Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2481/21.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DA LUZ SEABRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ACTIVIDADE PERIGOSA
APRECIAÇÃO CASUISTICA
Nº do Documento: RP202306272481/21.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O que determina a qualificação de uma actividade como perigosa é a sua especial aptidão/idoneidade para produzir danos, o que resultará da sua própria natureza ou da natureza dos meios empregues, o que deve ser apurado casuisticamente.
II - O afastamento da responsabilidade do beneficiário de actividade perigosa apenas ocorre quando fique demonstrado positivamente que a causa real do evento lesivo atina com um facto alheio ao complexo de meios que consubstancia o exercício da actividade perigosa em causa.
III - Não sendo feita esta prova positiva é de afirmar a responsabilidade do beneficiário/exequente da actividade perigosa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2481/21.0T8PRT.P1- APELAÇÃO
Origem: Juizo Local Cível do Porto – Juiz 5
Recorrentes: A... Unipessoal, Lda
A B..., SA
Recorrida: C...- Companhia de Seguros, SA
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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:
1. A. B..., SA intentou acção declarativa de condenação, sob processo comum, contra C...- Companhia de Seguros, SA e A... Unipessoal, Lda, peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €9.116,83 acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento e, subsidiariamente, para o caso de se demonstrar não existir seguro válido à data do acidente que garanta a cobertura dos danos reclamados, ser a 2ª Ré condenada naquele pedido.
Como fundamento da referida pretensão, alegou, em síntese que, no dia 11.01.2018 no Porto, o veículo por si segurado foi embatido por um veículo que fora transportado pelo camião e reboque propriedade da 2ª Ré e que estava a ser descarregado em plena via pública, o qual saiu disparado do reboque, sem condutor, atingindo com a sua parte traseira a parte frontal do veículo por si seguro, tendo a Autora indemnizado a proprietária dos danos sofridos por força do seguro de danos próprios, pretendendo ser ressarcida do valor da reparação que suportou por ter ficado sub-rogada nos direitos da sua segurada.
Mais alegou que desconhece o que causou o deslizamento do veículo que estava a ser descarregado, se o acidente se deveu à manobra de descarregamento ou a qualquer outra causa, designadamente ao mau acondicionamento do mesmo veículo no reboque, ignorando ainda que condições foram contratadas entre ambas as Rés aquando da celebração dos seguros, sendo inquestionável a responsabilidade do condutor do camião, mas como ambas recusam assumir tal responsabilidade, é legítima a dúvida sobre se existia ou não seguro que cubra tais danos e como tal demanda ambas as Rés.

2. Ambas as Rés deduziram contestação, separadamente.
2.1 A 1ª Ré aceitou a descrição do acidente apresentada pela Autora e alega que o acidente ocorreu em pleno trabalho de laboração, concretizando-se na manobra de descarga de veículos e que foi durante essa descarga, que estava a ser efectuada pelo condutor do camião com reboque, que preparou a estrutura do reboque para descarregar tal veículo e depois de ultimar os calços e desapertar as cintas da viatura, este inesperadamente destravou-se, deslizando pelo atrelado para a via pública, sem ser conduzido por ninguém e, foi embater no veículo seguro na Autora.
Concluiu que, por tais circunstâncias, o sinistro não pode ser caracterizado como um acidente de viação, não se mostrando preenchidos os pressupostos necessários ao acionamento do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, estando excluído do âmbito das coberturas desse seguro conforme al. c) do nº 4 do art. 14º do DL nº 291/2007 de 21/8 e das condições gerais da apólice que exclui quaisquer danos causados a terceiros em consequência de operações de carga e descarga.
Tal sinistro também não está abrangido pelas coberturas do contrato de seguro CR porque este só abrange os danos provocados aos veículos transportados e não aos veículos terceiros.
Atribuiu a responsabilidade do sinistro a negligência involuntária do motorista do veículo transportador, por não ter verificado se a viatura tinha o travão accionado e se estaria engatada a 1ª velocidade, antes de retirar as cintas de segurança e os calços da plataforma do reboque.
2.2 A 2ª Ré suscitou a excepção da ilegitimidade passiva, por o sinistro estar abrangido pelo contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado com a 1ª Ré, para além de excepção peremptória extintiva por a proprietária da viatura sinistrada ter recebido um valor pelos danos sofridos no acidente e ter-se declarado ressarcida e, sustentou que o sinistro ocorreu pelo deficiente acondicionamento de carga, estando essa cobertura contratada com a 1ª Ré.
Requereu o chamamento da proprietária do veículo seguro na Autora, para intervir como interveniente principal provocada, nos termos do art. 316º nº 3 al. a) do CPC e, deduziu pedido reconvencional contra essa interveniente, peticionando que a mesma seja condenada a restituir-lhe o montante que a Ré lhe pagou no valor de €1.626,00, fundamentando-o no enriquecimento sem causa.

3. A Autora apresentou respondeu à matéria de excepção e pugnou pela inadmissibilidade do chamamento e do pedido reconvencional

4. Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade da 2ª Ré, não foi admitida a intervenção principal provocada da proprietária do veículo de matrícula TI, bem como o pedido reconvencional contra a mesma deduzido, foi fixado o objecto do litígio, bem como os temas de prova, os quais não foram objecto de reclamação.

5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, nos seguintes termos:
“ Nos termos e com os fundamentos expostos decido:
1)- julgar improcedente, por não provada, a presente acção quanto à R. C... -Companhia de Seguros, S.A. e, em consequência, absolvo-a do pedido formulado pela A.;
2)- julgar procedente, por provada, a presente acção quanto à A... Unipessoal, Lda e, em consequência, condeno-a no pagamento à A. da quantia de € 9.116,83, (nove mil cento e dezasseis euros e oitenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento.
As custas serão suportadas pela R. A... Unipessoal, Lda (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Registe e notifique.”

