Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JERÓNIMO FREITAS | ||
Descritores: | PRESUNÇÃO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO ILISÃO DA PRESUNÇÃO | ||
Nº do Documento: | RP2023062611766/22.7T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/26/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Nos termos estabelecidos no art.º 12.º do CT, presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho. II - Não estabelecendo a norma qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção pode ser afastada [art.º 350.º n.º2, do CC], passando a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação de trabalho autónoma ou por conta própria, para afastar a presunção. III – Se a presunção da existência de um contrato de trabalho deve assentar nas características concretas descritas no artigo 12.º n.º 1 do Código do Trabalho, para ilidir a presunção não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido, devendo ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa, cabendo à empresa o ónus da prova dos concretos e reais factos que consubstanciem essa ilisão. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO n.º 11766/22.7T8PRT.P1 SECÇÃO SOCIAL ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I. RELATÓRIO I.1 No Tribunal da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto, veio o Ministério Público, nos termos do disposto no art.º 15º-A da Lei nº 17/2009 de 14 de Setembro e art.º 186º-K do C.P.T., na redacção introduzida pela Lei 63/2013 de 27 de Agosto, intentar a presente acção para Reconhecimento de Existência de Contrato de Trabalho contra “CELESTIAL ORDEM ...” pedindo que se declare a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado estabelecido entre a Ré e as suas funcionárias AA e BB. Para sustentar os pedidos, o Ministério Público invocou que atenta a factualidade recolhida na participação elaborada pelos serviços competentes da ACT, retira-se que estas funcionárias que se encontravam a trabalhar para a R. deveriam ser reconhecidas como trabalhadoras dependentes da mesma e não prestadores de serviços por conta própria, por estarem verificados os pressupostos para a presunção de existência de contrato de trabalho, nos termos do estabelecido no art.º 12.º do CPT. Citada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 186.º-L, do CT, a ré contestou a acção apresentando defesa por impugnação, afirmando que se dedica à actividade de cuidados de saúde continuados integrados, tendas as colaboradoras aqui visadas prestado serviços na Unidade de Longa Duração e Manutenção, como auxiliares de saúde, não sendo estes serviços prestados de forma regular, refutando, no entanto, a existência de qualquer subordinação jurídica, dado que a seu ver, as mesmas colaboradores dispõem de elevado grau de autonomia na execução das suas tarefas, indicando ainda a disponibilidade para integrar as escalas da R., não existindo qualquer obrigatoriedade de justificar ausências, nem controlo sobre a sua assiduidade. No que se refere aos seus honorários, as mesmas eram remuneradas na quantia de €4,35/hora e aqueles variavam conforme o número de horas prestadas, sendo por isso variável e irregular. Conclui que não estão presentes os requisitos necessários para se concluir pela existência de vínculo laboral, devendo, assim, a acção ser julgada improcedente, sendo absolvida dos pedidos formulados. Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo. I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte: -«Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente acção procedente por provada e em consequência condenando-se a R. a reconhecer a existência deste vínculo laboral a partir do dia 01/09/2021 quanto à trabalhadora AA e a partir do dia 03/08/2020 quanto à trabalhadora BB. Fixa-se à acção o valor de €4.000,00. Custas pela R. Registe e notifique. [..]». I.3 Inconformada com aquela decisão, a Ré apresentou recurso de apelação, requerendo a atribuição de efeito suspensivo, mediante a prestação de caução de €4.000,00. As alegações foram encerradas com as conclusões seguintes: i. A douta sentença de fls. não é acertada na parte de que se recorre, razão pela qual se requer o efeito suspensivo da mesma até que se conheça a procedência do presente recurso judicial, e deve alterar nos precisos termos em que se recorre, sendo o presente recurso julgado totalmente procedente. ii. Existe erro na matéria de facto dada como não provada, sendo totalmente errados os quatro pontos que foram dados como não provados, existindo ainda erro na matéria de facto provada, na totalidade ou parcialmente, quanto aos pontos 5 a 7, 9, 11 a 14, 21 os quais deveriam transitar para os factos não provados, do seguinte modo: ponto 5, quando refere «(…) toma de medicação com a supervisão de enfermagem (…)», na medida em que não corresponde às funções de técnico auxiliar de saúde; Ponto 6, quando refere «(…) a “templo completo” e em regime de exclusividade (…)», pois não foi determinado qualquer vínculo nesse sentido; Ponto 7, quando refere «(…) utilizaram sempre os equipamentos, instrumentos de trabalho (…) pertencentes à Ré», uma vez que apenas foi produzida prova relativa aos consumíveis necessários à prestação de serviços ora em causa; ponto 9 na sua totalidade, pois foi produzida prova em sentido claro que as escalas mensalmente elaboradas eram definidas de acordo com a vontade das prestadoras de serviço, que indicavam os dias e horas que pretendem prestar serviços; ponto 11, quando refere, «(…) quando preveem que vão faltar comunicam tal facto ao enfermeiro de turno.», a prova produzida resulta, precisamente, em sentido contrário; pontos 12 e 13 na sua totalidade, pois, para além de não existir qualquer obrigação de avisar em caso de atraso ou ausência, conforme declarações prestadas pelas testemunhas, também não assiste obrigação das prestadoras de serviços cumprirem, pontualmente, com um plano previamente definido que apenas aí contém meras diretrizes para orientar o serviço prestar e garantir a continuidade do mesmo quando há lugar a passagens de serviços; ponto 14, na sua totalidade; e, ponto 21, quando refere «(…) mas as trabalhadoras aqui visadas não o faziam porque tinham sempre disponibilidade total, estando em exclusividade ao serviço da demandada.», uma vez que, como referido, não havia um vínculo de exclusividade e, ainda que tivessem maior disponibilidade por comparação com outros prestadores de serviços da Recorrente, ainda assim era-lhes sempre questionada as suas disponibilidades, que, por sua vez, eram definidas pelas próprias. iii. Ouça-se a este respeito o depoimento de BB, gravado no dia 6 de outubro de 2022, das 15h05 às 15h34, dos minutos 01:34 a 01:44, 01:48 a 02:10, 03:20 a 05:39, 03:58 a 05:39, 06:45 a 08:22, 07:20 a 07:40, 07:34 a 08:22, 08:00 a 08:22, 08:21 a 09:34, 08:29 a 09:32, 09:07 a 09:34, 09:59 a 10:20, 13:16 a 13:46, 17:23 a 18:15, 17:41 a 17:51, 18:19 a 18:29, 19:24 a 20:18, 20:17 a 21:15, 20:18 a 21:54, 21:29 a 22:05, 21:43 a 22:00, 22:16 a 22:58, 22:35 a 23:36, 22:59 a 23:34, 23:21 a 23:36; o depoimento de CC, gravado no dia 6 de outubro de 2022, das 15h35 às 15h57, concretamente dos minutos 00:51 a 01:12, 01:52 a 02:36, 02:21 a 02:43, 05:00 a 05:15, 10:59 a 11:40, 13:56 a 14:40, 15:56 a 17:02, 17:08 a 17:56, 19:38 a 20:05; o depoimento de DD, gravado no dia 6 de outubro de 2022, das 15h58 às 16h24, dos minutos 02:57 a 05:27, 05:31 a 06:02, 06:48 a 07:02, 10:28 a 11:16, 14:11 a 15:00, 18:08 a 18:43; do depoimento da EE, gravado no dia 6 de outubro de 2022, das 16h32 às 16h39, mais concretamente, os minutos 02:15 a 03:26; e do depoimento de FF, gravado no dia 6 de outubro de 2022, das 16h25 às 16h32, mais concretamente, os minutos 01:31 a 01:38, 01:55 a 03:08, 03:09 a 03:51 e 04:13 a 05:23. iv. Da análise atenta dos depoimentos que se acabam de salientar, e sem prejuízo da audição total dos mesmos, não podem resultar dúvidas da existência de erro na apreciação da matéria de facto. v. Da explicação exaustiva, idónea e clara que foi feita pelos depoimentos prestados, não podem subsistir dúvidas, no caso das prestadoras de serviços dos autos em apreço, quanto à ausência dos indícios de laboralidade, que justificam, por isso, a existência de dois verdadeiros contratos de prestação de serviços. vi. No que respeita à matéria de direito, dir-se-á igualmente que não assiste razão ao douto Tribunal, considerando as regras em matéria de invocação de existência de contrato de trabalho, pois que, efetuado um juízo de valoração à globalidade dos indícios de laboralidade, inexistem factos provados que permitam concluir que a relação contratual mantida entre estas prestadoras de serviço e a Recorrente, configura um contrato de trabalho. vii. Sendo que, das causas invocadas e apreciadas para a existência de um vínculo contratual dessa natureza, pode concluir-se que não há lugar a qualquer subordinação jurídica, dado que as mesmas prestadoras dispõem de elevado grau de autonomia na execução das suas tarefas, inclusive, podiam escolher a ordem, por quarto e utente, para prestarem os cuidados de saúde, sendo que, o serviço prestado pelas mesmas não era objeto de controlo e/ou avaliação por parte de enfermeiros ou outro colaborador da Recorrente, havendo, somente, um plano com orientações para que, nas passagens de serviço, fosse assegurada a continuidade dos cuidados de saúde prestados, sem que houvesse lugar, como se disse, a uma fiscalização e/ou imposição de que tarefas executar. viii. A própria prestadora de serviços aqui em causa, BB, prestou depoimento no sentido de que a presença de um enfermeiro, quando acontecia, era para ajudar na movimentação de utentes, mas nunca para controlar o seu serviço. ix. Como resultou amplamente provado que não são alvo de poder disciplinar pela Recorrente, dispondo de total autonomia e independência no exercício dos serviços prestados, não recebendo ordens e instruções de quem quer que fosse, sem qualquer necessidade de justificar atrasos ou ausências ao serviço, sem qualquer imposição de exclusividade, uma vez que eram estas que, todos os meses e/ou semanas, indicavam a sua disponibilidade e como aliás referiu a prestadora de serviços, BB, a sua disponibilidade era sempre respeitada e nunca lhe foi imposto qualquer horário que não tivesse previamente autorizado. x. Além disso, resultou amplamente provado que não havia lugar a qualquer imposição por parte da Recorrente quanto ao cumprimento das disponibilidades previamente dadas pelas prestadoras de serviços, na medida em que as mesmas, uma vez fixada a escala de serviço, podiam efetuar trocas livremente, sempre que assim necessitassem. xi. Da exclusividade, veja-se ainda a prova documental, nomeadamente, a declaração de IRS de AA, onde deve atender-se que existiam outras fontes de rendimento auferidos pela mesma e pagos pela entidade com o NIF ... – A.... xii. E, nem usufruem de férias remuneradas e/ou recebem subsídios de férias e de Natal. xiii. Mais resultou provado que, as ditas prestadoras indicavam a disponibilidade para integrar as escalas da Recorrente, não efetuavam registo dos tempos de trabalho, nem existia qualquer obrigatoriedade de justificar ausências, ou controle sobre a sua assiduidade, sendo que a única consequência de não prestar serviços, era não receber retribuição. xiv. É, ainda, manifesto dizer-se que no que se refere aos honorários, resultou provado que as mesmas eram remuneradas na quantia de €4,25/hora, cujo valor mensal variava de acordo com o número de horas de serviço prestadas, sendo por isso a remuneração variável e irregular. xv. Aliás, da análise dos recibos juntos aos autos pode-se concluir que ao longo dos meses, o número de horas prestado era variável. xvi. E, a propósito da variação do número de horas, sempre se refira que tal se deve à disponibilidade que era indicada pelas prestadoras de serviços, que, por sua livre vontade, definiam mensalmente os dias e número de horas que queriam realizar a prestação de serviços na Recorrente, jamais tendo-lhes sido imposto o cumprimento de um horário que estas não tivessem previamente autorizado. xvii. Pelo que, da prova produzida, dúvidas inexistem de que o horário em que eram prestados serviços era definido de comum acordo e de harmonia com as disponibilidades das partes, nunca tendo existido, por parte da Recorrente, qualquer imposição quanto ao seu cumprimento, nem aquelas prestadoras prestavam o mesmo número de horas de serviços, em todas as semanas, razão pela qual tal facto deveria, indubitavelmente, constar da matéria de facto provada, constituindo a sua inclusão na matéria de facto não provada, um claro erro de julgamento na matéria de facto!!! xviii. Ainda, para além dos consumíveis, nenhuma das testemunhas afirmou que estas prestadoras usavam instrumentos e equipamentos pertencentes à Recorrente, sendo que a própria BB e a testemunha CC esclareceram que levavam o seu próprio estojo com que trabalhavam (com uma tesoura e outros instrumentos para o exercício das suas funções) e calçado próprio. xix. E, atendendo tratar-se de uma unidade de internamento, não haverá outro local onde os cuidados de saúde pudessem ser prestados por estas prestadoras, pela própria natureza da atividade aqui em causa. xx. Reitere-se, por último, que há claro erro no julgamento da matéria de facto provada ao afirmar-se que estas prestadoras de serviços cumpriam as instruções que lhes eram dadas pelos responsáveis da Recorrente, quer quanto ao modo de execução das suas tarefas, quer quanto ao núcleo de tarefas, quer quanto à supervisão que tinham por parte dos enfermeiros com quem realizavam em equipa as mesmas tarefas. xxi. Porquanto, como cabalmente provado, a prestadora de serviços BB, afirmou que não existia qualquer pessoa a controlar ou fiscalizar o serviço que prestava e que, quando havia intervenção de um enfermeiro, sempre seria para auxiliar na movimentação de utentes, unicamente. xxii. Mais afirmou jamais ter sido objeto de qualquer repreensão ou avaliação por parte de qualquer trabalhador da Recorrente durante o tempo que aí prestou serviços. xxiii. Como, declarou que o modo como o seu serviço era executado não era determinado ou imposto por um plano descritivo de tarefas, mas, outrossim, porque detinha um curso de técnico auxiliar de saúde que lhe permitia conhecer e executar, corretamente, a sua atividade. xxiv. Posto que, é forçoso concluir-se que, não se mostrando a verificação de qualquer vínculo laboral, não pudesse o douto Tribunal decidir pela existência de um contrato de trabalho. xxv. Motivo pelo qual, a ação deveria ter sido julgada como improcedente e a Recorrente absolvida dos pedidos contra ela formulados. Termos em que, deve a douta decisão recorrida ser alterada, no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso, o que desde já se requer para todos os efeitos legais. I.4 O Ministério Público apresentou contra-alegações, desde logo, opondo-se à atribuição do efeito suspensivo, as quais foram sintetizadas nas conclusões seguintes: 1. O regime de recurso previsto para a Ação de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, previsto no art. 186º-P do CPT, não admite o efeito suspensivo, mediante prestação de caução. 2. Assim, o efeito a atribuir ao presente recurso terá que ser meramente devolutivo, não se aplicando o disposto no art. 83º nº 2 do referido diploma. 3. A Ré impugna a matéria de facto dada por assente na douta sentença recorrida, por considerar que a prova produzida e gravada, concretamente a testemunhal, impunha a alteração, supressão ou complemento de vários pontos da matéria de facto. 4. Nessa conclusão, escamoteia, praticamente, na sua totalidade, a prova documental junta aos autos, que é essencial para a demonstração dos factos provados e não provados elencados na motivação da douta sentença recorrida. 5. Com especial destaque para os mapas de “Descrição de Tarefas” e as escalas de turnos, comuns a todos os 9 técnicos auxiliares de saúde, dos quais, 4 eram trabalhadores de pendentes e 5 alegados prestadores de serviços. 6. E que revelam, de forma clara e cristalina, a igualdade de tratamento, regime e estatuto, vigentes para todos os técnicos de saúde da Unidade de Cuidados Continuados .... 