Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
143/16.9EACBR.1.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ PIEDADE
Descritores: CONCURSO SUPERVENIENTE DE CRIMES
CÚMULO JURÍDICO
PRESSUPOSTOS
PENA ÚNICA
PENAS PRINCIPAIS
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
AUTONOMIA
REVOGAÇÃO
Nº do Documento: RP20230517143/16.9EACBR.1.P1
Data do Acordão: 05/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I – Verificando-se um concurso superveniente de crimes, cujas penas substitutivas aplicadas são de espécie (ou natureza) diferente, uma de prestação de trabalho a favor da comunidade, outra de multa, não há lugar à formação de um cúmulo jurídico, uma vez que – tal como decorre do art. 77.º, n.º3, do CP – penas de natureza diferente não se cumulam juridicamente entre si, mantendo a sua diferente natureza na pena unitária (que será no caso uma pena unitária mista).
II – As penas substitutivas são penas autónomas que não se confundem com as penas principais, e mantêm essa autonomia e eficácia jurídica, se não forem revogadas.
III – O cúmulo jurídico apenas seria necessário se essas penas substitutivas da pena de prisão tivessem sido revogadas, e houvesse lugar ao cumprimento das penas principais."
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. N.º 143/16.9EACBR.1.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Aveiro – JL Criminal – Juiz 3



Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:


No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Aveiro – JL Criminal – Juiz 3, processo supra referido, em que é arguido/condenado AA foi proferido Despacho com o seguinte teor:
“Tendo sido agendada para o dia de hoje audiência de cúmulo jurídico, considerando o teor dos elementos juntos – mormente conjugação da certidão remetida pelo processo n.º 444/13.8GASEI e CRC mais recente do arguido – impõe-se a prolação de decisão que obstará ao conhecimento superveniente do concurso, prejudicando a realização da audiência de cúmulo.
Vejamos.
O arguido foi condenado nestes autos, por sentença proferida a 7 de Outubro de 2021, transitada em julgado a 8 de Novembro de 2021, pela prática a 21 de Dezembro de 2016, em autoria material e na forma consumada, de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, então previsto e punível à data dos factos pelo artigo 324.º, por referência ao artigo 323.º, ambos do Código da Propriedade Industrial e actualmente pelo artigo 321.º, por referência ao artigo 320.º, do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro, na pena de 8 (oito) meses de prisão, substituída por 240 (duzentas e quarenta) horas de trabalho a favor da comunidade.
O arguido foi condenado no processo n.º 444/13.8GASEI pendente no Juízo de Competência Genérica de Seia – Juiz 2, por sentença proferida a 5 de Maio de 2016 e transitada em julgado a 3 de Março de 2017, pela prática em 28 de Agosto de 2013, em autoria material e na forma consumada, de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, previsto e punido, pelas disposições conjugadas dos artigos 324.º e 323.º do Decreto-lei n.º 36/2003, de 5 de Março, na pena de (oito) meses de prisão, substituída por 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de €1.200,00 (mil e duzentos euros).
O arguido procedeu ao pagamento da pena de multa de substituição aplicada no processo n.º 444/13.8GASEI, tendo tal pena sido declarada extinta por decisão de 29 de Maio de 2018.
O arguido foi condenado no processo n.º 464/19.9GBAGD do Juízo Local Criminal de Águeda por decisão proferida a 16 de Novembro de 2020, transitada em julgado a 3 de Dezembro de 2020, pela prática em 1 de Junho de 2019, de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 horas de trabalho a favor da comunidade.
Ora, no que concerne à condenação no processo n.º 444/13.8GASEI resulta da certidão junta que a pena de substituição foi cumprida e declarada extinta, sendo que em situações como a presente não é possível proceder a cúmulo jurídico considerando a que foi a pena principal de prisão.
