Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PEDRO M. MENEZES | ||
Descritores: | PENA DE PRISÃO SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO | ||
Nº do Documento: | RP20230621606/10.0GBPRD-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/21/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO CONDENADO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Constitui infração «repetida» dos deveres ou regras de conduta impostos como condição de suspensão da execução de uma pena privativa da liberdade não apenas a reiteração (no sentido de realização plúrima) de um determinado comportamento (cada ação incumpridora do, ou dos, deveres ou regras impostos), mas também a adoção de um único comportamento que perdure no tempo e do qual resulte claramente a decisão (ou, pelo menos, a intenção) definitiva de incumprimento de tais deveres e/ou regras de conduta. II - A circunstância de o condenado, posteriormente à sua condenação, ter sido declarado insolvente não impede, por si só, que seja considerado culposo o eventual incumprimento dos aludidos deveres ou regras de conduta. III - Pese embora sobre o condenado não recaia qualquer ónus de provar que o incumprimento das obrigações a que estava sujeito no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão de que beneficiou não foi culposo, tem ele o dever de colaborar com o Tribunal no esclarecimento dos factos que conduziram a tal incumprimento. IV - Assim, estando o condenado obrigado a devolver ao lesado a quantia com que efetivamente se locupletou à custa dele, só ele pode esclarecer as razões pelas quais não procedeu, pura e simplesmente, à devolução da mesma no prazo que para tanto lhe foi fixado. V - Comprometendo-se o condenado (já insolvente), no contexto de incidente que conduziu à prorrogação do prazo de suspensão, a solver, em prestações, quantia que se encontrava adstrito a pagar ao lesado no processo como condição da suspensão da execução da pena de que beneficiava, cabe-lhe esclarecer em que medida a sua situação económica se agravou relativamente ao momento em que assumiu aquela obrigação, e que efetivamente o levou a incumpri-la. VI - Cabe também ao condenado esclarecer que esforços fez para, durante todo o período relevante para o efeito, obter os meios necessários ao cumprimento da obrigação que sobre si impendia, e/ou das razões pelas quais os mesmos se revelaram infrutíferos. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º: 606/10.0GBPRD-A.P1 Origem: Juízo Local Criminal de Paredes (Juiz 2) Recorrente: AA Referência do documento: 17041128 I 1. O ora recorrente impugna, com o presente recurso, decisão proferida no Juízo Local Criminal de Paredes (Juiz 2) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, que, findo o respetivo prazo de duração, e julgando culposo o incumprimento, por sua parte, de condição a que tinha ficado subordinada a suspensão da execução de pena de prisão que lhe foi imposta nos autos principais, determinou o cumprimento do período de privação da liberdade fixado na decisão condenatória.2. Com efeito, por decisão proferida na então Secção Criminal de Paredes (Juiz 2) da Instância Local do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este em 28/04/2015 (confirmada por acórdão proferido por esta Relação em 28/04/2015), foi o ora recorrente condenado, pela prática, «como autor material na forma consumada e em concurso efectivo» de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea a), do Código Penal, nas penas, respetivamente, de 1 ano de prisão e de 1 ano e 6 meses de prisão, e, em cúmulo, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob a condição de «o arguido pagar ao ofendido/demandante, no prazo de um ano, a quantia de € 12.000,00 (doze mil euros), correspondente a parte do pedido do prejuízo causado ao ofendido» (que foi fixado na quantia global de € 14.000). 3. Esta decisão transitou em julgado no dia 09/05/2019. 4. Tal condenação correspondeu à prática dos seguintes factos: «1. O ofendido BB no mês de Abril de 2010 adquiriu o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-UG de marca BMW de cor cinzenta a CC; 2. Aquando da referida compra o ofendido ficou na posse da declaração de venda relativa à aquisição do referido veículo para que posteriormente comunicasse a alteração da propriedade na Conservatória do Registo Automóvel e assim registar o mencionado veículo em seu nome o que, contudo, acabou por não efectuar; 3. O ofendido por ter sido questionado pelo arguido nesse sentido decidiu que caso surgisse alguma oportunidade procederia à venda do aludido veículo; 4. Assim, no dia 7 de Junho de 2010 o arguido disse ao ofendido que tinha uma pessoa interessada em adquirir o seu veículo automóvel de matrícula ..-..-UG tendo nessa data solicitado ao ofendido que lhe deixasse levar o aludido veículo para mostrar ao interessado, ao que o ofendido acedeu; 5. O arguido levou, então, com ele o aludido veículo que continha no seu interior todos os documentos relativos ao mesmo, designadamente, livrete, título de registo de propriedade e a declaração para registo de propriedade preenchida na parte respeitante aos elementos identificativos do veículo e do vendedor do mesmo, o já mencionado CC e onde constava com adquirente do aludido veículo o ora ofendido BB sendo que na referida declaração constavam todos elementos identificativos do ofendido bem como se encontrava devidamente assinada; 6. Quando se viu na posse do mencionado veículo o arguido elaborou um plano com vista a apropriar-se do mesmo e a obter vantagem patrimonial indevida à custa do empobrecimento do ofendido e resolveu então apoderar-se do aludido veículo e vendê-lo a terceiros e deste modo apoderar-se do valor referente à venda do veículo; 7. Assim e como o arguido tinha na sua posse os documentos referentes ao veículo bem como a declaração de venda emitida a favor do queixoso quando aquele comprara o mencionado veículo e onde constavam todos os seus elementos identificativos bem como estava devidamente assinada, o arguido resolveu desde logo preencher uma outra declaração de venda (requerimento de registo automóvel) onde fez constar como vendedor do aludido veículo de matrícula ..-..-UG, o ora queixoso BB; 8. Assim em local não determinado e data não concretamente apurada mas situada entre 7 de Junho de 2010 e 8 de Junho de 2010, o arguido preencheu uma nova declaração para registo de propriedade referente ao mesmo veículo, com os dados pessoais do queixoso na parte que no documento se alude ao vendedor na qual fez constar como sujeito passivo (vendedor) o nome do queixoso "BB" e demais elementos identificativos nomeadamente apondo o número de contribuinte do ofendido, seu bilhete de identidade bem como a sua morada; 9. Ainda de acordo com o plano por si delineado apôs, pelo seu próprio punho, no local a tanto destinado à assinatura do “vendedor” do aludido veículo, na declaração de registo de propriedade, o nome do ofendido “BB” tentando desenhar tal inscrição da forma mais próxima possível da própria assinatura do ofendido; 10. O arguido preencheu e assinou a referida declaração de venda para desta forma poder vender o aludido veículo a terceiros e possibilitar que estes pudessem dessa forma averbar o competente registo na Conservatória do Registo Automóvel, e dessa forma não levantar suspeitas quanto à ilegitimidade da aludida venda; 11. Com a “declaração de venda” assim preenchida e por si assinada cia forma descrita, o arguido ainda no dia 7 de Junho de 2010 veio a vender o aludido veículo a DD no seu stand de automóveis denominado “A...” sito em ..., em Paredes pelo preço de 10.000 euros; 12. O ora arguido entregou o aludido veículo ao referido comprador, bem como os respectivos documentos bem como a declaração de venda que forjou da forma acima descrita onde constava como vendedor o ora ofendido BB e relativamente à qual o arguido havia falsificado a aludida assinatura; 13. Deste modo, o referido DD procedeu ao registo do veículo de matrícula ..