Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
176/14.0T8OAZ-R.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LINA BAPTISTA
Descritores: BASE INSTRUTÓRIA
ADITAMENTO DE FACTOS
PRECLUSÃO DO DIREITO DE RECURSO
Nº do Documento: RP20230613176/14.0T8OAZ-R.P1
Data do Acordão: 06/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO NÃO CONHECIDO
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na versão introduzida no Código de Processo Civil pelo D.L. n.º 329-A/95, de 12/12, a impugnação da decisão de aditamento de factos à Base Instrutória tinha que ser invocada através de requerimento apresentado na sequência do despacho em causa e no prazo de 10 dias, sob pena de preclusão do direito de recurso (cf. art.º 650.º, n.º 2, alínea f), n.º 3 e 5 e, por remissão, art.- 511.º, n.º 2).
II - Compreende-se que assim seja: a fixação de um momento específico para as partes se pronunciarem, imediatamente após a prolação do despacho de aditamento de factos à Base Instrutória, traduz a faculdade que tem que lhes ser concedida de enunciarem os respectivos pontos de vista acerca da tomada de posição do juiz e possibilita a pronta apreciação de todos os argumentos destas, em emanação dos princípios do contraditório, da cooperação e da celeridade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 176/14.0T8OAZ-R.P1
Comarca: [Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis (J1); Comarca de Aveiro]


Relatora: Lina Castro Baptista
Adjunta: Alexandra Pelayo
Adjunto: Fernando Vilares Ferreira
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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I - RELATÓRIO

A sociedade “A..., S.A.” foi declarada falida por sentença proferida em 13/07/00, transitada em julgado, tendo a acção falimentar sido instaurada em 14/07/99, a pedido do credor “B..., Lda.”
No prazo fixado para a reclamação de créditos a sociedade “C...– LIMITED” veio reclamar créditos sobre a falida no valor global de 265.601.330$00 (correspondente a EUR 1.324.811,47).
A credora reclamante “D..., LDA.” veio impugnar este crédito, pedindo que se considere o mesmo inexistente/nulo, ordenando-se o cancelamento da hipoteca registada sobre os imóveis da falida.
Com data de 07/05/10, foi proferido despacho a dispensar a realização da audiência preliminar e a fixar os Factos Assentes e a Base Instrutória.
Na primeira sessão de audiência de julgamento, realizada no dia 22/06/12 e estando presente, entre outros, o Ilustre mandatário da Reclamante “C..., Limited”, foi proferido despacho com o seguinte teor: “Quando da preparação do julgamento constatou o Tribunal, entre o mais, que alguma da matéria vertida na base instrutória não traduz fielmente aquilo que foi alegado pelo credor Iveco. Com efeito, o que alega este credor é, não que tenha havido qualquer negócio simulado entre a E..., Sa e a falida mas sim que a cessão de créditos referida na alínea C) dos factos assentes, essa sim, foi realizada com o único intuito de prejudicar os credores da falida.
Assim sendo, ao abrigo do disposto nos art.ºs 650.º, n.º 2 al. f) e 264º n.ºs 2 e 3 ambos do C.P.C., decide o Tribunal alterar a base instrutória – isto sem prejuízo de posterior aditamento de outros factos que tenham sido alegados e que venha a constatar-se no decurso da audiência serem relevantes para a boa decisão da causa – nos seguintes termos:
Seguinte redacção:
“O negócio referido na alínea C) dos factos assentes foi celebrado com o único intuito, por parte da falida e da reclamante C..., de prejudicar os credores da primeira?”
“A falida A... não utilizou, para a sua actividade comercial, qualquer quantia do montante referido como tendo sido emprestado pela E..., Sa (actualmente Banco 1... e de ...)?”
Notifique as partes para, querendo, em 10 dias, se pronunciarem e, bem assim, para, no mesmo prazo, não sendo possível fazê-lo imediatamente, indicarem outras provas à matéria agora alterada.”
Sequencialmente consta da mesma Acta que “Concedida a palavra aos Ilustres mandatários, por todos foi dito que não prescindem do prazo de 10 dias para se pronunciarem e indicarem prova.”