Com efeito, implicando o cúmulo que se desconsidere a substituição, com base na moldura do concurso fixando uma pena única e só após se ponderando, de novo, a eventual substituição, tal procedimento mostra-se inviabilizado quanto a pena de substituição já tenha sido declarada extinta, dado que passamos a estar perante penas de distinta natureza, não sendo possível descontar no cumprimento de uma pena de prisão uma pena de substituição (não sendo o mesmo cumprir 7 meses de prisão efectiva, por exemplo, ou pagar pena de multa de substituição de uma pena de 7 meses de prisão).
Conforme impressivamente se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Abril de 2017, disponível para consulta em www.dgsi.pt:
«(…) III - Todavia, no concurso de crimes superveniente não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do CP, pois, não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas ser descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final.
IV - Se o cúmulo jurídico de penas cumpridas se impõe por razões que se prendem com o princípio da igualdade e com os próprios fundamentos do nosso regime de pena conjunta, a inclusão de penas extintas, não pelo efectivo cumprimento, mas por ter decorrido o período de suspensão, sem que se verifiquem motivos que possam conduzir à sua revogação, traduzir-se-ia num agravamento injustificado da situação processual do condenado e afrontaria a paz jurídica do condenado derivada do trânsito em julgado do despacho que declarou extinta a pena.
V - Daí que se mostre absolutamente correcta a decisão tomada no acórdão recorrido de não englobar no cúmulo jurídico realizado as penas de prisão suspensas na sua execução e já anteriormente declaradas extintas.».
Assim, sendo de desconsiderar para efeitos de cúmulo a condenação no processo n.º 444/13.8GASEI e sem que se verifique qualquer arrastamento, importará ponderar do cúmulo de penas aplicadas nestes autos e no processo n.º 464/19.9GBAGD do Juízo Local Criminal de Águeda, caso a pena de substituição ali aplicada ainda não se mostrasse extinta, extinção que não constava do CRC anteriormente junto e que ora já se mostra comunicada.
Com efeito, do CRC mais recentemente junto aos autos resulta que também a aludida pena de substituição já foi declarada extinta a 12 de Agosto de 2021, pelo que tal inviabiliza que se considere a pena de prisão tout cout que havia sido aplicada no processo n.º 464/19.9GBAGD, apenas perante a pena única se equacionando da substituição.
Em face do exposto e com os fundamentos supra, importa manter a condenação do arguido nestes autos na pena de 8 (oito) meses de prisão, substituída por 240 (duzentas e quarenta) horas de trabalho a favor da comunidade, após trânsito deste despacho, comunicando-se à DGRSP, remetendo cópia da sentença e solicitando que, no prazo de 30 dias, proceda à elaboração do de execução de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao arguido (cfr. artigo 496.º do Código de Processo Penal)”.
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Deste Despacho recorreu o M.ºP.º, formulando as seguintes conclusões:
“1. Por sentença transitada em julgado em 8 de Novembro de 2021, foi aplicada a AA a pena de 8 meses de prisão, substituída pela prestação de 240 horas de trabalho a favor da comunidade, por factos praticados a 21 de Dezembro de 2016.
2. Tais factos foram praticados anteriormente ao trânsito em julgado da sentença proferida no processo n.º 444/13.8GASEI (3 de Março de 2017), pelo que existe uma situação de conhecimento superveniente do concurso de crimes, nos termos do artigo 78.º do Código Penal. Nesse processo, AA foi condenado numa pena de 8 meses de prisão substituída por 240 dias de multa à razão diária de €5, já extinta pelo pagamento.
3. O Ministério Público promoveu a realização de cúmulo jurídico, nomeadamente com a solicitação de elementos ao processo n.º 444/13.8GASEI (sentença e informação sobre o estado de cumprimento da pena) e com o agendamento da audiência de cúmulo.
4. Foi designada data para a audiência de cúmulo jurídico, mas no dia da mesma foi proferido despacho judicial que indeferiu a realização do cúmulo com o fundamento de que a pena aplicada no processo n.º 444/13.8GASEI já havia sido declarada extinta.
5. Inexiste qualquer impedimento legal à realização de cúmulo jurídico entre penas de prisão, sendo uma substituída por pena de multa e outra substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, ainda que a primeira já tenha sido declarada extinta pelo cumprimento.
