Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
25666/19.4T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ACRÉSCIMO DO PRAZO DE RECURSO
NULIDADE DA SENTENÇA
FACTOS CONCLUSIVOS
Nº do Documento: RP202306052566/19.4T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 06/05/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL.
Área Temática: .
Sumário: I - A existência, eventualmente, de motivos para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na insatisfação de algum dos ónus previstos no art. 640º, nº 1, do CPC, não acarreta a declaração de extemporaneidade do recurso apresentado, dentro do prazo que a lei prescreve para os casos em que é suscitada a análise de prova gravada (conforme art. 80º, nº 3 do CPT).
II - As causas determinantes da nulidade da sentença enumeradas, taxativamente, no nº1, do art. 615º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente aquela e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, ou seja, são vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário.
III - Só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova.
IV - As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 25666/19.4T8PRT-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 1

Recorrente: A..., Unipessoal Lda
Recorrido: AA


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto


I – RELATÓRIO
Por apenso, à execução contra si instaurada pelo exequente AA, com vista ao cumprimento da transacção, validada por sentença, efectuada na fase declarativa nos autos principais instaurados por aquele contra a Ré, A..., Unipessoal, Lda, veio esta, nos termos do disposto nos arts. 813º e seguintes do CPC, deduzir oposição àquela, através da presente acção de embargos de executado, formulando o pedido de que, «deve a presente Oposição à Execução ser julgada procedente por provada, e em consequência seja a execução extinta.».
Fundamenta o seu pedido invocando que, pese embora reconheça a transacção validada por sentença no âmbito dos autos principais de acção declarativa, o certo é que a executada/embargante explora um estabelecimento de restauração o qual se encontrou encerrado por força da pandemia que atravessamos, o que lhe acarretou graves prejuízos económicos e lhe impossibilitou de cumprir os prazos ali estabelecidos.
Mais, descreve os pagamentos parcelares que foi cumprindo, considerando que o exequente não poderá fazer valer a cláusula penal estabelecida no acordo acima indicado, alega que estamos perante uma situação anormal e que avisou atempadamente o exequente da sua situação.
Por último, admite, apenas, o pagamento de juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de algumas das prestações devidas.
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Admitidos os embargos e realizada a ordenada notificação do exequente, nos termos e para os efeitos previstos no nº 2 do art. 733º do CPC, veio o mesmo apresentar contestação.
Em síntese, invoca a excepção de ilegitimidade da executada e ainda a invalidade da junção aos autos de documentos que traduzem a troca de correspondência entre mandatários, defendendo que os mesmos não poderão ser valorados.
Mais, acrescenta que apesar das dificuldades criadas pela pandemia a actividade da executada não cessou totalmente, tendo continuado a servir refeições em take-away, tendo, pelo contrário o exequente/embargado sentido grave prejuízo com o incumprimento do acordo por parte da executada, já que encontrando-se desempregado continuou a ter de cumprir com os seus compromissos.
Conclui que, deverá a Oposição a que ora se responde, ser julgada improcedente, por não provada, sendo patente a confissão do incumprimento pela Embargante, procedendo a execução intentada pelo Exequente/Embargado.
Termos em que, … requer que seja:
A) Julgada procedente, por provada, a exceção perentória por ilegitimidade, e por conseguinte, seja o Exequente (ora Embargado) absolvido e a Embargante condenada nos termos do requerimento executivo inicial; ou, se assim não se entender
B) Declarada a inadmissibilidade legal enquanto meio de prova do doc. 1 junto com a Oposição deduzida pelo Embargante, nos termos do art.º 113.º, n.º 1 e 2 do EOA.; e ainda
C) Reconhecida a confissão quanto ao incumprimento operada pelo Embargante na sua Oposição, sendo esta julgada improcedente, por não provada, e consequentemente procedendo a execução nos termos deduzidos pelo Exequente.
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Nos termos que constam do requerimento junto em 16.11.2020, a embargante/executada pronunciou-se quanto à invocada excepção, pugnando pela sua improcedência.
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De seguida, foi proferido despacho a fixar como valor dos presentes embargos o valor da execução (8.313,64€) e saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade da Embargante deduzida pelo Exequente/Embargado e considerando “que a enunciação dos temas de prova se reveste de simplicidade, abstenho-me de proferir o despacho previsto no art.º 596.º do C.P.C. – cfr. art.º 49.º, n.º 3 do C.P.T.” e designou-se uma tentativa de conciliação, realizada, nos termos documentados na acta de 14.01.2021.
Face à não conciliação das partes, prosseguiram os autos para julgamento.
Realizado este, nos termos documentados na acta de 19.10.2021, e conclusos os autos para o efeito, a Mª Juíza “a quo” proferiu a sentença recorrida, terminando com a seguinte decisão:
Tudo visto e nos termos expostos julga-se a presente oposição improcedente por não provada determinando-se a prossecução da acção executiva nos termos em que se encontra proposta, isentando-se apenas a embargante do pagamento de juros de mora quanto ao valor da quantia exequenda, dado que a mesma compreende já o valor definido pelas partes a título de cláusula penal.
Custas pela embargante.