-..-UG em seu nome contra a vontade e sem o conhecimento do queixoso; 14. Acresce, ainda, que o arguido apoderou-se em proveito próprio da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) pelo qual conseguiu vender o aludido veículo; 15. O ofendido apenas teve conhecimento da utilização abusiva dos seus elementos identificativos e do seu nome na referida declaração de venda em Julho de 2010 quando veio a saber que o arguido já havia vendido o aludido veiculo a DD; 16. O arguido tomou para si o referido veículo automóvel bem como do preço pelo qual posteriormente o vendeu e que integrou no seu património contra a vontade do ofendido; 17. O arguido agiu da forma descrita sem o consentimento do ofendido, apondo no aludido documento factos juridicamente relevantes que sabia não corresponderem à verdade e usando, posteriormente, o mencionado documento na forma acima descrita, assim obtendo um benefício económico que não lhe era devido, causando ao ofendido o correspondente prejuízo, uma vez que ficou desapossado do veículo e do respectivo valor pecuniário; 18. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Do pedido de indemnização civil: 19. Em consequência da actuação do arguido o ofendido viu-se privado da utilização do veículo e durante cerca de 6 meses teve de partilhar com a sua esposa o único veículo de que dispunham; 20. O demandante sofreu incómodos, ansiedade e nervosismo com a situação causada pelo arguido. [...]» 5. Entretanto, findo o respetivo prazo e verificando-se que não tinha ele efetuado o pagamento a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena que lhe havia sido imposta, procedeu-se à audição do ora recorrente, após o que foi proferida a decisão subsequente: «O arguido AA foi condenado pela prática de um crime de falsificação de documento e abuso de confiança, na pena única de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada à condição de o arguido pagar ao ofendido/demandante civil, no prazo de um ano, o valor de €12.000,00, correspondente a parte do valor do pedido de indemnização civil em que foi condenado [...]. Veio o Ministério Público promover não seja revogada a suspensão da execução da pena de prisão decretada, devendo, contudo, o condenado ser advertido de que deve cumprir, escrupulosamente, os deveres que lhe foram impostos na sentença e constantes do plano de reinserção social, e ainda, se dilate período da suspensão da pena, com a condição [...] do arguido mostrar aos autos, durante o período da suspensão da pena, comprovativos de pagamento faseado da dívida ao demandante, com cadência trimestral. Cumpre apreciar e decidir. [...] * Vertendo aos presentes autos, verificamos que o arguido incumpriu os deveres impostos na sentença, designadamente o de pagar ao ofendido/demandante civil, no prazo de um ano, o valor de €12.000,00, correspondente a parte do valor do pedido de indemnização civil em que foi condenado [...].Ora, o critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão, irremediavelmente, prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado. Atento à postura adoptada pelo arguido aquando da sua audição, à ausência de notícia da prática de factos similares aos factos que fundamentaram a condenação na prática dos crimes em causa, bem como ao facto de se encontrar insolvente e ter parte do salário penhorado, estando socialmente inserido, afigura-se-nos que não se indicia que as finalidades da suspensão não possam ainda surtir efeito, pelo que entendemos que as razões que estiveram subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão ainda podem surtir efeito sobre o condenado. Tudo conjugado, no caso dos presentes autos, não vislumbramos motivos que permitam concluir que o juízo de prognose favorável, inicialmente formulado, tenha sido frustrado. Ora, no caso concreto, não nos parece que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena nestes autos se encontrem irremediavelmente comprometidas. Ora, concluímos que o referido incumprimento da obrigação que sobre si impendia não assume a natureza de violação culposa (denotadora de leviandade censurável da sua parte) tendo por um lado, em consideração a situação vigente à data de tal factualidade e, por outro, a postura assumida pelo condenado aquando da sua audição (em que o mesmo manifestou ademais, ser sua intenção colaborar e pagar o valor em dívida), consideramos não resultar, por ora, totalmente infirmado o juízo de prognose favorável que esteve subjacente a tal suspensão da execução da pena de prisão, que por sua vez, justifique que se proceda à revogação da aludida suspensão de execução da pena de prisão aplicada. Sobre esta questão e circunstancialismo, desde já se refere o douto acórdão da Relação do Porto, de 12-01-2011, proferido no âmbito do processo n.º 5376/97.2JAPRT-B.P1, no qual se refere que "a revogação da suspensão da pena por incumprimento do agente das obrigações impostas só pode ocorrer se o incumprimento se verificar com culpa, e só terá lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências contidas no Artigo 55º do Código Penal”. No caso vertente, as sobreditas circunstâncias não nos permitem concluir que, no caso vertente, por parte do condenado tenha, efectivamente ocorrido uma situação de incumprimento que, pela sua natureza, e dimensão, se possa considerar imputável e censurável/culposo, numa dimensão justificativa da revogação da pena de prisão a que o mesmo veio a ser condenado. Isto porquanto, tal como bem se considerou no douto aresto da Relação do Porto de 17 de Abril de 2013, “como emerge do artigo 56°, n.º 1, al. a) do C. Penal, não basta o incumprimento da regra de conduta/deveres impostos, para levar á revogação da suspensão da pena, exigindo-se ainda que essa violação ocorra de modo grosseiro ou repetido, ou seja, que estejamos perante uma conduta dolosa (violação conscientemente querida) ou perante uma actuação temerária, que se traduz no fundo numa acção indesculpável, ou numa “... atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade”. – Acórdão da Relação do Porto de 17/04/2013, processo n.º 171/01.9IDPRT.P1, em www.dgsi.pt Com efeito, analisada a situação em apreço, constata-se que que o arguido interioriza a necessidade de cumprir a condição a que foi subordinada a suspensão da execução da pena de prisão, não tendo, no entanto, meios económicos e financeiros que lhe tenham permitido fazê-lo. O mesmo comprometeu-se a fazer entregas parcelares de determinados montantes, a fim de ir abatendo ao valor global. Nesta senda, entende-se que deverá ser concedida ao arguido uma derradeira oportunidade. Aqui chegados, urge concluir que o arguido não cumpriu, culposamente, a obrigação que lhe foi imposta. Não obstante, pelas apontadas razões, entende-se que, neste momento, será prematuro revogar a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado. * O art. 55.º do Código Penal, autoriza que “Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:a) Fazer uma solene advertência; b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º” Face a tudo quanto se expôs, decide-se pela não revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos, nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 56.º do Código Penal, a contrario, por se considerar que as finalidades que estavam na base da suspensão ainda podem, por meio dela, ser alcançadas, devendo aguardar-se o decurso do prazo de suspensão da execução da pena de prisão. Nesta senda, ao abrigo do disposto no artigo 55º, alínea d), do Código Penal, decide-se prorrogar o período de suspensão pelo período de um ano, mantendo-se a condição de o arguido pagar ao ofendido/demandante civil, o valor de €12.000,00, correspondente a parte do valor do pedido de indemnização civil em que foi condenado, do prejuízo causado ao ofendido, mais devendo fazer pagamentos parcelares, durante o período da suspensão. Notifique e comunique à DGRSP. [...]». 