Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FERNANDO VILARES FERREIRA | ||
Descritores: | CAUSA DE PEDIR FACTOS COMPLEMENTARES LIBERDADE CONTRATUAL RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL | ||
Nº do Documento: | RP202306137695/21.0T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/13/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I – Os factos complementares, na aceção da norma da al. b) do n.º 2 do art. 5.º do CPCivil, constituem complemento ou concretização dos factos essenciais que integram a causa de pedir ou em que se baseiam as exceções invocadas, e daí que a possibilidade de serem considerados pelo juiz dependa, para além do mais, da alegação e prova dos correspondentes factos essenciais. II – Decorrente do princípio da liberdade contratual (cf. art. 405.º do CCivil), o contrato de seguro rege-se, em primeira linha, pelas estipulações negociais que não sejam proibidas por lei; subsidiariamente pelas disposições do RCS; e, ainda subsidiariamente, pelas disposições da lei comercial e da lei civil (cf. arts. 4.º e 11.º do RCS). III – Um sinistro consubstanciado no aluimento do piso de uma instalação industrial em local objeto de arrendamento, resultando em danos para terceiros, é passível de justificar a responsabilidade civil extracontratual do arrendatário, por via da norma do n.º 1 do art. 493.º do CCivil, assim como a obrigação de indemnizar por parte de seguradora, por via da existência de contrato de seguro do ramo multirriscos indústria, abrangendo a cobertura “responsabilidade civil exploração da atividade industrial”. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | PROCESSO N.º 7695/21.0T8PRT.P1 [Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo Local Cível de Paredes - Juiz 1] Relator: Fernando Vilares Ferreira 1.ª Adjunta: Alexandra Pelayo 2.ª Adjunta: Márcia Portela SUMÁRIO: …………………………………….. …………………………………….. …………………………………….. EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Desembargadores da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO 1. A..., LDA. intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B... INDÚSTRIA, LDA. e AA, pedindo que as Rés sejam condenadas a pagar-lhe, solidariamente, a título de indemnização, a quantia de 5.446,29€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos. Alegou, em síntese, ter sofrido danos de natureza patrimonial, cuja obrigação de reparação imputa às Rés, por via do regime da responsabilidade civil extracontratual. 2. As Rés contestaram, impugnando a essencialidade da factualidade alegada pela Autora, tendo ainda a Ré AA excecionado a sua ilegitimidade processual, enquanto a Ré B... requereu a intervenção principal de C... – Companhia de Seguros, S. A., pelo lado passivo. 3. No seguimento do alegado pela Ré AA, a Autora veio desistir da instância quanto àquela, que foi objeto de homologação, com a consequente absolvição da instância. 4. Por despacho de 9.02.2022, foi admitida a requerida intervenção principal provocada de C..., COMPANHIA DE SEGUROS, S. A.. 5. Citada, a Interveniente Principal contestou, aceitando a sua qualidade de seguradora no âmbito do contrato de seguro em causa, mas impugnando a essencialidade da versão factual apresentada pela Autora, e invocando a exclusão dos alegados danos do âmbito do contrato de seguro. 6. Já em fase de audiência de julgamento (sessão de 7.10.2022), a Autora reduziu o pedido, no respeitante ao capital, para o montante de 5.118,44€. 7. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte DISPOSITIVO: [Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência: - condeno a Ré B... Indústria, Ldª. a pagar à Autora a quantia de €511,84, acrescida dos juros de mora desde a citação até integral pagamento, à taxa legal, absolvendo-a do demais peticionado; - condeno a Interveniente Principal – C... Companhia de Seguros, S.A. a pagar à Autora a quantia de €4.606,60, acrescida dos juros de mora desde a citação até integral pagamento, à taxa legal, absolvendo-a do demais peticionado. Custas a suportar pela Ré e pela Interveniente Principal, na proporção do respectivo decaimento (e já não pela Autora, atenta a redução do pedido feita em acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 07.10.2022 pela Autora) – cfr. art. 527º, nºs.1 e 2, do C.P.C.] 8. Inconformadas, quer a Ré “B...”, quer a Interveniente Principal “C...”, interpuseram recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, versando matéria de facto e de direito. Porém, o recurso apresentado pela Ré “B...” foi rejeitado pela 1.ª instância, com fundamento na não verificação da sucumbência exigível, decisão que não foi objeto de reclamação e, por isso, transitou em julgado. 9. O recurso apresentado pela Interveniente Principal C... – COMPANHIA DE SEGUROS, S. A. assenta nas seguintes CONCLUSÕES: I. A Recorrente interpôs o presente recurso, visando, desde logo, a reapreciação da prova gravada, por entender que a matéria de facto dada como provada pela Meritíssima Juiz da 1.ª instância, foi erradamente dada como provada e não provada, atenta a prova produzida, impondo-se, por essa razão, a sua reanálise e alteração, nos termos do presente recurso. II. Por outro lado, a Recorrente intentou ainda o presente recurso por não concordar com o teor da sentença recorrida, uma vez que a mesma, salvo o devido respeito, não consubstancia a rigorosa aplicação do direito, razão pela qual não concorda com as conclusões retiradas e a decisão proferida. III. Atenta a matéria de facto dada como provada e não provada, o Tribunal concluiu que “vemos que, de acordo com a matéria fáctica provada que o aluimento do piso que provocou os danos à Autora se deu dentro do espaço considerado as instalações da Ré (na parte exterior das mesmas), nas quais explorava a sua atividade. Não foi alegado nem resultou provado qual a origem concretamente apurada daquele evento danoso. No entanto, a Autora provou que o aluimento do piso que danificou os seus veículos sucedeu no espaço que corresponde às instalações da Autora, mostrando-se preenchido o ónus da prova (art. 342.º do CC) de que o facto danoso teve origem ou causa na coisa sob vigilância da Ré (art. 493.º, n.º 1, do CC), não lhe cumprindo provar ainda a razão (sub-causa) de tal aluimento. IV. Nessa medida, julgou a ação parcialmente provada e condenou a ora Recorrente a pagar a quantia de €4.606,60, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento. V. A Recorrente não pode aceitar a matéria de facto dada como provada e não provada, designadamente, ao não ser dado como provado o teor do contrato de seguro (no que concerne à inexistência de contrato de seguro respeitante ao edifício), VI. Bem como que, no concreto local em que ocorreu o aluimento do piso existia uma fossa, o que motivou o aluimento do mesmo. VII. No que concerne à existência de uma fossa no local onde ocorreu o aluimento do piso, decorre do teor do documento junto aos autos com a Contestação da Recorrente, sob o n.º 4, sendo certo que, nas fotografias existentes no aludido documento ressalta a existência de uma fossa. VIII. Por outro lado, a existência de tal fossa foi confirmada pelos legais representantes da “B...” e da testemunha BB. IX. As aludidas testemunhas não só confirmaram a existência da aludida fossa, como que o local em que ocorreu o aluimento foi no sítio onde a mesma existia. X. Pelo que, deve ser aditado à matéria de facto dada como provada o facto 63, com a seguinte redação: - “No local onde o piso aluiu, existia uma fossa, que se encontrava tapada pelo pavimento, a qual já existia à data de tomada de arrendamento do local de risco.” XI. O contrato de seguro celebrado entre a Ré “B...” e a Recorrente apenas figurava como bem seguro o conteúdo do local de risco, sendo o mesmo o imóvel sito na Rua ..., ..., ....-... ... Paredes. XII. Foi contratada a cobertura base, tal como definida na cláusula 3.ª das Condições Gerais (incluindo apenas o conteúdo do imóvel) e complementares, nos termos do disposto na cláusula 4.ª das Condições Gerais, designadamente aluimento de terras, fenómenos sísmicos, entre outros. XIII. Tal decorre do conteúdo do documento n.º 1 junto aos autos com a Contestação da Recorrente, bem como do depoimento das testemunhas BB, CC e do próprio legal representante da Ré “B...”, DD. XIV. Atenta a prova documental e a prova testemunhal, é manifesto qual o teor do contrato de seguro, pelo que, o teor do artigo 54 da matéria de facto dada como provada deveria ser alterado, passando a ter a seguinte redação: - “Analisada a proposta em causa, a mesma foi aceite pela contestante, dando origem ao identificado contrato, com a cobertura base, tal como definida na cláusula 3.ª das Condições Gerais (incluindo apenas o conteúdo do imóvel) e complementares, nos termos do disposto na cláusula 4.ª das Condições Gerais, designadamente aluimento de terras, fenómenos sísmicos, entre outros”. XV. O contrato de seguro em causa nos presentes autos é um contrato de seguro de multirriscos indústria, cobrindo o risco do conteúdo do local de risco, por incêndio, ação mecânica de queda de raio e explosão, tempestades, inundações, entre outros. XVI. O âmbito da cobertura prevista nos contratos de seguro, resulta, por um lado, da enunciação dos riscos cobertos pelo contrato e, por outro lado, daqueles que não se encontram cobertos, designadamente as cláusulas de exclusão. XVII. A Recorrente invocou, com interesse para o presente recurso, a exclusão do evento, atenta a causa do mesmo e a ausência de cobertura do edifício. XVIII. Se atentarmos nas condições particulares do contrato de seguro, apenas consta como bem seguro o conteúdo. XIX. Foi dado como provado que aquando da circulação do veículo automóvel trator com a matrícula ..-QH-.. e o semi-reboque de matricula L-......, quando se encontrava no logradouro do local de risco a realizar manobras para encostar ao local de descarga da mercadoria que transportava, uma parte do pavimento ruiu por debaixo do veículo e atrelado, pelo que a roda traseira do trator e a frente do semi-reboque tombaram no buraco que se criou parcialmente por debaixo dos seus rodados. XX. A origem do acidente em causa não está relacionada com o conteúdo do edifício, mas sim com o próprio edifício (aluimento do piso), ou seja, a origem do sinistro reside num conteúdo não contratado, pelo que o sinistro encontra-se excluído do contrato de seguro, não sendo assim, a Recorrente responsável pelo ressarcimento dos danos do acidente em causa nos presentes autos. XXI. Atente-se no teor da cobertura da Responsabilidade Civil Exploração, nos termos da qual “Garante, até ao limite fixado nas condições particulares, as reparações pecuniárias por danos patrimoniais e não patrimoniais que, nos termos da legislação em vigor e a título de responsabilidade extra contratual, possam ser exigidas ao segurado por lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros em consequência de sinistros ocorridos nas instalações descritas nas condições particulares e decorrentes da exploração normal da atividade segura”. XXII. O aluimento do piso não pode ser considerado como decorrente da exploração normal da atividade segura, dado que há que distinguir entre a exploração normal da atividade segura e a eventual responsabilidade da Tomadora do Seguro, na qualidade de locatária do local do risco. XXIII. Não se pode conceber que, o aluimento de terra propriamente dito seja consequência de exploração normal da atividade segura. XXIV. Resulta da sentença, “essa assunção da responsabilidade é eficaz quanto à proprietária do imóvel e, a existir em concreto – a responsabilidade (o que se se está a apurar nesta sede), encontra-se coberta pelo contrato de seguro celebrado entre a Ré e a Interveniente Principal, pelo que, como a Segurada não pagou a indemnização reclamada pela Autora, caberá à Interveniente Principal, enquanto seguradora, satisfazer essa obrigação de indemnizar”. XXV. Não se discute se o contrato de seguro em causa garantia ou não a responsabilidade civil pela exploração da Tomadora do Seguro, no entanto o evento em causa nos autos e os danos reclamados não são devidos à exploração normal da atividade segura (transformação de papel para fabrico de embalagens de papel e cartão). XXVI. Nem foi causado por qualquer objeto garantido pelo contrato de seguro, uma vez que não foi provocado ou causado pelo conteúdo do local de risco. XXVII. Atento o aluimento do piso, a responsabilidade é do proprietário do edifício e, eventualmente como foi entendido pelo Tribunal a quo, da própria Segurada, por força do contrato de arrendamento e uma vez que esta tinha a posse do imóvel. XXVIII. Pelo que «é forçoso concluir que a responsabilidade em causa, a existir, da segurada, advém da propriedade do imóvel e, mais concretamente, da posse do mesmo, e não da atividade da Segurada. XXIX. Não foi a descarga do camião propriamente dita que causaram os danos reclamados, mas sim o aluimento do piso. XXX. Caso estivesse em causa a responsabilidade da Tomadora do Seguro em virtude de estar ter a posse do imóvel e assim estar obrigada a conservar e manter em bom estado o imóvel, sempre se dirá que nos termos da alínea f) e h) do n.º 2 da Cláusula 26 (Responsabilidade Civil Exploração), o sinistro estaria excluído. XXXI. Deve a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do pedido, em virtude do evento em causa se encontrar excluído das coberturas do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...03. 5. A Autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões: a) (…). b) No que concerne ao recurso da Interveniente Principal, discorda-se que a apreciação que o Tribunal a quo fez foi incorreta, ou que tivesse de dar como provados e não provados outros factos; c) Não se poderia dar como provada a razão do aluimento, a qual nunca foi alegada, nem sequer provada; d) Quanto ao contrato de seguro, resulta do mesmo, em abundância, que existe responsabilidade civil extracontratual e que a situação em apreço se encontra coberta pelo mesmo; e) Estando, tanto o aluimento de terras, como a envolvente em alvenaria onde se verificou o sinistro cobertos pela apólice em causa; f) Não excluindo a apólice em causa a Interveniente Principal da responsabilidade que lhe é assacada nos presentes autos e pela qual foi condenada; g) Conforme foi devidamente explanado na douta sentença recorrida; (…) y) Nos termos do disposto nas alíneas d) e h), do art. 1038º, do CC, o inquilino tem o dever de vigiar o estado de conservação do local arrendado e de informar o senhorio para que este examine o local e proceda às reparações necessárias que sejam da sua responsabilidade; z) Face aos factos alegados e provados pela A., ao nexo de causalidade que ficou igualmente provado, afigura-se que não poderia o douto Tribunal a quo ter decidido de outra forma que não condenando a R. e a Interveniente Principal nos termos em que o fez. II. OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil). Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, as questões a decidir no presente recurso, são as seguintes: a) Se existem razões válidas para modificar a decisão da matéria de facto, designadamente por via do aditamento de nova factualidade ao elenco dos factos provados; e b) Se se justifica a alteração da solução jurídica dada ao caso pela 1.ª instância, nos termos pretendidos pela Recorrente “C...”, o que passa necessariamente pela consideração do regime da responsabilidade civil por facto ilícito, assim como pela definição do âmbito de cobertura respeitante ao contrato de seguro em causa. III. FUNDAMENTAÇÃO 1. OS FACTOS 1.1. Factos provados O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos: Da Petição Inicial 1 - A A. é uma sociedade cujo objeto é, designadamente, o transporte de aluguer em camionetas de carga. 2 - A A. é proprietária do veículo automóvel trator com a matrícula ..-QH-.. da marca ... e o Semirreboque com a matrícula L-....... 3 - A A. transporta mercadorias da R. B... Indústria, Lda. para as suas instalações sitas na rua .... de ..., ... .... 4 - No dia 25/06/2018, cerca das 14h15m, os veículos da A. referidos no artigo 2 º transportaram um contentor marítimo MSCU7114681 para descarga nas referidas instalações da R. B... Indústria, Lda, com o CMR nº ...69. 5 - O motorista dos veículos em causa, EE, entrou nessas instalações com o contentor carregado para proceder à sua descarga, seguindo as instruções que lhe foram transmitidas pelos funcionários da R. B.... 6 - Conduzia a uma velocidade não superior a 15km/hora. 7 - Já no interior da propriedade, após ter imobilizado o veículo, e ainda com o contentor carregado e a realizar as manobras para encostar ao local de descarga da mercadoria que transportava, uma parte do pavimento ruiu por debaixo dos veículos. 8 - Em consequência dessa cedência do terreno, a roda traseira do trator e a frente do semirreboque tombaram no buraco que se criou parcialmente por debaixo dos seus rodados. 9 - Por terem caído nesse buraco, os veículos da A., ficaram imobilizados e incapazes de se movimentar por si próprios. 10 - No momento do acidente, as condições climatéricas eram boas, o piso encontrava-se seco, pelo que se desconhece a razão para a descrita abertura do buraco no solo, de forma súbita. 11 - A A. contactou a companhia de seguros C... em virtude de ter sido preenchida a Declaração amigável de acidente automóvel onde a B... Indústria menciona a Seguradora C... e o número 9012903 da Apólice. 12 - Tendo esta comunicado à A. que a ocorrência participada não tem enquadramento no âmbito das garantias da presente apólice. 13 - A A., após diversas diligências, tanto telefonicamente como por e-mail, enviou no dia 28/09/2018 um novo e-mail à B... Indústria Lda., na pessoa do Sr. DD. 14 - No referido e-mail a A. deu conhecimento à co-R B... que a companhia de seguros declinou qualquer responsabilidade, pelo que lhe solicitou que assumisse a responsabilidade pelos danos causados pelo acidente em causa e que a ressarcisse pelos prejuízos sofridos, pelos quais não tem qualquer responsabilidade. 15 - A A. dirigiu a AA uma carta registada no sentido de lhe solicitar, imputando-lhe a qualidade de proprietária do terreno, que assumisse a responsabilidade pelo acidente em causa e a ressarcisse dos prejuízos sofridos, pelos quais não tem qualquer responsabilidade. 16 - A co-Ré AA não respondeu à ora A. 17 - Para a remoção dos veículos foi necessária uma grua, tendo o trator ficado imobilizado a aguardar peritagem durante 9 dias e o semirreboque 2 dias, para que pudessem ser reparados. 18 - Os veículos em causa destinam-se ao tráfego Internacional, pelo que a sua imobilização consubstanciou custos para a A. 19 - De acordo com a Tabela da Antram e APS relativas ao ano de 2018, o valor dia de paralisação para este tipo de veículo é de €260,30. 20 - Os custos sofridos com a reparação, tanto do trator como do reboque, ascenderam aos montantes de €421.16, €1.332,15 (com IVA incluído) e de €829,68. Da Contestação da Ré B... Indústria, Ldª. 21 - A Ré B... é uma sociedade comercial que tem por objeto e atividade a fabricação de papel (inclui embalagens), indústria de caixas para bolos, atividades de embalagens, comércio por grosso de embalagens (de papel e de cartão) e derivados de papel. 22 - Para o exercício daquela atividade, em 1 de outubro de 2015, a mesma Ré tomou de arrendamento PARTE do armazém destinado a industria, sito na Rua ..., 4585-186 .... 23 - O mencionado armazém industrial era propriedade (à data dos factos em discussão nos autos) de FF. 24 - Para além do mencionado armazém, a Ré B... era ainda arrendatária do armazém industrial contíguo ao acima descrito, sito na Rua ..., 4585-186 .... 25 - O acidente dos autos teve lugar no logradouro do armazém industrial mencionado em 22 que corresponde ao número de polícia ...36 (Lote ...2) da mesma artéria. 26 - No dia a que se reportam os autos, a Autora transportou um contentor cujas mercadorias se destinavam a ser descarregadas no número 136. 27 - As mercadorias em questão eram propriedade dum fornecedor da B... e destinavam-se a esta, que as havia adquirido. 28 - O transporte das mercadorias foi contrato entre o referido fornecedor e a Autora. 29 - A B... não contratou o que quer que seja com a Autora. 30 - As mercadorias destinavam-se a ser entregues no armazém industrial sito na Rua ..., .... 31 - E deveriam ser descarregadas pela porta lateral de grandes dimensões que o armazém possui. 32 - Chegado ao local, o funcionário da Autora, tal e qual como sucedeu dezenas, senão centenas de vezes com veículos semelhantes, direcionou o veículo de marcha atrás pelo logradouro que existe na lateral direita do armazém para que fossem descarregadas as mercadorias. 33 - Sucede que, quando ainda se encontrava a efetuar as necessárias manobras, parte do pavimento ruiu por baixo dos veículos indicados. 34 - A Ré B... desconhece o motivo pelo qual abriu um buraco no solo, de forma súbita. 35 - A B... apenas tomou de arrendamento PARTE do armazém industrial, concretamente cerca de metade do mesmo, na parte traseira. 36 - Destinando-se o arrendado à indústria, nomeadamente, fabrico de caixas para bolos. 37 - O armazém em questão é um edifício de rés-do-chão e elevado, destinado a armazém e indústria, com 700 m2 de área coberta, 562 m2 de logradouro. 38 - Com portas de carga e descarga de mercadorias de grandes dimensões. 39 - E possui licença de utilização nº ...17, emitida em 08/11/2002 pela Câmara Municipal de Paredes. 40 - Faz parte do uso normal de um armazém destinado a armazém e indústria, com portas de acesso de grandes dimensões e com um logradouro de 562 m2, que os veículos pesados de mercadorias acedam ao logradouro para que seja efetuada a carga e descarga de mercadorias. 41 - O piso era constituído por uma laje de betão. 42 - Não sendo visíveis rachadelas, nem qualquer ondulação, apresentando um estado regular. 43 - O valor da reparação acordado entre o perito da C... e a oficina escolhida foi de €829,68 e não os €1.332,15 constantes da fatura junta como documento nº 10. 44 - A Autora deduziu o IVA constante de ambas as faturas. 45 - A Ré B... celebrou com a C... Companhia de Seguros, S.A., NIPC ..., com sede na Rua ..., ... Lisboa, um contrato de seguro do ramo MULTIRRISCOS INDÚSTRIA, titulado pela apólice nº ...01. 46 - A referida apólice encontrava-se paga e em vigor à data do sinistro. 47 - Entre outras coberturas, aquela apólice garante e garantia à data do sinistro a Responsabilidade Civil Exploração, com o capital de € 150.000,00. 48 - O local de risco são os 2 armazéns contíguos de que a Autora era arrendatária à data do sinistro, nomeadamente a Rua ... (Lote ...) e nº 136 (lote ...). 49 - De acordo com a cláusula 3ª, cobertura 26 das condições gerais (página 12), a supramencionada cobertura de Responsabilidade Civil Exploração: “Garante, até ao limite fixado nas condições particulares, as reparações pecuniárias por danos patrimoniais e não patrimoniais que, nos termos da legislação em vigor e a título de responsabilidade extra contratual, possam ser exigidas ao segurado por lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros em consequência de sinistros ocorridos nas instalações descritas nas condições particulares e decorrentes da exploração normal da atividade segura, bem como dos seus empregados, assalariados ou mandatários no exercício das suas funções em Portugal Continental e Regiões Autónomas de Açores e Madeira.” 50 - A B... participou o sinistro junto da seguradora C..., tendo a mesma aberto o respetivo processo de sinistro com o nº ...18. 51 - A Seguradora acabou por declinar o mesmo. Da Contestação da “C... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, Interveniente Principal 52 - No exercício da sua actividade comercial, a Ré celebrou com a Ré “B... Indústria Caixas para Rolos, Lda.” o contrato de seguro, do ramo Multirriscos Indústria, titulado pela apólice n.º ...01. 53 - No dia 19 de junho de 2014, foi remetida para os serviços da Contestante, Proposta de Seguro, conforme consta do documento junto sob n.º 2. 54 - Analisada a proposta em causa, a mesma foi aceite pela Contestante, dando origem ao identificado contrato. 55 - Foi indicado como local de risco o imóvel sito na Rua ..., ..., ... ... Paredes. 56 - A Ré “B...” efetuou a participação do sinistro e solicitou o acionamento das coberturas do contrato de seguro. 57 - Na sequência da participação do sinistro e do pedido de acionamento das garantias do contrato de seguro, a C... – Companhia de Seguros, S.A. procedeu à abertura do respetivo processo de sinistro, ao qual atribuiu o número ...18, e solicitou aos seus serviços de peritagem a realização da averiguação. 58 - Tal averiguação foi levada a cabo pela “D...”. 59 - Foram efetuadas diversas diligências pela aludida entidade, designadamente deslocação ao local do risco, análise dos danos e, bem assim, solicitados diversos esclarecimentos. 60 - Da análise de todos os elementos recolhidos, aqueles serviços concluíram que efetivamente o pavimento onde os identificados veículos se encontravam havia cedido. 61 - Concluíram, igualmente, e considerando as coberturas contratadas, que o sinistro participado se encontrava excluído das mesmas, pelo facto de se entender que o contrato de seguro garante apenas os danos que se venham a verificar no conteúdo do imóvel, nos termos descritos nas respetivas condições particulares, e não no edifício. 62 - Da análise de todos os elementos recolhidos, os serviços responsáveis pela averiguação do sinistro concluíram que sinistro participado se encontrava excluído das garantias do contrato de seguro, e desse facto deu conhecimento foi dado à Tomadora do Seguro, aqui Ré. 1.2. Factos não provados O Tribunal de que vem o recurso julgou não provada a seguinte factualidade: Da Petição Inicial 1 - AA é proprietária do terreno onde se localizam as instalações da R. B... (onde se deu o sinistro). Da Contestação da Ré B... Indústria, S.A. 2 - O pavimento encontrava-se num excelente estado de conservação. 3 - Não sendo visíveis quaisquer marcas de desgaste e/ou falência do mesmo. 4 - Mantendo a sua proprietária a posse do logradouro que era utilizado por ambas as partes. 1.3. Apreciação da impugnação da matéria de facto 1.3.1. Segundo dispõe o art. 662.º, n.º 1 do CPCivil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”[1]. O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do CPCivil, sem olvidar, porém, os princípios da oralidade e da imediação. A modificação da decisão em matéria de facto é ainda suscetível de operar nos termos do n.º 2 do cit. art. 662.º. 1.3.2. Defende a Apelante que tendo por base meios de prova que indica, nomeadamente doc. n.º 4 junto com a contestação, declarações dos seus representantes legais e depoimento da testemunha BB, se impõe aditar ao elenco dos factos provados o item 63), com a seguinte redação: - [No local onde o piso aluiu, existia uma fossa, que se encontrava tapada pelo pavimento, a qual já existia à data de tomada de arrendamento do local de risco.] Por seu turno, a Apelada, nas suas contra-alegações de recurso, observa que a matéria em questão não foi sequer alegada pelas partes, o que inviabiliza desde logo a possibilidade de consideração pelo tribunal. É manifesto que estamos perante factualidade à margem do que foi oportunamente alegado por qualquer das partes por via dos articulados admissíveis. Sobre o ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal em matéria de facto, estatui o art. 5.º do CPCivil: “1 – Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. 2 – Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções”. Confere-se, pois, ao juiz, a possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente, e de considerar na decisão, desde logo os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa. E “factos instrumentais são os que interessam indiretamente à solução do pleito, por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes; não pertencem à norma fundamentadora do direito e são-lhe, em si, indiferentes, servindo apenas para, da sua existência, se concluir pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da exceção”[2]. Num outro plano se apresentam os chamados “factos complementares” – os que sejam complemento ou concretização dos factos essenciais que integram a causa de pedir ou em que se baseiam as exceções invocadas –, também eles passíveis de ser considerados pelo juiz, quando resultem da instrução da causa, mas desde que sobre eles tenham tido as partes a possibilidade de se pronunciar. Como se deixou bem notado no acórdão da RC de 7.11.2017[3], “para que se possam dar como provados os factos complementares ou concretizadores é necessário que os factos essenciais de que eles sejam complemento ou concretização tenham ficado provados, não sendo de admitir que não sendo provados esses factos essenciais da causa de pedir, se julgue a acção procedente com base nos ditos complementares ou concretizadores mas que afinal substituam os da causa de pedir que não se tenham provado”. O que se deixou dito quanto à causa de pedir vale, naturalmente, para as exceções invocadas pelo réu. Volvendo ao caso dos autos, afigura-se-nos manifesto que a factualidade questionada pela Apelante não se inscreve no dito conceito de “matéria instrumental”. Por outro lado, fundando-se a exceção invocada pela Ré/Apelante na “exclusão do sinistro participado e danos peticionados das garantias do contrato de seguro em causa”, tendo por base o alegado sob os artigos 1.º a 20.º da contestação, levando a Ré a concluir, sob o artigo 18.º, que “o contrato de seguro garante apenas os danos que se venham a verificar no conteúdo do imóvel, nos termos descritos nas respetivas condições particulares, e não no edifício”, não vemos como é que os factos em questão possam complementar ou concretizar o que quer que seja de últil no contexto da concreta exceção invocada. Veja-se que a Ré/Apelante invocou a dita exceção sem para tanto ter necessidade, na sua perspetiva, de alegar factos diversos dos alegados pela Autora no que concerne às circunstâncias de lugar em que ocorreu o sinistro, assim como ao tipo de danos resultantes daquele. Ou seja, foi simplesmente com referência à causa de pedir invocada pela Autora que a Ré defendeu a dita exceção perentória. Nestas circunstâncias, julgamos não estarmos propriamente perante factos que possam ser merecedores da qualificação de “concretizadores” ou “complementares” dos que a Ré/Apelante tenha alegado para fundamentar a exceção invocada. Mas, mesmo na hipótese de merecimento da dita qualificação, sempre deveria ser levado em conta o facto de a Ré não ter, até ao encerramento da discussão da causa em 1.ª instância, manifestado interesse no aproveitamento da factualidade em questão, daí resultando, para além do mais, o não exercício do devido contraditório por parte da Autora, à qual, como bem se compreende, sempre assistiria a faculdade de requerer a produção de novos meios de prova para fazer contraprova. Daí que a ausência do dito contraditório em 1.ª instância sempre impossibilitaria a consideração da “nova factualidade” nesta instância de recurso. Concluímos, pois, pela improcedência da pretensão da Apelante, nesta parte. 1.3.3. Entende ainda a Recorrente justificar-se a alteração da redação do ponto 54) do elenco dos factos provados – “Analisada a proposta em causa, a mesma foi aceite pela Contestante, dando origem ao identificado contrato” –, de modo a que passe a constar: “Analisada a proposta em causa, a mesma foi aceite pela contestante, dando origem ao identificado contrato, com a cobertura base, tal como definida na cláusula 3.ª das Condições Gerais (incluindo apenas o conteúdo do imóvel) e complementares, nos termos do disposto na cláusula 4.ª das Condições Gerais, designadamente aluimento de terras, fenómenos sísmicos, entre outros”. Não vemos que se justifique de algum modo a pretendida alteração. Com efeito, o contrato de seguro, sujeito a forma escrita, nos termos do art. 32.º, n.º 2, do Regime do Contrato de Seguro (RCS), no caso dos autos encontra expressão na apólice junta aos autos (fls. 43vº a 75 e 168 a 199 do suporte físico), à qual se faz referência expressa na fundamentação da decisão da matéria de facto, dela constando as estipulações acordadas pelas partes, algumas das quais reproduzidas nos pontos 45) a 49) do elenco dos factos provados, sem prejuízo da consideração das demais com relevância para a decisão. Assim, todo o conteúdo escrito da apólice em causa se deve ter como factualidade passível de ser tida em conta para a boa decisão da causa, independentemente de se encontrar ou não transcrito no elenco dos factos provados. E daí que deva também nesta parte improceder a pretensão recursiva. 1.3.4. Concluímos, assim, pela total improcedência do recurso em matéria de facto, com a consequente manutenção da decisão recorrida. 2. OS FACTOS E O DIREITO 2.1. Com a presente ação pretende a Autora ser indemnizada por prejuízos sofridos, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que imputa à Ré B... Indústria, Lda., obrigação de indemnização que, no respeitante à Interveniente Principal Seguradora, agora Apelante, emerge de contrato de seguro celebrado com aquela. O princípio geral da dita responsabilidade civil extracontratual encontra-se plasmado no art. 483.º, n.º 1, do Código Civil (CCivil)[4], nos seguintes termos: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. O que subsiste controvertido gira sobretudo em torno dos termos do contrato de seguro, o mesmo é dizer em torno da obrigação de indemnizar por parte da Interveniente Principal C... – Companhia de Seguros, S. A., por via do risco que assumiu com aquela contratação. Defende a Apelante Seguradora, em síntese: [- O contrato de seguro em causa nos presentes autos é um contrato de seguro de multirriscos indústria, cobrindo o risco do conteúdo do local de risco, por incêndio, acção mecânica de queda de raio e explosão, tempestades, inundações, entre outros. - O âmbito da cobertura prevista nos contratos de seguro, resulta, por um lado, da enunciação dos riscos cobertos pelo contrato e, por outro lado, daqueles que não se encontram cobertos, designadamente as cláusulas de exclusão. - Se atentarmos nas condições particulares do contrato de seguro, apenas consta como bem seguro o conteúdo. - A origem do acidente em causa não está relacionada com o conteúdo do edifício, mas sim com o próprio edifício (aluimento do piso), ou seja, a origem do sinistro reside num conteúdo não contratado, pelo que o sinistro encontra-se excluído do contrato de seguro, não sendo assim, a Recorrente responsável pelo ressarcimento dos danos do acidente em causa nos presentes autos. - Atente-se no teor da cobertura da Responsabilidade Civil Exploração, nos termos da qual “Garante, até ao limite fixado nas condições particulares, as reparações pecuniárias por danos patrimoniais e não patrimoniais que, nos termos da legislação em vigor e a título de responsabilidade extra contratual, possam ser exigidas ao segurado por lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros em consequência de sinistros ocorridos nas instalações descritas nas condições particulares e decorrentes da exploração normal da actividade segura”. - O aluimento do piso não pode ser considerado como decorrente da exploração normal da actividade segura, dado que há que distinguir entre a exploração normal da actividade segura e a eventual responsabilidade da Tomadora do Seguro, na qualidade de locatária do local do risco. - Não se discute se o contrato de seguro em causa garantia ou não a responsabilidade civil pela exploração da Tomadora do Seguro, no entanto o evento em causa nos autos e os danos reclamados não são devidos à exploração normal da actividade segura (transformação de papel para fabrico de embalagens de papel e cartão), - Nem foi causado por qualquer objecto garantido pelo contrato de seguro, uma vez que não foi provocado ou causado pelo conteúdo do local de risco. - Não foi a descarga do camião propriamente dita que causaram os danos reclamados, mas sim o aluimento do piso. - Caso estivesse em causa a responsabilidade da Tomadora do Seguro em virtude de esta ter a posse do imóvel e assim estar obrigada a conservar e manter em bom estado o imóvel, sempre se dirá que nos termos da alínea f) e h) do n.º 2 da Cláusula 26 (Responsabilidade Civil Exploração), o sinistro estaria excluído.] 2.2. Os factos provados evidenciam uma relação jurídica entre a Ré “B...” e a Interveniente Principal “C...”, assente num acordo subordinado a um conjunto de condições, desde logo nos termos que constam dos documentos juntos aos autos, que configura um contrato de seguro, por corresponder inequivocamente ao conteúdo típico previsto no art. 1.º do Regime do Contrato de Seguro (RCS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril: “Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”. Decorrente do princípio da liberdade contratual (cf. art. 405.º do CCivil), o contrato de seguro rege-se, em primeira linha, pelas estipulações negociais que não sejam proibidas por lei; subsidiariamente pelas disposições do RCS; e, ainda subsidiariamente, pelas disposições da lei comercial e da lei civil (cf. arts. 4.º e 11.º do RCS). Partindo da classificação dos seguros que os distingue em seguros de danos e seguros de pessoas[5], à luz das condições estabelecidas no contrato em causa, podemos afirmar sem qualquer dificuldade que estamos perante um seguro de danos, previsto em especial pelo legislador no Título III do RCS. Podendo ter por objeto “coisas, bens imateriais, créditos e quaisquer outros direitos patrimoniais” (art. 123.º do RCS), o seguro em causa respeita a coisas. 2.3. Em face da factualidade julgada provada, a sentença recorrida concluiu, e muito bem, a nosso ver, pela responsabilização, em primeira linha, da Ré “B...” ante a Autora, com base em responsabilidade civil por facto ilícito, desenvolvendo a fundamentação que, para melhor elucidação, passamos a transcrever nos seus passos mais essenciais: [Nos termos do art. 493º, nº 1, do C.C. "quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido, ainda que não houvesse culpa sua". O detentor da coisa será, por via de regra, o seu proprietário, mas pode também ser um arrendatário, um comodatário, um depositário, um credor pignoratício, etc. (P. Lima e A. Varela, CC Anotado, vol. I, 4ª ed. p.495). Ora, o art. 493º, nº1, do C.C. faz depender a sua aplicação da circunstância de se ter poder sobre uma coisa (no caso imóvel), com o dever de a vigiar. Este preceito estabelece a responsabilidade do detentor da coisa baseada na concepção de não terem sido tomadas as devidas e necessárias precauções para se evitar o dano, fazendo recair sobre aquele uma presunção de culpa, presunção «juris tantum» - que pode ser afastada mediante a prova da sua inexistência conforme previsto no art. 350º, nº 2, do C.C., ou mostrando-se que os danos se teriam igualmente causado mesmo sem culpa. Decorre do supra exposto, pois, que a responsabilidade do proprietário, ou detentor da coisa, integra uma hipótese típica de responsabilidade civil extracontratual. A responsabilidade pelos danos resultantes do aluimento do piso aqui em causa, é, pois, regulada pelo art. 493º do C.C.. Preceito este que estabelece a inversão do ónus da prova, cabendo pois ao lesante encarregado da vigilância do seu imóvel, para se eximir à sua responsabilidade, ilidir a sua presunção de culpa. (…) Reportando-nos ao caso “sub judice” vemos que, de acordo com a matéria fáctica provada que o aluimento do piso que provou os danos à Autora se deu dentro do espaço considerado as instalações da Ré (na parte exterior das mesmas), nas quais explorava a sua actividade. Não foi alegado nem resultou provado qual a origem concretamente apurada daquele evento danoso. No entanto, a Autora provou que o aluimento do piso que danificou os seus veículos sucedeu no espaço que corresponde às instalações da Autora, mostrando-se preenchido o ónus da prova (art. 342.º do CC) de que o facto danoso teve origem ou causa na coisa sob vigilância da Ré (art. 493.º, n.º 1, do CC), não lhe cumprindo provar ainda a razão (sub-causa) de tal aluimento. Resultou provado que tais instalações se encontravam à data do evento arrendadas à Ré B... Indústria, S.A., desde 01.10.2015. Assim sendo, cremos que a Autora cumpriu com o a que estava obrigada na circunstância - a saber - que o aluimento do piso que levou aos danos, o evento danoso, ocorreu e teve origem nas instalações arrendadas à Ré - nada tendo esta provado no sentido de se desresponsabilizar pelo sucedido, mostra-se preenchido o ónus da prova (art. 342º do C.C.) que competia à Autora – de que o facto danoso teve origem ou causa na coisa sob vigilância da 1ª. Ré – respondendo então esta a título de culpa presumida – cfr. art. 493º, nº 1, do C.C. Assim, de acordo com a factualidade apurada e acima evidenciada, a assumpção do custo da reparação pretendida pelaAutora compete à Ré, por ser a “pessoa” que usa, detém – (exerce poderes de facto), em exclusivo sobre as instalações arrendadas, das quais proveio o evento danoso. Acresce, como vimos, que a Ré não efectuou qualquer prova no sentido de mostrar ter tomado as necessárias cautelas a fim de impedir o sucedido – que por exemplo cuidava da manutenção do piso em causa.] 2.4. Considerando os citados fundamentos da atribuição de responsabilidade à Ré “B...”, a possibilidade de afirmar o dever de indemnizar por parte da Interveniente Principal “C...” depende em absoluto da possibilidade de podermos concluir que a dita responsabilidade civil extracontratual se encontrava transferida para aquela Seguradora, à data do evento. Dito de outro modo, depende da possibilidade de podermos concluir que o risco decorrente da responsabilidade civil da Ré ante a Autora se encontrava abrangido pelo âmbito de cobertura da apólice em causa. A sentença recorrida conclui que sim, discorrendo assim: [A apólice respeita a um seguro de responsabilidade civil facultativo, identifica as respectivas condições particulares, o “Produto – C... Industrial”, “Ramo: Multirriscos Indústria”, indicando como Local de Risco, morada – R. ..., Atividade – Transformação do papel para fabrico de embalagens de papel e cartão (exceto canelado); quanto aos bens seguros consta – Edifício: Não, Conteúdo: Sim, assinalando-se ainda, as coberturas, condições particulares (destacando-se dentro destas a responsabilidade Civil exploração), as coberturas complementares (destacando-se dentro destas o aluimento de terras), o descritivo dos bens seguros – cfr. Apólice que faz fls.168, 168vº e 169. Das condições gerais avultam as cláusulas 2ª. nº 1, al.b) (Objeto) “O presente contrato tem por objecto a cobertura dos danos causados aos bens seguros, identificados nas condições particulares, pela ocorrência de qualquer ou quaisquer dos riscos constituintes da Cobertura Base, nomeadamente o: (…) b) As reparações devidas a terceiros por factos susceptíveis de serem enquadrados na responsabilidade civil extracontratual do segurado emergente da actividade segura”; a cláusula 3ª (Garantias do contrato – coberturas) nºs 26 e 27 – “As coberturas que, no seu conjunto, constituem a Cobertura Base desta apólice, são as que a seguir se enumeram: (…) Responsabilidade civil exploração e responsabilidade civil proprietário de imóvel. Quanto à responsabilidade civil exploração consta nas condições gerais – cfr. fls.174vº dos autos – sob o nº 26 que: “RESPONSABILIDADE CIVIL EXPLORAÇÃO 1-Garante, até ao limite fixado nas condições particulares, as reparações pecuniárias por danos patrimoniais e não patrimoniais que, nos termos da legislação em vigor e a título de responsabilidade extra contratual, possam ser exigidas ao segurado por lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros em consequência de sinistros ocorridos nas instalações descritas nas condições particulares e decorrentes da exploração normal da atividade segura (…)”. Portanto, para além das demais coberturas que supra ficaram exaradas, é uma evidência que decorre da interpretação literal desta última – Responsabilidade civil exploração – que estão cobertos pela apólice os danos que resultem de acto ou omissão cometidos pela sociedade aqui Ré, no exercício de qualquer área da sua actividade comercial, por outras palavras, o objecto do seguro é (também) a responsabilidade civil decorrente da exploração da actividade de “Transformação do papel para fabrico de embalagens de papel e cartão”. Quanto ao âmbito da sua abrangência, a estipulação da cobertura relativa à responsabilidade civil exploração (cláusula 3ª. nº 26) é clara e vemos que tal cobertura consta das condições particulares, referindo-se ali que o Segurador garante o pagamento das indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei em vigor, sejam exigíveis ao Segurado, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, ocorridos dentro das instalações identificadas nas condições particulares, cuja causa seja devida à exploração normal da actividade segura. Vistas as cláusulas tidas por pertinentes não temos qualquer dúvida em afirmar que o âmbito do contrato de seguro em apreço abrange a situação ocorrida. O que a Segurada contratou (para o que aqui nos interessa) foi o pagamento das indemnizações devidas por responsabilidade civil decorrente de sinistros ocorridos nas instalações descritas nas condições particulares e decorrentes da exploração normal da actividade segura, entenda-se actividade profissional e comercial que, no caso, coincide com o objecto da sociedade comercial. É isso mesmo que emerge da interpretação das cláusulas contratuais efectuada nos termos sobreditos, e é o único entendimento que se nos afigura que um declaratário normal colocado na posição da Segurada poderia retirar das mesmas.] Adiantamos desde já que o caminho percorrido pela 1.ª instância para chegar onde chegou se mostra, a nosso ver, consentâneo com a boa aplicação do direito, o que vale por dizer que não podemos acolher o entendimento dissonante expresso nas conclusões do recurso, em qualquer das suas vertentes. Assim, no que concerne às considerações feita pela Apelante em torno do objeto seguro (“BENS SEGUROS”) identificado nas condições particulares da apólice, apenas o “conteúdo” (recheio do edifício), e já não o próprio edifício, elas não servem para excluir do âmbito de cobertura a situação em causa, traduzida afinal na responsabilidade civil extracontratual da tomadora do seguro perante terceiros. No caso, a circunstância de ter sido convencionado como objeto seguro o conteúdo do edifício e já não o próprio edifício, significa apenas que quaisquer danos/ prejuízos causados no edifício se encontram fora do âmbito de cobertura da apólice, não podendo como tal importar para a seguradora responsabilidade indemnizatória. O que para o caso releva é, com toda a propriedade, o facto de se ter convencionado a cobertura designada por “Responsabilidade Civil Exploração”, à qual se fez corresponder, como limite de indemnização, por sinistro e anuidade, o valor de 150.000€, e como franquia, por sinistro, o valor de 10% dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo de 250€. Nos termos da dita cobertura, a Seguradora assumiu a garantia “até ao limite fixado nas condições particulares, as reparações pecuniárias por danos patrimoniais e não patrimoniais que, nos termos da legislação em vigor e a título de responsabilidade extra contratual, possam ser exigidas ao segurado por lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros em consequência de sinistros ocorridos nas instalações descritas nas condições particulares e decorrentes da exploração normal da actividade segura” (cf. Cláusula 3.ª, ponto 26/1 das Condições Gerais da Apólice). A atividade industrial desenvolvida pela tomadora do seguro, nas instalações onde ocorreu o evento danoso em causa, corresponde a “transformação do papel para fabrico de embalagens de papel e cartão”. O desenvolvimento normal da dita atividade não pode deixar de envolver um complexo de operações de natureza muito distinta, implicando, naturalmente, a utilização de meios materiais e humanos, com os inerentes deveres de boa gestão e cuidados com a segurança de pessoas e bens. Bem se compreende que a tomadora do seguro, na normal prossecução da sua referida atividade, tenha necessidade de se abastecer da matéria prima que é o papel, operação para a qual a utilização de veículos automóveis de grande porte se apresenta imprescindível. Assim como se compreenderá que a tomadora do seguro deva dispensar a devida atenção à segurança de todos os meios materiais que emprega na sua atuação empresarial, incluindo, naturalmente, as instalações onde ocorre a respetiva laboração, com vista a evitar a lesão de direitos e interesses de terceiros. Ora, o evento danoso em causa – “quando da circulação do veículo automóvel trator com a matrícula ..-QH-.. e o semi-reboque de matricula L-......, quando se encontrava no logradouro do local de risco a realizar manobras para encostar ao local de descarga da mercadoria que transportava, uma parte do pavimento ruiu por debaixo do veículo e atrelado, pelo que a roda traseira do trator e a frente do semi-reboque tombaram no buraco que se criou parcialmente por debaixo dos seus rodados” – não pode deixar de considerar-se abrangido pelo âmbito da “exploração normal da atividade segura”. O sinistro ocorreu, sem qualquer dúvida, nas instalações descritas nas condições particulares da apólice, e no contexto da exploração normal da atividade segura, e daí que estejamos perante um risco garantido nos termos da Cláusula 3.ª, ponto 26/1, das Condições Gerais da Apólice. Sendo certo que a responsabilidade civil da Ré “B...” ante a Autora decorre também da sua qualidade de detentora do imóvel onde ocorreu o evento danoso, enquanto arrendatária, pelas razões que deixámos expostas, não menos certo é que a dita qualidade concorre com aquela outra que, à luz das condições estabelecidas no contrato de seguro, justifica a transferência do dever de indemnizar para a Interveniente Seguradora, qual seja, a de entidade responsável por atividade empresarial no local arrendado. A afirmação feita pela Apelante, de que o sinistro e os danos reclamados não foram causados por qualquer objeto garantido pelo contrato de seguro, no sentido de que não foram causados pelo conteúdo do local de risco, salvo o devido respeito, nenhuma pertinência assume na resolução da questão controvertida. Por último, há que dizer que os factos julgados provados não autorizam de modo algum a concluir pela exclusão do sinistro em causa e respetivos danos do âmbito de cobertura da apólice em apreço. Mais especificamente, ao invés do que parece defender a Apelante, as situações justificadoras da exclusão da garantia de danos, convencionadas sob as alíneas f) e h) do ponto 26/2 da Cláusula 3.ª das Condições Gerais, não encontram o mínimo de acolhimento na materialidade relevante julgada provada. 2.5. Impõe-se-nos, pois, que concluamos pela improcedência do recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida. 2.6. Tendo dado causa às custas do recurso, a Apelante constituiu-se na obrigação de as suportar (cf. arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil), e 1.º do RCProcessuais). IV. DECISÃO Pelos fundamentos expostos, julgamos o recurso improcedente e, consequentemente, decidimos: a) Manter a decisão recorrida; e b) Condenar a Apelante no pagamento das custas do recurso. *** Porto, 13 de junho de 2023Os Juízes Desembargadores, Fernando Vilares Ferreira Alexandra Pelayo Márcia Portela ____________________ [1] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição Atualizada, Coimbra, 2020, p. 332. [2] Cf. acórdão STJ, 04.02.2003, relatado por SANTOS BERNARDINO no processo 03B1987, acessível em www.dgsi.pt [3] Relatado por MANUEL CAPELO no processo 1335/13.8TBCBR.C1, acessível em www.dgsi.pt. [4] Diploma legal a que pertencem todas as normas doravante citadas sem menção diversa. [5] Classificação assumida pelo Regime Jurídico do Contrato de Seguro, cf. PEDRO ROMANO MARTINEZ e outros, Lei do Contrato de Seguro, Anotada, 4.ª Edição, Almedina, 2020, p. 432. |