Registe e notifique.”.
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Inconformada a executada/embargante interpôs recurso, cujas alegações, terminou com as seguintes “CONCLUSÕES:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos à margem identificados que julgou improcedente os Embargos da ora Recorrente.
2. Pois não considerou, que o atraso por alguns dias no pagamento, se deveu a um caso de força maior.
3. A Apelante não pode, pois, conformar-se com a sentença recorrida, quer no que diz respeito ao julgamento e ilações retiradas sobre a matéria de facto, designadamente no que se refere à falta de tomada de posição pelo tribunal no que diz respeito ao alegado nos embargos.
4. Com efeito, a recorrente considera que os seguintes pontos de facto foram incorrectamente julgados:
Quanto aos Factos Não provados:
“- A executada não cumprir escrupulosamente o acordo firmado, por estarmos perante uma situação anormal, sendo notório e parente que estamos perante um caso de força maior.
- A executada teve o cuidado de avisar o exequente da sua situação, sendo certo que a mesma é de conhecimento público e geral.
- A executada apenas atrasou o pagamento do valor acordado, sendo certo que o seu atraso não causou qualquer dano na esfera do exequente.
- Tal atraso deveu-se única e exclusivamente a um caso de força maior, uma vez que a executada por força da pandemia instalada, se viu sem meios para cumprir pontualmente com a sua obrigação, tendo visto o seu estabelecimento por uma imposição legal encerrado, e posteriormente uma diminuição abrupta dos seus rendimentos.”
5. Deverá ser incluído nos Factos Provados:
A executada não cumprir escrupulosamente o acordo firmado, por estarmos perante uma situação anormal, sendo notório e parente que estamos perante um caso de força maior.
- A executada teve o cuidado de avisar o exequente da sua situação, sendo certo que a mesma é de conhecimento público e geral.
- A executada apenas atrasou o pagamento do valor acordado, sendo certo que o seu atraso não causou qualquer dano na esfera do exequente.
- Tal atraso deveu-se única e exclusivamente a um caso de força maior, uma vez que a executada por força da pandemia instalada, se viu sem meios para cumprir pontualmente com a sua obrigação, tendo visto o seu estabelecimento por uma imposição legal encerrado, e posteriormente uma diminuição abrupta dos seus rendimentos.
6. Acresce que, a fundamentação dada pelo Tribunal a quo é vaga não sendo precisa, objectiva e clara.
7. O que, nos termos do artigo 615º, nº1, al. b), em conjugação com o artigo 608º, nº2, ambos do CPC
8. E, ainda, tendo em conta o disposto na alínea c) do artigo 615º CPC, atenta a contradição entre a matéria dada como provada e as conclusões finais, que se apresentam também como ambíguas, conforme explanado no corpo destas alegações,
9. Determina, também por essa via, a nulidade da sentença – o que expressamente se invoca para os devidos efeitos.
10. De igual forma o tribunal a quo não considera como válidos documentos que por força legal o deveria considerar
11. É nula a sentença que considera como prova ilegal a troca de correspondência entre mandatários, quando as próprias disposições legais a considera como prova válida.
12. E ao não considerar como válida tal prova, deu o Tribunal a quo como não provado um facto, quando tal documento forçosamente prova o contrário.
13. É, pois, pelas razões acima expostas, de facto e de direito, que o Réu interpôs o presente recurso com vista à revogação da decisão em crise e consequente a improcedência do pedido do Autor, para o que mui respeitosamente requer a reapreciação da matéria de facto,
Termos em que revogando a sentença recorrida nos termos acima indicados,
Farão V. Exas Sá e Inteira Justiça.”.
*
O Embargado veio apresentar resposta que terminou com as seguintes, “CONCLUSÕES
DA TEMPESTIVIDADE E ADMISSIBILIDADE DO RECURSO INTERPOSTO PELA EMBARGANTE:
1. O PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE APELAÇÃO É DE 30 DIAS, NOS TERMOS DO ARTIGO 80.º, N.º 1 DO CPT, PELO QUE NÃO REQUERENDO A APELANTE A REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA, NÃO PODERÁ BENEFICIAR DA DILAÇÃO DE 10 DIAS, CONSAGRADA NO N.º 3 DO REFERIDO ARTIGO.
2. TENDO A EMBARGANTE SIDO REGULARMENTE NOTIFICADA DA DECISÃO RECORRIDA, NO DIA 16 DE NOVEMBRO DE 2021, O PRAZO PREVISTO NO ARTIGO 80.º, N.º 1 DO CPT PARA RECURSO TERMINARIA A 16 DE DEZEMBRO DE 2021, PELO QUE A INTERPOSIÇÃO DO RECURSO DEVERÁ SER JULGADA EXTEMPORÂNEA.