6. O Código Penal, no artigo 81.º, prevê precisamente os termos do desconto a realizar em situações como as de cúmulo jurídico.
7. É do interesse do condenado que a pena de prisão substituída por multa já cumprida no processo n.º 444/13.8GASEI venha a ser descontada na pena única de prisão, substituída ou não, a determinar em sede de cúmulo.
8. No limite mínimo da moldura do cúmulo jurídico (pena de 8 meses de prisão) poderá até implicar a extinção pelo desconto.
9. Tratar diferentemente para efeitos de desconto penas substitutivas privativas da liberdade extintas e penas substitutivas não privativas da liberdade extintas viola o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. Relevando para efeitos de desconto só as penas substitutivas privativas da liberdade prejudica os condenados relativamente aos quais as exigências de prevenção especial são menores.
10. Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 77.º, 78.º e 81.º do Código Penal.
11. Deveria o Tribunal a quo ter realizado a audiência de cúmulo que estava agendada e, após, proferir sentença cumulatória entre as duas penas de prisão, proceder ao desconto da pena já cumprida no processo n.º 444/13.8GASEI.
12. Assim sendo, deve o despacho de 30 de Março de 2022 ser revogado e substituído por outro que designe data para a realização da audiência nos termos do n.º 1 do artigo 472.º do Código de Processo Penal, a fim de proceder ao cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos n.ºs 444/13.8GASEI e 143/16.9EACBR (estes autos)”.
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Do arguido não houve resposta ao recurso.
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Neste Tribunal, o Sr.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela procedência do recurso.
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Colhidos os Vistos, efectuada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.
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Das conclusões, delimitadoras do respectivo objecto, extrai-se que o Ministério Público pretende que seja revogado o Despacho recorrido, e a sua substituição por outro que designe data para a realização da Audiência, “a fim de proceder ao cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos n.ºs 444/13.8GASEI e 143/16.9EACBR (estes autos).”
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Antes de se efectuar Audiência para esse efeito marcada, foi proferido Despacho por se verificar circunstância que obstava ao conhecimento do concurso superveniente de crimes em causa, e prejudicada a realização da Audiência, constatando-se o seguinte:
– No proc. n.º 143/16.9EACBR.1.P1 (presentes autos), Aveiro, por Sentença de 07/10/2021, transitada em julgado em 08/11/2021, o AA foi condenado pela prática, em 21/12/2016, de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, então previsto e punível à data dos factos pelo artigo 324.º, por referência ao artigo 323.º, ambos do Código da Propriedade Industrial e actualmente pelo artigo 321.º, por referência ao artigo 320.º, do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro, na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 horas de trabalho a favor da comunidade;
– Proc. n.º 444/13.8GASEI, Seia, por Sentença de 05/05/2016, transitada em julgado 03/03/2017, pela prática em 28/08/2013, de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, previsto e punido, pelas disposições conjugadas dos artigos 324.º e 323.º do Decreto-lei n.º 36/2003, de 5 de Março, na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz o montante global de € 1.200,00.
Procedeu ao pagamento da multa, tendo a pena sido declarada extinta em 29/05/2018;
– No proc. n.º 464/19.9GBAGD, Águeda, por Sentença de 16/11/2020, transitada em julgado em 03/12/2020, pela prática em 01/06/2019, de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 horas de trabalho a favor da comunidade.
Foi considerado que no referenciado proc. n.º 444/13.8GASEI, a pena de substituição foi declarada extinta.
Quanto ao processo de Águeda, do CRC, resultava que também aquela pena de substituição já tinha sido declarada extinta a 12/08/2021, pelo cumprimento.
Entendeu-se que, no que respeita à condenação no processo de Seia, “a pena de substituição foi cumprida e declarada extinta, sendo que em situações como a presente não é possível proceder a cúmulo jurídico considerando a que foi a pena principal de prisão.”
