Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1330/19.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR DIONÍSIO OLIVEIRA
Descritores: DOCUMENTO PARTICULAR
FORÇA PROBATÓRIA
PRESUNÇÃO
CONFISSÃO EXTRA-JUDICIAL
REPRESENTAÇÃO SEM PODERES
Nº do Documento: RP202302071330/19.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; DECISÃO ALTERADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A força probatória plena dos documentos particulares atribuída pelo artigo 376.º, n.º 1, do CC, reporta-se à materialidade das declarações documentadas e não à sua exactidão.
II – O artigo 376.º, n.º 2, do CC, consagra uma presunção ilidível de veracidade dos factos compreendidos na declaração que sejam desfavoráveis ao declarante, por aplicação das regras da confissão.
III – A confissão extrajudicial em documento particular apenas terá força probatória plena se for feita à parte contrária ou a quem a represente (artigo 373.º do CC).
IV – A força probatória plena da confissão pode ser afastada pela prova de algum vício invalidante da confissão (artigo 359.º do CC), a fazer-se por qualquer meio de prova legalmente admissível.
V – Parte da jurisprudência admite que aquela força probatória plena pode ser afastada pela prova da inveracidade da declaração confessória (artigo 347.º do CC), mas sem possibilidade de recurso à prova testemunhal ou por presunções judiciais (artigos 351.º e 393.º, n.º 2, do CC), a não ser que exista outro meio de prova que torne verosímil aquela inveracidade, admitindo-se então a prova testemunhal ou o recurso a presunções judiciais como complemento daquele começo de prova.
VI – O negócio celebrado sem poderes de representação, que não seja ratificado pelo representado, é ineficaz em relação a este (artigo 268.º do CC), mas também não pode ser tratado como um negócio do representante.
VII – O representante sem poderes que tenha agido com culpa responde perante a contraparte com fundamento em responsabilidade pré-contratual (artigo 227.º do CC) ou na existência de uma promessa tácita de garantia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1330-19.3T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto – Juiz 4


Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório
AA, natural de Angola, ... em Portugal, na Rua ..., ..., Gondomar, e em Angola, no Condomínio ..., Luanda, intentou a presente acção declarativa comum contra BB, ... na Rua ..., Bairro ... e da ..., ..., ..., ... São Domingos de Rana, e CC, ... na Rua ..., ... Ferreira do Alentejo, pedindo:
1. Que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial do réu CC, transferindo o direito de propriedade do prédio urbano denominado de lote ..., sito em Gondomar, na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº ... e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ... da freguesia ... (...), ... e ..., constituído por casa de três pavimentos, prometido vender para o autor, pelo preço de 370.000,00 USD e, cumulativamente, sejam os RR. condenados a reembolsar o autor dos valores que este seja obrigado a pagar para expurgar o imóvel das hipotecas que sobre ele incidem, cujo capital máximo garantido e registado é de 210.839,84€.
2. Em alternativa, se o réu CC não declarar a ratificação da promessa de compra e venda, que os réus sejam condenados solidariamente a restituir ao autor a quantia de 370.000 USD (a que corresponde o contravalor de 324.675,32€), acrescida de juros de mora contados à taxa de 4% ao ano, desde a data de pagamento de cada uma das prestações do preço até à data de efectivo e integral pagamento, os quais na presente data ascendem a 66.568,84€, e ainda a indemnizar o autor pelos danos sofridos com a sua mudança e reinstalação noutro local, gastos com a presente acção e outros gastos de natureza jurídica que suportou com este assunto, a ser quantificados a final, sem prejuízo da extensão da indemnização aos danos que se vierem a provar no decurso da acção, nos termos do artigo 569.º do Código Civil.
Para o efeito, alegou o seguinte:
- Em meados de Abril de 2013, o réu BB, invocando representar e defender os interesses do seu pai, o réu CC, combinou com o autor a venda da moradia daquele, que o autor se comprometeu a comprar, mais acordando que a concretização do negócio, através da escritura de compra e venda da moradia, seria já realizada pelo referido CC; foi então ajustado o preço de 370.000 USD, que o autor entregou ao réu BB na sua totalidade, através de prestações satisfeitas entre Abril de 2013 e Novembro do mesmo ano, tendo o autor liquidado ainda as despesas com a instalação da sua residência na moradia, que o réu BB apoiou activamente, procedendo à encomenda e instalação dos bens necessários para o efeito;
- Em 23.05.2014, como o réu BB tardava em trazer a documentação do negócio subscrita pelo seu pai, que o autor insistiu que lhe fosse entregue, subscreveu e entregou ao autor um documento onde «declara que recebeu de AA (…) a quantia de 370.000 USD (…) referente à venda da totalidade de uma moradia, situada na Rua ..., freguesia ..., concelho de Gondomar, sendo posteriormente realizada a escritura pelo seu pai CC»;
- Em agosto de 2014 as chaves da moradia foram entregues ao autor pelo réus BB e CC através de empregada do réu BB, que se deslocou à moradia, onde se encontrou com o Autor; quando as chaves da moradia foram entregues ao autor, esta estava nova, por estrear e não tinha sinais de alguma vez ter sido usada; a partir de agosto de 2014 o autor e a sua família passaram a usar a moradia e nela residem quando estão em Portugal; é nessa moradia que o autor recebe os seus familiares, amigos e visitas quando está em Portugal, recebe a sua correspondência, tem os seus bens e objectos pessoais, como roupas, sapatos, documentos, livros e fotografias; o autor tem empregados que tratam da residência, fazendo a respectiva manutenção com assiduidade semanal, e suporta todas as despesas com água e energia eléctrica;
- Em 07.01.2019 o autor notificou os réus, por notificação judicial avulsa, para, no prazo de quarenta e oito horas, procederem à marcação e outorga da escritura de compra e venda da moradia; até à presente data os réus não marcaram ou celebraram a escritura de compra e venda prometida; sobre o imóvel incidem duas hipotecas registadas a favor do Banco 1..., S.A., a primeira para garantia do pagamento do montante máximo de 171.250,00€. registada sob a apresentação n.º ... de 07.09.2011, e a segunda para garantia do pagamento do montante máximo de 39.589,84€, registada sob a apresentação n.º ... de 2013/03/19.