7. Depois, faz uma interpretação distorcida de alguns meios de prova, pretendendo, por exemplo, afastar a exclusividade da prestadora AA, ao serviço da Ré, com base num rendimento de €66,80 obtido de terceiros, em 2021, quando o mesmo documento demonstra que lhe pagou €1 986,51, por quatro meses de trabalho; 8. Ainda, de forma enviesada, reclama que as prestadoras podiam usar tesoura própria e calçado próprio e não registavam os tempos de trabalho, quando se demonstrou que todo este circunstancialismo era comum a todos os técnicos auxiliares de saúde, daquele serviço de cuidados continuados, independentemente do vínculo. 9. Por fim, sustenta que as referidas prestadoras beneficiavam da possibilidade de organizar o seu tempo de trabalho, comunicando previamente a sua disponibilidade para cumprirem os horários elaborados pela Ré. 10. Apesar da testemunha BB ter confirmado essa possibilidade, foi a própria que afirmou não fazer uso da mesma, uma vez que trabalhava, em exclusividade, para a Ré 11. E a Recorrente não demonstrou que as referidas prestadoras tivessem, efetivamente, usufruído dessa faculdade, tanto mais que os documentos juntos demonstram que, qualquer uma delas, no período compreendido entre Janeiro e Maio de 2022, cumpriram períodos normais de trabalho compatíveis com um horário completo de 35 horas semanais. 12. E, seria este o único facto que poderia abalar a presunção consagrada no art. 12º do CT, dado que, o Autor, por sua vez, provou a verificação dos indícios de laboralidade referidos nas als. a) a d) da referida norma. 13. A mera alegação da possibilidade, de as prestadoras puderem organizar, livre e autonomamente, o seu tempo de trabalho não tem a potencialidade de ilidir a presunção, conforme explicou o Exmo. Sr. Desembargador Domingos Morais no texto acima transcrito, defendendo o mesmo rigor e exigência na prova do facto contrário, que se impõe à prova do facto indiciário da presunção. 14. Demonstrando-se que as tarefas desenvolvidas pelas trabalhadoras BB e AA ocorriam nas instalações da Recorrente, com recurso a equipamentos e consumíveis da Recorrente, consistiam em trabalho indiferenciado de prestação de cuidados de saúde e higiene, em condições totalmente idênticas às dos 4 trabalhadores dependentes, da mesma categoria profissional com que formavam equipa; 15. demonstrando-se que tais tarefas se traduziam numa mera atividade e nunca na realização de um resultado específico e que são correntes e essenciais á atividade normal da CELESTIAL ORDEM ...; 16. demonstrando-se que auferiam retribuição periódica, fixa e calculada em função do tempo de trabalho (à hora) e não do resultado de atividade; 17. demonstrando-se que cumpriam horário de trabalho organizado e definido pela Recorrente, mediante escalas de turnos mensais, 18. claramente se conclui que entre cada uma das prestadoras e a Recorrente vigorou um efetivo e verdadeiro contrato de trabalho. 19. E, portanto, a douta decisão proferida não merece qualquer reparo ou crítica. Pelo que se entende que deve ser mantida nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso. I.5 O Tribunal a quo pronunciou-se quanto à requerida atribuição de efeito suspensivo ao recurso nos termos seguintes: -«Defere-se a prestação de caução por parte da aqui recorrente, no respectivo prazo legal e no valor proposto de €4.000,00, por qualquer meio idóneo, de forma a determinar o efeito suspensivo ao recurso tempestivamente interposto. Notifique». Na sequência desse despacho a Recorrente apresentou requerimento juntando aos autos comprovativo da prestação de caução no valor determinado de €4.000,00 (quatro mil euros). Subsequentemente o Tribunal a quo proferiu despacho admitindo o recurso, admitindo o recurso nos termos seguintes: -«Admite-se a apelação da sentença para o Tribunal da Relação do Porto. Sobe nos próprios autos. E, face à prestação da caução, tem efeito suspensivo». I.6 Não houve lugar ao parecer a que alude o art.º 87.º 3, do CPT, em razão do próprio Ministério Público ser autor e recorrido. I.7 O presente recurso foi redistribuído ao aqui relator, por impedimento motivado por razões de saúde da primitiva Exma Juíza Desembargadora relatora, em cumprimento do ordenado no Provimento n.º 5/2023 do Exmo. Sr. Presidente deste Tribunal da Relação do Porto. I.8 Concluídos os autos, pelo aqui Relator foi proferido despacho determinando a notificação da Ré “para se pronunciar quanto ao efeito do recurso (art.º 654.º n.º2, do CPC), por se equacionar a alteração do efeito do recurso, pelas razões invocadas pelo Ministério Público na resposta ao recurso”. I.8.1 A recorrente apresentou requerimento pugnando pela manutenção do efeito suspensivo atribuído pela 1.ª instância. I.9 Cumpridos os vistos legais procedeu-se ao envio do projecto de acórdão aos excelentíssimos adjuntos e determinou-se que o processo fosse submetido à conferência para julgamento. I.10 Questão prévia: efeito do recurso Cabe relembrar que, nos termos do n.º5, do art.º 641.º do CPC, a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes (salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º). Nas contra-alegações o Ministério Público opôs-se a atribuição do efeito suspensivo requerido pela recorrente, referindo o seguinte: -«[..] o regime estabelecido no art. 83º do CPT, referente ao efeito do recurso, concretamente, a possibilidade de lhe ser conferido efeito suspensivo, não se aplica à ARECT, uma vez possui um regime processual próprio, previsto nos art. 186º-K e seguintes do CPT. Assim, e quanto aos efeitos do recurso, dispõe o art. 186º-P que da decisão proferida nos termos do presente capítulo é sempre admissível recurso de apelação para a Relação, com efeito meramente devolutivo. E a respetiva norma não prevê qualquer exceção ao princípio estabelecido, nomeadamente o afastamento do efeito devolutivo, mediante prestação de caução. Tratando-se de regime especial, sobrepõe-se á regra geral prevista no art. 83º do CPT, concluindo-se, portanto, pela impossibilidade de ao presente recurso ser conferido efeito suspensivo, mesmo com prestação de caução». Como se retira do despacho acima transcrito, o Tribunal a quo admitiu a prestação de caução e atribuiu ao recurso o efeito suspensivo, mas sem cuidar de se pronunciar, como devia, sobre a objeção levantada pelo recorrido Ministério Público. No requerimento apresentado na sequência do despacho do aqui relator, a recorrente veio pugnar pela manutenção do efeito suspensivo atribuído pela 1.ª instância, argumentando, no essencial, o seguinte: - A ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho visa combater o recurso indevido aos contratos de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado e, concomitantemente, salvaguardar os interesses do Estado em matéria fiscal e de segurança social, mas estes só devem ser efetivamente acautelados quando seja proferida decisão judicial transitada em julgado, o que não é ainda o caso em apreço. - A execução precoce da decisão recorrida implicará a regularização de valores perante as autoridades administrativas e fiscais, não podendo a Recorrente recusar-se a pagar, sob pena de serem instaurados os respetivos processos contraordenacionais. - A recorrente já prestou caução. - Deve atender-se ao prejuízo considerável para a Recorrente que a execução da decisão recorrida representa, na medida em que a disponibilidade das contribuições aqui em juízo acarretará impactos no seu normal funcionamento, quando espera vir a obter vencimento no presente processo judicial. Na consideração desses argumentos, defende “resulta[r] manifesta a necessidade de atribuir ao presente recurso efeitos suspensivos sobre a execução da decisão de que se recorreu, o que se requer para todos os efeitos legais”. Passando à apreciação, a atribuição do efeito que cabe ao recurso está regulada na lei processual, não dependendo da ponderação casuística de argumentos, mas antes da observância das regras aplicáveis às situações tipificadas. Vale isto por dizer, que a argumentação da recorrente não pode ter qualquer relevo para a apreciação da questão. Como bem refere o Ministério Público, estamos perante uma acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, que segue a forma de processo especial regulada nos artigos 186.º K a 186.º S, prevendo-se no artigo 186.º P, com a epígrafe “Recurso”, que “Da decisão proferida nos termos do presente capítulo é sempre admissível recurso de apelação para a Relação, com efeito meramente devolutivo”. Conforme estabelece o art.º 48.º n.º 3, do CPT, o processo especial aplica-se nos casos expressamente previstos na lei. Estando-se perante uma própria do processo especial, a mesma prevalece sobre o estabelecido no art.º 83.º n.º2, do CPT, onde se admite que o recorrente possa obter o efeito suspensivo se no requerimento de interposição de recurso requerer a prestação de caução da importância em que foi condenado. Se o legislador não tivesse tido o propósito de definir um regime especial quanto ao efeito do recurso na presente acção especial, teria apenas estabelecido ser “sempre admissível recurso de apelação para a Relação”. Nesse caso, o efeito do recurso estaria subordinado ao estabelecido no art.º 83.º do CPT. Por conseguinte, se o legislador fez constar da parte final da norma “com efeito meramente devolutivo”, tal só pode ser interpretado como a afirmação inequívoca de que outro não poderá ser o efeito atribuído ao recurso, ou seja, que não é aplicável o n.º2, do art.º 83.º do CPT, ficando assim excluída a possibilidade de obtenção do efeito suspensivo. Pelo exposto, decide-se fixar ao recurso o efeito meramente devolutivo. I.11 Delimitação do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões que se colocam para apreciação consistem em saber se o tribunal a quo errou quanto ao seguinte: i) Na apreciação da prova e fixação da matéria de facto, quanto aos “quatro pontos que foram dados como não provados, existindo ainda erro na matéria de facto provada, na totalidade ou parcialmente, quanto aos pontos 5 a 7, 9, 11 a 14, 21” [conclusão ii]: ii) Na aplicação do direito aos factos, porque “efetuado um juízo de valoração à globalidade dos indícios de laboralidade, inexistem factos provados que permitam concluir que a relação contratual mantida entre estas prestadoras de serviço e a Recorrente, configura um contrato de trabalho” [conclusão vi]. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO O Tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte [numeração introduzida por nós]: 1. Na sequência de uma ação inspetiva levada a cabo pela ACT – Centro Local do Grande Porto, em 24.05.2022, às instalações da Ré sitas na Rua ..., ... Porto, a Ré foi notificada para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação das colaboradoras AA e BB. 2. A Ré manteve a situação existente com as referidas colaboradoras, tendo sido levantado, em 30 de maio de 2022, o correspondente auto de notícia. 3. A Ré é uma Associação que exerce atividades de apoio social, sendo uma instituição privada de solidariedade social que se dedica, entre outras, à actividade de cuidados de saúde continuados integrados, inserida na rede nacional de cuidados continuados com internamento para pessoas que necessitem de cuidados de saúde com intervenção interdisciplinar. 4. As trabalhadoras AA e BB foram admitidas ao serviço da Ré para desempenharem as funções de técnicas auxiliares de saúde. 5. As trabalhadoras AA e BB, prestam a sua actividade de técnicas auxiliares de saúde, executando, designadamente, as seguintes tarefas: - higienização de utentes; auxiliar na alimentação os utentes e na toma de medicação com a supervisão de enfermagem; posicionar os utentes; vestir os utentes; higienizar os quartos e os quartos de banho dos utentes. 6. A trabalhadora AA iniciou a prestação de trabalho para a Ré em Setembro de 2021, a “tempo completo” e em regime de exclusividade e a BB em 03/08/2020, ambas mediante acordo verbal. 7. No exercício da sua atividade de técnicas auxiliares de saúde ao serviço da Ré, AA e BB, utilizaram sempre os equipamentos, instrumentos de trabalho e consumíveis pertencentes à Ré, nomeadamente, luvas, fraldas, cremes, compressas, gel de banho, roupa de banho, roupa de cama. 8. As indicadas trabalhadoras AA e BB exercem as suas funções nas instalações da Ré ou em local por ela determinado, designadamente, na Unidade de Cuidados Continuados de Longa Duração ULDM), sita na Rua ..., ... Porto. 9. As horas de início e termo da prestação da actividade das mesmas trabalhadoras AA e BB, são definidas pela R., sendo aquelas integradas nas escalas mensais de trabalho elaboradas pela R. e cumpre um horário de trabalho organizado em regime de turnos. 10. As referidas escalas mensais, turnos de trabalho, são comunicadas pela R. à trabalhadoras em causa, habitualmente, via Whatsapp no grupo denominado “ULDM”. 11. As trabalhadoras AA e BB não procedem ao registo dos tempos de trabalho na R. e quando preveem que vão faltar comunicam tal facto ao enfermeiro de turno. 12. As trabalhadoras AA e BB quando se atrasam para iniciar as suas funções avisam a enfermeira coordenadora (Enfª GG). 13. No exercício da sua atividade as trabalhadoras em causa cumprem um plano de trabalho que contém as especificas tarefas que lhes cabe executar em cada turno e que é previamente elaborado pela R. 14. Constando no “quadro da sala de passagem de turno” a distribuição dos quartos dos utentes para cada auxiliar de ação médica, bem como o respetivo enfermeiro, com quem as trabalhadoras fazem equipa. As trabalhadoras AA e BB reportam a sua actividade ao enfermeiro responsável pelo turno, seu “superior hierárquico". 15. As mesmas trabalhadoras, no exercício da sua actividade têm, obrigatoriamente, de usar uma farda constituída por calças e túnica, com a identificação da Ré no bolso da túnica, tendo a demandada entregue às trabalhadoras em questão fardas para uso durante o período de trabalho. 16. A Ré diligencia pela higienização das fardas usadas pelas trabalhadoras. 17. As trabalhadoras acima indicadas, no exercício da sua actividade, têm de usar um cartão com o seu nome e a sua categoria profissional, que lhes foi facultado pela R., e que devem colocar na farda de forma bem visível. 18. As mesmas trabalhadoras auferem €4,25 (quatro euros e vinte e cinco cêntimos) por hora, como contrapartida da atividade prestada, sendo tal remuneração paga mensalmente ao dia 15 de cada mês. 19. A R. nunca pagou às trabalhadoras AA e BB qualquer quantia a titulo remuneração por férias gozadas., nem qualquer quantia a titulo de subsidio de férias e de Natal. 20. Materiais como a tesoura e o calçado, que não representam objetos consumíveis pelos utentes, não são disponibilizados pela Ré, ficando a cargo e responsabilidade de cada prestador de serviços e de cada trabalhador dependente da mesma. 21. As prestadoras de serviços como auxiliares de saúde, indicavam mensalmente a sua disponibilidade, de forma a serem integradas nas escalas da R., mas as trabalhadoras aqui visadas não o faziam porque tinham sempre disponibilidade total, estando em exclusividade ao serviço da demandada. 22. As indicadas colaboradoras alteravam os períodos comunicados à Ré (tendo liberdade para o efeito), acabando por prestar a sua actividade em momentos distintos daqueles que tinha inicialmente definido, por trocas com outros colaboradores em regime de prestação de serviços ou com outros trabalhadores dependentes ao serviço da R. * FACTOS NÃO PROVADOS Com relevo para a decisão de mérito a proferir, os factos que se consideram como não provados, são os seguintes: 1- As prestadoras de serviços, em causa nos autos, durante o período em que prestaram serviços para a Ré, nunca questionaram o tipo de relação que com a mesma mantinham. 2- As mesmas prestadoras de serviços – AA - não têm um horário fixo, nem em dias, nem em horas de entrada e saída. 3- O horário em que eram prestados serviços era, assim, definido de comum acordo e de harmonia com as disponibilidades das partes, nunca tendo existido, por parte da Ré, qualquer imposição quanto ao seu cumprimento, nem aquelas prestadoras prestavam o mesmo número de horas de serviços, em todas as semanas. 4- Sendo as prestadoras quem decide o número de horas mensais em que pretende prestar serviços e os dias e horas em que o podem fazer, com total autonomia e independência. II.2 Impugnação da decisão sobre a matéria de facto A recorrente insurge-se contra a decisão sobre matéria de facto, por alegado erro de julgamento quanto aos “quatro pontos que foram dados como não provados, existindo ainda erro na matéria de facto provada, na totalidade ou parcialmente, quanto aos pontos 5 a 7, 9, 11 a 14, 21” [conclusão ii]. Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222]. Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes: - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; - Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; - A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. - Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)]. Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt]. No caso, verifica-se que nada obsta ao conhecimento do recurso nesta vertente de impugnação da decisão sobre a matéria de facto. O recorrente, quer nas conclusões quer nas alegações, cumpriu, o que se entende exigível. II.2.1 Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo afirmou e justificou a sua convicção nos termos seguintes: - «Salienta-se, desde já, que com excepção dos pontos da matéria de facto acima dada como não provada, a grande maioria dos factos invocados pelo Min. Púb. no seu requerimento inicial, quanto ao modo como se iniciava e decorria a prestação profissional das colaboradoras aqui em apreço, não mereceu oposição por parte da requerida, sendo que divergem essencialmente na interpretação a dar a esta forma de colaboração. Deste modo, o Tribunal baseou a sua convicção na prova documental, nomeadamente nos documentos referentes aos recibos de honorários emitidos pelas trabalhadoras aqui visadas, declarações emitidas pelos serviços sociais competentes e declarações de rendimentos para efeitos ficais referentes às mesmas, cópias dos documentos relativos à distribuição de serviço pelas auxiliares de saúde, entre as quais as aqui visadas e respectivas escalas de serviço, não tendo qualquer um deles sido impugnado quanto à sua veracidade pela parte contrária. Consideraram-se também os depoimentos das seguintes testemunhas: - HH, inspectora da ACT confirmou o conteúdo da participação junta aos autos que elaborou e subscreveu tendo corroborado o que ali consignou com base nas visitas inspectivas que levou a cabo e que o Min. Púb. verteu no seu articulado inicial, tendo corroborado que a R. não apresentou quaisquer registos de tempos de trabalho efectivamente prestado por cada um dos trabalhadores ao seu serviço (já que as escaladas acima indicadas traduzem uma previsão do trabalho a prestar e não o que foi efectivamente concretizado por cada trabalhador), nem disponibilizava a nenhum desses mesmos trabalhadores (independentemente do vínculo jurídico a que se encontravam sujeitos) calçado adequado ao exercício das suas funções. - BB, confirmou que esteve ao serviço da R. de Agosto de 2020 até Junho de 2022, como auxiliar de saúde, não tendo celebrado qualquer contrato escrito com a aqui R.; confirmou ainda as tarefas de que estava incumbida (como a sua colega AA e as demais auxiliares de saúde) recebendo instruções do enfermeiro responsável, e obedecendo às regras afixadas num quadro que tinham de cumprir, bem como ao horário em que as mesmas eram realizadas; disse ainda que as auxiliares de saúde que ali se encontravam como prestadoras de serviço indicavam a sua disponibilidade para serem integradas nas escalas elaboradas pela R. sendo que os trabalhadores dependentes tinham já estabelecido o seu horário de trabalho, e que não lhes era imposto (às prestadoras de serviço) que apresentassem justificação de faltas não recebendo qualquer retribuição quando faltavam, nem nas férias, nem subsídio de férias ou de Natal; confirmou o uso de fardamento idêntico para todos os auxiliares de saúde, disponibilizado pela R., bem como o cartão de identificação e os demais instrumentos e consumíveis que utilizavam diariamente nas suas funções; quanto à retribuição confirmou o valor hora liquidado, o qual era sempre o mesmo, independentemente de trabalharem em turnos nocturnos ou em dias feriados ou de descanso; disse ainda que no início fez formação/integração com colegas mais antigos na instituição e que desconhece a existência de qualquer registo de tempos de trabalho ou avaliação que fosse efectuada, não tendo efectuado qualquer formação enquanto esteve ao serviço da R.; - CC, disse que foi colega das trabalhadoras aqui visadas, tendo já ambas deixado de trabalhar na R., e confirmou as tarefas que todas as auxiliares de saúde executam nestas funções, sendo que no seu caso, presta ali actividade a tempo parcial, já que é trabalhadora dependente há mais de 30 anos no Hospital de Sto. António no Porto, em idêntica categoria profissional; disse ainda que na R. o enfermeiro da noite define as tarefas a cumprir no dia seguinte pelas auxiliares de saúde e pelos enfermeiros, com quem estas formam equipas, tendo ainda confirmado o uso das fardas, bens e equipamentos disponibilizados pela R. e a inexistência de registos de tempos de trabalho; - DD, disse ser há 8 anos directora técnica na aqui demandada, tendo evidenciado das suas declarações um empenho acentuado na defesa dos interesses da mesma, o que diminuiu em larga medida a credibilidade do seu depoimento, corroborando a versão aqui exposta pela R. no seu articulado de contestação; confirmou, no entanto, a testemunha que as trabalhadoras visadas nos presentes autos não indicavam sequer a sua disponibilidade, porque se encontravam ambas em exclusividade ao serviço da R.; confirmou ainda a inexistência de calçado atribuído pela R. nem aos prestadores de serviços, nem aos trabalhadores dependente, e que os primeiros utilizam habitualmente uma tesoura própria, apesar do serviço ter tesouras que qualquer um dos auxiliares de saúde pode utilizar; - FF, disse ser responsável pelos recursos humanos da R. e confirmou o valor/hora pago às trabalhadoras em questão, sendo a sua remuneração calculada em função do número de horas que cada uma delas comunicava mensalmente à respectiva coordenadora; - EE, psicóloga em funções na R. explicitou a necessidade de uso na instituição de fardamento e crachá de identificação para todos os colaboradores da mesma». Na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto seguiremos a ordem inculcada pela recorrente. II.2.2 No facto provado 5, consta o seguinte: - As trabalhadoras AA e BB, prestam a sua actividade de técnicas auxiliares de saúde, executando, designadamente, as seguintes tarefas: - higienização de utentes; auxiliar na alimentação os utentes e na toma de medicação com a supervisão de enfermagem; posicionar os utentes; vestir os utentes; higienizar os quartos e os quartos de banho dos utentes. Pretende a recorrente que se altere a redacção, eliminando-se a parte onde se refere «(…) toma de medicação com a supervisão de enfermagem (…)». Invoca extractos dos testemunhos de CC e BB, os quais transcreve. O Ministério Público contrapõe que a Ré “reclama não se ter provado a execução de uma dessas tarefas concretas (a toma de medicação sob a supervisão de enfermagem), o que não tem qualquer relevância para efeitos de qualificação jurídica da relação em causa”, mas não invoca qualquer prova para pôr em causa a indicada pela Ré. Nos extractos invocados, as testemunhas em causa descrevem genericamente as tarefas que executavam. CC interrogada quanto a essa tarefa, respondeu o seguinte: “Medicação não. Era gerida pelo enfermeiro”, bem assim que o enfermeiro não fiscalizava o trabalho por elas realizado – “Não, não fiscaliza”. BB, perguntada sobre quais eram em concreto as suas funções, respondeu: “Prestava cuidados de higiene aos…aos utentes, alimentação, posicionamento, fazia limpeza de…da área de…dos utentes, da cama, da mesinha, do chão”. A referir que na fundamentação da decisão não se encontra menção a esta concreta tarefa. Neste quadro, há que reconhecer razão à Recorrente. Admite-se, como refere o recorrido Ministério Público, que provar-se, ou não, que executavam esta concreta tarefa não tem especial relevo para a questão fulcral em apreço, mas a fixação da prova deve ser rigorosa. Assim, altera-se a redação do ponto provado 5, para passar a ser a seguinte: - [5] As trabalhadoras AA e BB, prestam a sua actividade de técnicas auxiliares de saúde, executando, designadamente, as seguintes tarefas: - higienização de utentes; auxiliar na alimentação os utentes; posicionar os utentes; vestir os utentes; higienizar os quartos e os quartos de banho dos utentes. No ponto provado 6 consta o seguinte: - A trabalhadora AA iniciou a prestação de trabalho para a Ré em Setembro de 2021, a “tempo completo” e em regime de exclusividade e a BB em 03/08/2020, ambas mediante acordo verbal. Discorda a Recorrente, pretendendo que se elimine as referências «(…) a “templo completo” e em regime de exclusividade (…)». Invoca a declaração de rendimentos de 2021 de AA, junta aos autos, onde constam rendimentos auferidos pela mesma e pagos pela entidade com o NIF ... – A.... Invoca, ainda, o testemunho de BB. Contrapõe o Ministério Público que a recorrente está a fazer uma leitura enviesada da prova. Da declaração de IRS de 2021, de AA, decorre declarou um rendimento percebido de entidade diferente da Ré, no valor de €66,80. Comparativamente, a prestadora recebeu da Ré o rendimento de €1 986,51, tendo iniciado a relação laboral, apenas, em 1 de setembro de 2021. Reconhece-se razão ao Ministério Público, no que concerne à invocada prova documental. Pelas razões que são referidas – e que se constatou reais pela consulta do documento – para além daquela diferença de valores, cabe assinalar que do documento não pode sequer extrair-se se o valor de €66,80 foi recebido em período anterior a 1 de Setembro de 2021, ou para além deste. Por outro lado, a testemunha BB, embora tendo referido “que a maior parte [das que] estavam a recibos verdes davam as disponibilidades”, elucidou, como também observa o recorrido Ministério Público, que “Eu não dava porque não tinha outro trabalho”, “Porque não tinha…eu só trabalhava na …, não tinha outro trabalho”, acrescendo que nada referiu em concreto quanto à prestadora AA. Mas não só. A recorrente parece esquecer que o Tribunal a quo menciona na fundamentação que a testemunha DD, “disse ser há 8 anos directora técnica na aqui demandada, [..]; confirmou, no entanto, a testemunha que as trabalhadoras visadas nos presentes autos não indicavam sequer a sua disponibilidade, porque se encontravam ambas em exclusividade ao serviço da R.”. Ora, o que está em causa no ponto 6 é a situação concreta daquela testemunha BB e da sua colega AA. Assim, diversamente do sustentado pela recorrente, não decorre da prova invocada fundamento para por em causa o que foi dado como provado no ponto em causa. Improcede, pois, a impugnação dirigida ao ponto 6 da matéria provada. Segue-se a impugnação do ponto provado 7, onde consta o seguinte: - No exercício da sua atividade de técnicas auxiliares de saúde ao serviço da Ré, AA e BB, utilizaram sempre os equipamentos, instrumentos de trabalho e consumíveis pertencentes à Ré, nomeadamente, luvas, fraldas, cremes, compressas, gel de banho, roupa de banho, roupa de cama. Pretende a recorrente Ré que se altere a redacção, suprimindo-se a parte «(…) utilizaram sempre os equipamentos, instrumentos de trabalho (…) pertencentes à Ré», dizendo que “apenas foi produzida prova relativa aos consumíveis necessários à prestação de serviços ora em causa”. Que pelo contrário, “conforme ponto 20.º dos factos dados como provados, resultou provado que a tesoura e o calçado, que não representam objetos consumíveis, não eram disponibilizados pela Recorrente, ficando a cargo e responsabilidade das prestadoras de serviços”. Não invoca qualquer meio de prova. Contrapõe o recorrido Ministério Público que o uso de tesoura própria e a na não atribuição de calçado era comum a todos os técnicos auxiliares de saúde da Unidade de Cuidados Continuados, independentemente do vínculo estabelecido. A este propósito, o Tribunal a quo refere na fundamentação o seguinte: i) que a testemunha BB “confirmou o uso de fardamento idêntico para todos os auxiliares de saúde, disponibilizado pela R., bem como o cartão de identificação e os demais instrumentos e consumíveis que utilizavam diariamente nas suas funções; ii) que a testemunha CC, confirmou “ [tendo ainda confirmado] o uso das fardas, bens e equipamentos disponibilizados pela R [..]”; iii) que a testemunha DD, “confirmou ainda a inexistência de calçado atribuído pela R. nem aos prestadores de serviços, nem aos trabalhadores dependente, e que os primeiros utilizam habitualmente uma tesoura própria, apesar do serviço ter tesouras que qualquer um dos auxiliares de saúde pode utilizar”. Diga-se, desde já, que a falta de indicação de meios de prova implicaria a imediata rejeição da impugnação nesta parte [art.º 640.º n.º1. al. b), do CPC]. Não se decidiu nesse sentido na consideração de se admitir que a recorrente, embora não o afirme expressamente, esteja a invocar uma alegada contradição entre o provado no ponto em causa e o que consta provado no ponto 20.º, onde se lê: -Materiais como a tesoura e o calçado, que não representam objetos consumíveis pelos utentes, não são disponibilizados pela Ré, ficando a cargo e responsabilidade de cada prestador de serviços e de cada trabalhador dependente da mesma. Porém, se porventura é esse o entendimento da recorrente, não lhe assiste razão. Entre um e outro facto não há contradição, dado que um não exclui o outro, sendo os respectivos conteúdos compatíveis. Repare-se que o facto 7 não faz uma afirmação genérica, antes concretizando “nomeadamente, luvas, fraldas, cremes, compressas, gel de banho, roupa de banho, roupa de cama”, ou seja, não abarcando o calçado e a tesoura. Aliás, em rigor, para a actividade em causa o calçado não é um instrumento, mas antes uma parte do equipamento de fardamento individual. Assim, improcede também a impugnação da decisão sobre a matéria de facto quanto ao ponto 7. Avançamos para a impugnação dirigida ao ponto provado 9, onde se lê: - As horas de início e termo da prestação da actividade das mesmas trabalhadoras AA e BB, são definidas pela R., sendo aquelas integradas nas escalas mensais de trabalho elaboradas pela R. e cumpre um horário de trabalho organizado em regime de turnos. Pretende a recorrente que este ponto seja dado como não provado. Para sustentar a impugnação invoca o testemunho de BB, referindo dele decorrer que apenas avisava das suas ausências por educação e porque queria fazê-lo, pois não existia qualquer imposição nesse sentido. Contrapõe o recorrido Ministério Público que nas escalas de trabalho juntas aos autos são identificados 9 técnicos auxiliares de saúde, na “Unidade” onde as prestadoras, AA e BB exerciam funções. Da análise das escalas juntas e que abrangem o período de Janeiro a Maio de 2022, constata-se que qualquer das prestadoras, aqui em causa, trabalhou um número de horas equivalente ou, mesmo, superior a qualquer dos restantes colegas, incluindo os 4 trabalhadores dependentes. A questão das “disponibilidades” é, no caso concreto, só e apenas, uma hipótese ou questão teórica. Na prática, no período assinalado, de Janeiro a Maio (momento em que ocorreu a intervenção da ACT), as duas prestadoras cumpriam, efetivamente, períodos mensais de trabalho correspondentes a um horário completo de 35 horas semanais. Na fundamentação da decisão sobre matéria de facto o Tribunal a quo menciona ter relevado para a formação da sua convicção a prova documental produzida, no que aqui interessa, referindo as “cópias dos documentos relativos à distribuição de serviço pelas auxiliares de saúde, entre as quais as aqui visadas e respectivas escalas de serviço, não tendo qualquer um deles sido impugnado quanto à sua veracidade pela parte contrária”. Refere, ainda, como já acima demos conta, mas que se prende também com este facto, o testemunho de “DD, [..] há 8 anos directora técnica na aqui demandada”, que “confirmou, [..] que as trabalhadoras visadas nos presentes autos não indicavam sequer a sua disponibilidade, porque se encontravam ambas em exclusividade ao serviço da R”. Atentando no invocado testemunho de BB, no essencial, esta disse que “ quando eu precisava de algum dia ou assim eu pedia, e o dia era dado”, sem necessidade de justificação. Avisava “o responsável pelo piso”; “O enfermeiro responsável, sim”; “Porque…porque eu queria sim”; “Sim, porque imagine, se eu faltasse, está a faltar alguém e então estamos a falar de doentes. Era para arranjar outra pessoa”. Temos que dizer não vislumbrarmos qual é o raciocínio lógico da recorrente para entender que aquele testemunho tem alguma relevância para o facto em causa. Como bem se vê, a testemunha não foi questionada, nem falou por sua iniciativa, sobre quem definia as horas de início e termo da actividade prestada por si e por