6. Findo o prazo de suspensão da execução da pena de prisão imposta nos autos ao aqui recorrente, e verificando-se que não cumpriu ele a obrigação a que ficou tal suspensão subordinada, foi então – cumpridas as formalidades legais cabidas no caso – proferida a decisão recorrida: «I - Da revogação da suspensão da execução da pena de prisão O arguido AA foi condenado pela prática de um crime de falsificação de documento e abuso de confiança, na pena única de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada à condição de o arguido pagar ao ofendido/demandante civil, no prazo de um ano, o valor de € 12.000,00, correspondente a parte do valor do pedido de indemnização civil em que foi condenado, do prejuízo causado ao ofendido. Por despacho de 17-09-2020, decidiu-se prorrogar o período de suspensão pelo período de um ano, mantendo-se a condição de o arguido pagar ao ofendido/demandante civil, o valor de € 12.000,00, correspondente a parte do valor do pedido de indemnização civil em que foi condenado, do prejuízo causado ao ofendido, mais devendo fazer pagamentos parcelares, durante o período da suspensão. De tal quantia, apesar da prorrogação do prazo de suspensão, o arguido efectuou o pagamento, por depósito nestes autos, da quantia de € 1.455,10, o que fez em 20.06.2022. Uma vez que não foram atingidas as finalidades que a suspensão da pena visou alcançar, ao abrigo do art. 56.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, promoveu o Ministério Público que se revogue a suspensão da pena decretada nos autos. Cumpre apreciar e decidir. Os motivos que podem levar à revogação da suspensão da execução da pena de prisão vêm previstos no art. 56º, do Código Penal. Nos termos do art. 56.º, n.º 1, do Código Penal, "A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas." Nos termos do n.º 2, "A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado." Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 57.º, nº 1 do Código Penal, a pena só é declarada extinta se findo o prazo de suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação. Por sua vez, o artigo 14º, do RGIT, estatui o seguinte: "1 - A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa. 2 - Na falta do pagamento das quantias referidas no número anterior, o tribunal pode: a) Exigir garantias de cumprimento; b) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas sem exceder o prazo máximo de suspensão admissível; c) Revogar a suspensão da pena de prisão". * Ora, tendo tal factualidade por subjacente, cumpre então aferir se está já, irremediavelmente, posto em causa o juízo de prognose favorável que esteve subjacente à suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos.E, na afirmativa, se tal circunstância justifica e permite proceder à revogação da aludida suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado nestes autos ou, ao invés, tão só adaptar uma das possibilidades consignadas no artigo 55º, do Código Penal. Sendo certo que, antes de se optar pela opção de revogação da suspensão, se torna necessário aferir se, alguma das outras possibilidades previstas no artigo 55º do Código Penal se perspectiva como sendo suficiente para, no caso concreto, assegurar a manutenção do juízo de prognose favorável relativo ao comportamento que o condenado irá, de futuro, adaptar, bem como, quanto ao cumprimento das condições para a suspensão determinada. Ora, [t]al como bem se considerou no douto aresto da Relação do Porto de 17 de Abril de 2013, "como emerge do artigo 56º, n.º 1, al. a) do C. Penal, não basta o incumprimento da regra de conduta/deveres impostos para levar à revogação da suspensão da pena, exigindo-se ainda que essa violação ocorra de modo grosseiro ou repetido, ou seja, que estejamos perante uma conduta dolosa (violação conscientemente querida) ou perante uma actuação temerária, que se traduz no fundo numa acção indesculpável, ou numa "... atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade". - Acórdão da Relação do Porto de 17/04/2013, processo n.º 171/01.9IDPRT.P1, em www.dgsi.pt. Ora, "as causas de revogação da suspensão da execução da pena de prisão não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. Impõe-se, por isso, uma especial exigência na indagação e apreciação de todos os factos e circunstâncias susceptíveis de relevar na aferição da possibilidade de manutenção ou não do juízo de prognose favorável relativo ao comportamento que o condenado irá de futuro adoptar". - Acórdão da Relação do Porto de 25 de Março de 2009, processo n.º 0818090, da autoria da Desembargadora Maria Leonor Esteves. Sendo que, a infracção grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, "...não tem de ser dolosa, sendo bastante a infracção que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade. A colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir as condições de suspensão constitui violação grosseira dessas condições". - Albuquerque, Paulo Pinto, Comentário do Código Penal à luz da C.R.P. e da C.E.D.H., Universidade Católica Editora, pág. 201. [...] Sendo que, a infracção repetida dos deveres, das regras de conduta ou do Plano de Reinserção Social corresponde "... aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, isto é, que não se esgota num acto isolado da vida do condenado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória". - Albuquerque, Paulo Pinto, Comentário do Código Penal à luz da C.R.P. e da C.E.D.H., Universidade Católica Editora, pág. 201. Ora, conforme bem salientado no douto aresto da Relação de Coimbra de 8 de Julho de 2015, "quando, durante mais de um ano depois do trânsito o arguido incumpriu todas as regras de conduta que o tribunal lhe impôs, mau grado os esforços que as entidades oficiais encetaram nesse sentido e, o fez de uma forma tão manifesta que só pode ser entendida como uma vontade de menosprezar a pena que lhe fora aplicada e por conseguinte, afastar a esperança do tribunal quando lhe suspendeu a execução da pena, estamos claramente perante a situação prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 56.º do Código Penal". - Acórdão da Relação de Coimbra de 8 de Julho de 2015, processo n.º 91/13.4GTCBR.-A.C1, em www.dgsi.pt * Vertendo aos presentes autos, verificamos que o arguido incumpriu os deveres impostos na sentença, designadamente o de pagar ao ofendido/demandante civil, no prazo de um ano, o valor de € 12.000,00, correspondente a parte do valor do pedido de indemnização civil em que foi condenado, do prejuízo causado ao ofendido.Por despacho de 17-09-2020, decidiu-se prorrogar o período de suspensão pelo período de um ano, mantendo-se a condição de o arguido pagar ao ofendido/demandante civil, o valor de € 12.000,00, correspondente a parte do valor do pedido de indemnização civil em que foi condenado, do prejuízo causado ao ofendido, mais devendo fazer pagamentos parcelares, durante o período da suspensão. Decorrido que está o período de tempo de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, que não cumpriu com as condições impostas, de pagamento das respectivas quantias correspondentes ao valor de € 12.000,00, correspondente a parte do valor do pedido de indemnização civil em que foi condenado, do prejuízo causado ao ofendido. De tal quantia, apesar da prorrogação do prazo de suspensão, o arguido efectuou o pagamento, por depósito nestes autos, da quantia de € 1.455,10, o que fez em 20.06.2022. O arguido incumpriu a imposta condição e, nas audições, invocou a insolvência pessoal e dificuldades económicas e financeiras, decorrentes de da conjuntura. Sucede, no entanto, que nenhuma das explicações do arguido se coaduna com as vicissitudes da sua notificação para os diversos actos processuais, designadamente a elaboração do plano de reinserção social ou a sua audição, que revelam uma firme negação à intervenção da justiça. Sucede, ainda, que o arguido sofreu as seguintes condenações: - No âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 1287/05.BJAPRT do 2º Juízo Criminal de Gondomar, por acórdão proferido em 16-11-2006 e transitado em julgado em 06-11-2007, na pena de 150 dias de prisão substituída por 150 dias de multa à taxa diária de €8,00 pela prática, em 13-08-2005, de um crime de ameaça, pena extinta pelo pagamento; - No âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 937/07.6TAPRD do 2º Juízo Criminal de Santo Tirso, por acórdão proferido em 23-07-2010 e transitado em julgado em 20-09-2010, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período pela prática, em 07-2007, de um crime de abuso de confiança, pena extinta pelo decurso do prazo; - No âmbito do Processo Comum Singular n.