Logo a seguir, foi proferido novo despacho com o seguinte teor: “Sem prejuízo de as partes disporem do prazo de 10 dias como supra referido solicita-se que, caso tenham essa possibilidade, se pronunciem e apresentem prova até à próxima data designada para audiência de julgamento, solicitando-se também, com vista a evitar a deslocação inútil de advogados e testemunhas ao Tribunal na sessão já agendada para o próximo dia 29 de Junho, que, caso não o consigam fazê-lo, o venham comunicar aos autos com a antecedência necessária a que a diligência seja dada sem efeito e designada nova data.”
Com data de 02/07/12, a Reclamante “C..., LIMITED” veio apresentar requerimento nos autos, dizendo “Notificada e tendo presente o despacho proferido no início da audiência de julgamento de 22 de Junho de 2012, em que é alterado o questionário fixado no despacho saneador quanto aos seus números 1.º e 3.º, em aditamento de prova refere mais a seguinte: (…).”, e procedendo ao aditamento do rol de testemunhas e à junção de um conjunto de documentos.
Entretanto, com data de 08/10/12, a Credora Reclamante “C..., LIMITED” veio apresentar recurso pedindo que o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que ordene a reposição do questionário na sua forma anterior ou, se não em tempo, se determine a invalidade de todo o processado posteriormente à alteração do mesmo e em tudo o que dele dependa e seja consequência, rematando com as seguintes
CONCLUSÕES:
I. O despacho recorrido ao alterar, reformulando totalmente o questionário do despacho saneador elaborado dois anos antes, revogou uma decisão proferida pelo mesmo tribunal em momento anterior, que fixou o despacho saneador e transitou já em julgado.
II. O despacho recorrido ao alterar o questionário, como certa e expressamente o classificou, ultrapassou os limites do poder concedido pela alínea f) do n.º 2 do artigo 650.º do CPC ao presidente do colectivo de juízes, que apenas permite a ampliação da matéria de facto a levar ao questionário.
III. Ao alterar o questionário invocando o que a comissão de credores através do seu presidente credora Iveco pretendia dizer no seu articulado, sem se referir a que articulado se refere, inexistindo nos autos qualquer articulado da mesma que se possa classificar como de contestação ou outro, a decisão recorrida ultrapassou os limites expostos pelo legislador no poder concedido ao Juiz de ampliação da matéria de facto, nos artigos conjugados do n.º 3 do art.º 650.º e 264.º do CPC, ao não fundamentar a sua decisão como o impõe tais preceitos.
IV. Ao não ser possível reportar a fundamentação nas alegações de facto subscritas pela credora Iveco em qualquer dos seus escritos e pela mesma subscrito, a decisão recorrida igualmente violou os limites impostos pelos mesmos preceitos 650 e 264.º do CPC para a possibilidade de ampliação da matéria de facto a levar ao questionário.
V. Não releva para efeitos da possibilidade de ampliação da matéria de facto em sede de questionário qualquer argumentação que verbalmente e em sede de não audiência de julgamento, ou nesta, possa ter sido expendida perante o juiz da causa.
VI. Constitui alteração da causa de pedir, insusceptível de justificar a ampliação da matéria de facto a levar ao questionário, o fundamentar o pedido de não reconhecimento do crédito reclamado (originariamente formulado com base na simulação do negócio de financiamento originário do crédito reclamado, ou, posteriormente, com base na inexistência da sociedade reclamante) considerar agora como causa de pedir alegadamente invocada, a de que nenhuma parte do financiamento obtido foi utilizado para a actividade comercial da devedora falida.
VII. Não constitui mera ampliação da matéria a levar ao questionário a reformulação do despacho saneador que dá por decidido, e rejeitado, as hipóteses de submissão jurídica a que o despacho saneador na versão anterior dava por aberto, nomeadamente a da simulação do negócio originário.
VIII. Não constitui ampliação da matéria de facto levada ao questionário a alteração deste que cria quesitos conclusivos, como o que constitui o de saber se a operação de financiamento originária foi realizada com o intuito de prejudicar os credores, quando desacompanhada da quesitação de qualquer facto que possa em concreto ser objecto de prova ou refutação.
IX. Não constitui ampliação da matéria de facto levada ao questionário a alteração deste que ao limitar a prova da aplicação dos fundos obtidos com o financiamento objecto da reclamação os relativos à actividade comercial da falida, impede a prova de que o mesmo tenha sido aplicado na satisfação ou reembolso de financiamento existentes anteriormente, vencidos ou não.