AA, nem sobre a integração nas escalas mensais de trabalho elaboradas pela R., nem tão pouco sobre o cumprimento de horário em regime de turnos. Com o devido respeito, com base nesta prova e com o argumento que acima mencionámos ser invocado pela recorrente, só pode ter-se a impugnação deste ponto como descabida. Daí que, improceda também a impugnação do ponto 9 dos factos provados. Prosseguimos para a impugnação do ponto 11 da matéria provada, onde se lê o seguinte: - As trabalhadoras AA e BB não procedem ao registo dos tempos de trabalho na R. e quando preveem que vão faltar comunicam tal facto ao enfermeiro de turno. A recorrente pretende seja eliminada a parte onde consta «(…) quando preveem que vão faltar comunicam tal facto ao enfermeiro de turno, dizendo que “a prova produzida resulta, precisamente, em sentido contrário”. Invoca, mais uma vez, a o testemunho de BB, no mesmo extracto usado para a impugnação do ponto anterior. Diremos, desde já, que não lhe assiste razão. Por um lado, a testemunha não se referiu sequer à colega AA. Por outro, decorre claramente do extracto invocado que a testemunha informava o enfermeiro de serviço. É certo que afirmou fazê-lo porque queria e pelas razões que indica, mas isso não invalida que efectiva e objectivamente o informasse. Assim, também a impugnação dirigida ao ponto 11 improcede. Avançamos para a impugnação dirigida ao ponto 12, onde consta, o seguinte: - As trabalhadoras AA e BB quando se atrasam para iniciar as suas funções avisam a enfermeira coordenadora (Enfª GG). Pretende que seja eliminado da matéria provada. Alega que analisados todos os depoimentos de prova produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento e a prova documental junta aos autos, não existe qualquer referência da qual se possa extrair tal conclusão. Invoca, mais uma vez, o mesmo extracto do testemunho de BB. Das contra-alegações do Ministério Público nada consta a este propósito, nomeadamente, para procurar pôr em causa o afirmado pela recorrente quanto à ausência de prova sobre o que consta no facto 12. Percorrendo a fundamentação da decisão sobre matéria de facto, consta-se que o Tribunal a quo não faz qualquer referência quanto a este ponto. Ora, a testemunha BB apenas referiu que avisava “o responsável pelo piso”, “O enfermeiro responsável, sim”, que é diferente de avisar a “[..] enfermeira coordenadora (Enfª GG)”. Neste quadro, cremos ser de reconhecer razão à recorrente. Assim, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto procede quanto ao ponto provado 12, que se considera não provado e elimina do elenco da matéria de facto provada. Segue-se a impugnação dirigida aos pontos 13 e 14 da matéria de facto provada, onde se lê, respectivamente, o seguinte: - No exercício da sua atividade as trabalhadoras em causa cumprem um plano de trabalho que contém as especificas tarefas que lhes cabe executar em cada turno e que é previamente elaborado pela R. - Constando no “quadro da sala de passagem de turno” a distribuição dos quartos dos utentes para cada auxiliar de ação médica, bem como o respetivo enfermeiro, com quem as trabalhadoras fazem equipa. As trabalhadoras AA e BB reportam a sua actividade ao enfermeiro responsável pelo turno, seu “superior hierárquico". Defende a recorrente que os pontos em causa devem ser dados como não provados. Invoca, mais uma vez, o testemunho de BB. Contrapõe o recorrido Ministério Público, o elenco de tarefas desempenhadas pelas prestadoras foram confirmadas pelas testemunhas inquiridas e resultam da “Descrição de Tarefas AAM (ULDM)”, publicitada e dirigida a todos os técnicos auxiliares de saúde da unidade de cuidados continuados, independentemente do vínculo laboral estabelecido. A testemunha BB, sobre a concreta execução das referidas tarefas salientou não existir qualquer diferença relevante entre os diferentes tipos de prestadores de atividade, estando todos sujeitos à supervisão e coordenação do enfermeiro de turno. Quanto a esta matéria retira-se da fundamentação da decisão sobre matéria de facto que o Tribunal a quo formou a sua convicção atendendo aos meios de prova seguintes: i) “cópias dos documentos relativos à distribuição de serviço pelas auxiliares de saúde, entre as quais as aqui visadas e respectivas escalas de serviço, não tendo qualquer um deles sido impugnado quanto à sua veracidade pela parte contrária”. ii) Testemunho de BB que “confirmou ainda as tarefas de que estava incumbida (como a sua colega AA e as demais auxiliares de saúde) recebendo instruções do enfermeiro responsável, e obedecendo às regras afixadas num quadro que tinham de cumprir, bem como ao horário em que as mesmas eram realizadas”. iii) Testemunho de CC, que confirmou as tarefas que todas as auxiliares de saúde executam nestas funções disse ainda que na R. o enfermeiro da noite define as tarefas a cumprir no dia seguinte pelas auxiliares de saúde e pelos enfermeiros, com quem estas formam equipas”. A recorrente diz “confronte-se o teor do depoimento da prestadora de serviços nos autos em causa, BB, gravado no dia 6 de outubro de 2022, das 15h05 às 15h34, a propósito desta matéria”, após o que passa a transcrever o extracto em causa, para concluir com a afirmação seguinte: -«Aqui chegados, e após a transcrição das principais passagens, que não retiram, como é evidente, a importância de se ouvir na integra os depoimentos citados, não pode restar outra conclusão no sentido de que os referidos pontos 13.º e 14.º foram incorretamente dados como provados». Recordando o que dissemos inicialmente sobre os ónus de impugnação da decisão sobre matéria de facto, a falta de indicação de um juízo crítico para minimamente enumerar as razões que, na perspectiva da recorrente, justificam a pretendida alteração, é quanto baste para rejeitar a apreciação. Em nosso entender, será esse o caso, pois como se vê a recorrente limitou-se a fazer aquela afirmação final. Não obstante, se assim não se entender, sempre se dirá que do testemunho invocado – que também é referido pelo Tribunal a quo quanto a esta matéria – nada resulta que seja suficiente para pôr em causa a matéria que consta destes factos. Diga-se, que porventura por isso mesmo, a recorrente não logrou encontrar argumentos para formular aqui um juízo crítico, como veio fazendo quanto aos demais factos impugnados. Na verdade, neste extracto a testemunha falou sobre o mapa de Descrição de Tarefas - que lhe foi exibido - confirmou que as mesmas estavam descritas sequencialmente; que havia um plano /listagem de tarefas a serem executadas pelas auxiliares de saúde; e, quando se tratava da higiene dos doentes, afirmou “nós tínhamos sempre um enfermeiro presente”. Referiu ainda, que “não estava definido, que tinha de começar por um quarto ou por outro, mas por norma mais ou menos a esta hora começávamos a distribuir os pequenos-almoços”. “Não havia uma hora de fim, mas tínhamos de continuar a fazer a higiene dos doentes”, mas também não podia escolher quais as tarefas que ia executar primeiro, pois havia um plano. Em relação às limpezas do espaço físico “não tinha ninguém a controlar. Não tinha...não tinha nenhuma...ninguém atrás de mim a dizer “olha, faz assim”, também o curso...nós tirámos o curso, temos de ter a capacidade de nos orientar”. Como cremos ter ficado devidamente evidenciado, este extracto do testemunho não põe em causa o provado nos pontos 13 e 14. Antes pelo contrário, vai no sentido do provado. Assim, improcede a impugnação dirigida aos pontos provados 13 e 14. Quanto aos factos provados, resta a impugnação do ponto 21, onde se lê o seguinte: - As prestadoras de serviços como auxiliares de saúde, indicavam mensalmente a sua disponibilidade, de forma a serem integradas nas escalas da R., mas as trabalhadoras aqui visadas não o faziam porque tinham sempre disponibilidade total, estando em exclusividade ao serviço da demandada. Pretende que se altere a redacção, suprimindo a parte «(…) mas as trabalhadoras aqui visadas não o faziam porque tinham sempre disponibilidade total, estando em exclusividade ao serviço da demandada.» Alega a recorrente que “que, como referido, não havia um vínculo de exclusividade e, ainda que tivessem maior disponibilidade por comparação com outros prestadores de serviços da Recorrente, ainda assim era-lhes sempre questionada as suas disponibilidades, que, por sua vez, eram definidas pelas próprias”. Se bem interpretamos o entendimento da recorrente, pretende esta alteração cm base no que defendeu relativamente ao ponto 9. Assim, pelas razões que aí se deixaram vertidas e que aqui têm aplicação, tendo improcedido a impugnação desse ponto, necessariamente improcede a impugnação do poto 21. II.2.3 Passamos à apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto dirigida aos pontos não provados 1 a 4. No ponto não provado 1, consta o seguinte: «As prestadoras de serviços, em causa nos autos, durante o período em que prestaram serviços para a Ré, nunca questionaram o tipo de relação que com a mesma mantinham.» Pretende que seja dado como provado. Continua a sustentar-se no testemunho de BB e, agora, também no de CC. Transcreve os extractos em que se apoia e afirma o seguinte: “a prestadora de serviços, BB, estava plenamente consciente do tipo de vínculo contratual que havia acordado com a Recorrente, jamais tendo apresentado qualquer reclamação quanto ao mesmo”. “Verifique-se também o depoimento de outra prestadora de serviços na Unidade de Longa Duração e Manutenção da Recorrente, CC, gravado no dia 6 de outubro de 2022, das 15h35 às 15h57, onde a mesma também esclarece estar consciente das diferenças existentes entre verdadeiros prestadores de serviços dos trabalhadores dependentes, demonstrativo, per si, que os prestadores conhecem o vínculo contratual que acordam com a Recorrente”. Nos extractos invocados, nenhuma destas testemunhas disse, quer em resposta a questão quer por sua iniciativa que “[..] nunca questionaram o tipo de relação que com a mesma mantinham”. Não há, pois, prova dessa alegação da Ré na contestação. Assim, como é evidente, a impugnação do facto não provado 1 não tem o mínimo de fundamento e, logo, improcede. No facto não provado 2, lê-se o seguinte: - As mesmas prestadoras de serviços – AA – não têm um horário fixo, nem em dias, nem em horas de entrada e saída. Começa a recorrente por dizer que a redacção é dúbia, por referir “As mesmas prestadoras de serviços”, e só transcrever o nome de uma, dizendo que urge clarificar esse aspecto, pois há que analisar, individualmente, cada contrato de prestação de serviços celebrado. Como é evidente, o ponto não é dúbio, antes apresentando um lapso manifesto e imediatamente apreensível. Resulta claro que o tribunal a quo está a referir-se às duas “prestadoras de serviços”, na expressão usada pela Ré, a que se reportam os autos, por lapso tendo omitido o nome de uma delas. Pretende que se dê como provado o que consta nesse ponto, alegando, no essencial, “que ficou demonstrado, cabalmente, que esta afirmação corresponde à realidade dos factos, uma vez que os horários de todos os prestadores de serviço, em concreto, da AA e BB, variam em função dos dias e horas indicados como disponibilidade, considerando, para este efeito, o depoimento de BB”. Transcreve o extracto do testemunho, que é um dos já indicados na impugnação dos pontos provados 9 e 21. Invoca, ainda, o testemunho de CC, dizendo que do extracto invocado resulta que “ para todos os prestadores de serviço da Recorrente a regra é que são estes a definir o seu horário, conforme a disponibilidade indicada por estes, como podemos, inclusive, concluir do depoimento da testemunha e prestadora de serviços”. Transcreve o extracto do testemunho, que também é o já indicado na impugnação dos pontos provados 9 e 21. Pois bem, não assiste razão à recorrente, tanto mais que parte de um equívoco e faz uma extrapolação que não tem apoio lógico. Uma coisa é as trabalhadoras que estavam a recibos verdes indicarem a disponibilidade, outra bem diferente é subsequentemente estarem vinculadas ao cumprimento de horas de início e termo definidas pela Ré, integrarem escalas elaboradas por esta e cumprirem um regime de turno. Daí estar provado – não tendo sido acolhida a impugnação dos pontos 9 e 21, sendo que o ponto 10 não foi impugnado, o seguinte: 9. As horas de início e termo da prestação da actividade das mesmas trabalhadoras AA e BB, são definidas pela R., sendo aquelas integradas nas escalas mensais de trabalho elaboradas pela R. e cumpre um horário de trabalho organizado em regime de turnos. 10. As referidas escalas mensais, turnos de trabalho, são comunicadas pela R. à trabalhadoras em causa, habitualmente, via Whatsapp no grupo denominado “ULDM”. 21. As prestadoras de serviços como auxiliares de saúde, indicavam mensalmente a sua disponibilidade, de forma a serem integradas nas escalas da R., mas as trabalhadoras aqui visadas não o faziam porque tinham sempre disponibilidade total, estando em exclusividade ao serviço da demandada. Assim, necessariamente improcede a impugnação quanto a este ponto 2 não provado. Seguimos para a impugnação do ponto não provado 3, onde se lê: - O horário em que eram prestados serviços era, assim, definido de comum acordo e de harmonia com as disponibilidades das partes, nunca tendo existido, por parte da Ré, qualquer imposição quanto ao seu cumprimento, nem aquelas prestadoras prestavam o mesmo número de horas de serviços, em todas as semanas. Pretende a recorrente que o ponto seja dado como provado. Invoca, mais uma vez, o testemunho de BB, agora num extracto diferente. Referiu a testemunha, no essencial, que depois da escala fixada, “Por norma nós facilitávamos e trocávamos sempre quando necessitávamos” e que nunca lhe puseram problema a que desse a disponibilidade, acrescentando “Também raramente isso acontecia, sinceramente”. Referiu, ainda, que havia semanas ou meses em que trabalhava mais. De referir que a testemunha foi indevidamente sujeita a uma série de questões conclusivas por parte da ilustre mandatária da Ré – sem que o Tribunal a quo tenha feito uso do poder de direcção, como era devido para repor o rigor da inquirição -, limitando-se a responder afirmativamente. É o caso das partes seguintes: P. Quando dava a disponibilidade, dizia, não vou estar os dias A, B, e C, e não tinha de dizer porquê. R. Sim. P (...) Olhe, se tivesse dado uma disponibilidade e depois tinha um imprevisto, já explicou que comunicava por opção, porque...porque queria, não é? R. Sim. Invoca, ainda, o testemunho de FF, responsável pelo Departamento de Recursos Humanos da Recorrente, do extracto em causa resultando que este referiu, no essencial, o seguinte: - “eu pedia o...o número de horas efetuadas, davam-me o número de horas, fazia o cálculo e pedia para fazer o processamento”; “Eram as colaboradoras que davam [o número de horas] à...à...à coordenadora” ; - [o montante] “Não. Não era...não era sempre igual porque dependia do número de horas que trabalhassem. Havia meses em trabalhavam mais horas, havia meses em que trabalhavam menos, e depois havia meses em que se calhar o número de horas que trabalhavam era...era semelhante, mais ou menos, mas nunca era fixo, porque era...tinha a ver com o número de horas que fizessem. - “Elas indicavam as disponibilidades para o mês seguinte, à...à...coordenação, e depois era elaborado um...um mapa de acordo com o que era necessário dos prestadores de serviço”. Mais invoca o testemunho de CC, mas não indica o tempo da gravação em que se encontra o extracto com base no qual diz que a mesma “afirma que é a própria que determina o seu horário de serviço na Recorrente, de acordo com a sua disponibilidade”. Por outro lado, não leva em conta, como referido pelo Tribunal a quo na fundamentação, que esta testemunha não tinha uma situação similar à das trabalhadoras a que se referem os autos, dado “que no seu caso, presta ali actividade a tempo parcial, já que é trabalhadora dependente há mais de 30 anos no Hospital de Sto. António no Porto, em idêntica categoria profissional”. Tudo ponderado, não há razões que justifiquem a pretendida alteração da decisão sobre matéria de facto. O que resulta com relevo da prova invocada nesta parte da impugnação foi devidamente levado em conta pelo Tribunal a quo e, por isso mesmo, foi dado como provado: 21. As prestadoras de serviços como auxiliares de saúde, indicavam mensalmente a sua disponibilidade, de forma a serem integradas nas escalas da R., mas as trabalhadoras aqui visadas não o faziam porque tinham sempre disponibilidade total, estando em exclusividade ao serviço da demandada. 