º 803/07.STAVLG do 1º Juízo de Valongo, por sentença proferida em 09-04-2013 e transitada em julgado em 27-02- 2014, na pena de 9 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano pela prática, em 28-06-2006, de um crime de falsificação de documento, pena já extinta pelo decurso do prazo; - No âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 1385/08.6TAGDM do 2º Juízo Criminal de Gondomar, por acórdão proferido em 24-05-2013 e transitado em julgado em 07-04-2014, na pena única de 4 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova e obrigação de pagamento de indemnizações aos lesados pela prática, em 2007, de dois crimes de burla qualificada e dois crimes de falsificação de documento. - No âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 604/13.1TDPRT do Juiz 6 do Juízo Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Central Criminal do Porto, por acórdão proferido em 23-04-2015 e transitado em julgado em 10-12-2015, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova pela prática, em 23-11-2007, de seis crimes de burla qualificada e seis crimes de falsificação de documento. - No âmbito do Processo Comum Singular com o n.º 2486/11.9TAGDM do Juízo Local Criminal de Gondomar- Juiz 1, por sentença proferida em 11-04-2016 e transitada em julgado em 22-06-2017, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova e obrigação de pagar o valor fixado em sede de pedido de indemnização civil, pela prática, em 2007, de um crime de burla qualificada, tendo sido prorrogada a suspensão de execução da pena de prisão. - No âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 551/08.9JAPRT do Juízo Central Criminal de Lisboa- Juiz 20, por acórdão proferido em 29-09-2015 e transitado em julgado em 5-07-2017, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, pela prática, em 1-05-2008, de um crime de burla qualificada e um crime de falsificação de documento. - No âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 438/13.3GCVRL do Juízo Central Criminal de Penafiel- Juiz 1, por acórdão proferido em 30-06-2017 e transitado em julgado em 2-10-2017, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, na condição de entregar a quantia de € 1.000.00 a uma instituição de solidariedade, pela prática, em11-03-2011, de um crime de falsificação de documento. - No âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 805/10.4GBPRD do Juízo Central Criminal de Penafiel - Juiz 1, por acórdão proferido em 7-07-2017 e transitado em julgado em 2-10-2017, na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, pela prática, em 16-08-201O, de um crime de burla qualificada e um crime de falsificação de documento. - No âmbito do Processo Comum Singular n.º 595/0.0PAGDM do Juízo Local Criminal de Gondomar- Juiz 2, por sentença proferida em 14-09-2017 e transitada em julgado em 29-1-2017, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, pela prática, em 2009, de um crime de falsificação de documento. - No âmbito do Processo Comum Singular n.º 606/10.0GBPRD do Juízo Central Criminal de Penafiel - Juiz 2, por acórdão proferido em 28-04-2015 e transitado em julgado em 9-05-2019, na pena única de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, pela prática, em 7-06-2010, de um crime de burla qualificada e um crime de falsificação de documento. - No âmbito do Processo Comum Colectivo 89/14.579LOU, do juiz 6, do Juízo Central Criminal de Penafiel, cujo acórdão, transitou em julgado em 03.05.2022, pela prática como co-autor da prática de quatro crimes de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 217º, n.º 1 e 218º, n. 2, al. a) do Código Penal, como co-autor da prática de dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 217º, n.º 1 e 218º, n. 1 do Código Penal, como co-autor da prática de quatro crimes de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo artigo 256º, n.º 1, al.s a), c) e e) e 3 do Código Penal, como co-autor da prática de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, n.º 1, al.s a), c) e e) e do Código Penal; em cúmulo jurídico na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão. Cumpre, pois, concluir, que muito em breve o arguido irá ser preso para cumprimento da pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão, em que foi condenado, o que faz prever que, mesmo que lhe fosse prorrogada novamente a suspensão da execução da pena de prisão, o mesmo também não conseguiria satisfazer a condição inerente. * Ora, conjugando todos os elementos/factos supra aduzidos, consideramos que, efectivamente, dos mesmos resulta infirmado/posto em causa o juízo de prognose favorável que esteve subjacente à suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos.Isto porquanto dos mesmos resulta, a nosso ver, que o comportamento do condenado correspondeu efectivamente, a um incumprimento grosseiro, repetido dos deveres e regras de conduta impostos em sentença, já que resulta do teor dos supra aludidos elementos e informações prestadas nos autos um total alheamento do arguido para o cumprimento da dita condição. Concluímos que o arguido agiu de forma que reputamos leviana e denotadora da não interiorização dos deveres que sobre si impendiam e impendem enquanto condenado. É manifesto, portanto, que o arguido nenhum esforço desenvolveu para cumprir com as respectivas obrigações, que eram condição de suspensão da respectiva pena de prisão. Pelo contrário, manifestou completa indiferença pelo cumprimento daquela. É mais do que claro, pois, que sempre o arguido poderia ter oferecido pagamentos parciais, ainda que simbólicos, no sentido de revelar ao tribunal que interiorizou o desvalor das suas condutas, e que encetou esfo[r]ço no sentido de cumprir a condição que lhe foi imposta, o que não fez, apenas realizando um único pagamento parcial. Quando se decidiu prorrogar o período de suspensão pelo período de um ano, mantendo-se a condição de o arguido pagar ao ofendido/demandante civil, o valor de €12.000,00, correspondente a parte do valor do pedido de indemnização civil em que foi condenado, do prejuízo causado ao ofendido, mais se comprometeu o arguido a fazer pagamentos parcelares, durante o período da suspensão, o que como vemos, não veio a fazer, tendo feito apenas um pagamento. Deste modo, o arguido conhecedor de que a suspensão da pena envolvia uma condição - de pagar uma quantia ao ofendido, desinteressou-se pelo seu cumprimento, sendo que da diligência de audição de arguido, nada resultou que demonstrasse a vontade bem estabelecida de aderir a qualquer intervenção do sistema judicial, apesar do crime cometido e por que foi condenado, bem pelo contrario, apresentando justificações que não convenceram. Face ao quadro global traçado