- O autor crê que a resistência dos réus em celebrarem a escritura é motivada pela sua indisponibilidade para satisfazer a sua dívida perante o Banco 1..., S.A. e expurgar o imóvel da hipoteca de modo a poder vendê-lo desonerado ao autor;
- O autor fica na expetativa de que o réu CC, na sua contestação e até ao termo do prazo para esse efeito, declare se pretende ratificar a promessa de compra e venda da moradia; se não o fizer nesse tempo, o autor considerará, para os efeitos previstos no artigo 268.º, n.º 3, do Código Civil, que a ratificação foi negada.
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O réu CC apresentou contestação, afirmando que não conhece o autor, que não mandatou o réu BB para vender o imóvel em causa, que só soube em 2017 que o autor tinha usado esse imóvel, opondo-se de imediato a essa utilização, e que não ratificou nem irá ratificar o alegado negócio, que é ineficaz em relação a si. Mais alegou que, de acordo com o réu BB, o documento n.º 3 junto com a petição inicial foi assinado mediante a ameaça do autor de não proceder aos pagamentos à empresa daquele réu, de assegurar que mais ninguém o contrataria e, se fosse necessário, de o pôr fora de Angola, afirmando ainda o réu BB que as quantias que recebeu foram por conta dos serviços prestados pela A..., Lda. à B..., Lda.
O réu BB também contestou, alegando que o documento n.º 3 junto com a petição inicial foi obtido sob coação moral, visto que o autor o pressionou para assinar esse documento mediante a ameaça de não proceder aos pagamentos à sua empresa, de assegurar que mais ninguém o contrataria e, se fosse necessário, de o pôr fora de Angola, acrescentando que assinou sem poderes de representação. Mais alegou ser sócio da empresa A..., Lda., que esta prestou serviços à empresa B..., Lda., da qual o autor é administrador, cujos pagamentos eram efectuados na conta pessoal do réu BB, pelo autor ou por outras sociedades, dados os problemas de liquidez da referida B..., Lda., sendo certo que todas as quantias que recebeu, em valor superior a 403.979,73 USD, foram por conta dos referidos serviços. Esclareceu, ainda, ter disponibilizado a casa do seu pai, que estava vaga, ao autor, para este passar férias em Portugal, com o intuito de reforçar os laços comerciais, tendo o autor se prontificado a mobilar essa casa como contrapartida da oferta do réu BB, o que foi aceite por este. Alegou ainda ter feito tudo isto à revelia do seu pai, que apenas tomou conhecimento da situação em 2017.
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Mediante convite formulado pelo Tribunal a quo, o autor pronunciou-se sobre as excepções arguidas nas contestações, mantendo o alegado na petição inicial e impugnando os factos alegados nas contestações, designadamente a invocada coação moral e a sua qualidade de administrador da B....
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Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, após o que veio a realizar-se audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu os réus do pedido.
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Inconformado, o autor apelou da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«1.ª Em requerimento apresentado nos autos em 04-02-2022, o Autor formulou pedido de condenação dos Réus como litigantes de má-fé e a sentença ora recorrida não se pronunciou sobre esse pedido de condenação dos Réus como litigantes de má-fé.
2.ª O Tribunal a quo, ao não se pronunciar sobre o pedido de condenação dos Réus como litigantes de má-fé, não cumpriu o seu dever de resolver todas as questões submetidas pelas partes à sua apreciação, violou a norma do artigo 608º, n.º 2, 1.ª parte do CPC e a sentença ora recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da norma do artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC, nulidade que se invoca.
3.ª No julgamento da matéria de facto, o Tribunal a quo violou a força probatória plena de documento junto aos autos (Documento n.º 3 junto com a Petição Inicial), em desrespeito pela norma do artigo 376.º do CC, e os seus próprios limites na apreciação da prova enquanto julgador, violando o previsto na norma do artigo 607.º, n.º 5, 2.ª parte do CPC.
4.ª Em 23-05-2014, o Réu BB subscreveu documento escrito com o seguinte conteúdo (Documento n.º 3 junto com a Petição Inicial):
“BB, ... em ..., portador do cartão de Residente nº ..., emitido em 17.04.2013, declara que recebeu de AA, natural de ..., ..., Angola, portador do passaporte nº ..., emitido em 13 de Dezembro de 2012, com validade até Dezembro de 2022, contribuinte nº ..., a quantia de 370.000 USD (trezentos e setenta mil Dólares) referente á venda da totalidade de uma moradia, situada na Rua ..., freguesia ..., concelho de Gondomar, sendo posteriormente realizada a escritura pelo seu pai CC.
..., 23 de maio de 2014
O declarante
BB”
5.ª O Documento n.º 3 junto com a Petição Inicial é um documento particular, assinado pelo Réu BB, que reconheceu a sua assinatura do documento, que em consequência se deve considerar verdadeira (artigo 374.º, n.º 1 do CC).
6.ª O Réu BB não impugnou validamente a autenticidade da declaração, genuinidade nem foi declarada a sua anulação porque obtida por meio de coação, pelo que a declaração (Documento n.º 3 junto com a Petição Inicial) faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (o Réu BB), conforme estabelece a norma do artigo 376.º, n.º 1 do CC.
7.ª O artigo 347.º do CC estabelece que a prova legal plena apenas pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto, ou seja, é exigida prova do contrário para contrariar a prova legal plena e não é suficiente que seja criada no Tribunal a dúvida sobre a existência ou inexistência do facto.