22. As indicadas colaboradoras alteravam os períodos comunicados à Ré (tendo liberdade para o efeito), acabando por prestar a sua actividade em momentos distintos daqueles que tinha inicialmente definido, por trocas com outros colaboradores em regime de prestação de serviços ou com outros trabalhadores dependentes ao serviço da R. Mas para além do que consta nestes pontos, não há prova de que os horários fossem definidos “de comum acordo”, sendo, no essencial, apenas o que mais consta do ponto não provado. Improcede, pois, a impugnação do ponto não provado 3. Por último, a impugnação dirigida ao ponto não provado 4, onde se lê: - Sendo as prestadoras quem decide o número de horas mensais em que pretende prestar serviços e os dias e horas em que o podem fazer, com total autonomia e independência. A recorrente pretende que seja dado como provada essa alegação. Invoca o testemunho de BB, no extracto já invocado mais do que uma vez na impugnação, nomeadamente, onde a mesma refere que se faltasse informava “porque queria”. Pois bem, a afirmação final “com total autonomia e independência” é claramente conclusiva e em matéria que respeita à questão fulcral controvertida, ou seja a qualificação da relação contratual existente entre as trabalhadoras e a Ré. Ora, como é entendimento pacífico da jurisprudência, quando esteja em causa determinada questão jurídica que seja controvertida, à decisão da matéria de facto não deve ser levada matéria conclusiva, contendo juízos de valor ou apontando no sentido de alguma das soluções jurídicas que possam estar em confronto na causa. Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.]. Assim, logo por isso, a alegação não podia ser dada como provada. Mas ainda que assim não se entendesse, no que concerne à indicação de disponibilidade e quem elaborava os horários, acresce estar já provado em termos concretos, o que resulta da prova, inclusive do testemunho invocado, nomeadamente, nos já referidos pontos 9, 10, 21 e 22, da conjugação dos quais resulta, em termos lógicos, não haver fundamento para se provar esta alegação mais genérica, que extravasa o sentido desses factos. Concluindo, a também quanto a este derradeiro ponto não provado (4) improcede a impugnação. II.2.4 Fazendo um balanço, da procedência parcial da impugnação da decisão sobre a matéria de facto resultou o seguinte: - altera-se a redação do ponto provado 5, para passar a ser a seguinte: - [5] As trabalhadoras AA e BB, prestam a sua actividade de técnicas auxiliares de saúde, executando, designadamente, as seguintes tarefas: - higienização de utentes; auxiliar na alimentação os utentes; posicionar os utentes; vestir os utentes; higienizar os quartos e os quartos de banho dos utentes. - considera-se não provado o ponto 12 e elimina-se do elenco da matéria de facto provada, onde constava “As trabalhadoras AA e BB quando se atrasam para iniciar as suas funções avisam a enfermeira coordenadora (Enfª GG)”. III. MOTIVAÇÃO DE DIREITO Insurge-se a recorrente contra a sentença por alegado erro na aplicação do direito aos factos, defendendo que “efetuado um juízo de valoração à globalidade dos indícios de laboralidade, inexistem factos provados que permitam concluir que a relação contratual mantida entre estas prestadoras de serviço e a Recorrente, configura um contrato de trabalho” Debruçando-se sobre a questão de saber se as relações contratuais estabelecidas entre a ré e AA e BB revestem a natureza de contrato de trabalho ou de prestação de serviços, o Tribunal a quo pronunciou-se como segue: «[..] Com base na matéria de facto acima dada como assente, cumpre, então, apreciar ospedidos formulados pelo aqui demandante. A presente acção decorre duma acção inspectiva da ACT que tendo recolhidos os elementos que se encontram vertidos no requerimento inicial, concluiu que estamos perante duas funcionárias que apesar de emitirem recibos verdes e serem considerados como prestadoras de serviços, têm sido ao longo da vigência da sua colaboração profissional com a R. verdadeiras trabalhadoras dependentes da mesma. Ora, em face da factualidade acima dada como assente não se pode deixar de concordar com esta conclusão, já que, na verdade, de acordo com os referidos factos, se terá de concluir que o A. demonstrou, tal lhe impunham as regras relativas ao ónus da prova – cfr. art. 342º nº 1 do Cód. Civil -, que vigoraram contratos de trabalho (mesmo que de forma verbal) com as colaboradoras em questão, ou atendendo-se à presunção infra referida decorrente do disposto no art. 12º do Cód. do Trabalho, se conclui que a R. não logrou ilidi-la. Senão, vejamos. O art. 11º do Cód. do Trabalho (aqui aplicável na sua versão introduzida pela Lei nº 7/2009 de 12/02) estatui “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade destas.”. Têm sido, ao longo do tempo, inúmeras as decisões dos Tribunais no sentido de interpretar os negócios jurídicos e tendo em conta os elementos indicados nas normas legais definidoras dos conceitos em questão, destrinçar o que é contrato de prestação de serviços (figura jurídica com que é as mais das vezes susceptível de ser confundida) e o que configura uma verdadeira relação laboral. Dentre destas decisões, perfilhamos o entendimento expresso no Ac. da Rel. do Porto de 08/10/2007 (proc. nº 0741443, www.dgsi.pt) que refere “O Cód. Civil no seu art. 1152º, bem como o art. 1º da LCT, definem o contrato de trabalho como sendo «aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, soba a autoridade e direcção desta». Por sua vez, o conceito de contrato de trabalho adoptado pelo Código do Trabalho é essencialmente idêntico ao acima definido (cfr. art. 10º). O contrato de prestação de serviço encontra-se definido no art. 1154º do Cód. Civil como sendo «aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição». Das definições legais apontadas resultam como elementos diferenciadores de tais contratos: a) Enquanto que no contrato de trabalho a prestação típica a que fica adstrita a pessoa contratada consiste em pôr à disposição do outro contraente a sua actividade intelectual ou manual, no contrato de prestação de serviços aquela obriga-se a proporcionar a esta certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual. b) No contrato de trabalho a pessoa contratada fica sujeita à autoridade e direcção do contratante, sendo normal dele receber ordens e instruções quanto ao modo, tempo e lugar da actividade a que se vinculou, nisto consistindo a subordinação jurídica, elemento essencial do contrato de trabalho; no contrato de prestação de serviços, a pessoa contratada não está sujeita a quaisquer ordens ou instruções do contratante, agindo com autonomia na prossecução do resultado a que se comprometeu. c) O contrato de trabalho é por natureza remunerado, enquanto que o de prestação de serviços poderá ou não sê-lo. Em ambos os contratos, o contratante beneficia da capacidade de trabalho do contratado; contudo, enquanto que no contrato de trabalho, o objecto mediato consiste na actividade (ou na disponibilidade, colocada pelo trabalhador em favor da contratante, dessa actividade), no de prestação de serviços esse objecto centra-se no resultado da capacidade de trabalho. (…) Sendo por vezes difícil a destrinça entre as duas figuras, costumam apontar-se como elementos adjuvantes da caracterização do contrato de trabalho, designadamente, os seguintes: - A natureza da actividade concretamente desenvolvida; - O carácter duradouro da prestação – o contrato de trabalho é, em regra, de execução continuada; - O local de prestação da actividade; - O regime da retribuição que, no contrato de trabalho, é por regra fixada por tempo, meses, semanas, dias ou horas; - O carácter genérico da prestação ajustada; - A propriedade dos instrumentos utilizados (em regra pertencentes ao empregador); - A inexistência de colaboradores dependentes do trabalhador (em termos de subordinação jurídica e/ou económica); - A incidência do risco da execução da actividade (que recai sobre o empregador); - Exclusividade da prestação da actividade por conta do empregador e consequente dependência da retribuição por este paga, a que se reporta a chamada “subordinação económica”.”. A realidade das circunstâncias que se apuram em cada situação concreta da vida real torna, muitas das vezes, difícil a destrinça entre estas duas formas de trabalho, mas cremos que no caso concreto existem elementos que tornam clara a caracterização da prestação das colaboradoras como contrato de trabalho. Para este exercício iremos primeiro destacar quais as características que aproximam estes vínculos que aqui se apreciam, da figura jurídica do contrato de trabalho e em seguida quais as características que os poderiam diferenciar. Iniciando a apreciação das características similares com o contrato de trabalho, temos que as colaboradoras em causa exerciam as suas funções sempre nas instalações da demandada ou noutras por esta indicadas; cumpriam um horário de trabalho previamente determinado pela demandada; utilizavam os equipamentos e materiais disponibilizados pela R. (com excepção da tão referida tesoura) e cumpriam as instruções que lhes eram dadas pelos responsáveis da R., quer quanto ao modo de execução das suas tarefas, quer quanto ao núcleo de tarefas que diariamente lhe eram distribuídas, quer quanto à supervisão que tinham por parte dos enfermeiros com quem realizavam em equipa as mesmas tarefas. Da descrição acima constante dos factos dados como assentes, relativa ao modo de execução das funções que ambas as trabalhadoras desempenhavam a favor da R., consta, em nosso entender, a subordinação jurídica que é unicamente compatível com a existência de vínculo laboral, dado que as referidas trabalhadoras não tinham autonomia para tratarem dos utentes que entendesse, ou pela ordem que entendessem ou prestando-lhe os cuidados que considerassem mais relevantes, mas antes obedeciam a um procedimento que lhes era imposto pela R., deixado consignado da véspera, pelo enfermeiro responsável, pelo que o que lhes era solicitado não era a concretização dum resultado, mas antes a disponibilidade do seu trabalho, da sua mão-de-obra, para que a R. pudesse cuidar dos seus utentes da forma que considera mais eficiente e adequada. E, esta conclusão não pode determinar, salvo melhor entendimento, que as trabalhadoras não tenham algum grau de autonomia na execução das suas funções (como quanto ao modo de proceder às refeições dos utentes ou da sua higiene pessoal), mas esta autonomia não se demonstrou ser distinta da que beneficiam os auxiliares de saúde que já detém contrato de trabalho com a R., quer quanto neste ponto, quer quanto à possibilidade de troca de turnos com os seus colegas de trabalho. O que nos parece verdadeiramente relevante no caso concreto em apreço é a existência de poder disciplinar da R. efectivamente exercido sobre estas colaboradoras, através dos enfermeiros com quem exerciam funções e a sua disponibilidade total, em exclusividade para a R., a qual as integrava, como entendia ser adequado, nas escalas de serviço, em regime por turno, pese embora não as remunerasse de acordo com a mesma disponibilidade, já que o valor/hora era sempre idêntico independentemente do horário e dia da semana em que trabalhavam. Este último aspecto prende-se também com a subordinação económica, já que como bem sabe a R. a disponibilidade total, em exclusividade destas colaboradoras, para com a demandada determina que as mesmas não apresentam qualquer outra fonte de rendimento dependendo para a sua subsistência, totalmente do vencimento auferido enquanto suas trabalhadoras. Temos, assim, em nosso entender, de concluir que no caso em apreço estão presentes alguns dos elementos previstos no art. 12º do Cód. do Trabalho que prevê “1. Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.”, já que as trabalhadoras em análise nos autos auferiam uma quantia remuneratória com periodicidade, auferindo um valor que apesar de variável (dependendo do numero de horas executadas) era sempre pago ao dia 15 de cada mês. Pelo exposto, não resta senão reiterar a conclusão supra referida de que as duas situações aqui analisadas quanto às trabalhadoras AA e BB configuram a existência de contratos de trabalho, pelo que se julga a presente acção procedente, condenando-se a R. a reconhecer a existência deste vínculo laboral a partir do dia 01/09/2021 quanto à primeira e a partir do 03/08/2020 quanto à segunda. * [..]». Atentando na argumentação da recorrente, impõe-se uma nota inicial. Nas conclusões viii, parte final da ix, xi, xv, xvii, xviii, xx, xxi e xxii, a recorrente volta a invocar argumentos próprios da impugnação da matéria de facto, desadequadamente, dado não poderem ter qualquer utilidade para a vertente de impugnação da sentença por alegado erro de direito. O direito aplica-se aos factos e fixados estes, só relevam argumentos jurídicos que visem evidenciar eventual erro na determinação e interpretação do direito e subsequente subsunção do quadro factual. Mas não só, para além disso verifica-se ainda que nas demais conclusões a recorrente repete várias vezes parte dos argumentos. Dito isto, reportando-se às relações contratuais entre si e AA e BB, argumenta a recorrente poder concluir-se que não há lugar a qualquer subordinação jurídica, no essencial, em razão do seguinte: - não serem alvo de poder disciplinar pela Recorrente; - disporem de total autonomia e independência no exercício dos serviços prestados, não recebendo ordens e instruções de quem quer que fosse, sendo que, o serviço prestado pelas mesmas não era objeto de controlo e/ou avaliação por parte de enfermeiros ou outro colaborador da Recorrente, havendo, somente, um plano com orientações para que, nas passagens de serviço, fosse assegurada a continuidade dos cuidados de saúde prestados, sem que houvesse lugar, como se disse, a uma fiscalização e/ou imposição de que tarefas executar. - não terem justificar atrasos ou ausências ao serviço; - não haver imposição de exclusividade; - não usufruem de férias remuneradas e/ou recebem subsídios de férias e de Natal. - indicavam a disponibilidade para integrar as escalas da Recorrente; - não efetuavam registo dos tempos de trabalho; - eram remuneradas na quantia de € 4,25/hora, cujo valor mensal variava de acordo com o número de horas de serviço prestadas, sendo por isso a remuneração variável e irregular. - tratando-se de uma unidade de internamento, não haverá outro local onde os cuidados de saúde pudessem ser prestados por estas prestadoras, pela própria natureza da atividade aqui em causa. Contrapõe o recorrido Ministério Público, também no essencial, o seguinte: - Provou-se a verificação dos indícios de laboralidade referidos nas als. a) a d) do art.º 12.º do CT; - A mera alegação da possibilidade, de as prestadoras puderem organizar, livre e autonomamente, o seu tempo de trabalho não tem a potencialidade de ilidir a presunção, havendo o mesmo rigor e exigência na prova do facto contrário, que se impõe à prova do facto indiciário da presunção. - Demonstrado que as tarefas desenvolvidas pelas trabalhadoras BB e AA ocorriam nas instalações da Recorrente, com recurso a equipamentos e consumíveis da Recorrente, consistiam em trabalho indiferenciado de prestação de cuidados de saúde e higiene, em condições totalmente idênticas às dos 4 trabalhadores dependentes, da mesma categoria profissional com que formavam equipa; - Demonstrado que auferiam retribuição periódica, fixa e calculada em função do tempo de trabalho (à hora) e não do resultado de atividade; - Demonstrado que cumpriam horário de trabalho organizado e definido pela Recorrente, mediante escalas de turnos mensais; - Conclui-se que entre cada uma das prestadoras e a Recorrente vigorou um efetivo e verdadeiro contrato de trabalho. III.1 Antes de passarmos à apreciação dos argumentos da recorrente, importa deixar as noções relevantes para estabelecer o enquadramento jurídico a considerar. O contrato de trabalho tem a sua definição na lei. Segundo o artigo 1152.º do Código Civil, «Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta». Esta noção era integralmente reproduzida no art.º 1.º da LCT. A noção foi mantida no Código do Trabalho de 2003, ainda que ligeira alteração de redacção, lendo-se no art.º 10.º: ”Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, aprestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas”. No actual CT/09, a noção de contrato de trabalho consta do art.