6. Inconformada, a 2ª Ré/Apelante A... Unipessoal, Lda, interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
I. O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal da 1ª Instância, que, mediante sentença nos termos e com os fundamentos expostos decidiu julgar improcedente, por não provada, a presente ação quanto à R.C... –Companhia de Seguros, S.A. e, em consequência, absolveu-a do pedido formulado pela A. e, em consequência, decidiu julgar procedente, por provada, a presente ação quanto à 2.ª R. A... Unipessoal, Lda., condenando-a no pagamento à A. da quantia de € 9.116,83 (nove mil, cento e dezasseis euros e oitenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, á taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento;
II. Porém, salvo o devido respeito, manifesta-se na sentença recorrida um erro notório na apreciação e valoração da prova;
III. Assim, porque, conjugando-se a matéria de facto dada como provada e não provada, com a prova testemunhal produzida e gravada em audiência, impõe-se a alteração, parcial ou total, de determinados factos dados como provados e, a consideração como provados, factos que o douto tribunal a quo julgou como não provados, o que provocou um erro de julgamento na apreciação da matéria de facto;
IV. Concretizando, afirma a ora recorrente que ocorreu um erro de julgamento da matéria de facto dada como não provada, por ter sido indevidamente interpretada e valorada a prova testemunhal produzida;
V. Em recurso para reapreciação da matéria de facto obtida em audiência com prova gravada, deve o Venerando Tribunal ad quem proceder a uma valoração autónoma dos meios de prova utilizados pelo tribunal a quo, para fundamentar as respostas aos temas da prova, devendo servir-se não apenas dos elementos fornecidos pelas partes, mas também de todos os elementos constantes dos autos;
VI. Constando no art. 13.º das Alegações – com indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos gravados em audiência de discussão e julgamento - a prova que fundamenta e impõe decisão diversa daquela que foi tomada pelo tribunal a quo, quanto à matéria de facto provada, pode esta decisão ser alterada pelo douto Tribunal da Relação, o que doutamente se requer;
VII. Se é certo que a perceção dos depoimentos é melhor conseguida com a imediação das provas, também é certo que, caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto, não tenha qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo, ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas, a reapreciação das provas gravadas pelo douto Tribunal da Relação pode, neste caso, abalar a convicção colhida pelo Meritíssimo Juiz a quo, o que se entende ser de Justiça; desde logo
VIII. Quanto à matéria que ora se impugna, tendo em atenção a factualidade dada como não verificada nas alíneas e), f), g), h) e i) da douta sentença, importará de todo dizer-se que por tal matéria ter sido dada como não assente, é inquestionável ter-se verificado um manifesto e incontornável erro na apreciação e na valoração da prova;
IX. São estes factos, salvo o devido respeito, que corretamente dados como não provados, deveriam ter sido valorados de diferente forma:
“e) O veículo Opel ... deslizou pelo reboque para a rua porque se destravou;
f) Antes de o condutor do camião TF retirar as cintas de segurança e os calços da plataforma do reboque, o travão elétrico do veículo transportado, Opel ..., não havia sido acionado e a viatura não havia sido engatada;
h) O condutor do TF travou e engatou o veículo (carga) quando o carregou para cima do reboque;
i) O veículo Opel encontrava-se em perfeitas condições de funcionamento quando se deu o acidente referido em 1).” (itálico e negrito nosso)
IX. Tal como detalhadamente demonstrado nos arts. 15º a 30º das Alegações, do confronto entre as declarações dos Srs. AA, BB e daa Dra. CC, cujas passagens se encontram identificadas nos art. 13.º, pontos I a III, deve o Venerando Tribunal ad quem reapreciar a prova gravada e, em conformidade, julgar inequivocamente provado que os danos causados ao veículo segurado pela A., não foram consequência da operação de descarga de veículos automóveis do reboque acoplado ao veículo pesado TF que estava a ser levada a cabo pelo condutor deste veículo.
X. Desde logo, porque se extraí de todos os depoimentos das suprarreferidas testemunhas, que o condutor, por estar fora do veículo pesado de transportes a efetuar a remoção das cintas de segurança, não estaria a realizar a descarga do veículo, mas sim a preparar-se para efetuar tal operação, momento em que, súbita e inopinadamente, o veículo transportado (carga) desliza pelo reboque porta cargas em que se encontrava.
XI. Em consequência, impõe-se a alteração da factualidade provada a 40) e 41), da douta sentença de que ora se recorre, nos seguintes termos: Ponto 40): “O acidente ocorreu durante a manobra preparatória da descarga de veículos que estava a ser efetuada pelo condutor do TF”. Ponto 41): “Foi durante as manobras preparatórias da descarga que, inesperadamente, o Opel ... deslizou do atrelado para a via pública e foi embater no TI”, e ainda,
A alteração da factualidade não provada a al. g) supra indicada, para factualidade provada, nos seguintes termos:
g) A causa do acidente ocorrido foi um deficiente acondicionamento da carga
XII. Ao contrário daquela que foi a motivação do douto tribunal a quo, e do raciocínio feito operar pelo julgador, ao determinar que “ (…)na impossibilidade de confirmar qual das versões referidas (sobre a causa do deslize do veículo Opel) é a verdadeira (ou seja, se o deslize se deveu a uma avaria do Opel ou ao facto de não estar travado e engatado), o tribunal não teve outra alternativa senão julgar não provados os factos descritos nas als. e) e i),” o que, por força dessa valoração, condicionou a sua decisão de que“ os danos causados no veículo Renault ..., seguro na A., foram consequência da operação de descarga de veículos automóveis do reboque acoplado ao veículo pesado TF que estava a ser levada a cabo pelo condutor deste veículo”,
XIII. Ora, considera a aqui recorrente que, perante a factualidade que ora se pretende que seja por provada e interpretando aquela que o douto tribunal a quo julgou não provada, desconhecendo-se a causa que terá levado ao deslizamento do veículo transportado, mas provado que se encontra que não terá ocorrido durante a operação de carga e descarga, e dessa forma, não se demonstrando ter sido causa adequada ao facto gerador do acidente,
XIV. Deverão V.Exas. Venerandos Desembargadores lançar mão das presunções naturais, utilizadas e inferidas das regras da lógica e da experiência, para concluir que a causa do acidente terá sido, efetivamente, o mau acondicionamento da carga, e dessa, deverão doutamente julgar
A) Improcedente por não provada a presente ação quanto à 2.ª R., ora recorrente e, em consequência, condenar a sua Seguradora, 1.ª R. C... – Companhia de seguros, S.A. no pagamento à A. da quantia de € 9.116,83 (nove mil, cento e dezasseis euros e oitenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, á taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento.
XV. Em alternativa, resultou ainda provado que o condutor do veículo TF, que efetuava o transporte do veículo que deslizou (carga), empregou todas as providências exigíveis pelas circunstâncias, cumprindo as regras e recomendações aplicáveis para a referida operação, sendo que, o deslize do veículo transportado, terá ocorrido por motivos desconhecidos, não enquadráveis em erro humano do condutor, afastando-se a presunção de culpa que sobre a ora recorrente recaí.
XVI. Pugna-se assim pela prolação de acórdão que, emanado dos Venerandos Juízes Desembargadores, revogue a decisão recorrida, e, em consequência, determine a alteração das respostas à matéria de facto nos termos sobreditos, julgando totalmente procedente a contestação apresentada pela Ré/Recorrente.

7. A Autora/Apelante apresentou resposta às alegações da 2ª Ré, ampliou o objecto do recurso e, para o caso de se entender que não é caso de ampliação de recurso, interpõe recurso subordinado, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
Resposta ao recurso interposto pela recorrente
1. Resulta da Motivação constante da douta sentença recorrida que a decisão em crise foi tomada considerando o conjunto global da prova produzida em audiência, analisada criticamente.
2. Da conjugação da prova produzida resulta ter o acidente ocorrido em consequência de operação de descarga de veículos que estava a ser efectuada pelo condutor do TF, sendo neste particular praticamente unânime o depoimento das testemunhas CC, AA e BB no que se refere à dinâmica dada como provada em 40), 41) e 42) da douta sentença recorrida.
3. Não merece assim censura o julgamento da matéria de facto da douta sentença recorrida, da qual resulta ter o acidente ocorrido durante uma operação de descarga.
4. A actividade exercida pela recorrente insere-se no conceito de actividade perigosa para feitos de aplicação do disposto no nº 2 do art.º 493º do CCivil, o que aliás nem sequer é colocado em casa pela recorrente.
5. Da matéria dada como provada referente à dinâmica do acidente não fica demonstrado ter o condutor do TF empregue todos os meios ou realizado todas as providências com vista a prevenir o acidente.
6. A recorrente não logrou assim ilidir a presunção de culpa que sobre si recai.
7. O recurso interposto pela recorrente deverá improceder na sua totalidade.
Subsidiariamente, e caso assim se não entenda,
Ampliação do âmbito do recurso (art.º 636º do CPCivil)
8. Na eventualidade de vir a ser julgado procedente o recurso interposto pela recorrente na parte em que defende ter o acidente ocorrido em virtude de deficiente acondicionamento da carga, então deverá a co-ré C... ser condenada no pedido, formulado a título principal, pela autora.
9. Da matéria referente à dinâmica do acidente resulta que os danos provocados no veículo TI resultaram da circunstância de o veículo Opel (a carga) ter saído “disparado” do reboque acoplado ao TF, deslizando pelo reboque e invadindo a faixa de rodagem da Rua ..., onde foi embater no TI.
10. Resulta da mesma matéria que o condutor do TI nada pôde fazer para evitar o acidente e nenhuma responsabilidade pela sua produção lhe pode ser assacada.
11. A decidir-se, na procedência do recurso nessa parte interposto pela recorrente, ter o acidente ocorrido por deficiente acondicionamento da carga, a culpa na sua produção é de imputar, em exclusivo, ao condutor do TF, por infracção ao disposto no nº 2 do art.º 3º e alínea b), do nº 3, do art.º 56º, ambos do CEstrada – culpa que, aliás, se presume, nos termos do disposto no nº 3 do art.º 503º do CCivil, porquanto e como decorre de 23) dos factos provados da douta sentença recorrida Na altura do embate, o condutor do TF desempenhava funções por conta, no interesse e sob as ordens da 2ª R., para quem, enquanto seu funcionário, prestava serviço remunerado.
12. À data do acidente a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação do TF e reboques acoplados, mormente o reboque da marca ... e com a matrícula SE-...., encontrava-se transferida para a co-ré C..., por contrato de seguro titulado pela apólice nº ....
13. De tudo resultando a obrigação da co-ré C... de proceder ao pagamento à recorrida da quantia de € 9.116,83, acrescida dos juros peticionados, já que o contrato de seguro titulado pela apólice nº ... se encontrava válido e em vigor à data do acidente e o acidente não está excluído das suas garantias, procedendo assim o pedido principal formulado pela recorrida.
Para o caso de se considerar não ser a ampliação do âmbito recurso o meio processual próprio para a recorrida prevenir a eventual procedência do recurso interposto pela recorrente,
Conclusões do recurso subordinado interposto pela recorrida:
1. a eventual procedência do recurso interposto pela recorrente principal, resultará que a causa do acidente de que tratam os presentes autos foi o deficiente acondicionamento da carga, não tendo o acidente ocorrido no decurso de operação de descarga.
2. Neste caso, deverá a co-ré C... ser condenada no pedido, formulado a título principal, pela autora. Com efeito,
3. Da matéria referente à dinâmica do acidente resulta que os danos provocados no veículo TI decorreram da circunstância de o veículo Opel (a carga)ter saído“disparado” do reboque acoplado ao TF, deslizando pelo reboque e invadindo a faixa de rodagem da Rua ..., onde foi embater no TI.
4. Resulta da mesma matéria que o condutor do TI nada pôde fazer para evitar o acidente e nenhuma responsabilidade pela sua produção lhe pode ser assacada.
5. A decidir-se, na procedência do recurso principal interposto pela recorrente, ter o acidente ocorrido por deficiente acondicionamento da carga, a culpa na sua produção é de imputar, em exclusivo, ao condutor do TF, por infracção ao disposto no nº 2 do art.º 3º e alínea b), do nº 3, do art.º 56º, ambos do CEstrada – culpa que, aliás, se presume, nos termos do disposto no nº 3 do art.º 503º do CCivil, porquanto e como decorre de 23) dos factos provados da douta sentença recorrida Na altura do embate, o condutor do TF desempenhava funções por conta, no interesse e sob as ordens da 2ª R., para quem, enquanto seu funcionário, prestava serviço remunerado.
6. À data do acidente a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação do TF e reboques acoplados, mormente o reboque da marca ... e com a matrícula SE-...., encontrava-se transferida para a co-ré C..., por contrato de seguro titulado pela apólice nº ....
7. De tudo resultando a obrigação da co-ré C... de proceder ao pagamento à recorrida da quantia de € 9.116,83, acrescida dos juros peticionados, já que o contrato de seguro titulado pela apólice nº ... se encontrava válido e em vigor à data do acidente e o acidente não está excluído das suas garantias, procedendo assim o pedido principal formulado pela recorrida.
8. Ao assim não se decidir, fez-se na douta sentença recorrida incorrecta interpretação dos factos e menos acertada aplicação e interpretação do disposto no art.º 607º do CPCivil, nos art.ºs 483º e 503º, ambos do CCivil, e nos art.ºs 3º, nº 2 e alínea b), do nº 3, do art.º 56º, ambos do CEstrada.
Concluiu, pedindo que seja julgado improcedente o recurso interposto pela recorrente, mantendo-se integralmente a douta decisão recorrida.
Subsidiariamente, na procedência do recurso interposto pela recorrente, que a co-ré C... seja condenada no pedido formulado a título principal pela autora, nos termos do alegado em sede de ampliação do âmbito do recurso, ao abrigo do disposto no art.º 636º do CPCivil, requerida pela autora.
Ainda, subsidiariamente, para o caso de se considerar não ser a ampliação do âmbito recurso o meio processual próprio para a recorrida prevenir a eventual procedência do recurso interposto pela recorrente,
Na procedência das conclusões do recurso subordinado interposto pela autora, seja a co-ré C... condenada no pedido principal formulado na acção.