8.ª O Réu BB não efetuou prova do contrário quanto aos factos constantes da declaração junta aos autos (Documento n.º 3 junto com a Petição Inicial).
9.ª Os factos compreendidos na declaração subscrita pelo Réu BB, junta como Documento n.º 3 com a Petição Inicial, são contrários ao interesse do declarante – o Réu BB – e por isso devem considerar-se provados pelo Tribunal, sendo ainda de relevar a indivisibilidade da declaração nos termos previstos para a prova por confissão (artigo 360.º do CC), tudo conforme determinado pela norma do artigo 376.º, n.º 2 do CC.
10.ª As declarações efetuadas pelo Réu BB, que constam do Documento n.º 3 junto com a Petição Inicial, constituem o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável e que favorece o Autor, pelo que tem natureza confessória, de acordo com o previsto nos artigos 352.º, 374.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1 e 2 do CC.
11.ª O teor da declaração (Documento n.º 3 junto com a Petição Inicial) e a sua interpretação não suscitam dúvidas, dado que o circunstancialismo da declaração é exatamente que o Réu “BB, (…) recebeu de AA, (…) a quantia de 370.000 USD (trezentos e setenta mil Dólares) referente á venda da totalidade de uma moradia, situada na Rua ..., freguesia ..., concelho de Gondomar, sendo posteriormente realizada a escritura pelo seu pai CC.”.
12.ª A decisão sobre a matéria de facto, na parte em que considera que da declaração (Documento n.º 3 junto com a Petição Inicial) “não se extrai qualquer confissão quanto ao circunstancialismo em que o mesmo foi subscrito” e ao sustentar uma interpretação divergente do teor da declaração subscrita pelo Réu BB, viola a regra da livre apreciação da prova, pois o Tribunal a quo não podia apreciar esta prova com outro sentido, por disso estar impedido, nos termos da norma prevista no artigo 607.º, n.º 5 do CPC, na parte em que retira da livre apreciação do Tribunal os factos plenamente provados por documentos.
13.ª O Tribunal a quo afirmou ainda o seguinte de modo a sustentar a sua interpretação divergente do teor da declaração subscrita pelo Réu BB: “aquilo que liga o A. e o R. BB é, antes de mais, a relação comercial que existia entre as empresas B... e A..., surgindo depois um negócio de venda de um imóvel com intervenção de alguém que não é dono do imóvel e, nessa medida, não a poderia concretizar”.
14.ª Esta ideia do Tribunal a quo não procede porque: i) a coação moral alegada pelo Réu BB como meio de procurar invalidar a declaração junta como Documento n.º 3 com a Petição Inicial não foi provada; ii) não existe elemento nos autos que permita efetivamente afirmar a existência de relações comerciais entre o Autor e o Réu BB; iii) o Réu BB, mesmo não sendo dono de um imóvel, que é do seu pai, poderia concretizar a operação de venda do imóvel, através de um institutos que o direito consagra, que vão desde a representação sem poderes à gestão de negócios.
15.ª Ao retirar a força probatória plena a documento particular junto aos autos (Documento n.º 3 junto com a Petição Inicial) e a submeter este meio de prova à sua livre apreciação, o Tribunal a quo violou as normas dos artigos 376.º do CC e 607.º, n.º 5 do CPC, na parte em que exclui da livre apreciação do juiz os factos plenamente provados por documentos.
16.ª A força probatória plena de documento particular tem como consequência que não seja admitida prova testemunhal sobre os respetivos factos (artigo 393.º, n.º 2 do CC).
17.ª O Tribunal a quo violou normas legais imperativas relativas à prova na Sentença ora recorrida ao não atribuir veracidade às declarações do Réu BB efetuadas por documento em toda a sua extensão, ao apreciar livremente os factos plenamente provados por documento e ao considerar os depoimentos de testemunhas quanto a esta matéria, no âmbito da Sentença a quo, o Douto Tribunal violou as normas legais constantes dos artigos 346.º, 347.º, 358.º, 374.º, 376.º e 393.º, n.º 2, todos do CC e o artigo 607.º, n.º 5 do CPC.
18.ª Devem aditar-se à discriminação dos factos provados os factos enumerados seguintes, alegados pelo Autor, por estarem plenamente provados pelo Documento n.º 3 junto com a petição inicial, que corresponde a declaração efetuada pelo Réu BB de factos que lhe são desfavoráveis:
10-A [aditado]. O Réu BB combinou com o Autor a venda da moradia do seu pai (Réu CC) situada na Rua ..., freguesia ..., concelho de Gondomar, ao Autor, que se comprometeu a comprá-la, sendo posteriormente realizada a escritura pelo seu pai (Réu CC).
10-B [aditado]. O Autor e o Réu BB ajustaram o preço para a compra e venda da moradia situada na Rua ..., freguesia ..., concelho de Gondomar, em 370.000 USD (dólares dos Estados Unidos da América), a satisfazer nessa moeda ou pelo correspondente valor em kwanzas de Angola.
10-C [aditado]. O Réu BB recebeu do Autor, que lhe entregou, a quantia de 370.000 USD (trezentos e setenta mil Dólares) referente á venda da totalidade da moradia, situada na Rua ..., freguesia ..., concelho de Gondomar.
19.ª A matéria que o Tribunal a quo assentou em 10 da decisão sobre a matéria de facto, relativo ao documento subscrito pelo Réu BB (Documento n.º 3 junto com a Petição Inicial), não observa a disciplina de elaboração da sentença, fixada nas normas do artigo 607.º, n.º 3 e 4 do CPC, por não ter sido tido em consideração o exato conteúdo e os factos provados pelo Documento n.º 3 junto com a Petição Inicial, normas essas que violou.