3. EM LADO ALGUM NAS ALEGAÇÕES DA APELANTE SE DESCORTINA A IMPUGNAÇÃO SOBRE QUALQUER UM DOS FACTOS QUE FORAM OBJETO DE DECISÃO POR PARTE DO TRIBUNAL A QUO. COM EFEITO,
4. PRETENDENDO A REAPRECIAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, DEVERIA A APELANTE OBRIGATORIAMENTE ESPECIFICAR OS CONCRETOS PONTOS DE FACTO QUE CONSIDERA INCORRETAMENTE JULGADOS, BEM COMO OS CONCRETOS MEIOS DE PROVA CONSTANTES DO PROCESSO QUE IMPUNHAM DECISÃO DIVERSA SOBRE AQUELES PONTOS DE FACTO, O QUE IN CASU NÃO FEZ, EXISTINDO ASSIM MOTIVO PARA A REJEIÇÃO DO RECURSO.
5. DEVERÁ AINDA SER DECLARADA IMPROCEDENTES A ALEGAÇÃO DA RECORRENTE POR NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA, SEJA PORQUE A RECORRENTE NÃO ESCLARECE ONDE RESIDE A FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO QUE APELA, SEJA PORQUE A SENTENÇA RECORRIDA ENCONTRA-SE SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA NA SUA MOTIVAÇÃO E DECISÃO FINAL.
6. DEVERÁ SER IMPROCEDENTE A ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PRETENDIDA PELA RECORRENTE A CONCLUSÕES 4. E 5., POIS NÃO SÓ NADA ALEGA PARA FUNDAMENTAR PELAS ALTERAÇÕES QUE APELA, COMO NÃO RESULTA PROVADA A EXISTÊNCIA DE QUALQUER “CASO DE FORÇA MAIOR”, OU OUTRO QUE JUSTIFIQUE PELO INCUMPRIMENTO NO PAGAMENTO A QUE A RECORRENTE SE ENCONTRAVA OBRIGADA.
E, CUMPRE TAMBÉM DE APRECIAR QUANTO À SENTENÇA RECORRIDA, QUE
7. A QUANTIA EXEQUENDA NOS AUTOS NÃO É DEVIDA A TÍTULO DE CLÁUSULA PENAL, MAS SIM A TÍTULO DE COMPENSAÇÃO GLOBAL PELA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, CONFORME RESULTA EXPRESSO DO TÍTULO EXECUTIVO, DEVENDO A SENTENÇA RECORRIDA SER ALTERADA NESSA MEDIDA.
8. SOBRE A QUANTIA EXEQUENDA PENDEM JUROS, MORATÓRIOS E COMPULSÓRIOS, DEVENDO A SENTENÇA RECORRIDA SER ALTERADA NESSA MEDIDA.
Pelo que improcedendo na totalidade a Apelação da Recorrente,
Farão V. Exas. inteira JUSTIÇA !!!”.
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Após indeferimento do recurso, nos termos do despacho de 23.03.2022, veio reclamar a embargante, o que foi deferido, nos termos do Acórdão de 13 de Julho de 2022.
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Neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de que deverá negar-se provimento ao recurso e confirmar-se a sentença recorrida, no essencial, por considerar, “Quanto à impugnação da matéria de facto, entende-se que a Recorrente não cumpre com o disposto no art.º 640º do CPC, indicando os factos mal julgados, os elementos de prova que demandavam julgamento diferente e o sentido em que deveriam ter sido julgados.
Nem indica nas conclusões esses mesmos elementos de prova ou faz qualquer referência a eles.
Assim, a reapreciação da matéria de facto não é possível, por não vir identificada.
Nestes termos, não se justificava o alargamento do prazo de recurso, em mais 10 dias, pois a razão de ser que o justifica, não se verifica neste caso.
Em consequência, não deveria ser admitido o recurso, por extemporâneo.
3. Quanto mais, também não merece censura a douta sentença em recurso, que deveria, antes, ser confirmada.”.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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Questão prévia
- Da tempestividade e admissibilidade do recurso
Quer o embargado, quer o Ex.mo Procurador no parecer emitido nos autos são do entendimento de que o recurso não deveria ser admitido, por extemporâneo, no essencial, por considerarem que a embargante não cumpre os ónus a que alude o art. 640º, do CPC e, por isso, não se justificava o alargamento do prazo de recurso em mais 10 dias.
No entanto, não concordamos que seja desse modo.
Como já o considerámos e decidimos, em 13.07.2022, no Processo nº25666/19.4T8PRT-B.P1, «(…), analisadas as conclusões e sendo através delas que se limita o objecto do recurso e permitindo, as mesmas, ao Tribunal, desde logo, aferir da tempestividade do recurso, no despacho previsto no art. 641º, nº 2, alínea a), do CPC, a decisão do Tribunal “a quo”, com fundamento no facto de o recurso não conter o pedido de reapreciação da prova gravada, concluindo que a recorrente não aproveitaria da extensão do prazo de 10 dias prevista no art. 80º, nº 3, do CPT e extrapolando para a intempestividade do recurso, é para nós incompreensível e inaceitável, sabido que, a existência, eventualmente, de motivos para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na insatisfação de algum dos ónus previstos no art. 640º, nº 1, do CPC, a acontecer, eventualmente, nesta sede, é coisa diversa e não acarreta a declaração de extemporaneidade do recurso apresentado, dentro do prazo que a lei prescreve para os casos em que é suscitada a análise de prova gravada (referido art. 80º, nº 3).
(…)».
