevista pelo artigo 120.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal [fls. 36].
8. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO
9. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objecto do recurso, importa apreciar e decidir apenas uma questão: — saber se a notificação do arguido da decisão que converteu a pena de multa não paga em prisão subsidiária pode ser feita ao respectivo defensor [como entende o recorrente – Ministério Público], ou se se deve entender que tal decisão é ressalvada pela Lei, pelo que, além da notificação do arguido, deve igualmente ser notificada ao defensor.
10. Sufragamos o Parecer do Exmo. procurador-geral adjunto quando refere que a conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária é feita por fases e deve assegurar o exercício do contraditório. [Nesse sentido, acórdãos da Relação do Porto de 24.10.2007 (Maria Elisa Marques), processo 0743465 e de 9.4.2008 (Airisa Caldinho), processo 0840367; da Relação de Lisboa de 18.3.2004 (Francisco Neves), processo 655/2004-9; da Relação de Coimbra de 14.3.2007 (Orlando Gonçalves), processo 29/04.0GBFND-B.C1; e da Relação de Guimarães (Nazaré Saraiva), processo 2397/05-1, todos em http://www.dgsi.pt/, acedidos em Fevereiro de 2009].
11. No caso concreto o que está em causa [objecto do recurso] é tão-somente a notificação do despacho que procedeu à conversão da multa não paga em prisão subsidiária – a certidão que integra os autos não abrange sequer os procedimentos que a ele conduziram.
12. O artigo 113.º, do Código de Processo Penal, estabelece as Regras gerais sobre notificações. Em particular, o n.º 9 refere [excerto]:
“9 - As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; ”
13. Percebe-se que o legislador estabeleceu dois patamares. No primeiro, teve em vista a generalidade das ocorrências processuais: são actos comuns do processo sem repercussões sérias no estatuto dos sujeitos ou na progressão das fases processuais em que a notificação [de mero conhecimento ou para comparência a acto processual] do arguido, do assistente e das partes civis pode ser feita ao respectivo defensor ou advogado. No segundo, ressalvou actos da maior relevância processual, que enumera: a acusação, a decisão instrutória, a designação de dia para julgamento, a sentença, e as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil. Para estes, a Lei salvaguarda que se dará conhecimento pessoal do facto ao visado, procurando, assim, a garantia de que ele seja informado da evolução processual notada e possa reagir adequadamente.
14. Cabe nesta previsão legal não só a sentença propriamente dita, como as alterações supervenientes do seu conteúdo decisório – como é o caso da decisão que determinou a conversão da multa não paga em prisão subsidiária.
15. De facto, não faria sentido que uma decisão tão importante para a vida do condenado – uma vez que implica a privação da sua liberdade – fosse tomada sem, previamente, lhe dar a oportunidade de se pronunciar, ou de discordar, por via do recurso, depois de a conhecer.
16. Tal só se consegue com a notificação pessoal do condenado. Só assim se satisfazem os princípios básicos de um processo equitativo [artigo 20.º, n.º 4, Constituição da República Portuguesa e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem], fazendo com que o processo penal além de justo seja leal [- ou será que só pode ser justo se for leal?].
17. Como refere o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 632/99, de 17.11.99, [Conselheiro Artur Maurício]:
“A exigência de um processo equitativo (…) impõe (…) que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialéctica que elas protagonizam no processo.”
18. No caso da conversão da multa não paga em prisão subsidiária [artigo 49.º, do Código Penal] estamos perante uma modificação importante do conteúdo decisório da sentença. Onde antes se destinava uma pena de multa passa a estar agora uma pena de prisão.
19. Por isso, seria estranho [“intolerável” – na linguagem directa do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 422/05, de 17.8.2005] que uma decisão com esta relevância processual e com este impacto pessoal [“que encerra uma alteração in pejus da sentença condenatória e tem por efeito directo a privação da liberdade do notificando” – do mesmo acórdão] se cumprisse com a mera notificação do defensor, ficcionando-se a cognoscibilidade do acto pelo condenado.
20. Por isso, como decisão modificativa da sentença com reflexo directo no modo e na forma de cumprimento da pena, torna-se imprescindível, de acordo com a Lei e os princípios gerais do processo equitativo, a notificação do condenado – devendo igualmente ser notificada ao defensor [nesse sentido, acórdão da Relação de Évora, de 22.4.2008 (Fernando Ribeiro Cardoso), processo n.º 545/08-1; em caso de revogação da pena de suspensão de execução da prisão, acórdão da mesma Relação, de 21.5.2008 [Chambel Mourisco], processo 1346/08-1, ambos em http://www.dgsi.pt/, acedidos em Março de 2009].
21. Com o que improcede a fundamentação do recurso.
Responsabilidade pelas custas
22. O Ministério Público está isento de custas e multas [artigos 533.º, n.º 1, do Código de Processo Penal].
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os juízes acordam em:
● Negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo a decisão recorrida.
[Elaborado e revisto pelo relator]

Porto, 20 de Abril de 2009
Artur Manuel da Silva Oliveira
Maria Elisa da Silva Marques Mota Silva