é notório que o mesmo demonstrou que não interiorizou o desvalor das suas condutas, tendo frustrado as expectativas que o Tribunal nele depositou e ignorado a solene advertência bem expressa ao suspender-se-lhe a pena, sinal mais que evidente de que poderia não lhe ser concedida outra oportunidade se não cumprisse o regime de prova. Tendo manifestamente desprezado aquela advertência e as oportunidades que lhe foram dadas, infringiu de forma grosseira e repetida os deveres a que estava sujeito, como bem sabia, pelo que só dele se pode queixar por não aproveitar a possibilidade de, em liberdade, cumprir a pena de substituição que lhe foi imposta. Razão pela qual, mais não resta que concluir que a censura do facto e a ameaça da pena de prisão não realizaram de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, atento todo o exposto. Ora o arguido sabia bem quais as consequências do seu inadimplemento que persistiu até ao momento como se viu face às ulteriores condenações que sofreu. Compulsados os presentes autos, entendemos que estamos perante um flagrante desrespeito e alheamento pela advertência ínsita na condenação dos presentes autos e que esta não teve nenhum eco na propensão para o desrespeito da condição a que ficou sujeita a suspensão da execução da pena de prisão. A insuficiência da prevenção é, pois, manifesta e o arguido merece censura por a condenação não lhe ter servido de suficiente advertência. É que tudo propendia (daí ter beneficiado da suspensão da execução da pena de prisão) para que o arguido tivesse querido abandonar a senda do crime, o que não veio a acontecer, sem que esta nos ofereça razões de compreensão para o seu desvio. É assim correcto afirmar que o juízo de prognose não se mostra alcançado, sendo correcta a conclusão de que a simples censura do facto não realizou de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, uma vez que o arguido demonstrou, com o seu comportamento, quer anterior, quer posterior aos factos pelos quais foi condenado nos presentes autos, que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena. Face às considerações já expendidas pelo M.P., verificado se mostra o circunstancialismo de que depende a aplicação do art. 56.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal. Ora, com a sua conduta o arguido frustrou as expectativas do tribunal e as finalidades que estiveram subjacentes à aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, pois que a ameaça de prisão não surtiu qualquer efeito, de tal modo que o arguido, indiferente a tal condenação, infringiu grosseiramente o dever que fora imposto, o que demonstra um[a] total ausência de capacidade de interiorização do desvalor da sua conduta anterior. * Nestes termos e face ao exposto, declaro revogada a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao arguido AA devendo este cumprir a pena a que foi condenado nos presentes autos, fixada na sentença, a pena de pena 2 (dois) anos de prisão.[...]». 7. O recorrente verbera a esta decisão (reproduzem-se as «conclusões» com que termina o seu arrazoado): «1. O recorrente foi condenado, em cúmulo jurídico, a uma pena de prisão de dois anos, suspensa na sua execução por igual período, subordinada ao pagamento ao ofendido/demandante, no prazo de um ano, da quantia de € 12.000,00 (doze mil euros), correspondente a parte do pedido do prejuízo causado ao ofendido. 2. A decisão recorrida revogou a suspensão da execução da pena de prisão de dois anos, porquanto entendeu que o facto de o recorrente não ter pagado a totalidade do valor se deveu a culpa grosseira e que este frustrou as expectativas do tribunal, e as finalidades que estiveram subjacentes à aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão. 3. O recorrente foi notificado da decisão condenatória e findo o decurso do período da suspensão ainda não tinha procedido ao pagamento ao ofendido/demandante da quantia estabelecida como condição da suspensão. 4. Em consequência, foi determinada a sua audição no tribunal a quo - Auto de Audição de Arguido de 17.09.2020, constante de fls. - no sentido de aferir dos motivos subjacentes ao não pagamento, tendo o recorrente prestado todos os esclarecimentos necessários e explicado as razões de natureza económica que o impediram de liquidar o montante fixado. 5. Com efeito, o recorrente em momento posterior à data da decisão condenatória foi declarado insolvente no processo que com o n.º 2700/16.4T8STS, corre termos na 2.ª Secção do Comércio – Juiz 2 de Vila Nova de Gaia, tendo-lhe sido concedida a exoneração do passivo restante. 6. Em consequência, o recorrente viu reduzida a sua capacidade económica fruto de uma diminuição de rendimentos e da obrigatoriedade de entregar o seu rendimento disponível ao administrador de insolvência para posterior pagamento aos credores. 7. De igual modo, a conjuntura económica vivida no país, no caso do recorrente, exponenciada pela sua situação insolvência determinaram uma incapacidade financeira ainda mais aguda, e que esteve na base do incumprimento no pagamento da condição de suspensão. 8. E foi precisamente por reconhecer a veracidade da situação económica deficitária do recorrente que o tribunal a quo aceitou os argumentos do recorrente e prorrogou o prazo de suspensão, nos termos do disposto na alínea d), do artigo 55º do CP, pelo período de um ano. 9. Por sua vez, em 04.07.2022 o recorrente juntou aos autos comprovativo de depósito autónomo no montante de € 1.455,10 para pagamento parcial da quantia estabelecida como condição da suspensão, não tendo efetivamente com o pagamento integral. 10. Atento [o] não cumprimento da condição [f]oi o recorrente novamente ouvido nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 55.º e 492.º, nºs 1 e 2 do CPP - cfr. Auto de Audição de 05.07.2022 constante a fls. - audição na qual o recorrente informou o tribunal da manutenção das suas dificuldades económicas, que se mantiveram inalteradas, por força da sua situação de insolvência e ainda das dificuldades económicas decorrentes da conjuntura. 11. Ou seja, o recorrente demonstrou novamente ao tribunal que a situação económica se mantinha deficitária, mas que, ainda assim, conseguiu realizar o depósito autónomo do montante de € 1.455,10, correspondente ao montante que conseguiu aforrar. 12. Analisada a prova produzida em ambas as audições do recorrente, resulta que as condições económicas, familiares e profissionais que determinaram a decisão recorrida eram precisamente as mesmas quando foi proferida a decisão de prorrogação. 13. Aqui chegados, permitimo-nos concluir que o recorrente, tendo feito um pagamento de valor considerável, demonstrou ao julgador que, não obstante a sua situação económica deficitária, tinha vontade em cumprir com a condição de suspensão e tinha feito esforços nesse sentido, como resulta do aludido pagamento. 14. A revogação da suspensão por incumprimento dos deveres impostos implica, necessariamente, que esse incumprimento seja imputável a uma conduta culposa, em grau elevado, por parte do condenado. 15. A revogação da suspensão da pena por incumprimento do agente das obrigações impostas só pode ocorrer se o incumprimento se verificar com culpa, e só terá lugar como última ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências contidas no Artigo 55.º, do CP. 16. Estando em causa o incumprimento de uma condição de pagamento, como é o caso, prevista no n.º 1 do artigo 51.º do C. Penal, para que se possa afirmar que o condenado agiu com culpa ao não pagar as quantias a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena é necessário, antes de mais, demonstrar que ele tinha condições económicas para efectuar o pagamento, ou, então, que se colocou voluntariamente na situação de não poder pagar. 