E, sendo desse modo, sem necessidade de outras considerações, contrariamente ao defendido pelo embargado e no referido parecer, não há dúvidas sobre a tempestividade do recurso.
Face ao que consta da alegação e conclusões do recurso e o que dispõe o referido nº 3, do art. 80º a reclamante tem direito, além do prazo de 30 dias de que dispõe para interpor o recurso, a vê-lo acrescido de 10 dias, já que se verifica da apreciação do objecto daquele que aquela impugna a matéria de facto decidida em primeira instância, com fundamento em prova gravada.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigo 87º do CPT e artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nºs 1 e 2 e 640º, do CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho) e importando conhecer de questões e não de razões ou fundamentos, as questões a decidir e apreciar consistem em saber:
- se devem considerar-se provados os itens impugnados, dados como não provados na decisão de facto;
- se a sentença é nula nos termos do art. 615º, nº 1, alíneas b) e c), do CPC e deve ser revogada, como defende a recorrente.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
O Tribunal “a quo” considerou o seguinte:
«FACTOS PROVADOS
Após a discussão da causa, os factos que resultaram provados são os seguintes:
 Na pendência dessa ação e em Audiência de Conciliação das Partes realizada no dia 23 de Janeiro de 2020, logrou-se em obter acordo.
 Tal transação (que ora se junta como documento n.º 1) foi julgada válida nos termos e para os efeitos do artigo 52.º do Código do Processo de Trabalho.
 Resultou da transação que o exequente reduzia o pedido formulado à quantia de €12.000,00 (doze mil euros) a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho.
 Foi ainda acordado que a executada se obrigava a pagar a quantia de €6.000,00 (seis mil euros) em três prestações mensais, iguais e sucessivas de €1.000,00 (mil euros) cada uma, vencendo-se a primeira no dia 05/02/2020 e as restantes duas no mesmo dia dos meses subsequentes; e seis prestações mensais, iguais e sucessivas de € 500,00 (quinhentos euros) cada uma, vencendo-se a primeira no dia 05/05/2020 e as restantes cinco em igual dia dos meses subsequentes.
 Mais foi acordado entre as partes que uma vez cumprido o acordo acima mencionado, o exequente prescindia da restante quantia acordada.
 A executada realizou os seguintes pagamentos ao exequente:
- Em 05 de Fevereiro de 2020 realizou o pagamento de €1.000,00 (mil euros);
- Em 05 de Março de 2020 realizou o pagamento de €1.000,00 (mil euros);
- Em 11 de Maio de 2020 realizou dois pagamentos que totalizam o valor total de €1.500,00 (mil e quinhentos euros);
- Em 08 de Junho de 2020 realizou o pagamento de €500,00 (quinhentos euros);
- Em 13 de Julho de 2020 realizou o pagamento de €500,00 (quinhentos euros);
- Em 04 de Agosto de 2020 realizou o pagamento de €500,00 (quinhentos euros);
- Em 04 de Setembro de 2020 realizou o pagamento de €500,00 (quinhentos euros);
- Em 30 de Setembro de 2020 realizou o pagamento de €500,00 (quinhentos euros).
Valores estes que totalizam o montante total de €6.000,00 (seis mil euros)
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FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a decisão de mérito a proferir, os factos que se considera como não assentes, são os seguintes:
- A executada não cumprir escrupulosamente o acordo firmado, por estarmos perante uma situação anormal, sendo notório e parente que estamos perante um caso de força maior.
- A executada teve o cuidado de avisar o exequente da sua situação, sendo certo que a mesma é de conhecimento público e geral.
- A executada apenas atrasou o pagamento do valor acordado, sendo certo que o seu atraso não causou qualquer dano na esfera do exequente.
- Tal atraso deveu-se única e exclusivamente a um caso de força maior, uma vez que a executada por força da pandemia instalada, se viu sem meios para cumprir pontualmente com a sua obrigação, tendo visto o seu estabelecimento por uma imposição legal encerrado, e posteriormente uma diminuição abrupta dos seus rendimentos.».
*
Apreciando.
- Da impugnação da matéria de facto considerada como não assente
Pretende a recorrente que este Tribunal considere provada a matéria que foi dada como não provada e que indicou nas suas conclusões do recurso.
Como é sabido, o art. 640º do CPC, estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
Regime que veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Recai, assim, sobre o recorrente, face a este regime, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, delimitando, assim, o objeto do recurso, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto, fundamentação e, ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
Ora, percorrendo as alegações de recurso podemos concluir, e relativamente aos seguintes itens: “-A executada não cumprir escrupulosamente o acordo firmado, por estarmos perante uma situação anormal, sendo notório e patente que estamos perante um caso de força maior;
-A executada apenas atrasou o pagamento do valor acordado, sendo certo que o seu atraso não causou qualquer dano na esfera do exequente;
-Tal atraso deveu-se única e exclusivamente a um caso de força maior, uma vez que a executada por força da pandemia instalada, se viu sem meios para cumprir pontualmente com a sua obrigação, tendo visto o seu estabelecimento por uma imposição legal encerrado, e posteriormente uma diminuição abrupta dos seus rendimentos;”, que foram indicados, aí, os meios de prova que a recorrente entende sustentar a sua posição, a saber, as declarações de IVA e o depoimento da testemunha BB.