20.ª O facto assente em 10 deve ser expresso através da seguinte afirmação:
10. [revisto] Em 23-05-2014, o Réu BB subscreveu documento escrito com o seguinte conteúdo:
“BB, ... em ..., portador do cartão de Residente nº ..., emitido em 17.04.2013, declara que recebeu de AA, natural de ..., ..., Angola, portador do passaporte nº ..., emitido em 13 de Dezembro de 2012, com validade até Dezembro de 2022, contribuinte nº ..., a quantia de 370.000 USD (trezentos e setenta mil Dólares) referente á venda da totalidade de uma moradia, situada na Rua ..., freguesia ..., concelho de Gondomar, sendo posteriormente realizada a escritura pelo seu pai CC.”
21.ª A matéria assente em 32 da decisão sobre a matéria de facto foi incorretamente julgada pelo Tribunal a quo, que deveria ter sido considerada como não provada, como o impunha a prova documental constantes dos documentos n.º 1 e 2 juntos com a Contestação do Réu BB e a prova testemunhal produzida, designadamente o depoimento de DD, que desempenhou funções administrativas de A..., Lda., gravado, registado de 00:06:39 a 00:06:47 e o depoimento de EE, gravado, registado de 00:10:20 a 00:11:32.
22.ª A matéria assente em 32 da decisão sobre a matéria de facto resulta de erro de julgamento sobre a matéria de facto e de deficiente análise crítica da prova, não tendo sido observada a disciplina de elaboração da sentença prevista nas normas do 607.º, n.º 3 e n.º 4 do CPC nem a restrição à livre apreciação da prova pelo Tribunal nos casos em que seja exigida a prova por documentos (607.º, n.º 5 do CPC) e esta matéria deve ser eliminada do julgamento da matéria de facto.
23.ª A matéria assente em 33 da decisão sobre a matéria de facto foi incorretamente julgada pelo Tribunal a quo, que deveria ter sido considerada como não provada, como o impunha a prova documental constante do Documento n.º 3 junto com a Petição Inicial e a prova testemunhal produzida, designadamente o depoimento de DD, que desempenhou funções administrativas de A..., Lda., gravado, registado de 00:19:50 a 00:20:15.
24.ª A matéria assente em 33 da decisão sobre a matéria de facto resulta de erro de julgamento sobre a matéria de facto e de deficiente análise crítica da prova, não tendo sido observada a disciplina de elaboração da sentença prevista nas normas do 607.º, n.º 3 e n.º 4 do CPC nem a restrição à livre apreciação da prova pelo Tribunal nos casos em que os factos estão plenamente provados por documentos (607.º, n.º 5 do CPC), normas essas que foram violadas e esta matéria deve ser eliminada do julgamento da matéria de facto.
25.ª A matéria de facto alegada pelo Autor em 7.º da sua Petição Inicial foi incorretamente julgada pelo Tribunal a quo que não a considerou provada, como impunha a prova produzida por declarações de parte prestadas pelo Autor, gravadas, registadas de 00:08:15 a 00:09:25 e de 00:10:25 a 00:10:40; e a prova documental constante dos documentos n.º 3 (este com força probatória plena), 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 juntos com a Petição Inicial.
26.ª A prova produzida impõe que se considere provada a matéria alegada pelo Autor em 7.º da sua Petição Inicial.
27.ª A matéria de facto alegada pelo Autor em 8.º da sua Petição Inicial foi incorretamente julgada pelo Tribunal a quo que não a considerou provada, como impunha a prova produzida por declarações de parte prestadas pelo Autor, gravadas, registadas de 00:10:40 a 00:11:09, de 00:11:26 a 00:11:36 e de 00:14:42 a 00:14:57; e a prova documental constante dos documentos n.º 3 (este com força probatória plena), 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 juntos com a Petição Inicial.
28.ª A prova produzida impõe que se considere provada a matéria alegada pelo Autor em 8.º da sua Petição Inicial.
29.ª A matéria de facto alegada pelo Autor em 9.º da sua Petição Inicial foi incorretamente julgada pelo Tribunal a quo que não a considerou provada, como impunha a prova produzida por declarações de parte prestadas pelo Autor, gravadas, registadas de 00:10:40 a 00:11:09 e de 00:11:26 a 00:11:36, a prova produzida por declarações de parte prestadas pelo Réu BB, gravadas, registadas de 00:14:42 a 00:14:57, a prova testemunhal produzida, designadamente o depoimento de FF, representante legal de C..., Lda., gravado, registado de 00:01:55” a 00:02:16”, de 00:02:23 e de 00:02:28 a 00:02:32 e a prova documental constante dos documentos n.º 13, 14 e 15 juntos com a Petição Inicial.
30.ª A prova produzida impõe que se considere provada a matéria alegada pelo Autor em 9.º da sua Petição Inicial.
31.ª A matéria de facto alegada pelo Autor em 19.º da sua Petição Inicial foi incorretamente julgada pelo Tribunal a quo que não a considerou provada, como impunha a prova produzida por declarações de parte prestadas pelo Autor, gravadas, registadas de 00:10:40 a 00:11:09 e de 00:11:26 a 00:11:36, a prova produzida por declarações de parte prestadas pelo Réu BB, gravadas, registadas de 00:14:42 a 00:14:57, a prova testemunhal produzida, designadamente o depoimento de FF, representante legal de C..., Lda., gravado, registado de 00:01:55” a 00:02:16”, de 00:02:23 e de 00:02:28 a 00:02:32 e o depoimento de GG, gravado, registado de 00:05:14 a 00:05:48 e de 00:06:25 a 00:06:47 e a prova documental constantes dos documentos n.º 14, 15, 16, 17, 18 e 19 juntos com a Petição Inicial.