17. Daí que o tribunal, para além ou independentemente das razões que o arguido possa no caso se mostrem necessárias e relevantes no sentido de apurar se, efectivamente, esse incumprimento radica numa conduta dolosa ou particularmente censurável. 18. Revertendo ao caso sub judice, dos elementos constantes dos autos não resulta demonstrado que o recorrente tinha capacidade para efetuar o pagamento da quantia fixada como condição para a suspensão da execução da pena no prazo, e na prorrogação deste, concedida para o efeito. 19. Pelo contrário, encontram-se juntos aos autos documentos comprovativos da sua situação de insolvência, que se manteve durante todo o período de suspensão, tendo neste período o recorrente efetuado o pagamento de € 1.455,10. 20. A revogação da suspensão da execução da pena por incumprimento de qualquer dever ou condição pelo condenado, só pode ocorrer se esse incumprimento se ficar a dever a culpa grosseira do mesmo, e não é legítimo concluir que o pagamento parcial de qualquer montante [até ao montante que tinha capacidade para pagar] se traduz numa culpa grosseira do recorrente no não cumprimento da condição. 21. Da decisão recorrida não resulta a demonstração que o recorrente tinha condições económicas para efectuar o pagamento, ou, então, que se colocou voluntariamente na situação de não poder pagar. 22. De outra sorte, o enfoque da decisão de revogação centra-se no facto do recorrente ter sido condenado numa pena de 8 anos e 6 meses de prisão- processo n.º 89/14.5T9LOU - e da necessária reclusão que ir ia sofrer por força de tal decisão. 23. No entanto, olvidou o tribunal a quo que os factos pelos quais o recorrente foi condenado no processo n.º 89/14.5T9LOU são anteriores à condenação dos presentes autos e que não há elemento de prova que demonstre de que tenha cometido qualquer crime no decurso do prazo da suspensão. 24. Nessa medida, o tribunal não podia lançar mão da condenação no processo n.º 89/14.5T9LOU como elemento demonstrativo da sua incapacidade de cumprir com o pagamento, e bem assim, como fator decisivo para fundamentar que estão inquinadas as finalidades que estiveram subjacentes à aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão tendo por base o comportamento do recorrente naqueles autos. 25. Na atual fase processual, a questão essencial reside na apreciação da efetiva culpa ou não culpa da satisfação da condição pelo recorrente, e da resenha à situação económica do recorrente desde o momento da sentença até ao momento em que foi proferido o despacho recorrido não resultam elementos que permitam demonstrar que tinha capacidade financeira e condições para pagar a quantia condição da suspensão. 26. Por outro lado, o raciocínio expendido pela decisão recorrida de que o recorrente não fez pagamentos simbólicos, mas um único pagamento, faz tábua rasa do valor liquidado e demonstra que o raciocínio do despacho recorrido está viciado. 27. Desde logo, porque o tribunal não impôs ao arguido pagamentos de prestações reduzidas ou simbólicas, que justifique a afirmação de que apenas fez um pagamento de parte do valor em dívida, se o tivesse feito e o recorrente mesmo assim nada pagasse ou cumprisse, seria legítima a crítica ou censura. 28. Nestes temos, em face de tudo o que se expendeu entende-se que não existe culpa por parte do recorrente muito menos culpa grosseira em tal incumprimento, pelo que a revogação da suspensão viola o disposto no artigo 55.º do CP. 29. A decisão recorrida violou o disposto no artigo 55.º do CP, pelo que se impõe a sua revogação.» 8. A isto respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, pugnando, em breves contra-alegações, pela improcedência do recurso. 9. O Ministério Público junto deste Tribunal aderiu às alegações do Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância, pugnando, também, pela improcedência do presente recurso, e acrescentando: «[...] Inexistindo qualquer dúvida que, na actual versão do Código Penal, ao lado das (ou paralelamente às) penas principais [as que se encontram expressamente cominadas nos tipos legais de crime e podem ser aplicadas por si sós, independentemente de quaisquer outras (prisão e multa)] e das penas acessórias (que apenas podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal ou pena de substituição) temos de considerar as penas de substituição[], nas quais se integra a suspensão da execução da prisão, mais se tem como pacificamente adquirido que, conforme referem Manuel Simas Santos, Manuel Leal-Henriques e João Simas Santos[], “Se o condenado não guardar observância aos deveres ou regras de conduta impostos ou não corresponder ao plano de readaptação, não é de optar, necessariamente e desde logo, pela revogação da suspensão, pois uma solução tão radical iria precisamente contra aquilo que se pretende evitar: a privação de liberdade do condenado” (destaque no original). Com efeito, uma situação de incumprimento não ditará, por si só, a imediata revogação daquela pena de substituição, antes impondo uma refinada análise da concreta situação reflectida naquele incumprimento, no sentido de perceber se o mesmo traduz, ou não, a falência do juízo de prognose favorável subjacente à primitiva suspensão, na medida em que esta pressupunha a expectativa de que a mera ameaça do cumprimento da pena seria suficiente para afastar o agente da prática de novos crimes. Importará, assim, reter que, por reporte àquele primeiro momento e em comentário ao artigo 50.º do Código Penal, referem Simas Santos e Leal-Henriques[] que “Na base da decisão … deverá estar uma prognose social favorável ao réu (como lhe chama Jescheck, op. e loc. cit.)… ou seja, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que a esperança não é seguramente uma certeza, mas se tem dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa” (itálico no original; destaques e sublinhados do signatário). Também a este propósito, refere André Lamas Leite[] que “Suspender a execução da pena de prisão, e em geral, lançar mão de uma medida substitutiva, importa uma aposta no condenado, a qual não pode deixar de ser de «risco permitido», visto que esta categoria dogmática só se liberta de anátemas economicistas quando se reforça em eficácia e em balanceamento dos interesses presentes. Todavia, e mesmo assim se operando, é sempre com renovada confiança antropológica que se cauciona o infractor de uma norma violadora dos mais íntimos fundamentos comunitários” (sublinhado e destaque do signatário). Mas se assim é, não se pode deixar de sublinhar também que, pese embora o mesmo tenha, entretanto, sido declarado insolvente, o recorrente mais não tem feito que criar a ilusão de que vem cumprindo os mínimos, procurando, conforme assertivamente regista o Exm.