Relativamente à parte em que alegou que, “o seu atraso não causou qualquer dano na esfera do exequente”, defende a apelante que cabia ao exequente provar os danos sofridos pelo que deve considerar-se provado não ter ocorrido prejuízo para o mesmo.
E relativamente ao item: “- A executada teve o cuidado de avisar o exequente da sua situação, sendo certo que a mesma é de conhecimento público e geral”, a recorrente indicou a comunicação junta aos autos feita entre advogados e que, alega, o Tribunal “a quo” não valorizou como meio de prova.
Assim sendo, contrariamente ao defendido pelo embargado e Ex.mo Procurador, afigura-se-nos que a apelante deu cumprimento ao determinado no art. 640º do CPC, não existindo motivo para rejeitar a peticionada reapreciação da matéria de facto que, consequentemente, se admite.
Deste modo, competirá a este Tribunal reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações da recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente se atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
O Tribunal da Relação, conforme decorre do presente regime, tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, da prova pessoal prestada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pela recorrente e por esta transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais, como bem refere, (Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, 3ª ed. revista e ampliada, pág. 272).
Há, ainda, que ter em conta a este respeito, da reapreciação da prova, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º do Cód. Civil. Donde compreender-se o comando estabelecido na lei adjectiva, conforme art. 607º, nº 4, do CPC que, impõe ao julgador o dever de fundamentação da factualidade que considerou provada e não provada.
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para que o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, possa alterar ou confirmar essa decisão. Pois, é através dos fundamentos constantes do segmento decisório que fixou o quadro factual considerado provado e não provado que o Tribunal “ad quem” vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal “a quo”.
Além disso, no seguimento do exposto, a posição que vem sendo expressa na doutrina e na jurisprudência, é no sentido de que o Tribunal da Relação quando lhe é colocada a questão sobre a reapreciação da prova, e se mostrarem gravados os depoimentos, como é o caso, deve considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não, o alegado, erro de apreciação que deva ser corrigido.
Atento o exposto, há que apreciar se assiste razão à apelante, quanto a esta questão, da impugnação da matéria de facto, nos termos por ela pretendidos.
Vejamos, então.
Comecemos, pelo item em que se deu como não assente que “- A executada apenas atrasou o pagamento do valor acordado, sendo certo que o seu atraso não causou qualquer dano na esfera do exequente” e que a recorrente pugna deve ser incluído nos factos provados, por dizer que a pretensão da apelante improcede relativamente ao mesmo, ou seja, quanto ao dado como não provado “que o seu atraso não causou qualquer dano na esfera do exequente”. Pois, como é sabido, não é pelo facto de não estar provado que o atraso no pagamento das prestações causou ao exequente danos não significa ter-se provado o contrário (que o exequente não sofreu qualquer dano).
Na verdade, quando se dá um facto como não provado tudo se passa como se esse facto nunca tivesse sido alegado. Para além do referido argumento, como dissemos, nenhum outro a apelante apresenta para se considerar esse item provado. Por isso, e como já referido, improcede a pretensão da apelante neste particular.
*
Passemos à seguinte factualidade (dada como não provada): “-A executada não cumprir escrupulosamente o acordo firmado, por estarmos perante uma situação anormal, sendo notório e patente que estamos perante um caso de força maior”, que a apelante pugna, também, deve ser incluído nos factos provados. Mas, sem razão.
O referido item é apenas um juízo de valor e uma conclusão de ordem jurídica, pelo que se não tivesse sido dado como “não provado” ter-se-ia de o considerar não escrito.
Pois, como é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, (vejam-se entre outros, os Acórdãos deste de 23.09.2009, Proc. nº 238/06.7TTBGR.S1, de 19.04.2012, Proc. nº 30/08.4TTLSB.L1.S1, de 23.05.2012, Proc. nº 240/10.4TTLMG.P1.S1, de 14.01.2015, Proc. nº 488/11.4TTVFR.P1.S1 e Proc. nº 497/12.6TTVRL.P1.S1 e de 29.04.2015, Proc. nº 306/12.6TTCVL.C1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt (sítio da internet onde se encontrarão todos os arestos a seguir citados, sem outra indicação)) as conclusões, apenas, podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada.
Ou seja, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova.
Seguindo idêntico entendimento, (no Acórdão, do mesmo STJ, de 12.03.2014, Proc. nº 590/12.5TTLRA.C1.S1), decidiu-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes”.
Ainda, mais recentemente, sobre esta questão da delimitação entre factos, juízos de valor sobre factos, e valorações jurídicas de factos, que é essencial à ponderação da intervenção levada a cabo por este Tribunal “ad quem”, relativamente à decisão recorrida, pronunciou-se (o Ac. do STJ de 28.01.2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1), nele se fazendo constar o seguinte: “Conforme se considerou no acórdão desta Secção de 24 de novembro de 2011, proferido na revista n.º 740/07.3TTALM.L1.S2, «o n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, dispõe que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”» e «atento a que só os factos podem ser objeto de prova, tem-se considerado que o n.º 4 do artigo 646.º citado estende o seu campo de aplicação às asserções de natureza conclusiva, “não porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum» — acórdão deste Supremo Tribunal, de 23 de setembro de 2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt.”»”.