32.ª A prova produzida impõe que se considere provada a matéria alegada pelo Autor em 19.º da sua Petição Inicial, pelo que em consequência o facto provado 19 da sentença a quo deverá ser revisto e passar a ter a seguinte redação, adequada pela prova produzida:
Desde agosto de 2013, ainda antes da entrega da moradia pelos Réus ao Autor, que este adquiriu sucessivamente e foi promovendo a instalação na moradia de mobiliário, ar condicionado, eletrodomésticos, equipamentos, loiças, roupas e utensílios domésticos.
33.ª No artigo 52.º da sua Petição Inicial apresentada em 17-01-2019, o Autor fixou o termo do prazo para apresentação de Contestação pelo Réu CC como o prazo para a ratificação pelo Réu CC da promessa de compra e venda da moradia.
34.ª O Réu CC foi citado para a presente ação em 22-01-2019 e na sua Contestação apresentada em 12-02-2019, o Réu CC declarou que não ratificou nem irá ratificar o alegado negócio.
35.ª Na sua Petição Inicial, o Autor formulou um pedido principal e um pedido alternativo, devendo o pedido alternativo ser apreciado e julgado apenas no caso de o Réu CC não declarar a ratificação da promessa de compra e venda.
36.ª Devem assim aditar-se à discriminação dos factos provados os seguintes factos, por terem sido alegados pelo Autor e pelo Réu CC nos presentes autos e serem relevantes para a decisão da causa e porque não foram contestados por nenhum deles, estão admitidos por acordo, nos termos da norma do artigo 574.º, n.º 2 do CPC:
35 [aditado]. Em 17-01-2019, o Autor fixou o termo do prazo para apresentação de Contestação pelo Réu CC como o prazo para a ratificação pelo Réu CC da promessa de compra e venda da moradia.
36 [aditado]. Em 22-01-2019, o Réu CC foi notificado para ratificar a promessa de compra e venda da moradia e da fixação de prazo para esse efeito feita pelo Autor.
37 [aditado]. Em 12-02-2019, o Réu CC declarou o seguinte: “O Réu não ratificou, não irá ratificar o alegado negócio, o alegado negócio é ineficaz em relação ao Réu, ao abrigo do disposto no artigo 268º, nº 1 do C.C.”.
37.ª O Autor formulou dois pedidos alternativos na sua Petição Inicial e afirmou expressamente que o conhecimento do pedido alternativo deveria ser considerado apenas no caso de o Réu CC não ratificar a promessa de compra e venda do imóvel em causa nos presentes autos.
38.ª O Réu CC declarou expressamente, na sua Contestação, que não ratificou nem irá ratificar o negócio de compra e venda da moradia.
39.ª Em virtude da não ratificação do negócio de compra e venda da moradia, a sentença a quo deveria ter considerado prejudicado o conhecimento do pedido principal (pedido I. da Petição Inicial) e julgado o pedido alternativo e não considerando que a resolução da ação podia ser resolvida pelo segundo pedido, violou a norma do artigo 553.º, n.º 1 do CPC.
40.ª Assim, cabia ao Tribunal a quo pronunciar-se sobre o pedido alternativo formulado pelo Autor na sua Petição Inicial (pedido II. da Petição Inicial).
41.ª O Tribunal a quo considera que este pedido não pode proceder porque não se logrou demonstrar o acordo desenhado nos autos e que servia de suporte à pretensão do Autor.
42.ª O Autor e o Réu BB celebraram um contrato-promessa de compra e venda de imóvel que teve por objeto a moradia em Gondomar, nos termos do artigo 410.º do CC, atuando o Réu BB enquanto gestor de negócios do Réu CC (artigo 464.º do CC), proprietário da moradia, sendo a escritura de compra e venda da moradia realizada posteriormente pelo Réu CC.
43.ª O Réu BB, na sua atuação enquanto gestor de negócios do Réu CC, entregou as chaves da moradia ao Autor e recebeu do Autor a quantia de 370.000 USD, correspondente ao pagamento do preço referente à venda de moradia situada na Rua ..., freguesia ..., concelho de Gondomar.
44.ª O regime jurídico da representação sem poderes, previsto no artigo 268.º do CC, é aplicável no presente caso por efeito da remissão prevista no artigo 471.º, n.º 1 do CC.
45.ª O Réu CC não declarou a ratificação do negócio de forma escrita, pelo que em consequência a promessa de compra e venda do imóvel celebrada entre o Autor e o Réu BB não observou a forma escrita que é a forma legalmente prescrita para a promessa de compra e venda do imóvel, nos termos exigidos pelos artigos 268.º, n.º 2, 262.º, n.º 2 e 875.º do CC e portanto o negócio enferma de nulidade por inobservância da forma legalmente prescrita, nos termos previstos no artigo 220.ºdo CC.
46.ª A nulidade do negócio de promessa de compra e venda do imóvel celebrado entre o Autor e o Réu BB leva a que os Réus devam ser condenados a restituir ao Autor o montante de 370.000 USD que o Autor entregou ao Réu BB referente à venda de moradia situada na Rua ..., freguesia ..., concelho de Gondomar, nos termos das normas dos artigos 289.º, n.º 1 e 290.º do CC.
47.ª Ao julgar improcedente o pedido de condenação dos Réus a restituírem ao Autor a quantia de 370.000 USD (contravalor de 324.675,32€), acrescido de juros de mora legais, o Tribunal a quo cometeu erro de subsunção dos factos ao direito, designadamente às normas dos artigos 220.º, 262.º, n.º 2, 268.º, n.º 1 e 3, 289.º, n.º 1, 290.º, 410.º, n.º 1 e 2, 464.º, 471.º e 875.º, todos do CC.