º Procurador da República junto do tribunal a quo, “…exculpar-se com a insolvência a que se apresentou, por forma a não ter de desenvolver esforços no sentido de cumprir e de demonstrar a interiorização da condenação”. Na verdade, o percurso de vida do arguido que os autos demonstram, de forma que se tem como inelutável é que, não obstante, ter pleno conhecimento, desde pelo menos, 2019, da obrigação de que dependia a suspensão da pena em que foi condenado (por decisão datada de 2015 e factos que remontam já ao ano de 2010!...) o certo é que o arguido – mesmo considerando o período pandémico (e crise económica e social do mesmo decorrente) por todos, entretanto vivenciado – não cumpriu, com o empenho necessariamente decorrente do facto de se encontrar condenado em pena de prisão, com a obrigação que sobre ele impendia, tendo em vista demonstrar que era merecedor da confiança que a comunidade, ainda assim e través do tribunal, nele havia depositado… Na realidade, uma verdade é insofismável: a suspensão da execução de uma pena de prisão, mesmo revestindo (conforme ab initio referido) a natureza de pena de substituição, não pode converter-se num cómodo plano de pagamento em suaves prestações, de tal forma maleável ou moldado à disponibilidade (ou mesmo vontade) do condenado, que desvirtue a sua natureza de pena criminal, pondo em crise não só as finalidades pedagógicas e ressocializadoras das penas, como mais levando a que a sociedade passe a descrer na respectiva eficácia e validade para reforçar a consciência comunitária enquanto forma de proceder à estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da(s) norma(s) violada(s)… E aqui chegados impõe-se afirmar que, tendo ouvido expressamente o arguido, assim estando em condições de avaliar o respectivo trajecto/ projecto de vida “em primeira mão”, mais podendo, consequentemente e com o máximo rigor possível, apreender a ressonância que a suspensão da execução da anterior condenação terá, ou não, merecido junto do mesmo, o tribunal recorrido alcançou a conclusão que aquele juízo de prognose se mostrava plena e irreversivelmente defraudado, motivo pelo qual – sob pena de ser ultrapassado o risco prudente ou permitido a que se fez já menção – se impunha, como se impôs, a revogação da suspensão da execução da pena anteriormente decretada E contrariamente ao afirmado pelo recorrente, a decisão recorrida não se mostra violadora do disposto no artigo 55.º do Código Penal, antes se encontrando devidamente estribada nos fundamentos resultantes da análise que, uma vez mais, foi efectuada do anterior e posterior – seja por referência à data prática dos factos, seja por referência à data da primitiva condenação – comportamento do arguido[]! E se assim é – conforme se tem que será – mais importa reter também os ensinamentos do Professor Figueiredo Dias quando consigna que apesar de o tribunal poder concluir[] por um prognóstico favorável, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime», assim afirmando que “… estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa”[] (destaque e sublinhados do signatário). Pese embora reportados também “ao primeiro momento”, em que o tribunal pondera da adequação, ou não, de suspender a execução da pena de prisão, ressalvado distinto e melhor entendimento, os ensinamentos que se vêm de referir não poderão deixar de ter, mutatis mutandis, pleno campo de aplicação no momento em que o tribunal se depara com a necessidade de ponderar a adequação de revogar, ou não, a suspensão anteriormente decretada. E conforme se escreveu já noutro momento, correspondendo o já mencionado risco prudente (ou permitido), afinal, ao limite a partir do qual se coloca em perigo a própria segurança da sociedade, esta não conseguirá perceber nem aceitar que tal limite seja ultrapassado, conforme, entre outros, se mostra apreendido também pelo Tribunal da Relação de Coimbra que, em decisão datada de 12 de Julho de 2017, claramente consignou o entendimento de que[], “Se deve privilegiar-se a socialização em liberdade, não é menos certo que a defesa do ordenamento jurídico não pode ser postergada, sob pena de se sacrificar a função de tutela de bens jurídicos que a pena, irrenunciavelmente, desempenha” (sublinhado do signatário). À luz do que antecede e de quanto mais resulta da resposta apresentada aos autos pelo Exm.º Procurador da República junto do tribunal recorrido, emite-se parecer no sentido de que o recurso interposto pelo arguido AA não merecerá provimento, antes devendo ser mantida a decisão recorrida. [...]» 10. Cumpridos os legais trâmites importa decidir. II 11. O presente recurso não merece provimento.12. 1. O incumprimento, pelo recorrente, da obrigação a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena privativa da liberdade que lhe foi imposta nos autos, é de considerar culposo. 13. De acordo com o preceituado no artigo 56.º do Código Penal, «[a] suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social (…)». 14. No caso dos autos, nenhuma dúvida existe de que o ora recorrente não cumpriu integralmente, até hoje, a obrigação (de pagamento, ao ofendido no processo, de parte da indemnização cível que ao mesmo foi arbitrada pelo Tribunal) a que ficou subordinada, nos termos do preceituado no artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, a suspensão da execução da pena que lhe foi imposta na decisão condenatória contra si a seu tempo aqui proferida, nem é sua intenção (o recorrente preferirá dizer que não está na sua disponibilidade, o que neste ponto do nosso raciocínio ainda há que admitir, pelo menos gratia argumentandi) proceder ao seu respetivo cumprimento. 15. Tal amonta, assim, a uma infração repetida dessa mesma obrigação, hipótese que, do ponto de vista da pertinente disciplina legal, abrange não apenas a reiteração (no sentido de realização plúrima) de um determinado comportamento (cada ação incumpridora do, ou dos, deveres ou regras impostos), mas também a adoção de um único comportamento que perdure no tempo e do qual resulte claramente a decisão (ou, pelo menos, a intenção) definitiva de incumprimento dos deveres e/ou regras de conduta judicialmente impostos e a que ficou subordinada a não execução da pena privativa da liberdade aplicada (vd., a propósito, Jörg Kinzig, em Schönke/Schröder/Eser, Strafgesetzbuch Kommentar, 30.ª ed., anotação ao § 56f, n. m. 14, pág. 980). 16. Desta constatação (algo diversa daquela a que se chega na decisão recorrida, mas em termos práticos de sentido coincidente) não tem, porém, que resultar necessariamente a revogação da suspensão da execução da pena de que beneficia o recorrente no âmbito destes autos; para tanto é ainda indispensável apurar se o incumprimento, por sua banda, da obrigação a que se encontra adstrito, lhe deve ser censurado (se tal incumprimento, isto é, se pode dizer culposo: cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral II: As consequências jurídicas do crime, § 543, pág. 355). 17. Nesta linha de pensamento, esforça-se naturalmente o recorrente, no presente recurso, por alegar que, durante todo o período em que se prolongou a suspensão da execução da pena de que beneficiou, e para além pagamento parcial do montante que lhe cabia satisfazer ao ofendido nos autos que, com muito esforço, logrou efetuar (no valor de € 1 455,10), não teve condições para cumprir, na parte restante, a obrigação que sobre si recaía (designadamente por não ter disponibilidade sobre os seus rendimentos, devido à situação de insolvência em que se encontrou e encontra). 18. Tal argumentação, no entanto, não pode ser acolhida. 19. A imposição de condições como aquela a que a suspensão da execução da pena de prisão aqui aplicada ao recorrente foi subordinada, serve, em síntese, e essencialmente, dois propósitos fundamentais. Por um lado, e de um ponto de vista preventivo especial, visa eliminar, na medida do possível, o mal do crime (o que no caso é relevante, tendo em consideração a extensão dos danos que a indemnização aqui em causa visa reparar), dando ao delinquente a oportunidade para, através do seu próprio esforço, demonstrar que se mostra empenhado na sua ressocialização plena e, assim, em afastar-se da prática de novos ilícitos criminais. 20. Por outro lado, e de um ponto de vista preventivo geral, visa tornar comunitariamente suportável o não cumprimento efetivo da pena privativa da liberdade imposta, evitando gerar sentimentos de impunidade, ou de excessiva lenidade na resposta do sistema de Administração da Justiça Penal ao crime, suscetíveis de abalarem a validade das normas violadas com a prática do ilícito-típico em questão. 