8. A 1ª Ré ofereceu contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado.

9. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. (1).
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Questão prévia:
A Apelada/Autora, em resposta às alegações da Apelante/2ª Ré veio requerer a ampliação do objecto do recurso, fazendo-o “na eventualidade de vir a ser julgado procedente o recurso interposto pela recorrente na parte em que defende ter o acidente ocorrido em virtude de deficiente acondicionamento da carga, então deverá a co-ré C... ser condenada no pedido, formulado a título principal, pela autora” e, apenas para o caso de “se considerar não ser a ampliação do âmbito recurso o meio processual próprio para a recorrida prevenir a eventual procedência do recurso interposto pela recorrente” interpõe recurso subordinado peticionando a condenação da 1ª Ré.
Cremos que a pretensão da Apelada/Autora cai no âmbito da ampliação do âmbito do recurso, previsto no art. 636º nº 1 do CPC, sendo que há pluralidade de fundamentos da acção, apresentados na petição inicial, tendentes à pretendida condenação das duas Rés e, a Apelada/Autora decaiu na parte da responsabilidade imputada à 1ª Ré seguradora, pelo que, tendo sido apresentado nas contra-alegações, a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação, será essa matéria conhecida em sede de ampliação do âmbito do recurso, caso se suscite essa necessidade.