Nestes termos e demais direito:
I. Deve ser anulada a sentença do Tribunal a quo pelo vício de nulidade por omissão de pronúncia, relativamente ao pedido de condenação dos Réus como litigantes de má-fé;
II. Deve a sentença do Tribunal a quo ser substituída por douta decisão que condene os Réus solidariamente a restituir ao Autor a quantia de 370.000 USD (a que corresponde o contravalor de 324.675,32€), a que acrescerão os juros de mora legais devidos contados à taxa de 4% ao ano desde a data de pagamento de cada uma das prestações do preço até à data de efetivo e integral pagamento.»
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Os réus não responderam à alegação do recorrente.
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Por despacho datado de 09.09.2022, o Tribunal a quo julgou procedente a nulidade arguida pelo recorrente e, mediante despacho que deve considerar-se como complemento e parte integrante da sentença recorrida, supriu essa nulidade pronunciando-se sobre o pedido de condenação dos réus como litigantes de má-fé, julgando improcedente esse pedido e dele absolvendo os réus.
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II. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
Tendo em conta que a nulidade da sentença arguida pelo recorrente já foi suprida pelo Tribunal a quo (por despacho que foi, entretanto, alvo da arguição de nulidade, já julgada improcedente), as questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes:
1. O erro no julgamento da matéria de facto no que concerne aos pontos 10, 32 e 33 dos factos provados e A a H dos factos não provados e a necessidade de ampliar a matéria de facto julgada provada.
2. O erro no julgamento da matéria de direito.
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III. Fundamentação
A. Decisão sobre a matéria de facto na primeira instância
1. Factos Provados
São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal de primeira instância:
1. A aquisição do prédio urbano denominado de lote ..., sito em Gondomar, na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ... da freguesia ... (...), ... e ..., constituído por casa de três pavimentos mostra-se registada a favor do R. CC.
2. O R. BB é filho do R. CC.
3. O A. subscreveu em 11-09-2013 o cheque com o nº ... sacado sobre o Banco 2..., à ordem de BB, no valor de 2.000.000,00 Kwanzas a que corresponde o contravalor de 20.891,86 USD.
4. O A. subscreveu em 4-10-2013, o cheque com o nº ... sacado sobre o Banco 2..., à ordem de BB, no valor de 5.000.000,00 Kwanzas a que corresponde o contravalor de 51.752,10 USD.
5. O A. subscreveu em 15-10-2013, o cheque com o nº ... sacado sobre o Banco 2..., no valor de 2.000.000,00 Kwanzas a que corresponde o contravalor de 20.548,55 USD.
6. O A. subscreveu em 07-11-2013, o cheque com o nº ... sacado sobre o Banco 2..., o valor de 5.000.000,00 Kwanzas a que corresponde o contravalor de 50.139,18 USD.
7. O A. subscreveu em 08-11-2013, o cheque com o nº ... sacado sobre o Banco 2..., o valor de 5.000.000,00 Kwanzas a que corresponde o contravalor de 50.386,78 USD.
8. O A. subscreveu o cheque com o nº ... sacado sobre o Banco 2..., o valor de 2.000.000,00 Kwanzas a que corresponde o contravalor de 20.261,26 USD.
9. O A. subscreveu em 11-09-2013, o cheque com o nº ...... sacado sobre o Banco 2..., à ordem de BB, no valor de 700.000,00 Kwanzas, a que corresponde o contravalor de 7.312,15 USD.
10. O R. BB declarou em 23/05/2014: “ter recebido de AA a quantia de 370 000 USD referente à venda da totalidade de uma moradia, situada na Rua ... freguesia ..., concelho de Gondomar, sendo posteriormente realizada a escritura pelo seu pai CC.”.
11. Em agosto de 2014 as chaves da moradia foram entregues ao Autor pelo R. BB através de empregada deste que se deslocou à moradia, onde se encontrou com o Autor.
12. Quando as chaves da moradia foram entregues ao Autor, esta estava nova, por estrear e não tinha sinais de alguma vez ter sido usada.
13. A partir de agosto de 2014 o Autor e a sua família, passaram a usar a moradia e nela residem quando estão em Portugal.
14. É na moradia que o Autor recebe os seus familiares, amigos e visitas quando está em Portugal.
15. É na moradia que o Autor tem a sua morada quando está em Portugal.
16. É na moradia que o Autor recebe a sua correspondência.
17. É na moradia que o Autor tem os seus bens e objetos pessoais como roupas, sapatos, documentos, livros e fotografias.
18. Desde agosto de 2014 que o Autor tem empregados que tratam da sua residência instalada na moradia, designadamente o jardineiro, Senhor HH e a empregada doméstica, a Senhora D.ª GG fazendo ambos a respetiva manutenção com assiduidade semanal.
19. Desde agosto de 2013, foi efectuada a aquisição e instalação na moradia de mobiliário, ar condicionado, electrodomésticos, equipamentos, loiças, roupas e utensílios domésticos.
20. O Réu BB deu ao Autor apoio significativo na instalação da residência pois foi através dele que foram adquiridos muitos dos equipamentos, mobiliário e utensílios que constituem o recheio da moradia designadamente camas, colchões, mesas-de-cabeceira, sofás, mesa da sala e vário mobiliário de quarto e de sala compradas, nomeadamente às empresas C..., Lda., D..., e E....
21. Foi na moradia que foram entregues os equipamentos, mobiliário e utensílios adquiridos pelo Autor para recheio da moradia à C..., Lda., D... e à E... – Equipamentos para o Lar, S.A..
22. Foi para a moradia que foram dirigidas as faturas emitida pela empresa C..., Lda. a quem o Autor adquiriu equipamentos, mobiliário e utensílios e que constituem o recheio da moradia.
23. Desde agosto de 2014 que o Autor paga a água e a energia eléctrica da moradia.
24º Desde Maio a Novembro de 2018, o Autor pagou directamente à EDP a energia elétrica da moradia.
25. Desde 19-12-2016 que o Autor paga o consumo de água da moradia diretamente às Águas de Gondomar, através dos seus mandatários.
26. Em 07.01.2019 o Autor notificou os Réus por notificação judicial avulsa para no prazo de quarenta e oito horas procederem à marcação e outorga da escritura de compra e venda da moradia.
27. Até à presente data os Réus não marcaram ou celebraram qualquer a escritura de compra e venda relativa ao imóvel descrito nos autos.
28. Sobre o imóvel incidem duas hipotecas registadas a favor do Banco 1... S.A., a primeira para garantia do pagamento máximo do montante de 171.250,00€ registada sob a apresentação nº ... de 2011/09/07, e a segunda para garantia do pagamento máximo do montante de 39.589,84 € apresentação nº ... de 2013/03/19 (Doc. 1).
29. Durante quatro anos os Réus não usaram, fruíram ou habitaram a moradia ou sequer acederam ou tentaram aceder ao interior da mesma, até dezembro de 2017.
30. Em 14.02.2017 e em 08.03.2017 o Autor, por intermédio dos seus advogados, escreveu ao Réu CC, convidando-o à realização de reunião para tratar do assunto da venda da moradia.
31. Em 25-02-2018, através da sua Ilustre mandatária, o Réu CC afirmou não ter recebido quaisquer importâncias relativas ao pagamento do preço da moradia e que desconhecia a intenção de o vender.
32. O R. BB é sócio da empresa A..., Lda. que prestou serviços, pelo menos, desde 2013 à empresa B..., Lda. de que o A. é administrador e sócio, sendo que os pagamentos efectuavam-se na conta do sócio BB no Banco 2... nº ....
33. O R. BB recebeu quantias do A., B..., B... Sociedade Comercial AP, F... e G... para pagamento de serviços prestados pela A..., Lda. à B..., Lda.
34. O R. CC não conhece o A., nunca o autorizou ou convidou o A. a frequentar o seu imóvel.
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2. Factos Não Provados
O Tribunal a quo julgou não provados os seguintes factos:
A. Quando ambos se encontravam em Porto ..., Angola, em meados de abril de 2013, o Réu BB combinou com o Autor a venda da moradia do seu pai ao Autor que se comprometeu a comprá-la.
B. Em abril de 2013 o Réu BB propôs ao Autor e este anuiu que a concretização do negócio, através da escritura de compra e venda da moradia, seria já realizada pelo seu pai, o Réu CC.
C. O Autor e o Réu BB ajustaram o preço para a compra e venda da moradia em 370.000 USD (dólares dos Estados Unidos da América), a satisfazer nessa moeda ou pelo correspondente valor em kwanzas de Angola.
D. O preço foi entregue pelo Autor ao Réu BB, na sua totalidade, através de prestações satisfeitas entre abril de 2013 e novembro de 2013.
E. As prestações entregues pelo Autor ao Réu BB, foram satisfeitas nas seguintes datas e montantes: a) Em abril de 2013, através de entrega em dinheiro, no valor de 180.000,00 USD (doc. 3); b) Em maio de 2013, através de entrega em dinheiro, no valor de 10.000,00 USD (doc. 3); c) Em 11-09-2013, através do cheque com o nº ... sacado sobre o Banco 2..., o valor de 2.000.000,00 Kwanzas a que corresponde o contravalor de 20.891,86 USD (docs. 4 e d) Em 4-10-2013, através do cheque com o nº ... sacado sobre o Banco 2..., o valor de 5.000.000,00 Kwanzas a que corresponde o contravalor de 51.752,10 USD (docs. 6 e 7); e) Em 15-10-2013, através do cheque com o nº ... sacado sobre o Banco 2..., o valor de 2.000.000,00 Kwanzas a que corresponde o contravalor de 20.548,55 USD (docs. 8 e 9); f) Em 07-11-2013, através do cheque com o nº ... sacado sobre o Banco 2..., o valor de 5.000.000,00 Kwanzas a que corresponde o contravalor de 50.139,18 USD (docs. 8 e 10); g) Em 08-11-2013, através do cheque com o nº ... sacado sobre o Banco 2..., o valor de 5.000.000,00 Kwanzas a que corresponde o contravalor de 50.386,78 USD (docs. 8 e 11); h) Em 19-11-2013, através do cheque com o nº ... sacado sobre o Banco 2..., o valor de 2.000.000,00 Kwanzas a que corresponde o contravalor de 20.261,26 USD.
F. As prestações satisfeitas pelo Autor totalizam 403.979,73 USD por ter havido necessidade de satisfazer o Réu BB despesas com a instalação da residência do Autor na moradia, que aquele apoiou ativamente.
G. O cheque referido em 9. destinava-se a reembolsar o R. BB do custo da mobília adquirida pelo Autor à empresa C..., Lda. em Agosto de 2013, por intermédio do Réu BB, que se encarregou de a encomendar e instalar na moradia.
H. Desde agosto de 2013, ainda antes da entrega da moradia pelos Réus ao Autor, que este adquiriu sucessivamente e foi promovendo a instalação na moradia de mobiliário, ar condicionado, electrodomésticos, equipamentos, loiças, roupas e utensílios domésticos.
I. O Autor crê que a resistência dos RR. em celebrarem a escritura é motivada pela sua indisponibilidade para satisfazer a sua dívida perante o Banco 1..., S.A. e expurgar o imóvel da hipoteca de modo a poder vendê-lo desonerado ao Autor.
J. Desde agosto de 2014, aquando a entrega da moradia, que o Autor insiste com o Réu BB para fazer a escritura de compra e venda.
K. Face à ausência de notícias do Réu BB, desde 23.01.2017 que o Autor procura contactar o Réu CC para que este dê cumprimento ao acordo que o filho fez com o Autor, invocando representar os interesses do seu pai.