º 11.º, agora com uma alteração mais significativa, sendo a seguinte: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade destas”. A noção legal do contrato de trabalho permite identificar como elementos essenciais deste tipo de contrato, os seguintes: i) a actividade laboral; ii) a retribuição; iii) a colocação do trabalhador sob a autoridade e no âmbito da organização do empregador. O primeiro elemento consiste na natureza da prestação a que o trabalhador se obriga, isto é, a prestação de actividade, que se concretiza em fazer algo, como aplicação ou exteriorização da força de trabalho tornada disponível para a outra parte, através do negócio. O segundo consiste na contrapartida devida ao trabalhador em troca da disponibilidade da força de trabalho, sendo normalmente paga em dinheiro. O último corresponde ao que a doutrina e jurisprudência identificam habitualmente, e a partir da perspectiva do trabalhador, pela expressão “subordinação jurídica”, da sua verificação dependendo o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho [Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª ed., Almedina, pp. 127/137; e, Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, pp. 20 a 37]. A subordinação jurídica é usualmente definida como o dever legal do trabalhador acatar e cumprir as ordens e instruções que, em cada momento, lhe sejam dirigidas pelo empregador, emitidas por este no uso do seu poder de direcção da empresa, directivas essas que são vinculativas para aquele devido à obrigação de obediência consagrada na lei. Segundo Monteiro Fernandes a subordinação jurídica consiste «(..) numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem (..)». Porém, como assinala o mesmo autor, «(..) a subordinação jurídica pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens directa e sistemáticas da entidade patronal; mas, a final, verifica-se que existe, na verdade, subordinação jurídica», que existirá sempre que relativamente à entidade patronal se verifique «(..) um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato)» não sendo necessário «(..) que essa dependência se manifeste ou explicite em actos de autoridade e direcção efectiva» [Op. cit, pp. 136/137]. A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho é, assim, o elemento típico deste contrato que permite distingui-lo quer do contrato de prestação de serviços, quer de outros contratos afins, como sejam o contrato de mandato, o contrato de sociedade, o contrato de comissão e outros, e decorre daquele poder de direcção que a lei confere à entidade empregadora [art.º 97.º CT/09] a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador [art.º 128.º / 1 al. e) e 2, CT/09]. Como elucida Maria do Rosário Palma Ramalho “O confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma actividade laborativa: enquanto o elemento da actividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas vários formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho” [Op. cit.pp.33]. Sendo consensual o entendimento sobre os elementos que caracterizam o contrato de trabalho e que na distinção com outros contratos releva a existência de subordinação jurídica, já no plano prático, a extrema variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de se recorrer a critérios acessórios, baseados na interpretação de indícios de subordinação [Cfr. Monteiro Fernandes, op.cit.,p. 148; Maria do Rosário Palma Ramalho, op. cit. pp. 40; e, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, Editorial Verbo, 2.ª Edição, 1999, p. 156]. Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos. Para essas “zonas cinzentas”, na expressão de Bernardo Lobo Xavier, afirma este professor que «(..) é corrente aplicar-se o método de índices para testar a existência de uma situação de autonomia ou de subordinação», apontando como índices mais relevantes os seguintes: - Organização do trabalho: se é do próprio que o desempenha, indicia-se trabalho autónomo, se é de outrem, trabalho subordinado. - Resultado do trabalho: se o contrato tem em vista o resultado, indicia-se trabalho autónomo, se tem em vista a actividade em si mesma, indicia-se trabalho subordinado. - Propriedade dos instrumentos de trabalho: se estes pertencem ao trabalhador, presume-se autonomia, se não, indicia-se subordinação. - Lugar de Trabalho: se este pertence ao trabalhador, indicia-se autonomia, se não subordinação. - Horário de Trabalho: a existência de um horário definido pela pessoa a quem se presta a actividade é um dos mais fortes indícios de subordinação. - Retribuição: a existência de uma retribuição certa à hora, ao dia, à semana ou ao mês indicia trabalho subordinado, enquanto o pagamento à peça, à comissão ou por produto acabado indicia trabalho autónomo. - Outros índices: a exclusividade ou não da prestação de serviço relativamente a um único empresário; existência ou não de ajudantes do prestador do serviço, por este pagos; incidência do risco da inutilização do produto [Op.cit. p. 156 e 157]. Mas como também assinala este autor, muitos outros elementos há ainda relevantes para estabelecer a distinção entre trabalho autónomo e trabalho subordinado. Assim, para além daqueles, a doutrina e a jurisprudência apontam, ainda, a designação dada ao contrato, o direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, inserção do trabalhador na organização produtiva, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização. Cada um desses indícios tem naturalmente um valor muito relativo e, só por si, não são concludentes quanto à existência de subordinação jurídica, impondo-se um juízo de globalidade em resultado de uma valoração conjunta dos factos provados [Monteiro Fernandes, op. cit. p. 148]. A jurisprudência sobre esta problemática é vasta e tem seguido uma linha de entendimento uniforme. Precisamente por isso, a título meramente ilustrativo, deixa-se aqui o sumário do Acórdão do STJ de 04-05-2011, onde se lê o seguinte: «I -O contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço distinguem-se, basicamente, pelo objecto e pelo tipo de relacionamento entre as partes: enquanto no primeiro se contrata a actividade subordinada, no segundo visa-se a prossecução de um determinado resultado, em regime de autonomia. II - Sempre que a actividade desenvolvida seja de natureza eminentemente técnica, é mais no âmbito do relacionamento entre as partes que hão-de buscar-se os indícios reveladores da matriz que os diferencia, a subordinação jurídica típica da relação juslaboral. III - Perante a dificuldade probatória na identificação dos elementos de facto que integram a subordinação jurídica – consubstanciada no poder de conformação da prestação, orientação, direcção e fiscalização da actividade laboral em si mesma, com o correspondente poder disciplinar – a distinção faz-se pelo método tipológico, deduzindo-se dos factos indiciários, em juízo de aproximação, a qualificação que se demanda. IV - Incumbe ao trabalhador o ónus de alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque constitutivos do direito que vem exercitar (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). V - Na operação de apreciação e qualificação dos factos-índice é essencial averiguar qual a vontade das partes revelada quando procederam à definição dos termos do contrato. VI - Na ponderação global dos indícios disponíveis, o convénio celebrado pelas partes, por escrito, titulado como “contrato de prestação de serviços”, não é susceptível de ser perspectivado como um contrato de trabalho quando, nos termos clausulados e na sua subsequente execução, se constata que o Autor era pago mediante uma prestação mensal variável, calculada em função do número de equipamentos assistidos, inexistindo qualquer retribuição fixa; era o Autor que escolhia fazer férias, quando e como, impondo-lhe a Ré apenas que se fizesse substituir por outro técnico, conquanto que avalizado por esta; as férias não eram remuneradas pela Ré, que também nunca entregou ao Autor qualquer quantia a título de subsídios de férias e de Natal; não se demonstrou que o Autor cumprisse efectivamente algum horário de trabalho; o Autor sempre emitiu os chamados “recibos verdes”, com eles titulando o recebimento das importâncias que lhe eram pagas pela Ré”. [Proc.º n.º 3304/06.5TTLSB.S1, Conselheiro Fernandes da Silva, disponível em www.dgsi.pt/jstj] Foi justamente com o propósito de procurar atender a essas realidades de fronteira - ou “zonas cinzentas”, na expressão de Bernardo Lobo Xavier - e facilitar a sua apreensão e qualificação, que o legislador do Código do Trabalho de 2003, introduziu uma nova norma, nomeadamente, o art.º12.º, com a epígrafe, “Presunção”, que se iniciava dizendo “presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que cumulativamente”, para depois enumerar um conjunto de situações, nas alíneas a) a e), que mais não eram do que a tradução de alguns dos indícios de subordinação acima referidos. É sabido que a redacção da norma levou a sérias dificuldades de interpretação, senão mesmo de aplicação, dada a expressão “cumulativamente”, posto que dai resultava que a presunção legal só operava quando se verificassem “cumulativamente” todos aqueles indícios. Por um lado, verificando-se todos aqueles indícios era inútil a presunção; e, por outro, punha-se a questão de saber como decidir quando se verificavam indícios suficientes para qualificar o contrato como de trabalho subordinado, mas não estavam presentes todos aqueles [Cfr. Monteiro Fernandes, op. cit. p. 153/154]. Reconhecidas essas dificuldades pelo legislador, essa norma foi entretanto revogada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, passando o mesmo artigo a ter a redacção seguinte: - «Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição». Convenhamos que a solução não foi igualmente feliz. Com efeito, se o prestador está na “dependência e inserido na estrutura organizativa” do beneficiário da actividade, realizando a sua prestação “sob as ordens, direcção e fiscalização daquele beneficiário” e “mediante retribuição”, parece que nada há a presumir, antes se impondo concluir pela qualificação da relação como de contrato de trabalho subordinado. Como salienta Maria do Rosário Palma Ramalho, “(..) embora se tenha limitado os indícios de laboralidade (..) fez-se coincidir a maior parte desses indícios com os próprios elementos essenciais do contrato de trabalho, o que lhe retirou qualquer valor indiciário, para além de os continuar a conceber como indícios cumulativos, o que diminuía a sua operacionalidade” [Op. cit., pp. 51]. No mesmo sentido pronuncia-se Monteiro Fernandes, observando que a norma não “[..] oferecia uma presunção, mas uma definição (uma segunda definição) do contrato de trabalho. Continuava, pois, a não existir no CT uma verdadeira presunção da existência do contrato de trabalho” [Op. cit. 154]. No artigo 12.º do actual CT, mantendo a presunção de laboralidade, o legislador veio a conferir-lhe uma nova formulação com o propósito de ultrapassar as deficiências apontadas, para além do mais, passando a dispor o seguinte: «1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. 2- (..) 3 - (..) 4 - (..)» Assim, como vem sendo pacificamente entendido pela doutrina e jurisprudência, nos termos aí estabelecidos presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho. Não estabelecendo a norma qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção, pode ser afastada se o empregador provar a autonomia do trabalhador ou a falta de outro elemento essencial do contrato [art.º 350.º n.º2, do CC]. Dito de outro modo, constatada a existência de alguns desses indícios opera a presunção, ficando o trabalhador dispensado de provar a existência do contrato de trabalho [n.º1, do art.º 350.º CC], passa a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação de trabalho autónoma ou por conta própria, para afastar a presunção [n.º2, do mesmo art.º 350.º do CC], prova que é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar. Esta Secção e Relação já se pronunciou em vários arestos afirmando esse entendimento, entre os quais, a título meramente exemplificativo, constam os seguintes [publicados em www.dgsi.pt]: Ac. de 05-06-2023, Proc.º 6570/21.2T8VNG.P1 [Desembargador António Luís Carvalhão] I - Não se podem confundir os elementos que estão na base da presunção de laboralidade prevista no art.º 12º do Código do Trabalho com os indícios a que, quer a doutrina quer a jurisprudência vêm recorrendo, na aplicação do referido método indiciário, sob pena de se alterar o regime de ónus da prova estabelecido pelo legislador. II - A presunção de laboralidade parte da ideia de que o trabalho subordinado constitui a modalidade normal e amplamente maioritária do trabalho em proveito de outrem; nessa medida, provados certos elementos presume-se a sua existência, ficando o empregador na posição de provar que naquela situação se verifica a prestação de trabalho numa modalidade menos frequente, por exemplo prestação de serviços. - Ac. de 28-11-2022, Proc.º 27347/18.7T8PRT.P1 [relatado pelo aqui relator e com intervenção do aqui excelentíssimo 1.º adjunto] I - Nos termos estabelecidos no art.º 12.º do CT, presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho. II - Não estabelecendo a norma qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção pode ser afastada [art.º 350.º n.º2, do CC], passando a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação de trabalho autónoma ou por conta própria, para afastar a presunção. III – No caso concreto, basta atentar nos pontos que apontámos para se concluir que o Autor não estava sujeito a ordens ou instruções da Ré, nem ao seu poder disciplinar, antes dispondo de autonomia, prestando a sua actividade “do modo como entendia, conquanto o mesmo fosse orientado com vista à obtenção e apresentação do resultado final desejado e contratado”, em coerência com os termos acordados na celebração dos contratos, desde logo, no interesse e por vontade expressa daquele, que denominaram como de prestação de serviços. IV - A Ré logrou provar, com factos seguros e mais do que suficientes, a existência de uma situação de trabalho autónoma, ilidindo a presunção legal do art.º 12.º1, do CT. - Ac. de 14-03-2022, proc.º 368/20.9T8PNF.P1 [Desembargador Domingos Morais] Se a presunção da existência de um contrato de trabalho deve assentar nas características concretas descritas no artigo 12.º n.º 1 do Código do Trabalho, também a ilisão dessa presunção – a prova em contrário – deve ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa e não em meras hipóteses ou informações genéricas, cabendo à empresa o ónus da prova dos concretos e reais factos que consubstanciem essa ilisão, por força do artigo 350.º do Código Civil. - Ac. de 14-02-2022, proc.º 416/20.6T8VLG.P1 [Desembargador António Luís Carvalhão] I - A quem quer ser reconhecido como “trabalhador” cabe alegar e fazer prova de, pelo menos, dois dos pressupostos de base de atuação da presunção previstos no nº 1 do art.º 12º do Código do Trabalho; e, provados tais pressupostos, há que presumir a existência de um contrato de trabalho, com a consequente inversão do ónus da prova. II - Por via dessa inversão, caberá então ao empregador ilidir a presunção, através da prova do contrário (art.º 350º, nº 2, do Código Civil), sendo de que, para o efeito, não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido - Ac. de 15-11-2021, Proc.º 4280/17.4T8MTS.P3 [relatado pelo aqui relator e com intervenção do aqui excelentíssimo 1.º adjunto]: I - Nos termos estabelecidos no art.º 12.º do CT, presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho. II - Não estabelecendo a norma qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção pode ser afastada [art.º 350.º n.º2, do CC], passando a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação de trabalho autónoma ou por conta própria, para afastar a presunção. - Ac. de 18-11-2019, Proc.º 234/12.5TTPNF.P1 [Desembargador Nelson Fernandes] - II - Impendendo sobre o autor que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do CC, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos do contrato, estabeleceu o legislador, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, atualmente prevista no artigo 12.