As questões a decidir no presente recurso, principal e subordinado, são as seguintes:
1ª Questão- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
2ª Questão- Cobertura do sinistro pelo contrato de seguro celebrado com a 1ª Ré.
3ª Questão- Adopção pela 2ª Ré de todas as providências exigíveis pelas circunstâncias para prevenir os danos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1) No dia 11 de Janeiro de 2018, pelas 09h30m, em frente ao número de polícia ... da Rua ..., da união de freguesias ... e ..., desta cidade do Porto, ocorreu um acidente que envolveu o veículo ligeiro de passageiros da marca ..., modelo ..., de cor cinzenta, com a matrícula ..-TI-.., propriedade de CC e na altura conduzido por AA;
2) No local identificado em 1), a faixa de rodagem é composta por duas vias de trânsito separadas entre si por linha longitudinal descontínua (marca M2 do Regulamento de Sinalização de Trânsito), sendo ladeada por zonas de estacionamento, devidamente marcadas no pavimento, de ambos os lados;
3) A Rua ... desenvolve-se em recta e a totalidade da faixa de rodagem mede 6,20m metros de largura (cada via de trânsito mede 3,10m);
4) O trânsito é permitido nos dois sentidos de marcha e o piso, em betuminoso, encontrava-se em bom estado de conservação na altura do acidente;
5) Atento o sentido de marcha Sul/Norte (marginal/Rua ...), a Rua ... apresenta um aclive acentuado;
6) No dia e hora referidos em 1), o condutor do TI circulava no sentido Sul/Norte da Rua ...;
7) Fazia-o com atenção ao trânsito e pela via de trânsito da direita, atento o seu sentido de marcha;
8) Ao aproximar-se do número de polícia ..., que corresponde às instalações da sociedade comercial D..., as quais, atento o sentido de marcha do TI, se localizam no lado esquerdo da Rua ..., o condutor do TI viu-se na necessidade de imobilizar o veículo que conduzia;
9) Naquele local e a ocupar a totalidade da via de trânsito por onde o TI circulava, encontrava-se imobilizado o veículo pesado de mercadorias da marca ..., modelo ..., de cor azul, com a matrícula ..-TF-.. (adiante abreviadamente designado por TF), veículo próprio para o transporte de veículo automóveis ligeiros;
10) O TF tinha atrelado um reboque porta carros da marca ..., com a matrícula SE-...., sendo que o conjunto TF/reboque ocupava a totalidade da largura da via de trânsito por onde circulava o TI;
11) O TF e o reboque SE-.... eram na altura propriedade da 2.ª R.;
12) O SE-.... encontrava-se carregado com veículos automóveis ligeiros seguros por cintas de retenção;
13) O condutor do TF, de nome BB, encontrava-se a proceder à descarga dos veículos automóveis ligeiros que se encontravam no SE-...., o que fazia movimentando os sobreditos veículos em marcha-atrás;
14) Os veículos que se encontravam no reboque estavam posicionados com a parte da frente virada para norte, pelo que só a manobra de marcha-atrás possibilitava a saída dos mesmos do reboque;
15) O condutor do TI imobilizou o veículo que conduzia na via de trânsito por onde circulava, uma vez que em sentido contrário ao seu e pela via de trânsito da esquerda, atento o seu sentido de marcha, processava-se trânsito com alguma intensidade, o que impedia o condutor do TI de contornar o TF e o reboque;
16) O condutor do TI imobilizou, assim, o veículo que conduzia à retaguarda do TF e do reboque, onde aguardou a oportunidade de prosseguir a sua marcha;
17) Quando o condutor do TF se encontrava em cima do reboque SE-.... em trabalhos de remoção do veículo da marca ..., modelo ..., com o chassis nº ..., sem matrícula, que se destinava a ser entregue nas instalações da firma E..., S.A., localizadas junto ao local, o Opel, súbita e inopinadamente, deslizou do reboque, de onde saiu “disparado” e, sem ninguém no seu comando e no seu interior (o condutor do TF realizava os sobreditos trabalhos de remoção do Opel no exterior do veículo), invadiu a faixa de rodagem da Rua ...;
18) Sempre desgovernado, o Opel ocupou a via de trânsito da direita da Rua ..., atento o sentido de marcha Sul/Norte, isto é, aquela onde o TI se encontrava;
19) Após, o Opel acabou por embater com a parte traseira na parte frontal do TI;
20) Nessa altura o condutor do TI preparava-se para transpor o conjunto TF/reboque, uma vez que o trânsito que se processava na via contrária e em sentido oposto havia entretanto diminuído;
21) Porém, perante o inesperado da situação e com a movimentação do Opel, o condutor do TI não teve tempo nem qualquer hipótese de abandonar a via de trânsito da direita, atento o seu sentido de marcha, nem de evitar a colisão;
22) O embate ocorreu na via de trânsito da direita, atento o sentido de marcha do TI e ambos os veículos, Opel e TI, ficaram imobilizados praticamente no local do embate;
23) Na altura do embate, o condutor do TF desempenhava funções por conta, no interesse e sob as ordens da 2.ª R., para quem, enquanto seu funcionário, prestava serviço remunerado;
24)À data dos factos, a proprietária do TI tinha transferido a responsabilidade civil pelos danos inerentes à circulação deste veículo para a A. (na altura denominada de F..., S.A. e, tal como actualmente, detentora, entre outras, da marca G...), mediante contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice nº ...;
25) Contrato que se regia pelas Condições Particulares da apólice e pelas Condições Gerais juntas com a petição inicial como documentos n.ºs 3 e 4, respectivamente, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
26) E que, para além do mais, garantia a cobertura de danos próprios do TI, nomeadamente e para o que aqui importa a cobertura de choque, colisão e capotamento, com o limite de capital de € 24.650,0, sem franquia, tudo conforme documento n.º 3 referido;
27) Após receber a participação do sinistro acima descrito, a A. procedeu às respectivas averiguações e consequente quantificação dos danos sofridos pelo TI;
28) Do acidente em crise resultaram para o TI diversos danos na sua parte da frente e interior, designadamente no pára-choques frontal, radiador, ar condicionado, cooler, condensador, protector frontal, nos cintos de segurança e respectivos pré-tensores, nos airbags frontais (que dispararam), no volante e sensores;
29) A reparação dos danos, incluindo material aplicado e mão-de-obra foi orçamentada em € 9.116,83 (IVA incluído) por um perito da A. e pela oficina H..., Lda, localizada na Rua ..., ... Porto;
30) O TI foi reparado na mesma oficina H... e o custo da reparação ascendeu ao valor orçamentado, isto é, a € 9.116,83 (IVA incluído);
31) A A. assumiu o pagamento da reparação do TI, tendo procedido em 29 de Março de 2018 ao pagamento à oficina acima identificada daquela quantia de € 9.116,83;
32) O valor total pago se encontra dividido em duas parcelas, respectivamente de € 1.328,40 e € 7.788,43, e o pagamento em causa está identificado como n.º Sinistro ...;
33) À data do acidente e para além de um seguro CMR (Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário) contratado com a 1.ª R., a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergente da circulação do TF e reboques acoplados, mormente o reboque da marca ... e com a matrícula SE-...., encontrava-se transferida para a R. C... – Companhia de Seguros, S.A., por contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice nº ...;
34) Contactada que foi a 1.ª R., veio esta informar a A. de que o acidente se encontrava excluído das garantias do contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., por ter sido decorrente de operação de carga e descarga;
35) A A. interpelou ambas as RR. para o pagamento da sobredita quantia mas nada recebeu até à presente data;
36) Para além da cobertura da responsabilidade civil obrigatória, o contrato de seguro aludido em 33), também garante a cobertura de danos próprios do referido veículo, designadamente, choque, colisão ou capotamento, furto ou roubo, incêndio raio e explosão, fenómenos da natureza, actos maliciosos, quebra isolada de vidros e assistência em viagem;
37) Por contrato de seguro de responsabilidade civil do transportador rodoviário, com o número de apólice ..., a sociedade comercial A..., Unipessoal, Lda, transferiu para a 1.ª R. a responsabilidade decorrente do transporte de mercadorias, contrato que se encontrava em vigor na data do sinistro referido em 1);
38) O contrato de seguro CR ... tem como objecto de seguro a carga geral, viaturas novas e usadas, e garante apenas os danos causados às viaturas transportadas, decorrentes de acidente de viação;
39) De acordo com o que consta da apólice, e no que diz respeito a viaturas novas, a cobertura reporta-se a: “Responsabilidade do segurado que, nos termos da Convenção CMR e do presente contrato, lhe seja imputável, na qualidade de transportador rodoviário internacional de mercadorias, directamente resultantes de acidente de viação, incêndio, incluindo roubo, furto, extravio, falta de entrega, quebra, amolgadelas e riscos”;
40) O acidente ocorreu durante a descarga de veículos que estava a ser efectuada pelo condutor do TF;
41) Foi durante essa descarga que, inesperadamente, o Opel ... deslizou do atrelado para a via pública e foi embater no TI;
42) O condutor do TF preparou a estrutura do reboque para descarregar o veículo Opel ... e depois de ultimar os calços e desapertar as cintas da viatura, esta deslizou pelo reboque, para a rua, embatendo no TI;
43) De acordo com o artigo 5.º, n.º 4, al. c) das condições gerais da apólice do seguro referido em 33) (3.º anexo), excluem-se da garantia obrigatória do seguro quaisquer danos causados a terceiros em consequência de operações de carga e descarga;
44) Em virtude de a R. C... ter declinado o accionamento do seguro por carta data de 16 de Fevereiro de 2018, a gerente da 2.ª R., Sra. DD, e o condutor do veículo TI, Sr. AA, comunicaram entre si, via e-mail, com vista à resolução do sinistro;
45) No dia 25 de Fevereiro de 2018, o Sr. AA enviou um e-mail à gerente da 2.ª R. com o seguinte teor: “D DD, O meu mediador de seguros informou-me que o agravamento do seguro é de € 235 durante 6 anos. A este valor acresce serviço de táxi (15€), aluguer de viatura (51,39€) e o blusão (150€) conforme consta na respectiva participação à companhia C.... Se pretender esclarecer alguma dúvida com o meu mediador diga-me que dou-lhe o contacto do mesmo. Em anexo documento de despesas. Com os meus melhores cumprimentos, ficando a aguardar notícias, AA”;
46) A gerente da 2.ª R., por seu turno, após trocas de correspondências com o condutor do veículo TI aceitou proceder ao pagamento dos montantes apresentados;
47) Tendo enviado um e-mail, no dia 05 de Março de 2018, nos seguintes termos: “Bom dia Sr. AA, Serve a presente para informar de que estou disposta a pagar o valor que me enviou, mas agradeço que me envie uma declaração a descrever que a A... paga os danos causados no acidente no dia em que sofreu os danos. Para efectuar o pagamento agradeço o envio da morada para que possa enviar o cheque e o nome do lesado para que o cheque vá à ordem do mesmo. Aguardo uma resposta. Sem outro assunto de momento subscrevo-me. Com os melhores cumprimentos, DD”;
48) Nesse seguimento, a gerente da 2.ª R. procedeu à entrega da quantia total de € 1.626,00 (mil, seiscentos e vinte e seis euros), através do cheque bancário nº ...;
49) O valor entregue pela gerente da 2.ª R. englobava o agravamento do seguro do veículo TI (€235,00 x 6 anos), o valor do blusão danificado do condutor do referido veículo (€150,00) e as quantias de €15,00 e € 51,00, referentes a despesas de serviço de táxi e aluguer de viatura, respectivamente;
50) Após envio do identificado cheque, a proprietária do veículo TI, Sra. CC, elaborou e assinou pelo seu punho uma declaração, datada do dia 05 de Março de 2018, nos termos da qual referiu que a empresa A..., Unipessoal, Lda., liquidou com cheque bancário nº ... do banco Banco 1... os prejuízos sofridos no acidente com a minha viatura ..-TI-.. ocorrido no dia 11 de Janeiro de 2018, no valor total de € 1.626,00, referentes a 6 anos de agravamento de seguro (€235 x 6 = € 1.410,00), €150 do blusão danificado, serviço de táxi (€15) e aluguer de viatura (€51);
51) No âmbito do contrato de seguro do ramo automóvel mencionado em 33), ambas as RR. estipularam, como cláusulas particulares referentes ao veículo Camião de Aluguer, com a matrícula ..-TF-.., da marca Scania ..., o seguinte “Direito de Regresso - Responsabilidade Civil Carga: Pela presente cláusula o Segurador renuncia, até ao limite do capital mínimo, em cada momento em vigor, para o Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, ao direito de regresso contra o responsável civil por danos causados a terceiros em virtude de queda de carga, decorrente de deficiência de acondicionamento da mesma no veículo seguro.”

2. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
a) O aclive que a Rua ... apresenta, atento o sentido de marcha Sul/Norte (marginal/Rua ...), é de 12%;
b) O reboque e o veículo TF referido em 10) mediam, no seu conjunto, cerca de 15 metros de comprimento;
c) O condutor do TI imobilizou o veículo que conduzia a cerca de 7 metros de distância do reboque;
d) O Opel circulou pela via de trânsito referida em 1);
e) O veículo Opel ... deslizou pelo reboque para a rua porque se destravou;
f) Antes de o condutor do camião TF retirar as cintas de segurança e os calços da plataforma do reboque, o travão eléctrico do veículo transportado, Opel ..., não havia sido accionado e a viatura não havia sido engatada;
g) A causa do acidente ocorrido foi um deficiente acondicionamento da carga;
h) O condutor do veículo TF travou e engatou o veículo (carga) quando o carregou para cima do reboque;
i) O veículo Opel encontrava-se em perfeitas condições de funcionamento quando se deu o acidente referido em 1);
j) À data da declaração assinada pela proprietária do veículo TI, esta tinha conhecimento do valor orçamentado para a reparação da sua viatura.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
1ª Questão- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”(2)
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
No âmbito do recurso de impugnação da decisão de facto, o Tribunal da Relação pode e deve realizar uma efectiva reapreciação da prova produzida, levando em consideração, não só os meios de prova indicados no recurso, como outros que relevem para a decisão relativa aos pontos da matéria de facto impugnada, com vista a formar a sua própria convicção, mas só o deve efectuar se da fundamentação vertida na sentença recorrida for evidente algum erro de apreciação dos factos controvertidos à luz das regras de experiência ou de prova vinculada.
Não podemos escamotear a importância extrema do princípio da imediação da prova, estando o Juiz de 1ª instância, sem dúvida, melhor posicionado para ter plena percepção da forma como os depoimentos são prestados, as hesitações e linguagem corporal das testemunhas e partes, dificilmente percetível em gravações exclusivamente sonoras, para mais quando o Juiz da Instância Superior se vê limitado a ouvir os depoimentos prestados sem poder interrogar de modo a esclarecer-se convenientemente.
Incumbe aos recorrentes especificar os meios de prova que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e, não apenas os meios de prova que podiam ter sido tomados em consideração no sentido decisório por si preconizado, uma vez que a parte terá sempre uma percepção pessoal e interessada dos meios de prova que invoca em abono do seu ponto de vista, enquanto que o tribunal deverá fazer uma análise articulada de todos os meios de prova produzidos perante si, conjugando-os com as regras de experiência e sempre apreciando livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
No processo de formação da sua convicção, o tribunal pode socorrer-se do depoimento testemunhal para prova de determinados factos e, apesar disso não atender ao mesmo depoimento relativamente a outros factos em que esse depoimento não terá sido suficiente para os demonstrar, desde que a livre convicção do tribunal a esse propósito não se mostre arbitrária, uma vez que o tribunal não se limita a ouvir e aceitar tudo o que as testemunhas dizem, devendo fazer uma triagem daquilo que é o conhecimento pessoal da testemunha, do que é mero conhecimento indirecto, conjugando-o com a demais prova documental e com as regras de experiência comum.
Quanto aos concretos pontos de facto que a Apelante considera incorrectamente julgados, alegou-os a Apelante, sob as Conclusões VIII a XI.
Porém, fê-lo de uma forma manifestamente confusa, trazendo à colação factos que acaba, em parte, por não impugnar nessas conclusões de recurso, contrariamente ao que se extrairia do corpo das alegações, de que são exemplo os arts. 10º a 30º das alegações e, misturando a impugnação com manifesto inconformismo com a valoração da prova realizada pelo tribunal a quo, fazendo expressa menção a um “manifesto e incontornável erro na apreciação e na valoração da prova”.
São as conclusões das alegações de recurso que estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, de modo que, na impugnação da matéria de facto devem constar das conclusões de recurso necessariamente os concretos pontos de facto impugnados e a decisão alternativa que o recorrente propõe para cada um dos factos impugnados, admitindo-se, tal como alguma jurisprudência e doutrina, que a análise pormenorizada dos concretos meios probatórios possam constar apenas do corpo das alegações propriamente ditas, tal como as passagens das gravações ou transcrições dos depoimentos de que o recorrente se socorre.
Já Abrantes Geraldes ensina, de forma lapidar, “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.
Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”(3)
E, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, contrariamente ao recurso da matéria de direito (art. 639º nº 3 do CPC), não existe a faculdade de ser prolatado despacho de aperfeiçoamento, não podendo o efeito da rejeição previsto no art. 640º do CPC ser precedido de convite ao aperfeiçoamento.(4)