E continua: “Por thema decidendum deve entender-se o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado,…”.
Concluindo com a formulação do seguinte: “Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de facto que se insira de forma relevante na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou componente relevante da resposta àquelas questões, ou cuja determinação de sentido exija o recurso a critérios jurídicos, deve o mesmo ser eliminado.”.
Decorre do que se deixa exposto que, quando tal não tenha sido observado pelo tribunal “a quo”, ou não o tenha sido na totalidade, e o mesmo se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita. E, significa, também, atentos os mesmos argumentos enunciados, que o tribunal “ad quem” não pode considerar provadas alegações conclusivas. Precisamente, o que acontece no caso.
Assim, sendo aquele genérico e conclusivo, já que comporta conclusões, eventualmente, relevantes para a análise da questão jurídica a decidir que, sem dúvida, há-de retirar-se ou não a jusante, na sentença, onde deverá ser feita a apreciação crítica de toda a matéria de facto provada, nunca o mesmo, como dissemos, poderia ou poderá ser dado como provado e fazer parte do elenco desses factos.
Razão porque, sucumbe, a impugnação deduzida quanto àquele referido item.
Por imposição do artº 646º, nº 4, do anterior CPC tinham-se por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito ou, o que é o mesmo, conclusivas. O mesmo deve considerar-se no quadro do actual CPC, na medida em que o juiz deve considerar apenas os factos que considera provados ou não provados (artº 607º, nºs 3, 4 e 5 do Novo CPC), do que resulta dever ser afastada a matéria notoriamente conclusiva ou de direito. Se apenas a matéria de facto releva para a decisão final, ela deve apresentar-se isenta de considerações jurídicas ou conclusivas que apenas devam ter leitura na apreciação de direito.
Deste modo, a pretensão da apelante improcede.
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Vejamos, o item que se segue: “-Tal atraso deveu-se única e exclusivamente a um caso de força maior, uma vez que a executada por força da pandemia instalada, se viu sem meios para cumprir pontualmente com a sua obrigação, tendo visto o seu estabelecimento por uma imposição legal encerrado, e posteriormente uma diminuição abrupta dos seus rendimentos”.
Quanto a este, pelas razões atrás referidas a primeira parte do mesmo (sublinhada) é meramente conclusiva, pelo que, no que a ela respeita, não procede a pretensão da apelante.
Passemos, agora, à análise da restante parte do mesmo item. Será que deve, ele, ser incluído na factualidade provada?
A recorrente para fundamentar a sua pretensão no sentido de que, sim, indicou para prova dessa matéria o depoimento da testemunha BB (cujo excerto desse depoimento transcreveu) e ainda as declarações de IVA apresentadas pela própria e juntas aos autos.
Neste particular, a Mª Juíza “a quo” considerou e fez constar da fundamentação da decisão quanto à matéria de facto, o seguinte: “O Tribunal baseou a sua convicção nos documentos juntos aos autos principais, nomeadamente acta de fls. 30 e nos documentos fiscais que acompanham o requerimento inicial da presente oposição ….
Além destes meios de prova, o Tribunal considerou ainda os depoimentos das testemunhas BB, responsável pelos serviços de contabilidade prestados à aqui embargante a qual afirmou que esta empresa viu limitada a sua actividade por via das restrições impostas pela pandemia, confirmando os atrasos nos pagamentos efecutados ao exequente/embargado; confirmou também que a embargante recebeu vários apoios do Estado para a área da restauração, em Outubro de 2020 e em Setembro de 2021, em montante total que não descriminou e que manteve serviços de refeições em take-away.”.
O que se verifica do que antecede é que, apesar de fazer referência às declarações de IVA e ao depoimento da testemunha acima indicada (elementos de prova que indiciam uma quebra abrupta dos rendimentos da apelante), certo é que o Tribunal “a quo” não indicou, na fundamentação à matéria de facto dada como não provada, as razões porque não “valorizou” esse depoimento conjugado com o teor das declarações de IVA.
Ora, sem margem para dúvidas, podemos afirmar, após audição daquele depoimento e análise daquelas declarações, que aqueles elementos de prova evidenciam essa quebra de rendimentos, os quais ocorreram porque a apelante foi obrigada a fechar o seu estabelecimento durante o período da pandemia, o que, aliás, é do conhecimento geral.
Contudo e, como dissemos, ouvidos, não apenas aquele, mas todos os depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, verificamos que nenhuma das testemunhas referiu que o não cumprimento pontual da obrigação da recorrente, quanto aos pagamentos acordados com o trabalhador, ficou a dever-se à pandemia e consequente encerramento do estabelecimento, o qual originou perdas de rendimentos.
Deste modo, podemos concluir que, pese embora, a pretensão da apelante merecer provimento, o mesmo é, tão só nos seguintes termos:
Provado que: “- A executada por força da pandemia instalada viu o seu estabelecimento, por uma imposição legal, encerrado e, posteriormente, uma diminuição dos seus rendimentos.”.