º do CT/2009. III - Tratando-se de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito), quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum –, o que significa que, ao invés do que resulta do regime geral da repartição do ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1, do CC), o trabalhador fica dispensado de provar outros elementos, afirmando-se a existência de um contrato de trabalho, por ilação, demonstrados que sejam aqueles (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do CC), caso a outra parte não prove factos tendentes a elidir aquela presunção de laboralidade (artigo 350.º, n.º 2, do CC). IV - Integradas as circunstâncias previstas em mais do que uma das alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do CT, mostra-se preenchida a presunção da existência de contrato de trabalho na relação que vigorou entre o autor e o réu, cumprindo indagar, seguidamente, se este ilidiu aquela presunção, demonstrando que, apesar da verificação daquelas circunstâncias e da presunção das mesmas derivada, a relação existente não pode ser considerada como uma relação de trabalho subordinado. - Ac. de 17-02-2020, proc.º 2604/19.9T8OAZ.P1 [Desembargadora Rita Romeira]. - [..] VII - Atenta a presunção de laboralidade, estabelecida no art. 12º, do CT/2009, demonstrando o trabalhador pelo menos, duas das características enunciadas nas alíneas do seu nº 2, presume-se a existência de contrato de trabalho cabendo à, alegada, empregadora a prova do contrário (art. 350º, nº 2, do CC), não bastando, para o efeito, contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido, tendo de provar que não existiu a subordinação jurídica indiciada por aquelas e, nessa medida, um contrato de trabalho. - Ac. de 14-12-2017, Proc.º 1694/16.0T8VLG.P1 [Desembargadora Paula Leal de Carvalho] I - Para que a presunção de laboralidade constante do art. 12º, nº 1, do CT/2009 atue basta a verificação de, pelo menos, dois dos pressupostos previstos nas diversas alienas desse preceito. II - A verificação de tal presunção transfere para o empregador o ónus de provar o contrário, ou seja, o ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho, prova esta que é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar. - Ac. de 22-10-2018, proc.º 890/14.0TTPRT.P1 [Desembargador Nelson Fernandes, aqui 1.º adjunto e com intervenção da 2.ª adjunta] I - O núcleo diferenciador entre contrato de trabalho e de prestação de serviços assenta na existência ou não de trabalho subordinado, sendo de conferir, dentro dos indícios de subordinação, particular ênfase aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação. II - Impendendo sobre o autor que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do CC, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos do contrato, estabeleceu o legislador, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, atualmente prevista no artigo 12.º do CT/2009. III - Tratando-se de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito), quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum –, o que significa que, ao invés do que resulta do regime geral da repartição do ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1, do CC), o trabalhador fica dispensado de provar outros elementos, afirmando-se a existência de um contrato de trabalho, por ilação, demonstrados que sejam aqueles (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do CC), caso a outra parte não prove factos tendentes a elidir aquela presunção (artigo 350.º, n.º 2, do CC). IV - Não obstante a factualidade permitir ter como integradas as circunstâncias previstas em mais do que uma das alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do CT, mostrando-se assim preenchida a presunção da existência de contrato de trabalho na relação que vigorou entre o autor e a ré, cumpre no entanto indagar, seguidamente, se esta última ilidiu aquela presunção, demonstrando que, apesar da verificação daquelas circunstâncias e da presunção das mesmas derivada, a relação existente não pode ser considerada como uma relação de trabalho subordinado. V - Tendo a ré celebrado um contrato para a prestação de serviços de enfermeira comunicadora, através do qual lhe incumbia proceder ao atendimento das chamadas telefónicas efetuadas, à triagem, aconselhamento e encaminhamento dos utentes de acordo com as situações que lhe eram expostas telefonicamente, e que apelidaram de “contrato de prestação de serviço”, temos de conferir especial valor a tal qualificação contratual se se demonstra que isso correspondeu à real vontade das partes. VI - Podendo os enfermeiros comunicadores trocar entre si os turnos que em concreto lhes eram atribuídos de acordo com as disponibilidades por eles manifestada, trocas acordadas sem qualquer intervenção da ré e que não careciam de qualquer autorização desta ou da apresentação de qualquer justificação para o efeito, estamos perante uma forma de organização do trabalho que apresenta um grau de autonomia que é incompatível com a existência dum contrato de trabalho subordinado, atento o seu carácter “intuitu personae” e a natureza infungível da prestação laboral. VII - Do mesmo modo, demonstrando-se a desnecessidade de ser apresentada qualquer justificação por parte do prestador da atividade quando este faltasse ao serviço, tal evidencia a ausência de poder disciplinar, cuja existência é fundamental no contrato de trabalho, por decorrer diretamente do poder de direção do empregador. - Ac. de 14-12-2017, Proc.º 1694/16.0T8VLG.P1 [Desembargadora Paula Leal de Carvalho] I - Para que a presunção de laboralidade constante do art. 12º, nº 1, do CT/2009 atue basta a verificação de, pelo menos, dois dos pressupostos previstos nas diversas alienas desse preceito. II - A verificação de tal presunção transfere para o empregador o ónus de provar o contrário, ou seja, o ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho, prova esta que é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar. No mesmo sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça em diversos arestos, de entre eles citando-se, também a título meramente exemplificativo, os que seguem [disponíveis em www.dgsi.pt]: - Ac. de 08-10-2015, proc.º 292/13.5TTCLD.C1.S1 [Conselheira Ana Luísa Geraldes] II – A existência do contrato de trabalho presume-se desde que se verifiquem algumas das circunstâncias – e bastam duas – elencadas no nº 1, do art. 12º, do Código de Trabalho de 2009. Presunção em benefício exclusivo do trabalhador, uma vez que, quem tem a seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz, por força do estatuído no nº 1 do art. 350º, do Código Civil. III – Tratando-se, porém, de uma presunção iuris tantum admite prova em contrário, nos termos do nº 2, do art. 350º, do Código Civil. Prova a cargo do empregador, se pretender ilidir a presunção. Caso em que lhe caberá provar que a situação em causa não constitui um contrato de trabalho, antes reveste as características de um contrato de prestação de serviço, dada a autonomia com que é exercida. - Ac. de 12-10-2017, proc.º 1333/14.4TTLSB.L2.S2 [Conselheiro Gonçalves Rocha] I.O artigo 12º do Código do Trabalho de 2009, aplicável às relações constituídas a partir de 17/2/2009, consagra uma presunção de laboralidade baseada na ocorrência de duas das circunstâncias nele elencadas, fazendo a lei decorrer da prova destas duas realidades caracterizadoras da relação entre o prestador e o seu beneficiário a existência duma relação de trabalho subordinado. II. Tratando-se de uma presunção juris tantum, nada impede a parte contrária de a ilidir, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do nº 2 do artigo 350º do CC. III. Tendo a R celebrado um contrato para a prestação de serviços de enfermeira comunicadora, através do qual lhe incumbia proceder ao atendimento das chamadas telefónicas efectuadas para a Linha ..., à triagem, aconselhamento e encaminhamento dos utentes de acordo com as situações que lhe eram expostas telefonicamente, e que apelidaram de “contrato de prestação de serviço”, temos de conferir especial valor a tal qualificação contratual se se demonstra que isso correspondeu à real vontade das partes. IV. Podendo os enfermeiros comunicadores da R trocar entre si os turnos que em concreto lhes eram atribuídos de acordo com as disponibilidades por aqueles manifestada, trocas acordadas sem qualquer intervenção da Ré e que não careciam de qualquer autorização desta ou da apresentação de qualquer justificação para o efeito, estamos perante uma forma de organização do trabalho que apresenta um grau de autonomia que é incompatível com a existência dum contrato de trabalho subordinado, atento o seu carácter “intuitu personae” e a natureza infungível da prestação laboral. V. E demonstrando-se a desnecessidade de apresentar qualquer justificação quando o colaborador faltasse ao serviço, tal evidencia a ausência de poder disciplinar, cuja existência é fundamental no contrato de trabalho por decorrer directamente do poder de direcção do empregador. - De 10-11-2021, proc.º 2608/19.1T8OAZ.P1.S1 [Conselheira Paula Sá Fernandes] I- No contrato de trabalho está em causa a prestação da atividade do trabalhador que a entidade empregadora organiza e dirige no sentido de alcançar determinado resultado. Esta subordinação, que consiste na relação de dependência da conduta do trabalhador na execução da sua atividade às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem, tem sido considerada, pela doutrina e jurisprudência, como o elemento caracterizador do contrato de trabalho. II- No caso, resultaram apurados factos suficientes para caracterizar a subordinação jurídica que caracterizou a execução da atividade da autora ao serviço da ré, dado ter resultado provada a verificação de diversos fatores indiciários que presumem a existência de um contrato de trabalho, nos termos do n.º1 do artigo 12.º do Código do Trabalho. III- O facto de a Autora não auferir qualquer quantia a título de férias, subsídio de férias e de Natal, e de estar inscrita na autoridade tributária como trabalhadora independente configuram o incumprimento de obrigações da Ré no âmbito de uma relação laboral, que não se sobrepõem, nem infirmam os indícios que resultaram provados e de que a lei faz presumir a existência do contrato de trabalho, que no caso indiciam, claramente, a existência de uma relação jurídica de subordinação. IV- Se a presunção da existência de um contrato de trabalho deve assentar nas características concretas descritas no artigo 12, n.º1 do Código do Trabalho, também a elisão dessa presunção – a prova em contrário – deve ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa e não em meras hipóteses ou informações genéricas, sem que, no caso, se tenham apurado os factos necessários para ilidir a referida presunção legal, cujo ónus da prova pertencia à Ré, por força do art.º 350 do Código Civil. III.2 Revertendo ao caso e procurando fazer uma síntese conclusiva da fundamentação acima transcrita da sentença, dela retira-se que o Tribunal a quo entendeu estarem verificados os indícios de laboralidade das alíneas a), b), c) e d), do n.º1, do art.º 12.º do CT, presumindo-se a existência de relações de contrato de trabalho entre a R- e AA e BB, dado que “[..] exerciam as suas funções sempre nas instalações da demandada ou noutras por esta indicadas; cumpriam um horário de trabalho previamente determinado pela demandada; utilizavam os equipamentos e materiais disponibilizados pela R. (com excepção da tão referida tesoura) e cumpriam as instruções que lhes eram dadas pelos responsáveis da R., quer quanto ao modo de execução das suas tarefas, quer quanto ao núcleo de tarefas que diariamente lhe eram distribuídas, quer quanto à supervisão que tinham por parte dos enfermeiros com quem realizavam em equipa as mesmas tarefas”, bem assim “auferiam uma quantia remuneratória com periodicidade, auferindo um valor que apesar de variável (dependendo do numero de horas executadas) era sempre pago ao dia 15 de cada mês”, sem que tenha resultado provada matéria que exclua a subordinação jurídica, pois que embora as trabalhadoras “[..]tenham algum grau de autonomia na execução das suas funções (como quanto ao modo de proceder às refeições dos utentes ou da sua higiene pessoal), mas esta autonomia não se demonstrou ser distinta da que beneficiam os auxiliares de saúde que já detém contrato de trabalho com a R., quer quanto neste ponto, quer quanto à possibilidade de troca de turnos com os seus colegas de trabalho”. Refere ainda o Tribunal a quo o seguinte: “O que nos parece verdadeiramente relevante no caso concreto em apreço é a existência de poder disciplinar da R. efectivamente exercido sobre estas colaboradoras, através dos enfermeiros com quem exerciam funções e a sua disponibilidade total, em exclusividade para a R., a qual as integrava, como entendia ser adequado, nas escalas de serviço, em regime por turno, pese embora não as remunerasse de acordo com a mesma disponibilidade, já que o valor/hora era sempre idêntico independentemente do horário e dia da semana em que trabalhavam. Este último aspecto prende-se também com a subordinação económica, já que como bem sabe a R. a disponibilidade total, em exclusividade destas colaboradoras, para com a demandada determina que as mesmas não apresentam qualquer outra fonte de rendimento dependendo para a sua subsistência, totalmente do vencimento auferido enquanto suas trabalhadoras». Esta passagem exige uma consideração relativamente à parte inicial, quando o Tribunal a quo usa a expressão “é a existência de poder disciplinar da R”. Se bem atentarmos neste extracto completo e tivermos ainda em conta que surge imediatamente a seguir às considerações anteriores que acima procurámos sintetizar - como é imprescindível para uma visão global necessária à determinação do sentido do pensamento do julgador-, afigura-se-nos ser perceptível, em termos de coerência lógica, que há um lapso de escrita no uso da expressão “poder disciplinar”, depreendendo-se, cremos sem dificuldade, que a expressão que se pretendia usar era antes “poder de direcção”. Dito em poucas palavras, entendeu o Tribunal a quo que estão provados os indícios de laboralidade previstos nas alíneas a), b), c) e d) do artigo 12º/1 do CT, sem que a Ré tenha demonstrado factos que suficientes para ilidir a presunção da existência de contrato de trabalho. Indícios esses, que verificam, respectivamente: i) quando a actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; ii) quando os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; iii) quando o prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; iv) quando haja o pagamento, com determinada periodicidade, duma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma. Diremos, desde já, que feita a ponderação conjugada do elenco factual provado, concordamos com este entendimento e, por decorrência lógica, com a decisão final. Cumprindo justificar esta asserção, passamos a atentar nos argumentos da recorrente, importando manter presente que a impugnação da decisão sobre matéria de facto apenas procedeu na alteração do ponto provado 5 e na eliminação do ponto 12, alterações sem relevância significativa para o quadro da prova produzida relativamente aos termos e condições em que se processava a prestação da actividade contratada, o desempenho das funções de “técnicas auxiliares de saúde” [facto 4], por AA e BB, em benefício da Ré. Começa a recorrente por referir que AA e BB, não eram “alvo de poder disciplinar pela Recorrente”. É certo que não há qualquer facto provado que revele ter sido exercido o poder disciplinar pela Ré relativamente às aludidas AA e BB, em face de alguma situação em concreto, bem assim que “quando preveem que vão faltar comunicam tal facto ao enfermeiro de turno” [facto 11], sem que decorra dos factos que tivessem que justificar as ausências. Porém, em contraponto, também não está provado que a Ré caso verificasse a ocorrência de alguma situação grave não o exercesse em termos explícitos ou, pelo menos, actuasse de forma equivalente, pondo imediatamente termo à relação contratual, p. ex. se alguma destas trabalhadoras não usasse farda nem exibisse o cartão de identificação, quando está provado que no exercício da actividade tinham “obrigatoriamente, de usar uma farda constituída por calças e túnica, com a identificação da Ré no bolso da túnica, tendo a demandada entregue às trabalhadoras em questão fardas para uso durante o período de trabalho” [facto 15], bem assim que “têm de usar um cartão com o seu nome e a sua categoria profissional, que lhes foi facultado pela R., e que devem colocar na farda de forma bem visível”. Neste quadro, a única conclusão segura que pode retirar-se é que a Ré não actuou disciplinarmente relativamente às trabalhadoras em causa, durante a execução da relação contratual que existiu entre as partes no período entre a sua admissão e a intervenção do ACT. Mas não mais do que isso. Ora, como tem sido entendimento da jurisprudência, nomeadamente a acima citada desta Relação e também do STJ, para ilidir a presunção do art.