Mais se acrescentou que “implicando o cúmulo que se desconsidere a substituição, com base na moldura do concurso fixando uma pena única e só após se ponderando, de novo, a eventual substituição, tal procedimento mostra-se inviabilizado quanto a pena de substituição já tenha sido declarada extinta”.
Por estes motivos, não foi efectuado o cúmulo jurídico de penas, em resultado de concurso superveniente de crimes, “importando executar a pena de 240 horas de prestação de trabalho a favor da Comunidade imposta nos presentes autos”.
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Recorreu o M.ºP.º, insistindo na “Audiência de cúmulo”, e afirmando que “Inexiste qualquer impedimento legal à realização de cúmulo jurídico entre penas de prisão, sendo uma substituída por pena de multa e outra substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, ainda que a primeira já tenha sido declarada extinta pelo cumprimento”, e que o art. 81.º, do CP, “prevê precisamente os termos do desconto a realizar em situações como as de cúmulo jurídico”.
Acrescenta-se ser “do interesse do condenado que a pena de prisão substituída por multa já cumprida no processo n.º 444/13.8GASEI venha a ser descontada na pena única de prisão, substituída ou não, a determinar em sede de cúmulo”, e “no limite mínimo da moldura do cúmulo jurídico (pena de 8 meses de prisão) poderá até implicar a extinção pelo desconto”.
Afirma-se, também, que “tratar diferentemente para efeitos de desconto penas substitutivas privativas da liberdade extintas e penas substitutivas não privativas da liberdade extintas viola o princípio da igualdade”.
Pretende concluir-se que deveria ter sido realizada “a audiência de cúmulo que estava agendada e, após, proferir sentença cumulatória entre as duas penas de prisão, proceder ao desconto da pena já cumprida no processo n.º 444/13.8GASEI”, pedindo-se a revogação da decisão e a sua substituição por outra que “designe data para a realização da audiência nos termos do n.º 1 do artigo 472.º do Código de Processo Penal, a fim de proceder ao cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos n.ºs 444/13.8GASEI e 143/16.9EACBR (estes autos).”
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A decisão está certa, não tendo razão o recorrente.
A insistência na sua pretensão implica – para além do mais – actividade Jurisdicional inútil com o consequente emprego de tempo, meios materiais e humanos (como se sabe limitados), por forma desnecessária.
O recurso foca-se unicamente na “Audiência de cúmulo” e “Sentença cumulatória”, como se estes actos que, aliás, não têm correspondência na terminologia da lei, existissem por si, desligados dos conceitos jurídicos que lhes estão na origem.
Concretizando, na medida do necessário:
A razão de ser do cúmulo jurídico de penas, reside no facto de vigorar, na nossa Ordem Jurídica Penal, o sistema da pena unitária (ou única).
Este sistema da pena unitária é um dos princípios estruturantes do nosso Código Penal, já desde o projecto de 1962 que lhe esteve na génese, em cujas actas da Comissão Revisora, é possível ler-se a págs. 152, “o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário”.
Esta pena unitária é aplicável, nos casos em que se verifique a existência de um concurso real de crimes, cujos termos vêm definidos no art. 31.º, n.º1, do CP, estando as regras da sua punição com uma pena unitária e seu conhecimento superveniente estabelecidas nos arts. 77º e 78º, do CP.
Assim, se após o trânsito em julgado duma condenação, se tomar conhecimento que o agente do crime cometeu anteriormente àquela condenação outros crimes que se encontrem com aquele, numa relação de concurso real, deverá ser condenado numa única pena, sendo na fixação da sua medida considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente manifestada nos mesmos – art. 77.º, do CP.
Esta regra é aplicável às situações em que os crimes foram objecto, separadamente, de condenações transitadas em julgado, sendo que nesses casos, seguindo-se a Jurisprudência fixada no Ac. do STJ de fixação de jurisprudência n.º 9/2016 – com a qual concordamos –, o momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso.
Nestes autos, Aveiro, o crime foi praticado em 21/12/2016, a Sentença transitou em julgado em 08/11/2021, e a pena foi de 8 meses de prisão, substituída por 240 horas de trabalho a favor da comunidade.