Neste sentido Ac STJ de 24/3/2021, em cujo sumário se pode ler: “Para efeitos do disposto no artigo 640.º do CPC, de acordo com a abundante jurisprudência do STJ, importa distinguir, de um lado, entre as exigências da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados (art.º 640.º, n.º 1, al. a)), da especificação dos concretos meios probatórios convocados (art.º 640.º, n.º 1, al. b)) e da indicação da decisão a proferir (art.º 640.º, n.º 1, al. c)) - que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto - e, de outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados (art.º 640.º, n.º 2, al. a)) - que visa facilitar o acesso aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação.
Enquanto a inobservância das primeiras (art.º 640.º, n.º 1, als. a), b) e c)) implica a rejeição imediata do recurso na parte infirmada, o incumprimento ou o cumprimento deficiente da segunda (art.º 640.º, n.º 2, al. a)) apenas acarreta a rejeição nos casos em que dificultem, gravemente, a análise pelo tribunal de recurso e/ou o exercício do contraditório pela outra parte.”(5)
Tal como exemplarmente sintetiza o recente Ac STJ de 19/1/2023, “Entre os corolários do ónus de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consagrado no nº 1 do art. 640ºdo Código de processo Civil, está o de que o recorrente deve sempre indicar nas conclusões de recurso de apelação os concretos pontos de facto que julgou incorrectamente julgados.
(…)Em decisões sobre o modo de exercício dos poderes previstos no art. 640.º do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal de Justiça tem distinguido um ónus primário e um ónus secundário — o ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.º 1, e o ónus secundário de facilitação do acesso “aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida”, consagrado no n.º 2 [4].
(…) o ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.º 1, analisa-se ou decompõe-se em três:
Em primeiro lugar, “[o] recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que julgou incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões” [5]. Em segundo lugar, “deve […] especificar, na motivação, os meios de prova que constam do processo ou que nele tenham sido registados que […] determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos” [6]. Em terceiro lugar, deve indicar, na motivação, “a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” [7].
Se as conclusões de recurso balizam o conhecimento do tribunal ad quem, compreende-se a exigência de nelas constarem os concretos pontos de facto impugnados, sob pena de poder ser apreciado algum ponto de facto com o qual a parte recorrente se conformou, desvirtuando-se o principio da auto-responsabilidade das partes.”(6)
Por conseguinte, a especificação dos concretos pontos de facto cuja impugnação pretende o recorrente, deve constar das conclusões recursórias, sob pena de rejeição imediata do recurso da impugnação da matéria de facto, por incumprimento do ónus previsto no art. 640º do CPC ( omissão absoluta).(7)
A Apelante apesar de no corpo das alegações ter feito alusão às alíneas e), f), g), h) e i) dos factos não provados, insurgindo-se por tal matéria não ter sido dada como assente- arts. 10º e 11º das alegações- de forma contraditória nos arts. 15º, 16º, 18º, 19º acaba por admitir expressamente que o tribunal decidiu bem acertadamente, os factos vertidos nas alíneas e), f), h) e i) e, acaba por restringir a impugnação quanto aos factos não provados à alínea g), sustentando que se impõe a alteração de julgamento deste concreto facto para facto julgado por provado ( art. 17º das alegações) , tendo vertido essa impugnação da alínea g) dos factos não provados na Conclusão XI.
Quanto aos factos provados, alegou a Apelante nos arts. 12º e 25ºdo corpo das alegações que foram dados por provados factos que não o poderiam ter sido, ainda que total ou parcialmente, fazendo expressa alusão aos pontos 17, 33, 40, 41, 42 e 43 dos factos provados, porém, nas conclusões de recurso nenhuma referência foi feita à impugnação dos pontos 17, 33, 42 e 43 dos factos provados, estando a impugnação restringida aos pontos 40 e 41 dos factos provados, tal como fez constar da Conclusão XI.
Deste modo, este Tribunal limitar-se-á a conhecer dos pontos de facto expressamente impugnados nas conclusões, que, em resumo, são os seguintes:
-pontos 40 e 41 dos factos provados;
-alínea g) dos factos não provados.
Quanto aos mais, a Apelante fez também constar qual a decisão que em seu entender deve ser tomada relativamente a cada um dos factos impugnados e, quanto aos concretos meios de prova em que alicerça a impugnação apresentada, remeteu para o ponto 13 do corpo das alegações, socorrendo-se dos depoimentos das testemunhas AA, BB e CC, cumprindo minimamente o ónus previsto no art. 640º nº 1 al. b) e c) do CPC.
Também se deverá ter presente que a alteração pretendida pelo Apelante terá de ter algum efeito últil na sentença final, no sentido de permitir reverter a sentença recorrida, à luz das várias soluções plausíveis de direito, porquanto a impugnação da decisão de facto não constitui um fim em si mesmo, antes se mostra admitida enquanto meio ou instrumento que visa permitir à parte que impugna a decisão de facto a revogação/alteração da decisão final, ou seja, como meio que visa a demonstração de um determinado direito que a sentença não concedeu.
Assim sendo, a impugnação da decisão de facto é de rejeitar quando, em razão das circunstâncias específicas do caso submetido a julgamento, em razão das regras do ónus da prova ou do regime jurídico aplicável, a eventual alteração da decisão de facto não assume relevo para a decisão a proferir, pois que, em tal circunstancialismo, a respectiva actividade jurisdicional revelar-se-ia como inconsequente ou inútil.(8)
Como veremos, a limitação dos pontos de facto impugnados nas conclusões praticamente acarretou a inutilidade da impugnação, porquanto grande parte dos pontos de facto que não foram impugnados, por si só, contrariam o efeito que da impugnação a Apelante pretendia retirar.
Senão vejamos.
Para melhor compreensão da impugnação apresentada pela Apelante, elenca-se, por ordem numérica, cada um dos factos impugnados, seguido do que pretende a Apelante relativamente a cada um deles, e quais os meios probatórios invocados para o efeito:
1.1 Factos provados impugnados:
-Ponto 40 dos factos factos provados:
40) O acidente ocorreu durante a descarga de veículos que estava a ser efectuada pelo condutor do TF.”
A Apelante pretende que se altere a redação deste ponto de facto, passando a ter a seguinte redação:
O acidente ocorreu durante a manobra preparatória da descarga de veículos que estava a ser efectuada pelo condutor do TF.
Este ponto de facto não pode ser desenquadrado dos demais que dizem respeito à manobra de descarga que estava a ser ultimada quando o veículo causador do sinistro deslizou do reboque onde fora transportado.
A esse propósito consta já do ponto 13 dos factos provados, o qual não foi impugnado, que “o condutor do TF encontrava-se a proceder à descarga dos veículos automóveis ligeiros que se encontravam no SE (reboque porta-carros), o que fazia movimentando os sobreditos veículos em marcha-atrás”, assim como consta do ponto 17 dos factos provados (não correctamente impugnado nas conclusões), que “quando o condutor do TF se encontrava em cima do reboque SE em trabalhos de remoção do veículo Opel (…), o Opel, súbita e inopinadamente, deslizou do reboque, de onde saiu “disparado” e sem ninguém no seu comando e no seu interior (o condutor do TF realizava os sobreditos trabalhos de remoção do Opel no exterior do veículo), invadiu a faixa de rodagem da Rua ...”, tal como consta do ponto 42 dos factos provados que “ o condutor do TF preparou a estrutura do reboque para descarregar o veículo Opel ... e depois de ultimar os calços e desapertar as cintas da viatura, esta deslizou pelo reboque, para a rua, embatendo no TI”.
Torna-se, pois, evidente, que nunca se fez a distinção agora pretendida pela Apelante entre manobra preparatória da descarga e a descarga propriamente dita, até porque nenhuma das partes, mormente a aqui Apelante alegou que se tivesse de distinguir, nem vemos que essa distinção pudesse ter relevância jurídica se nem a lei, nem o contrato de seguro, faça depender a exclusão da cobertura do seguro de responsabilidade civil automóvel referente à “carga e descarga” do tipo de manobra em curso quando se deu o sinistro.
Ainda que assim não se entenda, essa precisão apenas foi referida pela testemunha BB, o condutor do camião com reboque, que procedia sozinho aos procedimentos tendentes à descarga do veículo do reboque, que curiosamente iniciou logo o seu depoimento, afirmando que “não estava a descarregar, estava a preparar para descarregar” e quando questionado sobre o que queria dizer sobre isso afirmou que estava a preparar a estrutura (a levantá-la para descarregar), no entanto logo de seguida também afirmou que estava a tirar os calços e as cintas, já fora do camião, com os pés na rua, quando o carro saiu fora da estrutura, mas para essa testemunha nada disso são manobras de descarga, porque para ele descarregar é entrar dentro do carro e tirá-lo dali.
Não obstante, o facto de para essa testemunha a manobra de descarga consistir apenas naquilo, não permite afirmar que assim é, pois que não basta uma testemunha, para mais aquela que efectivamente levou a cabo a manobra que acabou por provocar o sinistro, desacompanhada de outra prova mais consistente, e desinteressada, para que se possa afirmar que há uma distinção a fazer entre a manobra de descarga e a manobra preparatória de descarga, que o senso comum e as regras da experiência nos dizem que o cidadão comum não distingue.
É de realçar, ainda, que mesmo aquela testemunha, em declarações prestadas à autoridade policial, também não mencionou ter feito uma manobra preparatória de descarga, tendo escrito muito claramente o seguinte: “ao descarregar a viatura depois de desapertar as cintas e ultimar os calços, ao levantar a estrutura a viatura Opel começou a deslizar pela estrutura a baixo, indo colidir com a viatura TI”.
Por todas estas razões não vemos qualquer meio de prova que imponha decisão diferente da proferida pelo tribunal a quo relativamente a este facto impugnado.
-Ponto 41 dos factos provados:
“41) Foi durante essa descarga que, inesperadamente, o Opel ... deslizou do atrelado para a via pública e foi embater no TI.”
A Apelante pretende que se altere a redação deste ponto de facto, passando a ter a seguinte redação:
Foi durante as manobras preparatórias da descarga que, inesperadamente, o Opel ... deslizou do atrelado para a via pública e foi embater no TI.
Renovamos os argumentos acima expostos, pois que a alteração pretendida é a mesma.
1.2 Factos não provados impugnados:
-alínea g) dos factos não provados:
“g) A causa do acidente ocorrido foi um deficiente acondicionamento da carga.”
A Apelante que este ponto de facto transite para os factos provados.
Antes de mais impõe-se referir que este ponto impugnado é uma mera asserção conclusiva e como tal nunca transitaria para os factos provados, pois para que se pudesse concluir pelo “deficiente acondicionamento da carga”, era desde logo necessário que estivessem alegados factos concretos relativos ao tipo de acondicionamento que foi feito e aquele que devia ter sido feito, quais os procedimentos que deviam ter sido implementados e não o foram e, depois que havia um nexo causal – “a causa do acidente foi…”- perfeitamente estabelecido e concretizado, prova essa que não foi feita
A esse propósito não é demais relembrar que os factos que foram alegados que conduziriam à conclusão vertida no ponto impugnado em apreço, foram dados como não provados nas alíneas f) e h) dos factos não provados, que não foram devidamente impugnados.
A Apelante no corpo das alegações admite que não foi possível determinar qual a concreta circunstância que terá originado o súbito deslizamento da viatura, que o condutor poderá não ter tido o cuidado de respeitar todas as regras e recomendações atinentes ao adequado acondicionamento da carga e que se o evento terá ocorrido após o condutor desapertar as cintas de segurança e de remover os calços do veículo, em se ter introduzido no seu interior e iniciado a respectiva condução, concluindo que significa que a carga terá sido mal acondicionada, na medida em que não seria expectável que o veículo se movesse ou oscilasse autonomamente.
Tal como resulta evidente a própria Apelante não se atreve a afirmar que a carga foi mal acondicionada, limita-se a levantar apenas suposições com base em factos que foram dados como não provados, dos quais nada de positivo se pode retirar, porque efectivamente nenhuma prova foi produzida que conduzisse a dar como provada tal matéria de facto, como bem sabe, não devendo o tribunal julgar com base em suposições mas com base em provas seguras e consistentes, não sendo sequer caso de lançar mão de presunções judiciais pois que de nenhum dos factos conhecidos e dados como provados se pode presumir que a carga foi deficientemente acondicionada e que essa foi a causa do acidente.
Mesmo os meios probatórios invocados pela Apelante foram devidamente tomados em consideração pelo tribunal a quo na sua decisão, só que foram apreciados de forma diferente da pretendida pela Apelante, diferente apreciação essa que não consubstancia qualquer erro de julgamento na análise da referida prova, sujeita a livre apreciação, que este Tribunal de recurso deva corrigir, mais não seja porque depois de reapreciada a prova documental e a gravação dos depoimentos prestados em julgamento, corrobora-se o juízo decisório vertido na sentença recorrida, que decidiu de forma adequada, devidamente fundamentada e em consonância com as regras da experiência e normalidade.
Deste modo, nenhuma censura merece a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto impugnada, a qual se mantém inalterada porque os meios de prova invocados pela Apelante não impõem decisão diferente da que foi proferida pelo tribunal de 1ª Instância.

2ª Questão- Cobertura do sinistro pelo contrato de seguro celebrado com a 1ª Ré.
A pretensão da Apelante de revogação da sentença recorrida baseia-se basicamente em dois argumentos recursivos:
i) que as circunstâncias do sinistro estão cobertas pela garantia do contrato de seguro celebrado com a 1ª Ré seguradora, para a qual pretende fazer a transferência da sua responsabilidade civil, a qual dependia necessariamente da alteração da matéria de facto, que como foi julgada improcedente, condiciona a decisão a esse respeito;
ii) que adoptou todas as providências exigíveis pelas circunstâncias para prevenir os danos que vieram a ocorrer (esta questão será abordada mais à frente aquando do conhecimento da 3ª Questão).
Sustenta a Apelante que se torna essencial a concreta clarificação e interpretação da designação de manobra de carga e descarga- que segundo a testemunha BB (condutor do TF) -se subdivide em dois actos: manobra de preparação para descarga e procedimento de descarga e que, os actos que foram levados a cabo pelo condutor do TF nunca poderão configurar a operação de descarga uma vez que este não teve a efectiva possibilidade de efectuar a remoção do veículo transportado (carga) por si próprio, de forma controlada e voluntariamente.
Segundo a Apelante, desconhecendo-se a causa que terá levado ao deslizamento do veículo transportado, mas provado que não terá ocorrido durante a operação de carga e descarga, dessa forma não se demonstra ter sido causa adequada ao facto gerador do acidente.
Esta posição não encontra qualquer arrimo na factualidade apurada, pelo contrário, resulta expressamente dos factos provados que o acidente ocorreu durante a descarga do veículo Opel, quando o condutor do TF se encontrava em cima do reboque em trabalhos de remoção desse veículo, quando havia preparado a estrutura do reboque para o descarregar e depois de ultimar os calços e desapertar as cintas da viatura, esta deslizou pelo reboque para a rua, de forma súbita e inopinada, saindo disparada, sem ninguém no seu comando e no seu interior e acabando por embater no veículo seguro na Apelada.
Perante este circunstancialismo fáctico, não temos dúvidas em afirmar, tal como o fez o tribunal a quo, que o sinistro ocorreu durante as manobras de descarga e, como tal, está excluído das garantias do seguro contratado entre Apelante e 1ª Ré ( artigo 5º nº 4 al. c) das condições gerais da apólice de seguro- ponto 43 dos factos provados), tal como excluído se mostra pela lei aplicável a esse tipo de seguro, como decorre do preceituado no art. 14º nº 4 al. c) do DL nº 291/2007 de 21/8.
Também nada se apurou relativamente ao facto de o sinistro ter ocorrido por deficiente acondicionamento da carga, de modo que também não pode ser accionado o seguro celebrado com a 1ª Ré que assegurava tal cobertura.
Improcede, assim, este argumento recursivo (suscitado quer pela Apelante/2ª Ré, quer no recurso subordinado da Apelada/Autora).

3ª Questão- Adopção pela 2ª Ré de todas as providências exigíveis pelas circunstâncias para prevenir os danos
O art. 493º nº 2 do CC sob a epígrafe Danos causados por coisas, animais ou actividades, dispõe que:
“Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.”
A sentença recorrida fundamentou a responsabilidade da aqui Apelante neste preceito legal, com a qual as partes se conformaram.
Independentemente da qualificação da presunção ali consagrada, de culpa (Antunes Varela, Direito das Obrigações, Volume I, 10.ª edição, 2000, págs. 594 e seg., Mário Júlio d Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, pág. 588, e, entre outros, os Ac STJ de 05/07/2012, Proc. n.º 1451/07.5TBGRD.C1.S1, de 28/10/2014, proc. n.º 1593/07.7TBPVZ.P1.S1 e de 09/07/2015, Proc. n.º 385/2002.E1.S1, de 15/09/2016, Proc. nº 492/10.0TBBAO.P1.S1, www.dgsi.pt.) ou simultaneamente de ilicitude e culpa (Mafalda Miranda Barbosa, Liberdade vs Responsabilidade: A precaução como fundamento da interpretação delitual, 2006, pág. 377; António Menezes Cordeiro, Tratado do Direito Civil, Vol. VIII – Direito das Obrigações, 2014, pág. 589, e o Ac STJ de 13/03/2007, Proc. n.º 07A96), exige-se que quem exerce ou beneficia do exercício de uma actividade perigosa faça prova de que “empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim” de prevenir os danos, ou seja, de que agiu diligentemente, afastando essa presunção (neste sentido acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2010, Proc. nº 428/1999.P1.S1, de 30/11/2010, Proc. n.º 1166/04.6TBLSD.P1.S1, de 28/06/2012, Proc. n.º 1894/06.1TBOVR.C1.S1, de 18/09/2012, Proc. n.º 498/08.9TBSTS.P1.S, de 13/02/2014, Proc. n.º 131/10.9TBPTB.G1.E1, de 17/06/2014, Proc. n.º 112/07.0TBCMN.G1.S1, www.dgsi.pt).
O que determina a qualificação de uma atividade como perigosa é a sua especial aptidão para produzir danos, o que resultará da sua própria natureza ou da natureza dos meios empregados e só poderá ser apurado face às circunstâncias do caso concreto.”(9)
Almeida Costa defende que a atividade perigosa deve tratar-se de atividade que, mercê da sua natureza ou da natureza dos meios utilizados, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral.(10)
Por seu turno, já Vaz Serra definia actividades perigosas como as “que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras atividades”.(11)
O que determinará, assim, a qualificação de uma atividade como perigosa será a sua especial aptidão para produzir danos, aptidão que há-de resultar da sua própria natureza ou da natureza dos meios utilizados.
A este propósito podemos ler no sumário do Ac STJ de 17/5/2017 que “A lei não indica, porém, um elenco de actividades que devam ser qualificadas como perigosas para efeitos dessa norma e também não fornece um critério em função da qual se deva afirmar a perigosidade da actividade, esclarecendo apenas que, para o efeito, tanto releva a natureza da própria actividade como a natureza dos meios utilizados.
A perigosidade é apurada caso a caso, em função das características casuísticas da actividade que gerou os danos, da forma e do contexto em que ela é exercida. Trata-se afinal de um conceito indeterminado e amplo a preencher pelo intérprete e aplicador da norma na solução do caso concreto, o que deve ser feito tendo por base a «directriz genérica» indicada pelo legislador.
Deve ser considerada perigosa a actividade que possui uma especial aptidão produtora de danos, um perigo especial, uma maior susceptibilidade ou aptidão para provocar lesões de gravidade e mais frequentes.
A actividade perigosa, geradora de culpa presumida, é todo o processo construtivo, globalmente levado a efeito com determinado meio dotado de elevada potencialidade para causar danos - escavações, abertura de vala, remoção de inertes, elevação e transporte de cargas (manilhas) – e não apenas cada uma dessas operações, isolada e atomisticamente considerada.”(12)
De todo o modo, a manter-se a qualificação da actividade desenvolvida pela Apelante, de transporte de veículos automóveis em camiões com reboques de dois níveis, como uma actividade perigosa, como qualificou o tribunal a quo e as partes não discutem, pela natureza dos meios empregues e carga transportada, potenciadora de maior probabilidade de produção de danos avultados, devemos ter presente que, ainda assim apenas se verificará uma mera presunção de culpa sobre a 2ª Ré, não se estando perante uma responsabilidade objectiva tout court.
Neste mesmo sentido, entre outros, entende Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa, que no nº 2 do art. 493º do CC “estamos diante de presunções de culpa e não da consagração de hipóteses de responsabilidade objectiva.
(…)A definição de actividade perigosa, para efeitos do nº 2 do art. 493º não é oferecida pelo legislador, cabendo ao julgador concretizar o conceito em face dos casos decidendi. A perigosidade de uma actividade deve aferir-se segundo as regras da experiência. É perigosa uma actividade que, segundo aquelas regras, envolve uma grande propensão para ocorrência de danos. Note-se, ademais, que a perigosidade deve ser entendida objectivamente, deixando-se de lado meros temores pessoais de uma potencial vítima. Além do mais, se considerarmos que todos os comportamentos, actuações e objectos são potencialmente perigosos, deve ser por referência às circunstâncias do caso decidendum que se qualifica o carácter perigoso ou não da actuação.
(…) Na interpretação do perigo, e atenta a natureza arriscada das sociedades hodiernas, há que tratar-se de um especial perigo- um risco que ultrapasse o limiar da normalidade.”(Lições de Responsabilidade Civil, Principia, p. 242/244)
Esta mesma Autora, numa outra obra sua- Estudos a Propósito da Responsabilidade Objectiva- refere também que, “não basta a causação do dano no quadro do exercício de uma actividade tipificadamente tida como perigosa. Antes se exige uma imputação objectiva do evento danoso a um determinado sujeito, que é identificado segundo os critérios predispostos pelo legislador para o efeito, em homenagem à ideia de tipicidade que acompanha toda a responsabilidade pelo risco.
(…) Acontece que há determinadas actividades que, pela sua natureza, permitem olhar para a assunção do risco a montante. Assim, poderia ter sido opção do legislador considerar que qualquer acção-tipificada- que comportasse um aumento exponencial do perigo/risco prescindiria da aferição da culpa para dar lugar à responsabilidade. Não foi, porém, essa a solução consagrada, como bem se denotará pela presença do art. 493º CC.
(…) Em primeiro lugar, somos conduzidos a uma ideia de perigosidade que permite esboçar-com contornos esfumados-uma esfera de risco/responsabilidade antes de haver qualquer acção por parte do putativo lesante. Isso justifica, aliás, a presunção de culpa a que somos conduzidos pela intencionalidade problemática da norma. Contudo, tal não nos condena à confusão conceptual com a responsabilidade objectiva. É que ali, contrariamente ao que sucede nesta, o sujeito tem a possibilidade de provar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir o dano.”( p. 83, 108 e 118).
A este propósito, consta do Ac STJ de 7/3/2017, que “A inversão do ónus da prova, ou seja, a presunção de culpa por parte de quem exerce uma atividade perigosa, consagrada pelo art. 493.°, n.° 2, do CC, não altera o princípio matricial de que a responsabilidade depende da culpa, salvo nos casos especificados na lei, portanto se trata de responsabilidade delitual e não de responsabilidade pelo risco ou objetiva, agravando o dever normal de diligência, não bastando, para afastar a responsabilidade, a prova de ter agido sem culpa, sendo necessário demonstrar que se adotaram todas as providências destinadas a evitar o dano.
E as providências a adotar pelo agente, idóneas a evitar os danos são ditadas pelas particulares normas técnicas ou legislativas inerentes às especiais atividades, ou as regras da experiência comum.”(13)
Sustenta a Apelante, que resultou provado que o condutor do veículo TF, que efectuava o transporte do veículo que deslizou (carga), empregou todas as providências exigíveis pelas circunstâncias, cumprindo as regras e recomendações aplicáveis para a referida operação, sendo que o deslize do veículo transportado terá ocorrido por motivos desconhecidos, não enquadráveis em erro humano do condutor, afastando-se a presunção de culpa que sobre a recorrente recaía.
Ficou por dizer o essencial: quais foram as providências tomadas, quais as regras e recomendações cumpridas? A causa do evento lesivo é estranha ao risco inerente aquele tipo de actividade?
Contrariamente ao alegado pela Apelante, salvo o devido respeito, não basta que se desconheça o motivo do deslize do veículo transportado para afastar a presunção de culpa que sobre a mesma impende, pelo contrário, é porque não logrou demonstrar, conforme lhe incumbia, que o sinistro se deveu a uma causa que lhe é estranha, ou que adoptou todas as regras e recomendações aplicáveis no exercício desta actividade, que a presunção de culpa não pode ser afastada.
Para tal, deveria a Apelante ter alegado e provado quais as regras e recomendações aplicáveis para aquele tipo de actividade de carga e descarga de veículos automóveis de um reboque com dois níveis de altura, e que as mesmas foram por si cumpridas, isto é, que as providências exigidas pelas circunstâncias concretas foram por si empregues com o objetivo de prevenir quaisquer danos decorrentes da actividade desenvolvida, o que importaria ter provado, designadamente, que travou o carro, que engatou a velocidade adequada ( neste caso a 1ª velocidade porque o carro sairia em marcha-atrás), para mais quando parou em plena via pública ( não no parque de estacionamento do local da empresa que receberia os veículos transportados, se é que o tinha, nada tendo sido alegado a esse propósito), para mais numa via com grande inclinação, tendo optado por parar precisamente no sentido ascendente acentuando o efeito de rampa que a estrutura de descarga potenciaria, sabendo que os veículos sairiam no sentido descendente, com maior probabilidade de ocorrer uma saída descontrolada se os veículos não estivessem bem travados.
Também poderia ter afastado a presunção de culpa se tivesse provado, como foi aflorado em julgamento, que apesar de ter adoptado todas as providências destinadas a evitar o sinistro, o mesmo ocorreu porque o veículo padecia de uma avaria, o que mais uma vez não logrou provar.
Já escreveu Mascarenhas Ataíde, que o afastamento da responsabilidade do beneficiário da actividade perigosa ocorre “comprovando positivamente que a causa real do evento lesivo se reportou a um facto alheio ao complexo de meios que consubstancia o exercício da actividade perigosa”.(14)
Concluímos, pois, que a Apelante não demonstrou que fez tudo o que seria adequado a evitar aquele perigo de queda do veículo transportado no reboque, nem comprovou positivamente que a causa real do sinistro se deveu a facto que lhe era alheio, não sendo bastante o mero desconhecimento da causa do mesmo, não tendo sido ilidida a culpa presumida que sobre ela impendia.
Permitimo-nos também citar o recente Ac STJ de 25/5/2023, do qual se pode ler que “A norma do art.º 493.º n.º2 do CCiv impõe que a condução de perigos declarados, pela maior probabilidade de lesões danosas, esteja sujeita a um padrão superior de diligência devida, impondo um critério de culpa levíssima.
É actividade perigosa aquela que possui maior susceptibilidade ou aptidão para provocar lesões de gravidade e mais frequentes, em perigosidade a aferir a priori e em abstracto, casuisticamente.
Nos danos causados por actividades perigosas, ao presumir-se a culpa (pela inversão do ónus de prova em matéria dos procedimentos idóneos para evitar o dano) presume-se, ao mesmo tempo, a ilicitude.
A causalidade deriva da concretização do perigo típico da actividade levada a cabo pelo lesante e da não prova de que o lesante tenha posto em prática os deveres de prevenção do perigo ou de tráfego impostos pela actividade que levava a cabo.”(15)
De facto o tribunal a quo ficou no desconhecimento do concreto motivo que levou à saída desgovernada do veículo durante as manobras de descarga do mesmo, mas isso não impede que se afirme que, tal como decorre dos factos provados, a Apelante beneficia de uma actividade perigosa e como tal, causando danos a outrem no exercício dessa actividade, deve responder por isso, está obrigada a reparar tais danos, a não ser que prove de forma positiva que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir, prova essa que a Apelante manifestamente não logrou fazer, como bem se extrai da factualidade provada e não provada vertida na sentença recorrida.
Também o Ac STJ de 7/4/2016 vai no mesmo sentido, de que “para se exonerar da sua responsabilidade, terá o exercente da actividade perigosa de demonstrar que foram adoptadas todas as providências exigidas pelas circunstâncias a fim de prevenir os danos, não sendo suficiente a prova de terem sido cumpridos os comuns deveres de cuidado que o vinculavam.
Não sendo possível provar directamente a observância de todas as cautelas necessárias, só por via indirecta se conseguirá satisfazer o ónus liberatório, demonstrando-se que a causa real do evento lesivo é alheia à esfera de risco do exercício da actividade perigosa.
Não tendo sido feita prova da causa real e efectiva do acidente (…) não pode concluir-se, por esta via, pela exoneração da responsabilidade da exequente da actividade perigosa.”(16)
Não tendo a Apelante ilidido a presunção de culpa que sobre ela impendia e, verificados os demais pressupostos da responsabilidade civil- ilicitude, nexo de causalidade e danos- não estando essa responsabilidade transferida para a 1ª Ré por qualquer um dos contratos de seguro com ela celebrados, mormente porque o seguro de responsabilidade civil automóvel excluía a responsabilidade por danos causados a terceiros em consequência de operações de carga e descarga ( artigo 5º nº 4 al. c) das condições gerais da apólice de seguro- ponto 43 dos factos provados), apenas a 2ª Ré podia ser obrigada a indemnizar, como o foi, os danos causados no veículo seguro na Apelada/Autora que aqui exerce o direito de sub-rogação em virtude de ter indemnizado o seu segurado por força do acionamento da cobertura de danos próprios.
Por conseguinte, na improcedência dos fundamentos recursivos invocados pela Apelante (englobando a questão suscitada na ampliação do âmbito do recurso), confirma-se a sentença recorrida.
**
V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Apelante/Ré A... Unipessoal, Lda, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante/2ª Ré, a qual ficou vencida-artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Notifique.