º 12.º do CT, através da prova do contrário (art.º 350º, nº 2, do Código Civil), não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido, devendo ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa, cabendo à empresa o ónus da prova dos concretos e reais factos que consubstanciem essa ilisão [cfr. Acórdãos desta Relação de 14-12-2017, de 14-02-2022, e de14-03-2022]. Alega a recorrente que AA e BB exerciam as suas funções com “total autonomia e independência, não recebendo ordens e instruções de quem quer que fosse, sendo que, o serviço prestado pelas mesmas não era objeto de controlo e/ou avaliação por parte de enfermeiros ou outro colaborador da Recorrente, havendo, somente, um plano com orientações para que, nas passagens de serviço, fosse assegurada a continuidade dos cuidados de saúde prestados, sem que houvesse lugar, como se disse, a uma fiscalização e/ou imposição de que tarefas executar” Com o devido respeito, embora a recorrente não tenha feito a devida precisão, esta leitura só poderia ter algum sustento se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tivesse procedido em toda a sua extensão. Não foi o sucedido e, logo, estas considerações são claramente contrariadas pelos factos provados, nomeadamente, os seguintes: 5. As trabalhadoras AA e BB, prestam a sua actividade de técnicas auxiliares de saúde, executando, designadamente, as seguintes tarefas: - higienização de utentes; auxiliar na alimentação os utentes; posicionar os utentes; vestir os utentes; higienizar os quartos e os quartos de banho dos utentes. 13. No exercício da sua atividade as trabalhadoras em causa cumprem um plano de trabalho que contém as especificas tarefas que lhes cabe executar em cada turno e que é previamente elaborado pela R. 14. Constando no “quadro da sala de passagem de turno” a distribuição dos quartos dos utentes para cada auxiliar de ação médica, bem como o respetivo enfermeiro, com quem as trabalhadoras fazem equipa. As trabalhadoras AA e BB reportam a sua actividade ao enfermeiro responsável pelo turno, seu “superior hierárquico". Em suma, se as trabalhadoras cumprem um plano de trabalho que contém as especificas tarefas que lhes cabe executar em cada turno e que é previamente elaborado pela R., estando-lhe atribuído no “quadro da sala de passagem de turno” a distribuição dos quartos dos utentes em que a cada uma cumpria prestar a actividader, acrescendo que reportavam essa actividade ao enfermeiro responsável pelo turno, seu “superior hierárquico", está claramente arredada a alegada “total autonomia e independência”, bem como da ausência de controlo e ordens. Deve ter-se presente que cabe ao empregador “estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem” [art.º 97.º CT]”. O que resultou provado consubstancia com suficiência bastante o exercício desse poder de direcção pela Ré relativamente às trabalhadoras em causa. Alega a recorrente, que técnicas auxiliares de saúde AA e BB não tinham que justificar atrasos ou ausências ao serviço. É certo que não há prova de que lhes fosse exigível a apresentação de justificação para as ausências. Porém, está provado que “quando preveem que vão faltar comunicam tal facto ao enfermeiro de turno.” [facto 11], o que é mais consentâneo com uma relação contratual em há subordinação jurídica, do que com uma relação contratual em que uma das partes apenas está obrigada ao resultado, ou seja, a alegada prestação de serviços. Valem aqui, pois, as considerações sobre a exigência de prova para ilidir a presunção legal do art.º 12.º do CT/09. Refere a recorrente de seguida que não havia imposição de exclusividade. O argumento não tem sustento nos factos provados, visto deles constar o seguinte: 21. As prestadoras de serviços como auxiliares de saúde, indicavam mensalmente a sua disponibilidade, de forma a serem integradas nas escalas da R., mas as trabalhadoras aqui visadas não o faziam porque tinham sempre disponibilidade total, estando em exclusividade ao serviço da demandada. Em termos objectivos, o que releva é o facto das técnicas auxiliares de saúde AA e BB estarem “em exclusividade ao serviço da demandada”. Em seguida alega que as técnicas auxiliares de saúde em causa não usufruíam de férias remuneradas e/ou recebiam subsídios de férias e de Natal. Com efeito, está provado que [19[ “A R. nunca pagou às trabalhadoras AA e BB qualquer quantia a titulo remuneração por férias gozadas., nem qualquer quantia a titulo de subsidio de férias e de Natal”. Mas se de facto é um indício que mais se compagina com uma relação contratual de prestação da actividade em prestação de serviços, só por si não é o bastante para ilidir a presunção legal do art.º 12.º. Mas não só, pois o indício pode nem sequer ter qualquer relevância. Melhor explicando, em qualquer caso, ou seja, ainda que conjugado com outros indícios, a ausência de pagamento de subsídios de férias e de Natal tem sempre que ser valorizada com especial cuidado, atendendo a todos os demais existentes, quer num quer noutro sentido, pela simples razão, como resulta das regras da experiência, de se verificar na generalidade dos casos em que há recurso a trabalho subordinado sobre a capa de falsos contratos de prestação de serviços. A razão é óbvia: nesses casos, embora queira usar das prerrogativas próprias do poder de direcção com menor ou maior extensão, o empregador não quer assumir, ou melhor dito, quer furtar-se às obrigações correspondentes, entre elas, desde logo, as respeitantes ao pagamento dos aludidos subsídios. Avançando, alega a recorrente que as técnicas auxiliares de saúde AA e BB indicavam a disponibilidade para integrar as escalas da Recorrente e não efetuavam registo dos tempos de trabalho. Consta provado que: 11. As trabalhadoras AA e BB não procedem ao registo dos tempos de trabalho na R [..]; 21. As prestadoras de serviços como auxiliares de saúde, indicavam mensalmente a sua disponibilidade, de forma a serem integradas nas escalas da R., mas as trabalhadoras aqui visadas não o faziam porque tinham sempre disponibilidade total, estando em exclusividade ao serviço da demandada. Porém, logo deste último facto decorre que estavam “em exclusividade ao serviço da demandada” e, para além disso, está provado ainda o seguinte: 9. As horas de início e termo da prestação da actividade das mesmas trabalhadoras AA e BB, são definidas pela R., sendo aquelas integradas nas escalas mensais de trabalho elaboradas pela R. e cumpre um horário de trabalho organizado em regime de turnos. 10. As referidas escalas mensais, turnos de trabalho, são comunicadas pela R. à trabalhadoras em causa, habitualmente, via Whatsapp no grupo denominado “ULDM”. O facto de não efectuarem registos e darem disponibilidade não tem aqui qualquer reevo, quando é certo que prestavam a sua actividade em exclusividade para a ré e cumpriam horários de trabalho por turnos organizados pela Ré. Segundo a noção legal, entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal (art.º 200.º/1 do CT). Numa explicação mais elaborada, Monteiro Fernandes escreve o seguinte: - “O horário de trabalho é um esquema respeitante a cada trabalhador, no qual se fixa a distribuição das horas do período normal de trabalho – número de horas diárias e semanais que o trabalhador está contratualmente obrigado a prestar – ao longo do dia e da semana: horas de entrada e de saída, intervalos de descanso, dia de descanso semanal” [Op. Cit, pp. 352]. Como bem se percebe, a alínea c), do n.º1, do art.º 12.º, do CT, procura enquadrar-se dentro daquela noção, o que vale por dizer que este indício verifica-se quando possa concluir-se que o prestador da actividade está sujeito a um horário de trabalho - observando horas de início e termo da prestação -, em cumprimento de determinação emanada pela entidade empregadora, tal com acontece tipicamente nas relações de trabalho subordinado. Os referidos factos provados demonstram com toda a segurança a verificação desse indício de laboralidade, por resultar claro que as técnicas auxiliares de saúde em causa desempenhavam a sua actividade dentro de limites temporais de início e termo estabelecidos pela Ré, acrescendo que em contraponto não resulta da matéria provada algo que seja suficiente para minimamente pôr em causa esse indício, muito menos para consubstanciar prova segura do contrário. Prosseguindo, alega a recorrente que as técnicas auxiliares de saúde AA e BB eram remuneradas na quantia de € 4,25/hora, cujo valor mensal variava de acordo com o número de horas de serviço prestadas, sendo por isso a remuneração variável e irregular. Também aqui não se lhe reconhece razão. Esta consideração assenta numa errada aplicação do direito ao facto provado 18, onde consta: - As mesmas trabalhadoras auferem €4,25 (quatro euros e vinte e cinco cêntimos) por hora, como contrapartida da atividade prestada, sendo tal remuneração paga mensalmente ao dia 15 de cada mês. Nos termos da alínea d), do n.º1, do art.º 12.º do CT, constitui um indício de laboralidade para fazer operar a presunção, o pagamento “[..] com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma”; Não se olvide que no contrato de trabalho a retribuição pode ser certa, variável ou mista, dispondo o n.º 2, do art.º 261º do CT, que “É certa a retribuição calculada em função do tempo de trabalho”. O que está em causa na alínea d) do nº 1 do art.º 12º do CT, é o pagamento de uma quantia certa com uma determinada periodicidade, nos termos em que, em regra, é paga a retribuição no contrato de trabalho subordinado, ou seja, calculada em função do tempo de trabalho contratado e devida no valor correspondente, isto é, mantendo-se esse valor, à partida, periódico, regular e certo. É o que resulta do facto provado. Daí que, como bem refere o recorrido Ministério Público, está demonstrado que auferiam retribuição periódica, fixa e calculada em função do tempo de trabalho (à hora) e não do resultado de atividade. Por último, refere a recorrente que tratando-se de uma unidade de internamento, não haverá outro local onde os cuidados de saúde pudessem ser prestados por estas prestadoras, pela própria natureza da atividade aqui em causa. Como se percebe, está a pretender pôr em causa o indício de laboralidade estabelecido no art.º 12.º n.º1/al. a]. Está provado o seguinte: 8. As indicadas trabalhadoras AA e BB exercem as suas funções nas instalações da Ré ou em local por ela determinado, designadamente, na Unidade de Cuidados Continuados de Longa Duração ULDM), sita na Rua ..., ... Porto. Concordamos que sendo essas as instalações da Ré para prosseguir a “actividade de cuidados de saúde continuados integrados, inserida na rede nacional de cuidados continuados com internamento para pessoas que necessitem de cuidados de saúde com intervenção interdisciplinar” [facto 3], necessariamente as técnicas auxiliares de saúde AA e BB, tendo sido contratadas para executarem “designadamente, as seguintes tarefas: - higienização de utentes; auxiliar na alimentação os utentes e na toma de medicação com a supervisão de enfermagem; posicionar os utentes; vestir os utentes; higienizar os quartos e os quartos de banho dos utentes” [facto 5], teriam que as executar nesse local. Porém, tal não põe em causa a verificação do indício. Sendo essa a actividade da Ré e sendo esse o estabelecimento de que dispõe para a prosseguir, como é evidente, só faz sentido contratar técnicas auxiliares de saúde para esse preciso local e não para exercerem funções em qualquer outro. Visto noutro ângulo, tal significa também que as técnicas auxiliares de apoio estavam sujeitas à prestação da actividade nesse lugar, sem que tivessem qualquer possibilidade de intervirem na determinação desse aspecto. Como observa Bernardo da Gama Lobo Xavier [Manual de Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Verbo, 2014, p. 372/373], nas alíneas do n.º1, do art.º 12.º, do CT, o legislador indica características que na maior parte dos casos existem nas relações de trabalho. No caso da primeira destas alíneas, releva-se a “essencialidade para o empregador de conjugar a prestação de trabalho com a sua estrutura produtiva (maquinaria, outros trabalhadores, clientela, dentro de uma área por si controlada e assim se revela a inserção na organização. Por outro lado, a característica indicada comprova que quem presta o serviço não é senhor de determinar o local de trabalho”. Mas não são só estes os indícios de laboralidade que se verificam com segurança, já que o mesmo sucede, como entendeu o Tribunal a quo, com o previsto na n.º1/al. b, do art.º 12.º do CT, dado ter resultado provado que [7] “No exercício da sua atividade de técnicas auxiliares de saúde ao serviço da Ré, AA e BB, utilizaram sempre os equipamentos, instrumentos de trabalho e consumíveis pertencentes à Ré, nomeadamente, luvas, fraldas, cremes, compressas, gel de banho, roupa de banho, roupa de cama.” Por conseguinte, estão demonstrados quatro dos cinco indícios de laboralidade previstos nas alíneas do n.º1, do art.º 12.º do CT, operando necessariamente a presunção da existência do contrato de trabalho. Por outro lado, pelas razões que viemos expondo ao longo desta apreciação, feita a ponderação global dos factos provados, cremos só poder concluir-se que a Ré não logrou de todo ilidir a presunção da existência de um contrato de um contrato de trabalho que se entendeu ter operado. De resto, a indagação não pode ser dada como finda, devendo ainda assinalar-se que dos factos provados resultam ainda outros indícios típicos de uma relação de trabalho subordinado, necessariamente a serem considerados no âmbito desta apreciação global. São esses factos, os seguintes: 15. As mesmas trabalhadoras, no exercício da sua actividade têm, obrigatoriamente, de usar uma farda constituída por calças e túnica, com a identificação da Ré no bolso da túnica, tendo a demandada entregue às trabalhadoras em questão fardas para uso durante o período de trabalho. 16. A Ré diligencia pela higienização das fardas usadas pelas trabalhadoras. 17. As trabalhadoras acima indicadas, no exercício da sua actividade, têm de usar um cartão com o seu nome e a sua categoria profissional, que lhes foi facultado pela R., e que devem colocar na farda de forma bem visível. A obrigação de usar uma farda e cartão de identificação, ambos facultados pela Ré, que inclusive assegura a higienização daquelas, é claramente um sinal revelador de que as técnicas auxiliares de saúde AA e BB estavam inseridas na estrutura organizativa da Ré, forte indício de uma relação de trabalho subordinado, uma vez que igualmente está demonstrado que estavam sujeitas à orientação do trabalho pela R., cumprindo essas instruções, observando um horário de trabalho e prestando a actividade nas instalações desta. Por último, estando provado que ambas “[..] tinham sempre disponibilidade total, estando em exclusividade ao serviço da demandada” [facto 21], há que concluir, como também assinalou o Tribunal a quo, que ambas tinha como única fonte de rendimento obtido pelo trabalho os valores que auferiam ao serviço da Ré, o que se traduz numa situação de subordinação económica, indício sério de uma relação de trabalho subordinado. Tudo ponderado, no caso concreto, pode até afirmar-se que a ponderação conjugada de todos os indícios presentes leva a concluir com segurança, não só que opera a presunção da existência de contratos de trabalho, mas mesmo pela sua demonstração cabal, nos termos do disposto no art.º 342.º/1, do CC, de que as relações contratuais em apreciação consubstanciam reais contratos de trabalho subordinado. Concluindo, improcede o recurso, devendo confirmar-se a sentença recorrida. IV. DECISÃO Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso nos termos seguintes: i) Parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto; ii) Improcedente o recurso na vertente de alegado erro na aplicação do direito aos factos, confirmando-se a sentença recorrida. Custas do recurso a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC). Registe e Notifique. Porto, 26 de Junho de 2023 Jerónimo Freitas Nelson Fernandes Rita Romeira |