21. Sem a imposição de condições como a aqui aplicada, pois, estaria, no fundo, comprometida a formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do condenado e/ou a salvaguarda das necessidades de defesa do ordenamento jurídico: o esperado empenho futuro do condenado na remoção (ou minoração) do mal do crime, demonstrando a sua aposta numa efetiva ressocialização, e, por essa via, a defesa (e reafirmação) da validade das normas jurídico-penais por ele violadas com o seu comportamento, é o que permitiu considerar que o cumprimento efetivo da pena privativa da liberdade aplicada (ainda) não se mostrava necessário. 22. Sendo as coisas assim, não basta que o recorrente acene com a sua suposta situação socioeconómica deficitária para concluir que não teve ele condições para proceder ao pagamento (de parte) da indemnização que, nos autos, foi arbitrada ao ofendido (a parte estritamente correspondente ao valor de que, às custas deste, se locupletou); é ainda necessário que o recorrente explique – e tal demonstração também lhe cabe (obviamente que não ao jeito de um qualquer ónus cujo incumprimento determine inexoravelmente a afirmação de conclusão contrária à posição que possa ele tentar fazer valer no processo, mas sob pena de o seu comportamento ser apreciado exclusivamente a partir das regras da experiência comum, independentemente de quaisquer peculiaridades que o seu caso concreto apresente e que sejam do seu conhecimento exclusivo) – como chegou ele a tal situação, e, mais importante porventura, que esforços desenvolveu, legítima e sinceramente, para a ultrapassar. 23. Ora, em primeiro lugar, é importante notar que a quantia que o recorrente se encontra adstrito a pagar ao ofendido no âmbito dos presentes autos corresponde ao exato valor com que se locupletou ilícita e efetivamente à custa deste, sendo certo que não apresentou o recorrente qualquer explicação quanto ao destino que deu a tal montante, nem se dignou revelar as eventuais razões que o impediram, durante o período aqui relevante, de, pura e simplesmente, devolver aquilo que fez seu contra Direito. 24. Neste contexto, a obrigação a que na respetiva sentença condenatória se subordinou a suspensão da execução da pena privativa da liberdade imposta ao recorrente, não veio a constituir um mero acréscimo de encargos por ele a suportar com os seus rendimentos correntes, assumindo antes a função de garantir a devolução de uma quantia de que inequivocamente se apropriou, e por cujo destino não pode deixar de responder. Trata-se de impedir que o delinquente, apesar da sua condenação, na prática se aproprie definitivamente daquilo que sonegou ao ofendido com as suas condutas. 25. Sendo assim, não se mostra propriamente decisivo que o recorrente tenha sido declarado insolvente, e nem muito menos que os seus rendimentos não lhe estejam plenamente disponíveis em face dessa sua situação de insolvência, porquanto o que em primeira linha se lhe exige é que devolva aquilo que fez seu mediante a prática dos factos ilícitos típicos pelos quais foi condenado no processo. 26. Em segundo lugar, invocando o recorrente que durante o período em que deveria ter procedido ao pagamento da quantia que ficou adstrito a solver ao ofendido nos autos não teve condições económicas para o fazer, fica, naturalmente, por esclarecer que esforços concretos desenvolveu para ultrapassar as limitações de que veio dar conta, e em especial, que esforços desenvolveu para encontrar uma melhor colocação profissional, com remuneração mais elevada, sobretudo quando parece resultar das suas declarações que se limitou ele a acomodar-se à sua suposta situação de penúria, o que também contrasta com o comportamento expectável do racional homo economicus, ideal de que não se vê que o recorrente tenha tido motivo válido para desviar-se durante o lapso temporal aqui relevante. 27. A simples afirmação da ausência de meios para solver as suas dívidas, pois, não pode transformar-se num meio cómodo de evitar o cumprimento das obrigações a que um condenado esteja sujeito, em casos como o vertente, sob pena de se esvaziar por completo o efeito geral e especial preventivo da suspensão decretada e que não foi aproveitada para efetivamente eliminar o mal do crime por parte do delinquente, tornando comunitariamente insuportável a suspensão da execução da pena de que beneficiou. 28. Em terceiro lugar, como se refere na decisão recorrida, o ora recorrente, quando foi ouvido no termo do prazo originário de cumprimento da obrigação que lhe foi imposta, comprometeu-se sponte sua a realizar pagamentos parciais caso lhe fosse dada tal oportunidade, e por isso, e só por isso, se considerou então que seria ainda possível, e aconselhável, mediante a prorrogação do prazo de pagamento inicialmente fixado, permitir-lhe demonstrar, nos moldes por ele próprio propostos, o seu empenho na eliminação do mal do seu crime e no seu processo de ressocialização. 29. Ou seja, foi o próprio recorrente, obviamente já conhecedor de todas as limitações que agora vem (novamente) invocar em abono da sua pretensão de não revogação da suspensão da execução da pena de prisão de que beneficia nos autos, quem sugeriu, e se comprometeu, a proceder a pagamentos parciais, ao longo do novo prazo que lhe fosse concedido, com vista ao cumprimento da obrigação que sobre si recaía. Mas sendo assim, não se compreende como agora vem novamente alegar a impossibilidade de realizar tal incumprimento, afinal «dando o dito por não dito», digamos assim, sem justificar minimamente que diferentes condições tinha à data em que prestou as suas declarações e assumiu o aludido compromisso, relativamente ao período imediatamente ao compromisso que prestou. 30. Em quarto lugar, também o pagamento parcial entretanto realizado pelo recorrente – completamente fora do prazo que para tanto lhe estava assinado – demonstra, afinal, que ele sempre terá tido alguma disponibilidade para cumprir com a obrigação que sobre si impendia, e impende, no âmbito deste processo, ficando completamente por justificar como logrou ele realizar a entrega que efetuou, face à sua veemente alegação de que nunca teve, durante todo o período aqui relevante, condições para proceder ao pagamento a que estava adstrito, seja por ausência de recursos, seja pela limitação do respetivo uso face à sua declaração de insolvência, mas não o fez durante o prazo fixado (e por ele aceite) como podia – e, obviamente, devia. 31. Do comportamento do recorrente, pois, retira-se, em conclusão, como se nota na decisão recorrida, que «demonstrou [ele] que não interiorizou o desvalor das suas condutas, tendo frustrado as expectativas que o Tribunal nele depositou e ignorado a solene advertência bem expressa ao suspender-se-lhe a pena», e «[t]endo manifestamente desprezado aquela advertência e as oportunidades que lhe foram dadas, infringiu de forma grosseira e repetida os deveres a que estava sujeito, como bem sabia», «[r]azão pela qual, mais não resta que concluir que a censura do facto e a ameaça da pena de prisão não realizaram de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, atento todo o exposto», tudo o que conduz à conclusão de que o presente recurso não pode deixar de improceder. 32. 2. Conforme decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 513.º do Código de Processo Penal, o arguido suporta o pagamento de taxa de justiça «quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso». 33. Sendo este o caso, terá, assim, o recorrente, de suportar as custas devidas nesta instância. 34. Considerando, nos termos previstos no artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, a tramitação processual ocorrida, afigura-se adequado fixar em 3-6 Unidades de Conta a taxa de justiça devida. III 35. Pelo exposto, acordam os da 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto em, negando provimento ao presente recurso, confirmar a decisão recorrida.36. Custas pelo recorrente (artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) Unidades de Conta. Porto, 21 de junho de 2023. (acórdão assinado digitalmente). Pedro M. Menezes Donas Botto Paula Guerreiro |