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Por último, resta apreciar o seguinte item: “-A executada teve o cuidado de avisar o exequente da sua situação, sendo certo que a mesma é de conhecimento público e geral”.
Quanto a este, o Tribunal “a quo” deixou expressa a sua posição do seguinte modo: “Quanto à correspondência trocada via e-mail entre os mandatários das partes não só não reveste significativa relevância para a decisão de mérito a proferir, como ao abrigo do disposto no art. 113º nºs 1 e 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados a mesma não poderá ser valorada enquanto meio de prova, pelo que o Tribunal não a considerou.”.
A recorrente não concorda argumentando que só a correspondência assinalada como “confidencial” não pode constituir meio de prova – nº2 do art. 113º do EOA.
Que dizer?
Nos termos do art. 113º do EOA
“1 - Sempre que um advogado pretenda que a sua comunicação, dirigida a outro advogado ou solicitador, tenha caráter confidencial, deve exprimir claramente tal intenção.
2 - As comunicações confidenciais não podem, em qualquer caso, constituir meio de prova, não lhes sendo aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 92.º
3 - O advogado ou solicitador destinatário da comunicação confidencial que não tenha condições para garantir a confidencialidade da mesma deve devolvê-la ao remetente sem revelar a terceiros o respetivo conteúdo.”.
Ora, no email remetido ao advogado da recorrente não consta a reserva de “confidencialidade”, a significar que o mesmo vale como meio de prova. Mas, então, uma questão se coloca.
Prova de quê?
E a resposta só pode ser que, tão só do envio desse email.
E é assim, na medida em que o seu conteúdo está sujeito à livre apreciação do Tribunal conjugado com os mais elementos de prova. Ora, como já atrás referimos, não se provou, ou melhor dizendo, a recorrente não logrou provar que o não pagamento das prestações, nas datas acordadas, se ficou a dever ao encerramento do estabelecimento, por força da pandemia, e ao decréscimo de rendimentos.
Deste modo, apenas, se adita à matéria de facto o seguinte:
Provado que: “- Em 2 de Abril de 2020 o mandatário da recorrente remeteu ao mandatário do exequente o email junto aos autos onde comunica a impossibilidade de proceder ao pagamento das prestações nas datas acordadas.”.
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- Nulidade da sentença
A recorrente defende que, “a fundamentação dada pelo Tribunal a quo é vaga não sendo precisa, objetiva e clara. O que, nos termos do artigo 615º, nº1, al. b), em conjugação com o artigo 608º, nº2, ambos do CPC. E, ainda, tendo em conta o disposto na alínea c) do artigo 615º CPC, atenta a contradição entre a matéria dada como provada e as conclusões finais, que se apresentam também como ambíguas, conforme explanado no corpo destas alegações, determina, também por essa via, a nulidade da sentença – o que expressamente se invoca para os devidos efeitos.”.
Refere nas alegações o seguinte: “…em todas as decisões, no que respeita ao apuramento cristalino do completo elenco dos factos provados e não provados, deve o tribunal fundamentar a sua decisão, sendo certo que da análise da sentença ora em crise a mesma é omissa a fundamentação quanto a eles, o que consubstancia uma nulidade, nos termos dos arts. 607º, nº4, e 615º, nº1, als. c) e d) do Código de Processo Civil.
Todas as decisões, devem ser fundamentadas de modo claro e indubitável.
Devendo o tribunal na fundamentação da matéria de facto provada e não provada, realizar a indicação dos meios de prova que levaram o julgador a determinada decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador
Devendo tal fundamentação ser feita com clareza, objectividade e discriminadamente,
Dessa forma, as partes ficam a saber o que o Tribunal considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas mesmas.
O que, no caso em apreço não aconteceu, sendo certo que da análise da sentença, não são feitas quaisquer menções às provas e/ou depoimentos que serviram de base ao tribunal a quo para julgar como provado ou não provado os factos em discussão.”.
Consta da fundamentação da decisão quanto à matéria de facto o seguinte: “O Tribunal baseou a sua convicção nos documentos juntos aos autos principais, nomeadamente acta de fls. 30 e nos documentos fiscais que acompanham o requerimento inicial da presente oposição, bem como nos comprovativos das transferências bancárias também juntas aos presentes autos, as quais atestam os pagamentos efetuados no seguimento do acordo celebrado entre os intervenientes e homologado por sentença. Quanto à correspondência trocada via e-mail entre os mandatários das partes não só não reveste significativa relevância para a decisão de mérito a proferir, como ao abrigo do disposto no art.113º nºs 1 e 2 do Estatuto da Ordem dos Advogadas a mesma não poderá ser valorada enquanto meio de prova, pelo que o Tribunal não a considerou.