Porto, 27 de Junho de 2023
Maria da Luz Seabra
Artur Dionísio Oliveira
Maria Eiró

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
____________________
(1) F. AMÂNCIO FERREIRA, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª edição, pág. 147 e A. ABRANTES GERALDES, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 92-93.
(2) Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência
(3) Recursos no Novo CPC, 2ª edição, pág. 135
([4) Neste sentido Abrantes Geraldes, Ob. Cit, pág. 134; Ac STJ de 19/12/2018, Proc. Nº 2364/11.1TBVCD.P2.S2; Ac STJ de 2/6/2016, Proc. Nº 781/07.0TYLSB.L1.S1, www.dgsi.pt
(5) Proc. Nº 7430/17.7T8LRS.L1.S1, www.dgsi.pt
(6) Proc. Nº 3160/16.5T8LRS-A.L1.S1, www.dgsi.pt
(7) Ac STJ de 6/7/2022, Proc. Nº 28533/15.7T8PRT.P1.S1; Ac STJ de 17/11/2020, Proc. Nº 846/19.6T8PNF.P1.S1; Ac STJ de 11/9/2019, Proc. Nº 42/18.0T8SRQ.L1.S1; Ac STJ de 7/7/2016, Proc. Nº 220/13.8TTBCL.G1.S1; Ac STJ de 8/10/2019, Proc. Nº 3138/10.2TJVNF.G1.S2; Ac STJ de 13/11/2019, Proc. Nº 4946/05.1TTLSB-C.L1.S1, www.dgsi.pt
(8)] Vide, neste sentido, por todos, A. ABRANTES GERALDES, “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2ª edição, 2008, pág. 297-298, AC STJ de 29.09.2020, relator Sr. Juiz Conselheiro JORGE DIAS, AC STJ de 17.05.2017, relator Sr.ª Juíza Conselheira FERNANDA ISABEL PEREIRA, AC RC de 27.05.2014, relator Sr. Juiz Desembargador MOREIRA do CARMO e AC RP de 19.05.2014, relator Sr. Juiz Desembargador CARLOS GIL, todos disponíveis in dgsi.pt.
(9) Ac RP de 13/9/2016, Proc. nº 1496/14.9T8PRT.P1; Ac RP de 21/2/2017, Proc. nº 3134/13.8TBSTS.P1, www.dgsi.pt
(10) Direito das Obrigações, 11ª ed., págs. 585/6
(11) BMJ, nº 85, pág. 378
(12) Proc. nº 1506/11.1TBOAZ.P1.S1, www.dgsi.pt
(13) Proc. nº 6091/03.5TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt).
(14) Responsabilidade civil por violação de deveres de tráfego, 2015, pág. 515
(15) Proc. Nº 366/13.2TNLSB.L2.S1, www.dgsi.pt
(16) Proc. Nº 7895/05.0TBSTB.E1.S1, www.dgsi.pt