X. Já que a ampliação da matéria de facto levada ao questionário tem como limite, além dos factos alegados pelas partes nos articulados a obtenção de prova sobre factos não considerados anteriormente no despacho saneador como relevantes que permitam enquadrar juridicamente nas várias hipóteses que, a priori e teoricamente, se afigurem como aplicáveis.
A Credora reclamante “D..., LDA.” veio apresentar contra-alegações, pedindo que o recurso seja julgado improcedente e a base instrutória mantida, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES:
I. O despacho de fixação da base instrutória original não continha questões relativas a matéria alegada pelas partes;
II. O Tribunal ao adequar o mesmo à alegação efectuada pela recorrida no articulado superveniente, cumpriu a lei e o objectivo pretendido com a elaboração de uma base instrutória.
III. O Tribunal não excedeu os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 650.º, n.º 2 alínea f) e 264.º ambos do Código de Processo Civil.
Foi proferido despacho a sustentar o despacho recorrido, mantendo-se a decisão recorrida.
Admitiu-se o recurso como de agravo, subida deferida e em separado. Entretanto, tendo sido interposto recurso da sentença proferida em sede de reclamação de créditos, determinou-se a subida do recurso a este Tribunal da Relação.
Já neste Tribunal da Relação notificaram-se as partes para se pronunciarem sobre um eventual não conhecimento do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Resulta do disposto no art.º. 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[1], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
A questão a dirimir, delimitada pelas conclusões do recurso, é relativa à apreciação da legalidade do despacho proferido em sede de audiência de julgamento de alteração da Base Instrutória.
Cumpre, contudo, apreciar, como questão prévia, da possibilidade de conhecimento do recurso.
A Recorrente recorreu do despacho proferido em sede de audiência de julgamento de alteração da Base Instrutória pedindo que o mesmo seja revogado e substituído por outro que ordene a reposição do questionário na sua forma anterior ou, se não em tempo, se determine a invalidade de todo o processado posteriormente à alteração do mesmo e em tudo o que dele dependa e seja consequência.
Sustenta, em síntese, que este despacho ultrapassou os limites do poder concedido pela alínea f) do n.º 2 do artigo 650.º do CP Civil ao presidente do colectivo de juízes, que apenas permite a ampliação da matéria de facto a levar ao questionário.
Entende que constitui alteração da causa de pedir, insusceptível de justificar a ampliação da matéria de facto a levar ao questionário, o fundamentar o pedido de não reconhecimento do crédito reclamado (originariamente formulado com base na simulação do negócio de financiamento originário do crédito reclamado, ou, posteriormente, com base na inexistência da sociedade reclamante) considerar agora como causa de pedir alegadamente invocada, a de que nenhuma parte do financiamento obtido foi utilizado para a actividade comercial da devedora falida.
Defende que a ampliação da matéria de facto levada ao questionário tem como limite, além dos factos alegados pelas partes nos articulados, a obtenção de prova sobre factos não considerados anteriormente no despacho saneador como relevantes que permitam enquadrar juridicamente nas várias hipóteses que, a priori e teoricamente, se afigurem como aplicáveis.
Nos presentes autos, em 07/05/10, foi proferido despacho a dispensar a realização da audiência preliminar e a fixar os Factos Assentes e a Base Instrutória.
Cerca de dois anos depois (em 22/06/12), na primeira sessão de audiência de julgamento, e estando presente, entre outros, o Ilustre mandatário da Reclamante “C..., Limited”, foi proferido despacho com o seguinte teor: “Quando da preparação do julgamento constatou o Tribunal, entre o mais, que alguma da matéria vertida na base instrutória não traduz fielmente aquilo que foi alegado pelo credor Iveco. Com efeito, o que alega este credor é, não que tenha havido qualquer negócio simulado entre a E..., Sa e a falida mas sim que a cessão de créditos referida na alínea C) dos factos assentes, essa sim, foi realizada com o único intuito de prejudicar os credores da falida. Assim sendo, ao abrigo do disposto nos art.ºs 650.º, n.º 2 al. f) e 264.º n.ºs 2 e 3 ambos do C.P.C., decide o Tribunal alterar a base instrutória – isto sem prejuízo de posterior aditamento de outros factos que tenham sido alegados e que venha a constatar-se no decurso da audiência serem relevantes para a boa decisão da causa (…).”, tendo sido aditado dois novos Quesitos à Base Instrutória.
Consta do mesmo despacho:“Notifique as partes para, querendo, em 10 dias, se pronunciarem e, bem assim, para, no mesmo prazo, não sendo possível fazê-lo imediatamente, indicarem outras provas à matéria agora alterada.”
Sequencialmente consta da mesma Acta que “Concedida a palavra aos Ilustres mandatários, por todos foi dito que não prescindem do prazo de 10 dias para se pronunciarem e indicarem prova.”
Na redacção introduzida no CP Civil pelo D.L. n.º 329-A/95, de 12/12 resultava do disposto no art.º 511.º, n.º 1[2], que “O juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida.”, acrescentando o n.º 2 que “As partes podem reclamar contra a selecção da matéria de facto, incluída na base instrutória ou considerada como assente, com fundamento em deficiência, excesso ou obscuridade.”
Por seu turno, em emanação do princípio de que os Factos Assentes e a base Instrutória não produzem caso julgado formal, podendo ser modificados até ao final da audiência de julgamento, o art.º 650.º, n.º 2, alínea f), da mesma versão do CP Civil determinava que “Ao presidente compete em especial: (…) f) Providenciar até ao encerramento da discussão pela ampliação da base instrutória da causa, nos termos do disposto no artigo 264.º.”, acrescentando-se nos n.º 3 e 5 seguintes que “3. Se for ampliada a base instrutória, nos termos da alínea f) do número anterior, podem as partes indicar as respectivas provas (…).” e “5. É aplicável às reclamações deduzidas quanto à ampliação da base instutória o disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 511.º”
Temos, portanto, que, à data do início da audiência de julgamento dos presentes autos, o Presidente do Colectivo podia – pelo menos formalmente – determinar a ampliação da Base Instrutória da causa.
Contudo, nos termos legais, tal ampliação da Base Instrutória exigia que se concedesse às partes um prazo de 10 dias para, querendo, reclamar contra tal ampliação determinada e/ou indicar novos meios de prova (cf. art.º 650.º, n.º 2, alínea f), n.º 3 e 5 e, por remissão, art.- 511.º, n.º 2, todos do CP Civil na versão do D.L. n.º 329-A/95, de 12/12.
Foi precisamente isso que foi determinado no despacho em recurso.
Ao tempo, o Supremo Tribunal de Justiça firmou jurisprudência segundo a qual a impugnação em recurso das reclamações contra a selecção da matéria de facto pressupunha que tivesse havido reclamação e que esta tenha sido decidida por despacho.
Cita-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do STJ de 11/01/2000, tendo como Relator Francisco Lourenço[3]: “Não tendo havido reclamação da especificação e/ou questionário, não se pode impugnar, para a Relação, a fixação da matéria de facto, pois impugnável é o despacho proferido sobre aquelas.”[4]
Compreende-se que assim seja: a fixação de um momento específico para as partes se pronunciarem, imediatamente após a prolacção do despacho de aditamento de factos à Base Instrutória, traduz a faculdade que tem que lhes ser concedida de enunciarem os respectivos pontos de vista acerca da tomada de posição do juiz e possibilita a pronta apreciação de todos os argumentos destas, em emanação dos princípios do contraditório, da cooperação e da celeridade.
Cumpre relembrar que estes princípios têm actualmente[5] uma perspectiva lata, devendo ser entendidos como uma garantia e apelo de participação efectiva das partes no decurso de todo o desenrolar do processo, possibilitando, entre o mais, que lhes seja facultada a faculdade de contribuírem para a discussão efectiva de todos os argumentos jurídicos pertinentes para a apreciação e decisão, colaborando para a “justa solução da causa”, devendo todo este processo decorrer da forma mais célere e integrada possível.
Apenas no caso de, na sequência de uma reclamação apresentada neste contexto e prazo, o tribunal, em decisão expressa sobre esta, manter (ou manter parcialmente) a sua decisão contra a posição de alguma das partes é que se justifica que o tribunal de apelação seja convocado a avaliar o acerto da decisão em causa.
Ora, no caso dos autos, o agora Recorrente não usou do prazo legal que lhe foi concedido para apresentar uma reclamação ao aditamento à Base Instrutória, com o teor do recurso em apreciação.
Limitou-se, por opção, a, com data de 02/07/12, apresentar requerimento nos autos, dizendo “Notificada e tendo presente o despacho proferido no início da audiência de julgamento de 22 de Junho de 2012, em que é alterado o questionário fixado no despacho saneador quanto aos seus números 1.º e 3.º, em aditamento de prova refere mais a seguinte: (…).”, e procedendo ao aditamento do rol de testemunhas e à junção de um conjunto de documentos.
Em face desta sua actuação, e designadamente em face da sua omissão de apresentação de reclamação pela forma e prazo previsto na lei, esta arguição não é, neste momento, legalmente atendível.
Como decorre do acima exposto, a impugnação da decisão de aditamente de factos à Base Instrutória teria que ter sido invocada através de requerimento apresentado na sequência do despacho em causa e no prazo de 10 dias, sob pena de preclusão.
O processo civil não é mais do que um conjunto de regras ordenadoras da forma e dos prazos de arguição em Tribunal das pretensões jurídicas das partes.
A obrigação de seguir este "figurino legal" conduz necessariamente à autorresponsabilização dos sujeitos processuais: caso pretendam praticar um qualquer acto processual terão de o fazer pela forma e no prazo previsto na lei, sob pena de preclusão.
Refere, a este propósito, José Lebre de Freitas[6] "Ónus, preclusões e cominações ligam-se entre si ao longo de todo o processo, com referência aos atos que as partes, considerada a tramitação aplicável, nele têm de praticar dentro de prazos peremptórios. (...) As partes têm assim o ónus de praticar os atos que devam ter lugar em prazo peremptório, sob pena de preclusão e, nos casos indicados na lei, de cominações. A autorresponsabilidade da parte exprime-se na consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do ato."
Nem se diga que a não apreciação, neste momento, da invocada ilegalidade do despacho de aditamento à Base Instrutória constitui uma violação do direito de defesa e/ou do contraditório.
É que o direito de ação, constitucionalmente consagrado no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, é seguramente uma emanação dos direitos subjetivos privados, mas tem que se conjugar com as formas e com os tempos legais, isto é, com as regras do processo civil.
Cita-se, por versar um caso paralelo ao destes autos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/01/2014, tendo como Relator Azevedo Ramos[7], onde decidiu: "Se a recorrente se conformou com a parte da decisão da 1ª instância que lhe atribuiu o incumprimento definitivo e culposo do contrato, não pode vir no recurso de revista defender que tal incumprimento estaria justificado pela excepção do não cumprimento do contrato, nos termos do art. 428.º do Código Civil, bem como pela impossibilidade do seu cumprimento, imputando agora o incumprimento a terceiro, pois aceitou aquela parte da decisão, o que implica a renúncia ao respectivo recurso e a perda do direito de recorrer."
A conclusão final é, portanto, a de que a Recorrente/Credora Reclamante não pode suscitar neste momento ilegalidades alegadamente existentes no despacho de aditamento de factos à Base Instrutória proferido em sede de audiência de julgamento por o respectivo direito se encontrar precludido, por não ter sido tempestivamente suscitado pela forma e prazo previstos na lei.
Decide-se, por inerência, não conhecer o recurso apresentado, por preclusão.

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III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em não conhecer do objecto do recurso apresentado pela Recorrente/Credora Reclamante, por preclusão, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente - art. 527.º do CP Civil.
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Notifique e registe.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)

Porto, 16 de Maio de 2023
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
Fernando Vilares Ferreira
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[1] Doravante apenas designado por CP Civil, por questões de celeridade e operacionalidade.
[2] Na redacção dada pelo DL n.º 180/96, de 25/09.
[3] Proferido no Processo n.º 99A871 e disponível em www.dgsj.pt na data do presente Acórdão.
[4] Veja-se, no mesmo sentido, o Acórdão do mesmo Tribunal de 15/10/2002, tendo como Relator Ferreira Ramos (proferido no Processo n.º 02A2185 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[5] E já tinham à data da decisão sob recurso, apesar de na actual redacção do CP Civil os mesmos estarem consagrados de forma mais impositiva e clara.
[6] In Introdução ao Processo Civil - Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3ª Edição, Coimbra Editora, p.182.
[7] Proferido no Processo n.º 357/11.8TBEVR.E1.S1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.