No proc. n.º 444/13.8GASEI, Seia, o crime foi praticado em 28/08/2013, a Sentença transitou em julgado em 03/03/2017, e a pena foi de 8 meses de prisão, substituída por 240 dias de multa, pena substitutiva já cumprida e extinta.
Totalmente “esquecido” no recurso, temos ainda o proc. n.º 464/19.9GBAGD, Águeda, o crime foi praticado em 01/06/2019, a Sentença transitou em julgado em 03/12/2020, e a pena foi de 8 meses de prisão, substituída por 240 horas de trabalho a favor da comunidade, pena substitutiva também já cumprida e extinta.
De qualquer modo, a primeira decisão transitada em julgado é a de Seia, em 03/03/2017, verificando-se que o crime praticado nestes autos, Aveiro, o foi antes, em 21/12/2016 (o de Águeda foi praticado posteriormente àquele trânsito em julgado).
No entanto, apesar de se verificar um concurso superveniente entres aqueles dois crimes, as penas substitutivas aplicadas são de espécie (ou natureza) diferente, uma de prestação de trabalho a favor da comunidade, outra de multa, nunca havendo lugar à formação de um cúmulo jurídico, uma vez que – tal como decorre do art. 77.º, n.º3, do CP – penas de natureza diferente não se cumulam juridicamente entre si, mantendo a sua diferente natureza na pena unitária (que será no caso uma pena unitária mista).
Deste modo, o conhecimento desse concurso superveniente, seria inútil.
Talvez por isso, no recurso não se pretende que se efectue o cúmulo jurídico das penas substitutivas, o que se pretende é o cúmulo jurídico das duas penas principais de 8 meses de prisão, ignorando-se as penas que as substituíram.
As penas substitutivas são penas autónomas que não se confundem com as penas principais, e mantêm essa autonomia e eficácia jurídica, se não forem revogadas.
O pretendido apenas teria cabimento legal se as penas substitutivas tivessem sido revogadas, e houvesse lugar ao cumprimento das penas principais.
Ora, no caso, a pena substitutiva de multa já foi cumprida, encontrando-se extinta.
E a pena substitutiva de prestação de trabalho em favor da comunidade ainda não foi executada, pelo que incumprimento (ainda) se não se verifica da mesma, e muito menos revogação (que só pode ser decretada nas condições previstas no art.59.º, n.º2, do CP).
No recurso chama-se em apoio o art. 81.º, n.º2, do CP (desconto de pena anterior), mas esta disposição legal não tem aplicação num caso com a já caracterizada configuração do presente.
Com efeito, a sua aplicação tem lugar quando se verificar o cumprimento (total ou parcial) de uma pena que, em resultado do conhecimento do concurso real de crimes, vier posteriormente a ser substituída por outra, sendo descontada nesta a pena anterior, na medida em que já estiver cumprida (se a pena anterior e a posterior forem de diferente natureza – por exemplo multa e prisão – é na nova pena efectuado o desconto que parecer equitativo).
Ainda que se estivesse nessa fase, e não está, se acaso a pena de prestação de trabalho em favor da comunidade aplicada nestes autos viesse a ser revogado e ressurgisse a pena de prisão, não teria qualquer cabimento (nem sentido lógico), proceder na mesma ao “desconto” da pena principal privativa da liberdade aplicada no processo de Seia, nunca executada, por a pena que a substituiu ter sido cumprida.
Isso mesmo é realçado, e bem, na decisão recorrida, ao referir-se que “tal procedimento mostra-se inviabilizado quanto a pena de substituição já tenha sido declarada extinta, dado que passamos a estar perante penas de distinta natureza, não sendo possível descontar no cumprimento de uma pena de prisão uma pena de substituição”.
Em conclusão, o recurso mostra-se improcedente.
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Nos termos relatados, decide-se julgar improcedente o recurso, mantendo-se o Despacho recorrido.
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Sem custas.
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Porto, 17/05/2023
José Piedade
Horácio Correia Pinto
Moreira Ramos