Além destes meios de prova, o Tribunal considerou ainda os depoimentos das testemunhas BB, responsável pelos serviços de contabilidade prestados à aqui embargante a qual afirmou que esta empresa viu limitada a sua actividade por via das restrições impostas pela pandemia, confirmando os atrasos nos pagamentos efecutados ao exequente/embargado; confirmou também que a embargante recebeu vários apoios do Estado para a área da restauração, em Outubro de 2020 e em Setembro de 2021, em montante total que não descriminou e que manteve serviços de refeições em take-away; CC declarou que trabalha no estabelecimento da embargante desde 2017, como cozinheiro e afirmou que no primeiro confinamento houve atrasos no pagamento dos salários, que foram repostos com os apoios recebidos do Estado e que retomaram a sua actividade em Maio de 2020, facturando ainda assim menos do que anteriormente à pandemia.
Em sede de depoimento de parte, o legal representante da embargante afirmou que encerraram o estabelecimento em Março de 2020, mas que faziam serviço de take-away sobretudo aos domingos, confirmando que houve atrasos no pagamento de salários mas apenas durante um mês, não tendo pagamentos em dívida ao Estado.
Finalmente, em sede de declarações de parte o embargado afirmou que durante o confinamento o estabelecimento da embargada teve sempre movimento em delivery e em take-away e que quando a prestação não lhe foi liquidada, se deslocou pessoalmente ao estabelecimento comercial da embargante, não lhe tendo sido dada qualquer justificação, tendo pedido refeições, dadas as dificuldades que sentia para assegurar as despesas com o seu agregado familiar, mas também não lhas deram.”.
Vejamos.
Comecemos pelas seguintes considerações.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do art. 615º do CPC.
Nele se dispõe que, é nula a sentença quando: “a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”.
Em anotação ao art. 668º do CPC de 1961, que corresponde ao actual art. 615º, refere (Abílio Neto, in “Código de Processo Civil Anotado”, 23ª ed., pág. 948), que “os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.”.
Como ensinam, (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Revista e Actualizada, 1985, pág. 686), as causas de nulidade constantes do elenco do nº1, do art. 615º, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”.
Ora, regressando ao caso e analisando os argumentos constantes quer das alegações quer das conclusões da recorrente, em relação ao que a mesma invoca e diz, há, desde já, que dizer que, não se descortina o cometimento de qualquer vício, susceptível de configurar qualquer nulidade da sentença, em especial, as que aludem as al.s b), c) e d) (esta, a que se refere, apenas, em sede de alegações) do nº 1, do art. 615º que o recorrente.
Senão, vejamos.
Apesar, do Tribunal “a quo” ter considerado, na formação da sua convicção, os documentos fiscais e o depoimento da testemunha BB, não indicou, na fundamentação à matéria de facto dada como não provada, as razões que conduziram a não ter considerado a mesma não provada. No entanto, a existir tal omissão, tal não torna a sentença nula nos termos do art. 615º do CPC, mas, antes justificaria o uso da faculdade prevista na al.d) do nº2, do art. 662º do mesmo Código.
Mas, consideramos não ser de usar essa faculdade, no caso concreto, a qual se traduziria na prática de um acto inútil.
Explicando.
Como já deixámos, anteriormente, exposto, a embargante não logrou provar o facto essencial que seria: que o não pagamento das prestações acordadas, nas datas igualmente acordadas, ficou a dever-se ao encerramento do estabelecimento, por força da pandemia, e à quebra de rendimentos.
Ou seja, de nada valeria devolver os autos ao Tribunal “a quo”, nos termos do citado artigo, quando este Tribunal de recurso ouviu a gravação dos depoimentos e teve em conta os documentos já referidos tendo concluído que nenhuma prova se fez nesse sentido.
Improcede, pois, a arguida nulidade da sentença com fundamento nas als b) e c) do nº1 do art. 615º do CPC.
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Previamente a terminarmos, importa referir o seguinte, o recorrido veio nas contra alegações dizer: “A QUANTIA EXEQUENDA NOS AUTOS NÃO É DEVIDA A TÍTULO DE CLÁUSULA PENAL, MAS SIM A TÍTULO DE COMPENSAÇÃO GLOBAL PELA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, CONFORME RESULTA EXPRESSO DO TÍTULO EXECUTIVO, DEVENDO A SENTENÇA RECORRIDA SER ALTERADA NESSA MEDIDA. SOBRE A QUANTIA EXEQUENDA PENDEM JUROS, MORATÓRIOS E COMPULSÓRIOS, DEVENDO A SENTENÇA RECORRIDA SER ALTERADA NESSA MEDIDA.”.
Que dizer?
Desde logo, que o recorrido não veio interpor recurso da sentença na parte em que lhe foi desfavorável. Assim, não cabe aqui conhecer da sua pretensão formulada nas contra-alegações.
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Posto isto, concluindo sobre a pretensão da apelante, apenas há que dizer o seguinte.
A revogação da sentença, passava pela alteração da decisão quanto à matéria de facto.
No entanto, apesar da alteração a que se procedeu, o certo é que esta não é apta a alterar a decisão em sede de apreciação do mérito. E, não tendo a recorrente colocado outras questões, (as quais devem constar das conclusões do recurso, por serem delimitadoras do objeto recurso), cumpre concluir pela manutenção daquela e pela improcedência do recurso.
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III - DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se nesta secção em julgar a apelação improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante.
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Porto, 5 de Junho de 2023
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão