Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6680/22.9T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO
COVID-19
ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL
Nº do Documento: RP202306136680/22.9T8VNG.P1
Data do Acordão: 06/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A declaração resolutória, sendo negocial e recetícia, não se basta, para ser eficaz, com a mera manifestação de vontade, pois terá de se reportar ao motivo da resolução, salvo convenção que o dispense.
II - A crise pandémica resultante da doença COVID-19 constitui uma situação suscetível de integrar os pressupostos da resolução ou modificação dos contratos por alteração das circunstâncias, nos termos do art.º 437.º do Código Civil.
III - Acontece que, a regra que emerge do nº 1 do art.º 437º do Código Civil tem carácter genérico e indeterminado, carecendo de ser interpretada de acordo com a especificidade revelada pelo caso concreto.
IV - É assim necessário que a parte demonstre que a situação pandémica tenha causado uma alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, provocando-lhe um dano grave, de tal modo que, a exigência a essa parte, do cumprimento das obrigações assumidas, contrarie gravemente a boa-fé.
V - No âmbito do contrato de arrendamento não habitacional, na apreciação de tais requisitos devem ser consideradas como normas interpretativas “densificadoras” daquela norma de carácter indeterminado, as normas excecionais e temporárias destinadas a disciplinar aspetos parcelares do arrendamento que fixaram os termos das modificações contratuais pontuais adequadas aos efeitos da pandemia por COVID-19 adotadas para vigorar nesse período, nomeadamente que a opção legislativa encontrada para fazer face ao encerramento dos estabelecimentos comerciais, não foi “perdoar”/”reduzir” as rendas, mas sim, permitir aos arrendatários aderir ao mecanismo da suspensão do pagamento das rendas, podendo estas ser pagas no futuro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 6680/22.9T8VNG.P1.
Juíza Desembargadora Relatora:
Alexandra Pelayo
Juízes Desembargadores Adjuntos:
Fernando Vilares Ferreira
Alberto Eduardo Monteiro de Paiva Taveira


Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 2


SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:


I - RELATÓRIO:
A..., representado por B..., S.A., ambos com sede em Lisboa, intentou a presente ação de despejo com processo comum na forma ordinária sob forma comum, contra C..., S.A. com sede em Setúbal, pedindo:
a) Que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre o Autor e a Ré, com as legais consequências;
b) A condenação da Ré na entrega ao Autor, livre e devoluto de pessoas e bens, o imóvel locado;
c) A condenação da Ré no pagamento de todas as rendas vencidas e condomínios também vencidos que se encontram por pagar à data da propositura da ação, que ascendem a €36.908,37, e ainda todas as rendas e condomínios vincendos até à resolução, bem como da indemnização igual ao dobro dos valores que se vencerem, desde decretado o despejo e até à efetiva entrega do locado livre e devoluto de pessoas a partir da data da constituição em mora com essa entrega;
Para tanto, em síntese, alega que Autor e Ré celebraram em 1.12.2017, um contrato de arrendamento, tendo por objeto as frações autónomas designadas pelas letras “AX”, correspondente a serviços no piso cinco, designados por G, com entrada pelo número ...3 da Rotunda ... e lugar de estacionamento no piso menos quatro, designado por ..., e “AZ”, correspondente a serviços no Piso Cinco, designados por “H”, com entrada pelo número ...3 da Rotunda ... e lugar de estacionamento no piso menos quatro, do prédio sito freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, mediante a contrapartida do pagamento mensal de €1.780.00 acrescido de IVA, atualizável pelos coeficientes anuais publicados, ascendendo tal valor à data da propositura da ação a €1.829,93 (acrescido de IVA), destinado ao exercício da atividade de serviços. Mais alega que a Ré se obrigou a pagar mensalmente o valor do condomínio que fosse debitado ao Autor, que tem o valor atual de €294,70.
Alega que as partes estabeleceram negociações tendentes à outorga de um contrato de arrendamento, no mesmo imóvel, de um escritório com menor área, substituindo-se depois este pelo novo arrendamento que, pelas razões que aponta, se goraram.
A Ré, através de carta data de 16 de agosto de 2021, invocando a recusa do Autor em celebrar o tal novo contrato para o qual não cumpriu com todas as obrigações impostas pelo compliance do Autor, comunica a este último que, entende que não havendo novo contrato estariam “perante o quadro da cessação do contrato de arrendamento celebrado em 1 de dezembro de 2017 e a não celebração de um outro contrato, o que o Autor não aceitou, sendo que, apesar daquela comunicação, nunca a Ré entregou ou promoveu a entrega do locado ao Autor mantendo consigo todas as chaves de acesso ao mesmo.
Alega ainda que o último valor pago pela Ré, imputado a título de pagamento parcial da renda, foi de €1.274,28 em 9.06.2021.
Conclui que deve ser resolvido o contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas e a Ré ser condenada a pagar a quantia em dívida de €31.511,34 (14 meses x €2.250,81) montante a que acresce o diferencial não pago referente ao mês de junho de 2021 no valor de €976,53 a título de rendas e €4.420,50 (15 meses x 294,70) referentes aos condomínios.
A Ré, veio contestar tendo excecionado a incompetência territorial deste tribunal, por violação do foro convencional.
Alegou que por carta de fevereiro de 2021, invocando o disposto no art. 437º do Código Civil, informou o Autor de que resolvia o contrato de arrendamento face à profunda e imprevista alteração de circunstâncias resultante da situação de pandemia então declarada a qual paralisou não só a sua atividade como a atividade económica do país, sendo que nessa comunicação a informou que os efeitos da cessação do contrato se produziriam a partir de 30.06.2021 o que lhe permitia encontrar um novo inquilino.
Entende a Ré que, tratando-se de uma declaração recetícia, produziu a mesma os seus efeitos, independentemente da vontade do Autor, motivo pelo qual o contrato de arrendamento foi resolvido e, por isso, se extinguiu em 30.06.2021, o que prejudica o fim pretendido pelo Autor pela presente ação.
Alega ainda que tendo entregue ao Autor, no momento da celebração do contrato, a quantia de €5.340,00, a título de caução pelo bom cumprimento das obrigações assumidas, esse valor terá que ser deduzido ao montante peticionado.
O Autor exerceu o contraditório, tendo pugnado pela improcedência da exceção dilatória invocada e, no mais, alegou que não aceitou a resolução do contrato, por a considerar ilícita e ineficaz, e que a Ré manteve sempre na sua posse as chaves do locado, sem que nunca tivesse diligenciado pela sua entrega.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a exceção da incompetência territorial.
Saneou-se o processo e depois foi proferida decisão de mérito por se entender que o processo continha desde já os seus elementos necessários para a prolação de decisão, com a seguinte parte decisória:
“Pelo exposto, julgo a presente ação procedente e, em consequência, decido:
a) Decretar a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre o Autor e a Ré;
b) Condenar a Ré a entregar ao Autor, livre e devoluto de pessoas e bens, o imóvel locado;
c) Condenar a Ré no pagamento da quantia de €36.908,37, correspondente ao valor das rendas e despesas de condomínio vencidos à data da propositura da ação, bem como nos valores vincendos até efetiva entrega, sendo tais montantes elevados ao dobro desde que decorrido um mês sobre o trânsito em julgado da presente decisão;
Custas pela Ré.”
Inconformada, a Ré C... SA, veio interpor o presente recurso de Apelação, apresentando as seguintes conclusões:
“Ao condenar a Recorrente nos termos e com os fundamentos constantes da sentença recorrida, com o devido respeito, o Tribunal a quo errou.
Com efeito:
1/ O Tribunal a quo errou ao decretar a resolução do contrato de arrendamento com o fundamento na falta de pagamento de rendas e despesas de condomínio
O entendimento da Recorrente ter por base o facto do contrato de arrendamento ter sido validamente extinto em julho de 2021 em resultado da declaração de resolução comunicada à Recorrida por carta datada de 17.02.2021.
A resolução operada é válida e eficaz na medida em que foi efetuada de forma adequada quer no que toca à forma quer ao conteúdo da comunicação.
Por outro lado, a resolução, para ser operante, não carece da aceitação do declaratário. Assim:
1/ a via extrajudicial utilizada compagina-se com o disposto no artº 437º do Código Civil.
2/ a Recorrente indicou com o detalhe possível, as consequências que a alteração anormal de circunstância – pandemia covid 19-provocou na sua atividade e as medidas que tinha de adotar para fazer face à situação.
3/ a extinção do contrato não depende da aceitação ou não, da resolução pelo declaratário/Recorrida e muito menos da condição de vir a ser celebrado entre as partes um novo contrato de arrendamento que teria por objeto uma outra fração de que é proprietária.
De não somenos importância é o facto da Recorrida ter aceitado os termos e os fundamentos invocados para resolução tendo-se limitando a afirmar que a Recorrente estava contratualmente impedida de o fazer por força do disposto no nº 2 da cláusula 2ª do contrato de arrendamento.
Temos assim que, apesar de não ser necessário para a produção de efeitos da resolução, a Recorrida aceitou-os tendo-se limitado a lançar mão da cláusula contratual citada.
Do exposto resulta que no entendimento da Recorrente, o Tribunal a quo faz uma errada aplicação do disposto no art. 437º nº 1 do Código Civil ao declarar que a resolução operada foi ineficaz para produzir a extinção do contrato.
Da mesma forma o Tribunal a quo errou ao não aplicar ao caso o disposto no artº 280º do Código Civil e ao abster-se de usar a obrigação que sobre ele impende por força do artº 286º do mesmo diploma.
2/ Da sentença recorrida resulta que, depois de afastar a validade da resolução por alteração anormal das circunstâncias, o Tribunal a quo decreta a resolução do contrato de arrendamento com o fundamento de que a Recorrente não pagou as rendas e as despesas de condomínio a que estava obrigada.
A obrigação de pagamento resultaria do disposto na cláusula 2º nº 2 do contrato de arrendamento.
Resulta assim que no entendimento do Tribunal a quo, ao fazer cessar o contrato a Recorrente incumpriu-o e por essa razão seria obrigada a pagar as rendas até à data em que o mesmo terminaria
Como se referiu a norma constante da citada cláusula citada é nula por contrária ao disposto no artº 280º do Código Civil.
Uma vez que está ferida de nulidade, a disposição contratual em cuja violação se funda a resolução do contrato não pode ser utilizada para decretar a resolução do contrato por violação do dever de pagamento de rendas e despesas.
Assim, sendo inaplicável a disposição contratual indicada e estando o contrato, validamente, resolvido e por isso extinto desde junho de 2021, não são devidas as rendas e as despesas de condomínio vencidas após o momento em que a resolução produziu efeitos. Não sendo devidas as rendas e despesas de condomínio, não existe incumprimento da obrigação constante da alínea a) do artº 1038º e, consequentemente, não pode ser decretada a resolução do contrato com base no disposto no art. 1083º nº 3 do Código Civil.
Por outro lado, o disposto na cláusula 2ª nº 2 do contrato de arrendamento não pode ser aplicado ao caso uma vez que, para além de ser nula por violação do disposto no artº 280º do Código Civil, o nº 2 da cláusula é inaplicável ao caso uma vez que, como resulta da mesma, só se aplica em situação de denúncia. No caso dos autos, o contrato não foi denunciado, mas sim resolvido.
Em conclusão, ao decidir da forma como o fez, o Tribunal a quo faz uma errada interpretação e aplicação do disposto no ponto 2º da cláusula 2º do contrato de arrendamento.
Igualmente, a sentença recorrida viola o disposto no artº 280º do Código Civil uma vez que aplica uma disposição contratual que está ferida de nulidade a qual tinha o dever de declarar em obediência ao disposto no artº 286º do mesmo diploma.
3/ Na sentença recorrida afirma-se que do facto de a Recorrente não ter entregado fisicamente as chaves resulta o dever de pagar as rendas vencidas após a resolução.
Com o devido respeito, a Recorrente considera que também este fundamento não procede.
A entrega física das chaves não é condição sine qua non, para que o contrato de arredamento cesse.
Aliás, a lei não faz depender desse ou de qualquer outro ato material, a extinção da relação contratual em especial nas situações em que a resolução não depende da aceitação do declaratário.
Na verdade, no artº 1038º i) do Código Civil o que se determina é que, findo o contrato, o inquilino restitua o locado ao senhorio.
Essa restituição pode ser feita por qualquer forma, sendo só determinante que o senhorio tenha a possibilidade de passar a dispor dos bens locados e de lhes dar a destinação que pretender.
No caso, uma vez que lhe foi comunicada a disponibilização do espaço e as chaves que permitiam o acesso se encontravam sob seu controlo, nada impedia a Recorrida de tomar posse dos bens.
Por outro lado, a não entrega ficou a dever-se ao facto da Recorrida não estar disponível para receber as chaves uma vez que não aceitava a resolução.
Com efeito, o comportamento anterior da Recorrida – recusa de aceitação da resolução com base na previsão do nº 2 da cláusula 2ª do contrato- era de molde a considerar que seria essa a sua atitude quanto ao recebimento das chaves.
Acresce que a sentença recorrida erra na ponderação da prova.
Resulta do facto dado como provado no ponto 19 da matéria provada que a Recorrente informou a Recorrida em 1 de junho de 2021 que, a partir dessa data, os espaços locados passavam a estar à sua disposição.
Ao decidir no sentido de que a Recorrente não cumpriu o seu dever de restituição do locado, o Tribunal a quo faz, não só uma errada ponderação da prova produzida, como também faz uma incorreta aplicação do disposto no artº 1038º alínea i) do Código Civil.
4/ A Recorrente considera que a condenação no pagamento do valor das rendas e despesas de condomínio vencidas à data da propositura da acção bem como dos valores vincendos carece de fundamento.
Tal condenação resulta do facto do Tribunal a quo:
a/ não ter julgado de forma correta a questão da resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias; e
b/ não ter apreciado a validade do nº 2 da cláusula 2ª do contrato de arrendamento.
Assim em virtude da não ponderação, não foi declarada nula a cláusula o que motivou a indevida aplicação da mesma.
Temos assim que a Recorrente não pode ser condenada no cumprimento de uma obrigação que tem a sua origem numa cláusula contratual nula por violação do disposto nos artº 280º e 1080º ambos do Código Civil.
Acresce que, em caso algum a cláusula pode ser aplicada ao caso na medida em que é exclusivamente aplicável aos casos de denúncia.
Não havendo denúncia, mas sim resolução, não pode a Recorrente ser condenada no pagamento das rendas e despesas de condomínio.
Por outro lado, estando o contrato resolvido, não é possível condenar a Recorrente no pagamento de qualquer valor a título de rendas e despesas vencidas após a extinção do contrato.
Termos em que a Recorrente não se conforma com a condenação uma vez que, para além de deficiente ponderação da prova, o Tribunal a quo faz uma errada aplicação das normas citadas.
Nestes termos deve a sentença recorrida ser substituída por aresto no qual se decida pela absolvição da Recorrente no que toca a todos os pedidos formulados.”
A Autora Fundo “A...” veio responder ao recurso, juntando contra-alegações, pugnando pela improcedência do mesmo, concluindo da seguinte forma:
“(i) Em parte alguma a sentença sub judice – o contrário da linha de argumentação que a Apelada defende – que a resolução promovida pela Apelante não operou, ou não foi válida, por causa da cláusula contratual que limita o direito à denúncia;
(ii) O que a sentença fez, foi antes, e note-se que sem merecer qualquer reparo como já se adiantou, referir que de acordo com as regras atinentes à resolução por alteração substancial (e já não à denúncia) a Apelante não fundamentou minimamente, substanciando-os, os factos efetivos sobre os quais era possível demonstrar a efetiva ocorrência de relevante alteração, por forma a poder ajuizar da sua justeza e do preenchimento dos demais pressupostos factuais de que depende a demonstração de cada um dos requisitos cumulativos que permitem validamente resolver o contrato por comunicação à contra parte por alteração substancial das circunstâncias;
(iii) Mantém-se, pois, perfeitamente inultrapassável o segmento seguinte da sentença recorrida de que: “No essencial, a Ré não indica qual o decréscimo da sua faturação, qual o reflexo desse decréscimo nos seus custos, ou seja, se era de tal monta que a impedia total ou parcialmente de os suportar, nomeadamente no que à renda respeita. O que da sua comunicação decorre é que teve manteve a atividade, ainda que de forma limitada, o que lhe acarretou uma quebra substancial, que não carece da totalidade daquele espaço por não ter os seus trabalhadores em atividade presencial, sendo que se encontrava a negociar o arrendamento de um espaço de menores dimensões (cerca de metade da área) noutro local;
(iv) E: “Tal comunicação é vazia de conteúdo e omissa nas condições que atravessava a Ré, o que impede de avaliar quais os seus reflexos na manutenção do contrato de arrendamento (…)” como a sentença .
(v) E que o facto de se ter comunicado à contra parte que a faturação decresceu 22%, sem se ter qualquer ordem de grandeza associada ou qualquer referência aos resultados em si ou a um genérico decréscimo da atividade por força da situação pandémica, tudo sem quaisquer elementos mensuráveis que habilitem a uma dosimetria desses efeitos, ou quaisquer dados que permitam ter sequer uma visão sobre a real relevância económica para si e para as partes é, efetivamente, uma comunicação vazia de conteúdo relevante e que deixa, naturalmente, por demonstrar/evidenciar quod erat demonstrandum.
(vi) E, se atentarmos a que a putativa resolução e seus efeitos foi notificada à maneira da denúncia (para surtir efeitos a mais de quatro meses), temos de concluir que, também por aí, a Apelante demonstra o exato contrário da urgência na resolução.
(vii) Como enfatiza do TRL no seu douto aresto de 23/03/2023: “Se a parte que resolve o contrato com base em alteração das circunstâncias não invoca ter sofrido qualquer dano ou onerosidade excessiva com o cumprimento do contrato, apenas invocando dificuldades numa empresa de uma sociedade de que é sócio, conclui-se pela falta de fundamento e consequente ilicitude da resolução do contrato promessa por alteração das circunstâncias”.
Mas mais,
(viii) A Apelante resolveu este contrato, mas parece que celebrou outro contrato parecido com aquele que estava a negociar com o Apelado, em condições parece que idênticas às da negociação que corria;
(ix) Além de que, resolveu este contrato, (resolução esta com prolongado aviso prévio) num quadro em que havia fechado com o Apelado todas as condições da renegociação solicitada no âmbito da existência de uma alteração do quadro de fundo, e este novo contrato já todo renegociado em substituição do presente não aconteceu, não porque as condições fossem impossíveis de cumprir, mas sim porque a Apelante se recusou a fornecer os elementos necessários à finalização do processo burocrático legalmente imposto ao Apelado no âmbito da legislação do combate ao terrorismo e branqueamento de capitais.
(x) E, portanto, como refere, também a jurisprudência citada: “A resolução do contrato sem fundamento é ilícita, não produzindo o efeito típico aliado àquela forma de cessação do contrato”.
(xi) Pelo que sendo nula e ineficaz perante o Apelado, a resolução promovida pela Apelante não foi apta a fazer cessar válida e definitivamente os termos do contrato celebrado, na data da sua receção, que, assim, (e não pela violação das regras contratuais sobre a caducidade) se manteve em vigor por inoperância da própria resolução.
(xii) E, por isso, teve de ser resolvido pela sentença, por falta de pagamento das rendas, porque se a resolução é ineficaz por nula e não produz efeitos, o resolvente se mantém responsável pelas rendas.
Acresce que,
(xiii) Mas mesmo que assim não fosse, e a resolução fosse válida, a responsabilidade da Apelada pelo valor da renda (a esse título ou como indemnização por falta de entrega do locado, tal como a condenação na entrega do imóvel) sempre se imporiam.
(xiv) É que, como bem refere a sentença recorrida, “ainda que assim se não entendesse, certo é que a Ré na data em que a própria aponta como sendo aquela em que se produziriam os efeitos da resolução, não procedeu à entrega da chave, o que igualmente determinaria a sua condenação, ainda que por fundamento jurídico diverso (pela relação de arrendamento de facto)”.
(xv) A posse sobre um imóvel corporiza-se numa situação de facto caracterizada pela possibilidade de alguém poder agir livremente sobre o mesmo e utilizar as suas utilidades, o que tipicamente acontece através da possibilidade de ao mesmo conseguir aceder livremente, ato que tipicamente se materializa na posse das chaves de acesso ao mesmo, já que o abrem e o fecham (e que são inclusivamente parte integrante deste).
(xvi) A entrega das chaves simboliza o empossamento no bem e a sua devolução, a entrega deste.
(xvii) O inquilino que não devolve a chave, mesmo que não vá usá-la, não renuncia ao direito a poder fazê-lo e é a essa dimensão, também simbólica, que a lei reconhece efeitos de entrega tácita, que no caso inexistiu.
(xviii) É que, como o Apelado aqui sempre referiu, em linha com o Acórdão unânime do Douto Tribunal da Relação de Lisboa de 5/4/20114 , relatado pelo Sr. Desembargador Gouveia de Barros, disponível em www.dgsi.pt cuja trecho do sumário aqui se transcreve: “Na verdade as chaves são parte integrante do prédio e a sua entrega equivale à investidura na posse do imóvel (cfr. nº3 do artigo 930º do CPC), seja a entrega ao inquilino no início do arrendamento, seja a devolução ao senhorio, no termo do contrato.
xix) No caso concreto, fruto da (ilícita) não devolução das chaves ao Apelado, o locado não pode ter-se como entregue nem (tacitamente) recebido, pois a entrega só fica consumada com a efetiva devolução das chaves recebidas da Apelante, sendo, como se vem referindo, absolutamente irrelevante a possibilidade que a Apelante conclui do Apelado ter cópia destas.
(xx) O que, portanto, sempre impediria a sua desoneração do pagamento da renda correspondente a toda a duração da sua posse, seja a que título fosse, nos termos previstos no art. 1045.º, n.º 1 do CC. Que dispõe que: “Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida”.
(xxi) Bem andou, pois, a decisão recorrida, já que, mesmo que a resolução fosse válida (e não foi) a Apelante seria sempre responsável pelo valor da renda (a título de indemnização) até ao momento da restituição, o qual só aconteceu com o envio das chaves por correio, já depois de notificada a sentença, como se deu nota aos autos.
(xxii) Doutra sorte, entendendo-se, como o faz a sentença que a resolução não surtiu os seus efeitos e que a Apelante, que não restituiu o imóvel, não cumpriu com o iter necessário a validamente resolver o contrato por alteração substancial, e viu o contrato resolvido por falta de pagamento, mantém-se, a mesma, obrigada a pagar as rendas, e depois da sentença que declarou a resolução, a título de indemnização, até à entrega efetiva do locado.
(xxiii) E, portanto, mesmo que a resolução fosse eficaz, e não foi, a partir do momento em que a Apelante não entregou as chaves, e com isso não restituiu o imóvel, é responsável pelos valores que se vençam mensalmente até à restituição do mesmo ao Apelado.
(xxiv) R, portanto, confessando a Apelante que não devolveu as chaves, claro fica que nenhum ato de restituição da posse praticou, e, portanto, se constituiu responsável pelo valor das rendas até que o fizesse.
(xxv) Razão pela qual improcede a Apelação, devendo a douta sentença ser confirmada na íntegra.”

O recurso foi admitido como APELAÇÃO, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - OBJETO DO RECURSO:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso.
As questões decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso são as seguintes:
- saber se o contrato de arrendamento deve ser considerado validamente extinto em Julho de 2021 em resultado da declaração de resolução comunicada pela arrendatária à Recorrida por carta datada de 17.02.2021;
- nulidade da cláusula 2º nº 2 do contrato de arrendamento, por contrária ao disposto no artº 280º do Código Civil.
- erro de julgamento quanto á obrigatoriedade de entrega das chaves do arrendado e pagamento das quantias a que a recorrente foi condenada.

III - FUNDAMENTAÇÃO:
Com relevo para a decisão a proferir, foram julgados provados os seguintes factos:
1) O Autor é um Fundo de Investimento Imobiliário Aberto, o qual é representado e gerido pela B..., S.A., sua gestora, e a sua política de investimento é a de que: “O Fundo é predominantemente de arrendamento, mas sem excluir as oportunidades de alienação e aquisição, tendo por orientação princípios de rigor, rentabilidade, liquidez e diversificação de risco segundo os critérios e perspetivas da Sociedade Gestora, de molde a permitir uma remuneração das aplicações, a mais de um ano, dos titulares das unidades de participação, tendencialmente mais atrativa do que as dos depósitos a prazo para iguais períodos e montantes”
2) A gestora é uma sociedade comercial que se dedica à administração de fundos imobiliários e a quem compete, de acordo com o regulamento do Fundo proprietário e relativamente ao mesmo, “Praticar todos os atos e operações necessários ou convenientes à boa administração do Fundo, de acordo com critérios de elevada diligência e competência profissional”; e bem assim: “Celebrar os negócios jurídicos e realizar todas as operações necessárias à execução da política de investimentos prevista neste Regulamento e exercer os direitos direta ou indiretamente relacionados com os valores do Fundo”;
3) O Fundo é dono e legítimo proprietário das frações autónomas designadas pelas letras: “AX, correspondente a serviços no piso cinco, designados por G, com entrada pelo número ...3 da Rotunda ... e lugar de estacionamento no piso menos quatro, designado por ...; e “AZ”, correspondente a serviços no Piso Cinco, designados por “H”, com entrada pelo número ...3 da Rotunda ... e lugar de estacionamento no piso menos quatro, designado por ...; ambas pertencentes ao prédio sito em ..., Rua ..., ... e Rua ..., ..., freguesia ... e concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o número ...96 da dita freguesia e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...86, da União das Freguesias ... e ...;
4) Com data de 1.12.2017, o Autor e a Ré celebraram um acordo através do qual o primeiro entregou à segunda, mediante a contrapartida do pagamento mensal de € 1.780.00 acrescido de IVA, atualizável pelos coeficientes anuais publicados, (ascendendo o seu valor atual a: €1.829,93 + IVA = € 2.250,81), a fruição e posse do supra referido locado destinado à área dos serviços, no documento que denominaram de “Contrato de Arrendamento não Habitacional” (cfr. documento n.º 1, anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
5) A Ré deveria pagar, também mensalmente, o valor do condomínio que fosse debitado ao Fundo Autor, o qual tem o valor atual de €294,70 (cfr. cláusula 11ª documento identificado no parágrafo anterior);
6) Este referido acordo duraria pelo prazo de cinco anos, com início em 1 de dezembro de 2017 e término em 30 de novembro de 2022, renovando-se por períodos de 2 anos caso nenhuma das partes se viesse a opor à sua renovação (cfr. cláusula 2.ª n.º 1 do documento a que se alude no facto 4º);
7) Mais acordaram as partes, “que não assiste à Arrendatária ou ao Senhorio o direito de fazer cessar o presente contrato, por meio de denúncia, durante os primeiros 5 dias (cinco) anos de vigência do contrato” cfr. cláusula 2.ª n.º 2 do documento a que se alude no facto 4º);
8) Nos termos da cláusula terceira n.º 3 “A Arrendatária entrega nesta data ao Senhorio o montante de €5.340,00 (…) a título de caução pelo bom cumprimento das obrigações assumidas nos termos do presente contrato”;
9) A Ré recebeu o locado do Autor, que lho entregou, como contratado, em dezembro de 2017 e passou a usá-lo e fruí-lo, utilizando-o em sem nome e no seu interesse e com exclusão de quaisquer outros (aceite por acordo);
10) O último valor pago pela Ré ao Autor e que foi imputado a título de pagamento parcial da renda, foi o valor de €1.274,28, o qual foi lançado no extrato de conta-corrente cliente, com a data de 9.06.2021, sendo que nesse mês a Ré já não pagou qualquer valor referente ao condomínio;
11) Em 29.01.2021 a Ré remeteu ao Autor uma carta com o seguinte teor: “Serve a presente carta para manifestar a intenção da C..., Arrendatária da A... (…) de reduzir a área locável, sita no edifício ..., quinto piso, frações AX (G) e AZ (H) e lugares de estacionamento no piso menos 4 (…).
A necessidade de redução da área locável prende-se com uma quebra assinalável no volume de faturação total durante o ano de 2020, de 22% em comparação com o ano de 2019.
Como reflexo do decréscimo da atividade é ainda de salientar que a C... teve de reduzir a sua equipa comercial, parte dela localizada em Gaia, de 14 para 8 pessoas, presentemente.
Este decréscimo de atividade explica-se pelas fusões e aquisições que aconteceram no mercado português, potenciada pelo efeito do Covid-19 que, infelizmente, continua a penalizar a economia nacional.
No presente caso, verifica-se uma objetiva alteração das circunstâncias relativamente às existentes no início da vigência do contrato, a qual se carateriza, também, pela sua total imprevisibilidade e por excederem largamente os riscos próprios do tipo contratual em questão.
A intenção da C... é, pois, alterar o contrato de arrendamento em vigor e celebrado em 01/12/2017, substituindo-o por um outro arrendamento, se possível no mesmo edifício, mas numa fração de menor dimensão (menor ou igual a 55m2) por valores m2 de €12 a €12,5, mantendo-se a validade do contrato anterior.
Solicito a vossa melhor compreensão para esta situação que nos afeta de forma significativa e saliento que gostaríamos de manter o nosso vínculo comercial, na expectativa de, futuramente, podermos incrementar novamente as áreas locadas.” (cfr. teor do documento n.º 2, anexo à petição inicial);
12) Por missiva registada em 17.02.2021, remetida pela Ré ao Autor, esta comunicou-lhe o seguinte: “No seguimento dos nossos contactos anteriores e atendendo à posição veiculada por V.Exas. através do e-mail datado de 3 de fevereiro do p.p., no que se refere à negociação de um novo contrato de arrendamento, vem a C..., S.A., na qualidade de Arrendatária das frações AX (G) e AZ (H) e lugares de estacionamento no piso -4, designados por ... e ..., sitos no edifício ..., quinto piso, com entrada pelo n.º ...3 da Rotunda ..., em Vila Nova de Gaia, exercer o seu direito à resolução do Contrato de Arrendamento acima identificado, com base na alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, inerentes aos efeitos decorrentes da situação pandémica causada pela Covid -19, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 437º do Código Civil.
O exercício do presente direito prende-se com a verificação de uma quebra substancial na atividade da Arrendatária durante o ano de 2020, a qual permanece no corrente ano; com esse decréscimo de atividade a implicar a redução do número de colaboradores que exercem as suas funções no local arrendado e a determinar uma situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações contratualmente assumidas a curto/médio prazo. Como V.Exas. compreenderão, e já foi por nós esclarecido na carte anterior enviada, este decréscimo de atividade foi severamente potenciado pelos efeitos da pandemia da doença Covid-19 no território nacional, verificando-se, no presente caso, o preenchimento dos pressupostos da anormal alteração das circunstâncias em que as partes alicerçaram a decisão de contratar, a qual se carateriza, também, pela sua total imprevisibilidade e por exceder largamente os riscos próprios do tipo contratual em questão.
A natureza tão particular da presente situação pandémica com as consequências conhecidas, quer em termos da contratação económica geral, quer das medidas que limitam a deslocação dos trabalhadores, não se compadece com a aplicação das regras gerais de distribuição dos riscos contratuais inerentes ao regime da locação, em geral, e do arrendamento para fins não habitacionais, em particular.
Tendo sido pela C... proposta, fundamentadamente, uma alteração das condições do atual Contrato de Arrendamento, designadamente, por via do arrendamento da fração do 5º F, foi com surpresa que verificamos que as condições da V/ contraproposta são globalmente mais desfavoráveis que as atuais, o que é difícil de entender. Mais, verificamos que o valor da renda por vós indicado para a fração do 5º F (€925,00 + IVA), é superior ao anunciado pela CBRE para esta mesma fração.
Face ao exposto, entende a C... que demonstrou cabalmente a verificação dos pressupostos da resolução ou da modificação do Contrato por alteração das circunstâncias nos termos do artigo 437º n.º 1 do Código Civil. Esperávamos da V/ parte uma posição de abertura negocial consentânea com estes princípios de repartição de risco e de proporcionalidade, o que não veio a suceder.
Tendo sido por vós referida a manutenção da procura de espaços para arrendamento com a dimensão das duas frações que atualmente ocupamos, esta circunstância em conjugação com o N/ interesse no arrendamento de uma fração com as dimensões do 5ºF, com revisão das condições atuais do arrendamento em vigor é, no n/entender, uma solução respeitadora dos referidos princípios e equilibrada para ambas as partes, pelo que lamentamos que não tenha merecido uma melhor ponderação.
Assim, desde já se comunica a V.Exas que se reputa como adequada e equilibrada a cessação dos efeitos do contrato a 30.06.2021, assim se respeitando a antecedência mínima de cento e vinte dias prevista no n.º 1 da Cláusula Segunda do Contrato de Arrendamento, considerando a necessidade de garantir a proporcionalidade possível da contraprestação, a fim de não criar desequilíbrios injustificáveis na distribuição do risco contratual entre ambas as partes. De resto, atendendo ao facto de já ter decorrido um período correspondente a mais de três quintos da duração inicial do Contrato, não se vislumbra que a inobservância de um prazo superior ao indicado possa vir a acarretar qualquer tipo de desequilíbrio acentuado na repartição do mencionado risco.
Propõe-se que o valor pago a título de caução (€5.340,00), nos termos do n.º 6 da Cláusula Terceira do Contrato, seja considerado para efeitos de renda relativa aos meses de abril, maio e junho, naturalmente, mediante a verificação do bom estado de conservação do locado. (cfr. documento n.º 1, anexo à contestação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
13) Partindo do pedido a que se alude no facto 9º, as partes entabularam negociações com vista à futura celebração do novo acordo que viesse a ser celebrado e que viesse a revogar o anterior;
14) Do decorrer dessas conversas as partes chegaram a ter um entendimento sobre as eventuais condições aplicáveis para a celebração de um futuro novo contrato referente a uma outra fração do edifício e que fosse consentâneo com a solicitada redução do espaço locável, pelo que passaria a Ré a utilizar a outra fração mais pequena;
15) Através de email datado de 17 de maio de 2021, o Autor solicitou à Ré o seguinte: Tendo em vista a elaboração da proposta de arrendamento, agradecemos o envio dos seguintes elementos:
1. Certidão de Registo Comercial válida;
2. Cartão de Identificação da Pessoa Coletiva;
3. Registo Central de Beneficiários Efetivos;
4. Último IE5;
S. Declaração de inexistência de dívidas à AT;
6. Declaração de inexistência de dívidas à SS;
7. Mapa de responsabilidades centralizadas no Banco de Portugal. Esta informação pode ser obtida no seguinte link (…)
8. Relativamente aos representantes da empresa (Gerentes, Administradores, etc.) e detentores de percentagem de Capital Social igual ou superior a 25%,envio da seguinte informação:
8.1. A certificação do documento de identificação - poderá ser feita das seguintes formas: 1) reconhecimento notarial dos documentos; 2) certificação do documento de identificação em Solicitadores, CTT ou Junta de Freguesia (envio da documentação original para Área Comercial da B... – Rua .../O. ... Lisboa);
8.2. Comprovativo de profissão e de entidade profissional - (recibos de vencimento, declaração da entidade patronal, etc.)
8.3. Comprovativo de endereço completo da residência permanente e, quando diverso, do domicílio fiscal (fatura de serviço com indicação de morada completa, informação Repartição Finanças, etc.);
8.4. Naturalidade;
8.5. Indicação de outras nacionalidades não constantes do documento de identificação;
8.6. Indicação de cargos públicos que exerça ou tenha exercido nos últimos 12 meses.
9. Identidade dos titulares de participações no capital e nos direitos de voto de valor igualou superior a 5%;
10. Identidade dos titulares do órgão de administração ou órgão equivalente, bem como de outros quadros superiores relevantes com poderes de gestão;
Para efeitos de cumprimento da política de Branqueamento de Capitais e do Financiamento do Terrorismo, existe a necessidade de nos ser prestada a seguinte informação relativamente aos representantes da Arrendatária (Gerentes, Administradores, etc.) e seus detentores de percentagem de Capital Social igualou superior a 25%:
• Exerce ou exerceu algum cargo de natureza política ou pública? (em caso afirmativo por favor especificar);
• Algum membro próximo da família desempenha ou desempenhou algum cargo de natureza política ou pública? (em caso afirmativo por favor especificar);
• Alguma pessoa com o qual tenha estreitas relações de natureza societária ou comercial, desempenha ou desempenhou algum cargo de natureza política ou pública? (em caso afirmativo por favor especificar)cfr. documento n.º 3, anexo à contestação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
16) No dia 11 de junho de 2021, o Autor remeteu à Ré um email com o seguinte teor: “De acordo com o Artigo 24º da Lei do BCFT, temos de identificar, nas pessoas coletivas, a «identidade dos titulares de participações no capital e nos direitos de voto de valor igualou superior a 5%». O Artigo 29º, da mesma Lei, obriga a identificar os beneficiários efetivos. Quer isto dizer que temos de identificar %S beneficiário{s) efetivo{s) do cliente até á última pessoa (coletiva ou não) possível de identificar. De acordo com a informação já fornecida por V/Exas, a empresa D... SARL é detentora de 47,745% do Capital Social da C...- PORTUGAL, SGPS,S.A., esta última detentora da totalidade do Capital Social da C..., S.A. Deste modo, para cumprimento da legislação em vigor, a B... tem que identificar os titulares de participações no capital e nos direitos de voto da empresa D... SARL. Assim sendo, reiteramos o pedido de envio de Certidão de Registo Comercial válida (ou equivalente, traduzido para português) e Registo Central de Beneficiários Efetivos (se aplicável) da empresa D... SARL, dado que, sem estes documentos não poderá ser dado seguimento a formalização do acordo. Os sucessivos atrasos no envio da documentação necessária à formalização do acordo não podem, em caso algum, ser imputados à B..., pelo que o novo contrato de arrendamento ainda não teve o seu início, entanto plenamente em vigor o contrato de arredamento para as frações G e H. Este processo já se estende há tempo demasiado, sendo expectativa da B... a sua conclusão no mais curto espaço de tempo possível.” (cfr. documento n.º 4, anexo à contestação);
17) A Ré informou a Autora que não facultaria a informação relativa aos titulares de participações de capital e dos direitos de voto na sociedade D... SARL;
18) E, portanto, a negociação referente à celebração de um novo contrato gorou-se;
19) No dia 1 de junho de 2021, a Ré remeteu ao Autor um email com o seguinte teor: Boa tarde estimados senhores Tendo em consideração que hoje termina o mês de maio, venho informar que as frações G e H já se encontram à vossa disposição. A C... tem os seus funcionários em teletrabalho e as frações em questão já estão sem energia elétrica.
Gostaria de saber quando nos será permitido pintar a fração F e iniciarmos a mudança. Sem mais de momento fico a aguardar a vossa prezada resposta.”
20) A Ré não procedeu à entrega das chaves das frações autónomas ao Autor;
21) Por missiva remetida pela Ré ao Autor, datada de 16 de agosto de 2021, comunicou esta o seguinte: “Na sequência do processo negocial que tem vindo a desenvolver-se entre V.Exas e a C... e face à posição de V.Exas, que nos foi comunicada no mail de sexta feira passada (13-08-2021), somos forçados a concluir que está esgotada a viabilidade de celebração de novo contrato de arrendamento, o que muito nos desagrada, mas que temos que aceitar. Deste modo, perante o quadro de cessação do contrato de arrendamento celebrado em 1 de dezembro de 2017 e a não celebração de um novo contrato, ao contrário do inicialmente previsto, solicitamos a devolução do valor pago a título de caução (5.340,00), um mês de renda do novo escritório (que na nossa boa fé adiantamos) e a prestação de condomínio, o que representa o valor total de €6.614,28, (…) no prazo máximo de 5 dias úteis, correspondente ao montante que vos foi entregue na expectativa de que o contrato de arrendamento seria celebrado. Assim, manifestamos mais uma vez o nosso profundo desagrado quanto à forma como o processo foi conduzido no que toca à exigência de informação, já depois de prestadas todas as informações adicionais e mesmo assim o vosso Departamento de Compliance emitiu parecer desfavorável à proposta de celebração de novo contrato de arrendamento.” (cfr. teor do documento n.º 3, anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
22) Por missiva remetida pelo Autor à Ré, datada de 26 de agosto de 2021, foi comunicado o seguinte: “Entre a C..., S.A. e o A... encontra-se em vigor o Contrato de Arrendamento Não Habitacional para as frações AX (escritório 5.º G) e AZ (escritório 5.º G), ambas pertencentes ao prédio urbano designado por “...”, celebrado em 1 de dezembro de 2017, com o seu início em 1 de dezembro de 2017, término em 30 de novembro de 2022 e com cumprimento obrigatório até 30 de novembro de 2022. Tomando em consideração a Vossa carta datada de 18 de fevereiro de 2021, a B..., sensível aos argumentos apresentados nas reuniões tidas, nomeadamente à redução da atividade da C..., S.A., acedeu em analisar a possibilidade de redução da área locável, de 167 m2 (ABL) para 77 m2 (ABL). Para a formalização da redução de área locável, seria necessário consumar a cessação do arrendamento em curso e a celebração de um novo contrato de arrendamento para o escritório 5.º F, do mesmo imóvel, tendo a B..., para o efeito, remetido, em 28 de abril último, uma proposta comercial que, caso fosse aprovada pela Comissão Executiva da B..., implicaria a aceitação de uma redução da área locável superior a 50%, mantendo os preços unitários de renda para o novo espaço, similares aos que se encontram atualmente em vigor. Não obstante as inúmeras tentativas efetuadas pela B..., não foram disponibilizados, por parte da C..., S.A., todos os documentos necessários para cumprimento do Dever de Informação da Contraparte a que a B... se encontra obrigada, no âmbito da legislação relacionada com o Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo. Por esse motivo, e porque V/ Exas não justificaram a não disponibilização dos documentos solicitados, vemo-nos obrigados a dar por encerradas as negociações. Relativamente ao contrato em vigor, informamos que a B... não aceita a cessação do Contrato de Arrendamento Não Habitacional celebrado pelas partes em 1 de dezembro de 2017, considerando que o mesmo se encontra válido e que não poderá ser denunciado até 30 de novembro de 2022, conforme exposto no n.º 2, da Cláusula Segunda. Face ao exposto atrás, vimos, pela presente, comunicar que, nos termos do n.º 1 da Cláusula Segunda do Contrato de Arrendamento Não Habitacional, celebrado pelas Partes em 1 de dezembro de 2017, pretendemos exercer a oposição à renovação do referido contrato de arrendamento, produzindo os seus efeitos após 30 de novembro de 2022, cumprindo com a antecedência mínima contratualizada. (cfr. teor do documento n.º 4, anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

IV - APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:
4.1 (in) Validade da resolução contratual efetuada pela arrendatária.
Pretende a Apelante ver declarada a validade da resolução do contrato de arrendamento, a que procedeu, enquanto arrendatária, alegando em suma que a mesma tem de ser considerada válida e eficaz, na medida em que foi efetuada de forma adequada quer no que toca à forma quer ao conteúdo da comunicação, uma vez que a resolução, para ser operante, não carece da aceitação do declaratário.
Que a via extrajudicial utilizada compagina-se com o disposto no artº 437º do Código Civil, sendo que a Recorrente indicou com o detalhe possível, as consequências que a alteração anormal de circunstância – pandemia covid 19-provocou na sua atividade e as medidas que tinha de adotar para fazer face à situação e a extinção do contrato não depende da aceitação ou não, da resolução pelo declaratário/Recorrida e muito menos da condição de vir a ser celebrado entre as partes um novo contrato de arrendamento que teria por objeto uma outra fração de que é proprietária.
Vejamos.
A cessação do contrato de arrendamento, importa algumas particularidades ou especificidades, existindo algumas limitações á extinção do vínculo motivada pela proteção do locatário.
Porém, o contrato de arrendamento urbano está sujeito ás causas gerais de extinção dos contratos, abrangendo tanto a revogação, como a resolução, a caducidade, a denúncia ou a oposição á renovação (art. 1079º do C.Civil).[1]
Está em causa apreciar a validade da resolução do contrato pelo arrendatário, que teve por fundamento a alegação da alteração das circunstâncias, nos termos do art. 437º do C.C.
Anteriormente ao NRAU, face ao carater taxativo dos fundamentos de resolução constantes do art. 64º nº 1 do RAU, bem como anteriormente do art. 1903º nº 1 do C.Civil, parece que não se poderia aplicar ao arrendamento urbano o instituto da resolução ou modificação do contrato por alteração de circunstâncias.
Nas palavras de Luís Meneses Leitão,[2] “Efetivamente devia entender-se que o caráter vinculístico do arrendamento delimitava os riscos próprios do contrato de uma forma tão estrita que a sua extinção pelo senhorio apenas poderia ocorrer nos casos taxativamente previstos na lei.
Essa situação foi, porém, alterada com o NRAU, dado que o art. 1079º do C.C. passou a admitir a cessação do arrendamento por quaisquer causas previstas na lei, admitindo o art. 1083º nº 1 do C.C. a resolução do arrendamento por incumprimento nos termos gerais. Face a esta “normalização” da cessação da relação do arrendamento pelo senhorio, parece que deixou de se justificar qualquer restrição á aplicação do instituto da alteração das circunstâncias. Não há assim presentemente obstáculos legais a que o senhorio solicite a resolução do contrato de arrendamento ou a sua modificação segundo juízos de equidade, sempre que as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, se a exigência do cumprimento das suas obrigações afetar gravemente os princípios da boa-fé e não estiver coberta pelos riscos próprios do contrato art. 437º nº 1)”.
Ora o fundamento geral de resolução do contrato de arrendamento por parte do arrendatário é idêntico aquele que vigora para o senhorio.
Assim, é possível ao arrendatário resolver o contrato ou requerer a sua modificação segundo juízos de equidade, se se verificar uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a sua obrigação de contratar, que torne gravemente contrária á boa-fé a exigência das obrigações por si assumidas e que não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
Como é sabido, o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art. 406º, n.º 1, do CC), designadamente, mediante a sua resolução fundada na lei ou em convenção (art. 432°, n.º 1, do CC).
Trata-se, no fundo, da consagração do princípio “pacta sunt servanda”, o qual deve ser entendido como significando que o contrato deve ser cumprido não apenas no aspeto temporal, mas em toda a linha, em todos os sentidos, “ponto por ponto”.[3]
O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (art. 762º, n.º 1, do CC).
“No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé” – n.º 2 do mesmo artigo.
Assim sendo, sempre que o devedor não cumpra a prestação a que está vinculado ou a tenha realizado em desrespeito de qualquer dos princípios referidos, estar-se-á perante uma situação de não cumprimento do dever obrigacional.
O devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que cause ao credor (art. 798º do CC).
Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (art. 799º, n.º 1, do CC).
A culpa do devedor é apreciada em termos abstratos, pela diligência de um bom pai de família, mercê da remissão para o art. 487º, n.º 2, do CC feita pelo art. 799º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Ora, as relações obrigacionais podem extinguir-se por resolução – a resolução destrói a relação contratual (validamente constituída), sendo operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato[4].
Consiste ela assim, na destruição da relação contratual operada por ato posterior de vontade de um dos contraentes que pretende fazer regressar as partes à situação em que se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado.
O que é preciso é que uma das partes esteja em falta e a outra não, ou seja, que um dos contraentes não execute culposamente o contrato e que o outro o tenha executado ou se tenha prestado a executá-lo.
Na generalidade dos casos, a resolução assentará num poder vinculado, obrigando-se a parte que dela se pretende fazer valer, a alegar e provar o fundamento, previsto na convenção das partes ou na lei, que justifica a destruição unilateral do contrato[5].
A resolução é, na maior parte dos casos, extrajudicial, não necessitando do concurso do tribunal para operar os seus efeitos, pois que opera mediante declaração de uma parte à outra – art. 436º, nº 1 do CC.
Além disso, importa ter em atenção que as declarações negociais são recetícias (cfr. o artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil), pelo que a declaração de resolução se torna plenamente eficaz logo que chega à esfera do seu destinatário, maxime nos termos convencionados pelas partes.
Mas isso não significa, ao contrário do que parece fazer crer a recorrente, que basta a comunicação e sua receção, para se pôr termo ao contrato.
É que, de acordo com o preceituado no artigo 432º n.º 1, do CC, a resolução do contrato é admitida fundada na lei ou em convenção das partes.
A resolução do contrato tem que assentar num poder vinculado, obrigando-se a parte que dela se pretende fazer valer, a alegar e provar o fundamento que invoca na declaração de resolução que enviou à parte contraente contrária.
Como esclarecedoramente se afirma no ac. do STJ de 19.9.2002[6], “A declaração resolutória (meio próprio de operar aquele efeito - art. 436º, n. 1, CC), como declaração negocial que é (unilateral e recetícia), não se basta com a mera manifestação de vontade correspondente; para ser eficaz, terá de se reportar ao motivo de resolução (ressalvada, naturalmente, convenção que o dispense). De outro modo, ficaria o declaratário à mercê dos desígnios insondáveis do declarante.
Sendo assim, como o efeito resolutório vem da vontade do declarante e não da sentença (que se limita a controlar a regularidade do ato e a declarar-lhe os efeitos), não pode o tribunal atribuir relevo a um motivo de resolução que, embora emirja dos factos provados, não tenha sido considerado como tal pela parte interessada, no ato da declaração”.
Uma vez que a Recorrida não aceitou a resolução do contrato, tem a Recorrente que provar o fundamento da resolução.
O fundamento mostra-se expresso no art. 437º do C.C.
Nos termos do nº 1 do artigo 437º do Código Civil “se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”.
Dois requisitos, portanto, se exigem:
A) – Alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram decisão de contratar;
B) – Manutenção do conteúdo contratual afetando gravemente os princípios da boa fé e não estando abrangida pela álea própria do contrato.
Como refere Menezes Cordeiro [7] “(…) o problema último da alteração das circunstâncias é que existe um contrato válido e, assim, querido pelo Direito, mas que, por circunstâncias supervenientes, entra em contradição com a boa fé, um dos princípios básicos do sistema. Nos casos efetivos de alteração das circunstâncias, é importante ter presente que o contrato subsiste de forma válida e eficaz, colocando-se em contradição com princípios básicos da autonomia privada e da boa fé, não menos válidos e eficazes. E estas contradições devem ser reconhecidas e resolvidas casuisticamente pelo aplicador do direito(…).”
De acordo com Almeida e Costa,[8] para que o lesado possa valer-se de algum dos direitos previstos no citado artigo, é necessário:
a) – Que a alteração a ter por relevante diga respeito a circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar.
b) – É necessário que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal.
c) – Torna-se indispensável, além disso, que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes.
d) – Mostra-se ainda forçoso que tal manutenção do contrato ou dos seus termos afete gravemente os princípios da boa-fé.
e) – Também é necessário que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato.
f) – Exige-se, por último, a inexistência de mora do lesado.
Constitui assim requisito da aplicação deste regime legal que, durante a execução do contrato, alterações anormais, imprevisíveis, das circunstâncias criem um desequilíbrio contratual, “gravemente” lesivo dos princípios da boa fé e que não esteja coberto pelos riscos próprios do contrato, ou seja, que cause manifesto desequilíbrio das prestações recíprocas dos contraentes, alterando o quadro negocial existente à data, quer dos preliminares, quer da conclusão do negócio.
Relembremos agora o teor da declaração resolutiva da ora Recorrente, constante da missiva que em 17.02.2021, remeteu ao Autor: “No seguimento dos nossos contactos anteriores e atendendo à posição veiculada por V.Exas. através do e-mail datado de 3 de fevereiro do p.p., no que se refere à negociação de um novo contrato de arrendamento, vem a C..., S.A., na qualidade de Arrendatária das frações AX (G) e AZ (H) e lugares de estacionamento no piso -4, designados por ... e ..., sitos no edifício ..., quinto piso, com entrada pelo n.º ...3 da Rotunda ..., em Vila Nova de Gaia, exercer o seu direito à resolução do Contrato de Arrendamento acima identificado, com base na alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, inerentes aos efeitos decorrentes da situação pandémica causada pela Covid -19, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 437º do Código Civil.
O exercício do presente direito prende-se com a verificação de uma quebra substancial na atividade da Arrendatária durante o ano de 2020, a qual permanece no corrente ano; com esse decréscimo de atividade a implicar a redução do número de colaboradores que exercem as suas funções no local arrendado e a determinar uma situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações contratualmente assumidas a curto/médio prazo. Como V.Exas. compreenderão, e já foi por nós esclarecido na carte anterior enviada, este decréscimo de atividade foi severamente potenciado pelos efeitos da pandemia da doença Covid-19 no território nacional, verificando-se, no presente caso, o preenchimento dos pressupostos da anormal alteração das circunstâncias em que as partes alicerçaram a decisão de contratar, a qual se carateriza, também, pela sua total imprevisibilidade e por exceder largamente os riscos próprios do tipo contratual em questão.
A natureza tão particular da presente situação pandémica com as consequências conhecidas, quer em termos da contratação económica geral, quer das medidas que limitam a deslocação dos trabalhadores, não se compadece com a aplicação das regras gerais de distribuição dos riscos contratuais inerentes ao regime da locação, em geral, e do arrendamento para fins não habitacionais, em particular.
(…) Assim, desde já se comunica a V.Exas que se reputa como adequada e equilibrada a cessação dos efeitos do contrato a 30.06.2021, assim se respeitando a antecedência mínima de cento e vinte dias prevista no n.º 1 da Cláusula Segunda do Contrato de Arrendamento, considerando a necessidade de garantir a proporcionalidade possível da contraprestação, a fim de não criar desequilíbrios injustificáveis na distribuição do risco contratual entre ambas as partes. De resto, atendendo ao facto de já ter decorrido um período correspondente a mais de três quintos da duração inicial do Contrato, não se vislumbra que a inobservância de um prazo superior ao indicado possa vir a acarretar qualquer tipo de desequilíbrio acentuado na repartição do mencionado risco.(…)”
Esta carta surge na sequência de uma primeira missiva, datada de 29.01.2021 que a Ré remeteu ao Autor, que tinha em vista, a celebração de um novo contrato de arrendamento que viesse a revogar o anterior, relativamente ao qual, entabuladas as negociações, não se verificou o necessário acordo.
As circunstâncias excecionais e anormais invocadas relacionam-se com os efeitos da pandemia de Covid-19.
É do conhecimento geral que a “Organização Mundial de Saúde” qualificou, no dia 11/03/20, a emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19 como uma pandemia internacional.
Daí que não tenhamos dúvidas em afirmar que a crise pandémica resultante da doença COVID-19 constitui uma situação suscetível de integrar (em abstrato) os pressupostos da resolução ou modificação dos contratos por alteração das circunstâncias, nos termos do art.º 437.º do Código Civil, por poder constituir uma alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, suscetível de provocar dano grave a uma das partes, de tal modo que a exigência, a essa parte, do cumprimento das obrigações assumidas contrarie gravemente a boa-fé.
Acontece que, a regra que emerge do nº 1 do art.º 437º do Código Civil tem carácter genérico e indeterminado, carecendo de ser interpretada de acordo com a especificidade revelada pelo caso concreto.
Daí que importe agora verificar se a situação pandémica provocou um dano grave a uma das partes, á arrendatária, de tal modo que a exigência, a essa parte, do cumprimento das obrigações assumidas contrarie gravemente a boa-fé.
Para se formular tal juízo haverá que atentar que, estando em causa um contrato de arrendamento (não habitacional), a ocorrência da pandemia de Covid-19 e suas consequências, implicou uma produção legislativa de carácter excecional e temporário, de onde avultam, entre muitas outras regras, aquelas aplicáveis aos arrendamentos, habitacionais e não habitacionais.
Foram na verdade, criadas normas excecionais e temporárias destinadas a disciplinar aspetos parcelares de alguns institutos jurídicos, devendo entender-se que a sua teleologia foi a de fixar os termos das modificações contratuais adequadas aos efeitos da pandemia por COVID-19 nos aspetos pontuais considerados fragilizados nos respetivos institutos jurídicos sobre que versam.
Neste sentido, veja-se Pestana de Vasconcelos[9], que escreveu a este respeito: “(…) estes diplomas visam introduzir alterações ao regime destes contratos, mas de forma muito pontual, estando, além disso, sempre dependentes da adesão dos beneficiários – que tem carácter potestativo. Daí a regulação decorrente da vontade das partes corporizada na modelação do conteúdo negocial (exceto naqueles pontos em que colida com estes regimes), assim como as disciplinas gerais dos diversos tipos contratuais, se manter.”
Assim sendo, tal como se considerou no recente acórdão do STJ de 11.5.2023[10], “qualquer norma daí emergente que preveja situação idêntica à do caso concreto sempre se há-de considerar como norma interpretativa daquela norma de carácter indeterminado, na medida em que densifica a mesma.”
Haverá assim que convocar tal legislação, concretamente a Lei 4-C/2020, de 6/4, que no seu art.º 8º, relativamente aos contratos de arrendamento não habitacionais veio admitir ao arrendatário o diferimento do “pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, para os 12 meses posteriores ao término desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda do mês em causa”.
Este preceito legal, embora não aplicável diretamente ao caso dos autos (desde logo porque a R. nunca declarou à A. pretender usar de tal faculdade de diferimento do pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigorou o estado de emergência, mas a extinção pura e simples da obrigação de pagamento das mesmas), serve como auxiliar interpretativo para a definição dos juízos de equidade que devem estar presentes na modificação do programa contratual.
Ora, no caso em apreço, relativamente ao fundamento de resolução invocado pela ora apelante, não podemos deixar de concordar com a análise feita pelo tribunal recorrido, que subscrevemos na íntegra:
Pode, com efeito, ler-se na sentença: “No essencial, a Ré não indica qual o decréscimo da sua faturação, qual o reflexo desse decréscimo nos seus custos, ou seja, se era de tal monta que a impedia total ou parcialmente de os suportar, nomeadamente no que à renda respeita.
O que da sua comunicação decorre é que teve manteve a atividade, ainda que de forma limitada, o que lhe acarretou uma quebra substancial, que não carece da totalidade daquele espaço por não ter os seus trabalhadores em atividade presencial, sendo que se encontrava a negociar o arrendamento de um espaço de menores dimensões (cerca de metade da área) noutro local. Tal comunicação é vazia de conteúdo e omissa nas condições que atravessava a Ré, o que impede de avaliar quais os seus reflexos na manutenção do contrato de arrendamento.
(…) Para além disso, não se poderá escamotear que os diversos setores da economia não foram atingidos da mesma maneira pela paralisação imposta, havendo alguns, ainda que escassos, que foram até beneficiados, que as medidas de contenção não tiveram sempre o mesmo nível de gravidade, o que imporia que a Ré concretizasse e especificasse, na sua comunicação, a sua real situação.
Não o tendo feito, não poderá agora fazer-se valer de uma declaração resolutiva destituída de qualquer elemento que a suporte.
Como tal, concluiu-se que não produziu efeitos, pelos motivos expostos, a declaração resolutiva emitida.”
A crise genérica na economia provocada pela pandemia, não teve efeitos idênticos no setor empresarial, sendo que nem todas as empresas viram os seus rendimentos reduzidos pelo decrescimento do consumo de bens ou serviços, e pelas medidas restritivas adotadas pelo governo com vista a evitar a propagação da doença.
A Ré não estava por isso dispensada de demonstrar que “a quebra substancial na atividade da Arrendatária durante o ano de 2020, a qual permanece no corrente ano; com esse decréscimo de atividade”, que alega ter sofrido, ocorreu como causa direta e em consequência da situação pandémica vivida, não estando assim dispensada de demonstrar os efeitos concretos que tal situação teve no seu negócio.
Ora, tal como se afirma na sentença recorrida, “(…) porque a resolução do contrato assenta num poder vinculado, não estava a ora Recorrente dispensada de demonstrar que as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”.
Do exposto resulta que não logrou a Ré demonstrar o fundamento resolutivo invocado, pelo que, mantendo-se a vigência do contrato, estava obrigada a proceder ao pagamento pontual das rendas, como contrapartida do gozo do locado e bem assim as demais obrigações a que contratualmente se vinculou.
Não o tendo feito, tem o senhorio direito a ver resolvido o contrato, nos termos do disposto no art. 1083º nº 3 do Código Civil, constituindo esta ação de despejo o meio processual próprio para o efeito (art. 15º do NRAU), com as consequências legais devidamente apreciadas na sentença.
4.2 Da nulidade da cláusula 2ºa nº 2 do contrato de arrendamento
O Recorrente invoca ainda nas suas conclusões de recurso a nulidade da clausula 2ºa nº 2 do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, alegando que a Recorrente não pode ser condenada no cumprimento de uma obrigação que tem a sua origem numa cláusula contratual nula por violação do disposto nos artº 280º e 1080º ambos do Código Civil.
A cláusula em causa tem o seguinte teor:



Diz a Apelante que, da sentença recorrida resulta que, depois de afastar a validade da resolução por alteração anormal das circunstâncias, o Tribunal a quo decreta a resolução do contrato de arrendamento com o fundamento de que a Recorrente não pagou as rendas e as despesas de condomínio a que estava obrigada e que a obrigação de pagamento resultaria do disposto na cláusula 2º nº 2 do contrato de arrendamento.
Alega que a norma constante da citada cláusula citada é nula por contrária ao disposto no artº 280º do Código Civil.
Assim, uma vez que está ferida de nulidade, a disposição contratual em cuja violação se funda a resolução do contrato não pode ser utilizada para decretar a resolução do contrato por violação do dever de pagamento de rendas e despesas.
Vejamos.
Estabelece o art. 1079º do C.C. que o arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei.
A Autora, ora apelada instaurou ação de despejo contra a ora apelante com fundamento na falta do pagamento de rendas, que constitui a principal obrigação daquela arrendatária.
A ação de despejo é usada com vista a fazer cessar a relação jurídica de arrendamento e deverá ser intentada em duas circunstâncias: quando a lei impõe o recurso á via judicial para a cessação do contrato de arrendamento (por exemplo o artigo 1084º nº 1 do C.C) e sempre que o arrendatário não aceite u não execute o despejo resultante de qualquer outra causa de cessação (art. 15º do NRAU).[11]
A ação de despejo foi intentada pela Autora, em 31.8.2022, quando o contrato de arrendamento, como vimos, se encontrava em vigor, não tendo sequer sido ainda concluído o termo contratualmente previsto (que ocorreria em 30.11.2022), sendo certo que, nenhuma das partes procedeu á denúncia do mesmo.
O contrato de locação, como negócio jurídico de execução continuada, pode ser celebrado por determinado período, sendo que no caso do arrendamento, se as partes nada disserem o negócio jurídico renova-se automaticamente por idêntico período (art. 1054º do C.Civil).
Sempre que as partes não procedem à denúncia do contrato, haverá prorrogações automáticas do mesmo.
A denúncia é um modo de cessação de vínculos obrigacionais de duração indeterminada, sendo exclusiva de contratos com prestações que se protelam no tempo, visando impedir a prossecução da vigência de um negócio jurídico continuado, ou obstando a sua renovação. A denúncia, ao contrário da resolução é de exercício discricionário, não sendo necessário invocar qualquer motivo.
Se estas duas formas de cessação do contrato têm em comum a extinção ser determinada pela vontade de uma das partes, elas não se confundem, sendo certo que, na situação em apreço, nenhuma das partes pretendeu desvincular-se contratualmente por denúncia – o fundamento da cessação contratual foi a sua resolução – pelo que, mostra-se inútil apreciar a (in)validade da cláusula contratual indicada.
Assim sendo, fica prejudicado o conhecimento desta questão.
4.3 Falta de entrega das chaves.
Considera a Recorrente que a entrega física das chaves não é condição sine qua non, para que o contrato de arredamento cesse.
Afirma que a lei não faz depender desse ou de qualquer outro ato material, a extinção da relação contratual em especial nas situações em que a resolução não depende da aceitação do declaratário.
Na verdade, no artº 1038º i) do Código Civil, o que se determina é que, findo o contrato, o inquilino restitua o locado ao senhorio.
Essa restituição pode ser feita por qualquer forma, sendo só determinante que o senhorio tenha a possibilidade de passar a dispor dos bens locados e de lhes dar a destinação que pretender.
No caso, uma vez que lhe foi comunicada a disponibilização do espaço e as chaves que permitiam o acesso se encontravam sob seu controlo, nada impedia a Recorrida de tomar posse dos bens.
Vejamos.
De acordo com a matéria de facto provada, concretamente do facto 19, resulta provado que no dia 1 de junho de 2021, a Ré remeteu ao Autor um email com o seguinte teor: “Boa tarde estimados senhores Tendo em consideração que hoje termina o mês de Maio, venho informar que as frações G e H já se encontram à vossa disposição. A C... tem os seus funcionários em teletrabalho e as frações em questão já estão sem energia elétrica.
Gostaria de saber quando nos será permitido pintar a fração F e iniciarmos a mudança. Sem mais de momento fico a aguardar a vossa prezada resposta.”
O facto de a Ré ter declarado ter colocado à disposição da autora as frações objeto do contrato de arrendamento, tal não significa que ficasse dispensada de pagar as rendas contratualmente acordadas como contrapartida do gozo do locado.
Com efeito, esta missiva surge na sequência da anterior declaração resolutiva feita pela arrendatária. Porém, como vimos, a declaração resolutiva da Ré não teve por efeito, pôr termo ao contrato, tendo subsistido, não obstante, o vínculo contratual.
Daí que seja irrelevante para a questão em apreço, a questão da entrega das chaves.
Tendo agora, por via desta ação sido julgado cessado o contrato de arrendamento, por resolução válida do senhorio, o locatário fica obrigado a restituir a coisa locada (art. 1045º nº 1 do C.C.).
Trata-se de uma obrigação do locatário que se vence com a extinção do vínculo, “sendo em princípio um dever de execução pós-contratual.”[12]
O vencimento da obrigação da entrega da coisa dá-se de imediato, no momento em que termina o contrato.
Se o locatário não restituir imediatamente a coisa locada, nos termos do art. 1045º nº 1 do C.Civil, deve continuar a pagar a renda nos termos ajustados.
Na situação em apreço, tal como se entendeu na sentença, não pode considerar-se cumprida a obrigação de restituição do locado, com base na carta em que a Ré se limita a dizer que “ as frações G e H já se encontram à vossa disposição”, continuando a ter a disponibilidade do locado, mantendo na sua posse as respetivas chaves.
E não se trata claramente de uma situação de eventual mora da autora em receber o locado, porque o como vimos, o contrato de arrendamento permaneceu em vigor, não se tendo provado qualquer acordo das partes para a sua revogação.
4.4 Condenação no pagamento das rendas e do valor do condomínio
Diz por último a Recorrente que a condenação no pagamento do valor das rendas e despesas de condomínio vencidas à data da propositura da acção bem como dos valores vincendos carece de fundamento.
Isto porque, tal condenação resulta do facto do Tribunal a quo:
a/ não ter julgado de forma correta a questão da resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias; e
b/ não ter apreciado a validade do nº 2 da cláusula 2ª do contrato de arrendamento.
Ora como vimos, os pressupostos invocados não foram acolhidos por este tribunal de recurso, mantendo-se por isso o decidido na sentença nesta matéria.
Improcede, pois, in tottum o presente recurso.

VI - DECISÃO.
Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto, em julgar totalmente improcedente o recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Porto, 13 de junho de 2023
Alexandra Pelayo
Francisco Vilares Ferreira
Alberto Taveira
_______________
[1] Sobre a extinção do contrato de locação ver Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 3ª edição, pgs. 297 e ss.
[2] In Arrendamento Urbano, 8º edição, Almedina, pg. 144 e 145.
[3] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed. Coimbra Editora, p. 373.
[4] A. Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, p. 265.
[5] A. Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, p. 265.
[6] Acórdão proferido no Processo nº 02B1949, (relator: Quirino Soares), disponível em dgsi.pt:
[7] In Tratado de Direito Civil - IX, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, p.680.
[8] In Direito das Obrigações, 5ª edição, páginas 265 a 271.
[9] In “Legislação de emergência e contratos. O regime excecional dos contratos de arrendamento e bancários” in Revista do Ministério Público – Número Especial COVID-19, Ano 41, junho de 2020, pág. 260-261.
[10] Proferido no Processo 1455/21.5YLPRT.L1.S1, relatado por Catarina Serra e disponível in www.dgsi.pt.
[11] Pedro Romano Martinez, ob.cit.pg.327.
[12] Pedro Romano Martinez, ob.cit, pg. 329.