L. Em 16.03.2017 e em 22.03.2017 o Réu CC contatou telefonicamente o Autor, por intermédio dos seus advogados, a quem informou que o assunto da venda da moradia deveria ser exclusivamente tratado com o seu filho BB.
M. O Réu CC tem sempre evitado o contacto com o Autor ou com os seus mandatários apesar de ter sido procurado em sua casa em ... em 23.01.2017, 14.02.2017 e 08.03.2017.
N. A declaração referida em 1. foi emitida por pressão do A. que ameaçou não proceder aos pagamentos à empresa do R. BB e que iria assegurar que mais ninguém o contrataria e se fosse necessário o punha fora do país.
O. A R. BB assinou a declaração referida contra a sua vontade.
P. A sociedade B..., Lda. tinha problemas de liquidez.
Q. A B..., Lda. fez desaparecer autos de medição, ficou a dever cerca de 400.000,00 USD à A..., Lda., motivo pelo qual o R. BB foi obrigado a suspender a actividade da empresa e abandonar Angola onde tudo ficou, os equipamentos da empresa, documentação, a habitação do R. BB.
R. O R. BB tem receio de regressar a Angola.
S. Apenas foi permitido ao A. o gozo da casa em 2013.
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B. Fundamentação de Direito
1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto está expressamente consagrada e regulada no CPC actualmente vigente, nomeadamente nos seus artigos 640.º e 662.º.
1.1. Resulta do n.º 1, do primeiro destes preceitos que o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, (a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, (b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, e (c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, conforme preceitua a al. a), do n.º 2, do mesmo artigo.
Concatenando este ónus, a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, com o ónus de alegar e formular conclusões consagrado no artigo 639.º do CPC, que impende sobre o recorrente independentemente do recurso visar a matéria de facto e/ou a matéria de direito, Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., Coimbra 2020, pp. 196 e s.) sintetiza assim o sistema que vigora sempre que a apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
- O recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
- Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
- Relativamente aos factos cuja impugnação se funde em prova gravada, deve indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes (podendo proceder à transcrição dos excertos que considere oportunos);
- O recorrente deve ainda deixar expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No caso vertente, consideramos que o recorrente indicou, tanto na motivação como nas conclusões da sua alegação, os concretos pontos de factos que considera incorretamente julgados, ainda que, quanto a alguns desses factos, o tenha feito com recurso a uma técnica que reputamos menos correcta.
Tal indicação é expressa, tanto na motivação como nas conclusões da alegação, relativamente aos pontos 10, 32 e 33 dos factos provados. É igualmente clara e expressa a indicação dos factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, no entendimento do recorrente, foram omitidos na sentença recorrida (à qual o recorrente pretende ver aditados sob os pontos 35 a 37 dos factos provados). Por sua vez, os pontos A a D dos factos não provados foram igualmente indicados de forma expressa na motivação da alegação de recurso, mas apenas o foram de forma indirecta ou implícita nas conclusões, por referência à descrição dos pontos 10-A a 10-C que o recorrente pretende ver aditados aos factos provados, a qual corresponde parcialmente à matéria de facto constante dos referidos pontos A a D dos factos não provados. Por fim, os pontos E a H dos factos não provados não foram indicados de forma expressa, seja na motivação ou nas conclusões da alegação, apenas o tendo sido de forma indirecta, por referência aos artigos 7.º a 9.º e 19.º da petição inicial.
Estas referências indirectas traduzem o recurso a uma técnica incorrecta para indicar “os concretos pontos de facto” impugnados, que comporta riscos sérios, pois não compete ao Tribunal definir o objecto do recurso da matéria de facto, inclusivamente por via de comparações entre a descrição factual que serve de fundamento à decisão recorrida e a descrição dos factos constante dos articulados ou proposta pelo recorrente. Todavia, apelando à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que considera dever evitar-se a exponenciação destes ónus ou uma interpretação excessivamente rigorista dos mesmos, considerando que as referências utilizadas pelo recorrente são inequívocas a respeito dos pontos de facto visados pela impugnação, cremos estar cumprido este primeiro ónus.
Quanto aos demais ónus consagrados no artigo 640.º do CPC, o seu cumprimento não merece qualquer reparo. O recorrente fundamentou a sua discordância quanto à decisão da matéria de facto nos concretos meios de prova que descreve e analisa na motivação das suas alegações e que também menciona nas respectivas conclusões, indicou, tanto na motivação como nas conclusões, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre cada um daqueles factos, tal como indicou com exactidão as passagens da gravação dos depoimentos em que se baseia.
Nestes termos, consideramos cumpridos os ónus ou requisitos formais de que depende o conhecimento do recurso da decisão sobre a matéria de facto.
1.2. Dispõe, por sua vez, o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A análise e a valoração da prova na segunda instância está, naturalmente, sujeita às mesmas normas e princípios que regem essa actividade na primeira instância, nomeadamente a regra da livre apreciação da prova e as respectivas excepções, nos termos previstos no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, conjugado com a disciplina adjectiva dos artigos 410.º e seguintes do mesmo código e com a disciplina substantiva dos artigos 341.º e seguintes do Código Civil (CC).
É consabido que a livre apreciação da prova não se traduz numa apreciação arbitrária, pelo que, nas palavras de Ana Luísa Geraldes (Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 591), «o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância». De resto, como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra 2019, p. 720), o juiz deve «expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados».
Mas não podemos olvidar que, por força da imediação, da oralidade e da concentração que caracterizam a produção da prova perante o juiz da primeira instância, este está numa posição privilegiada para apreciar essa prova, designadamente para surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir a espontaneidade e a credibilidade dos seus depoimentos, que frequentemente não transparecem na gravação. Por esta razão, Ana Luísa Geraldes (ob. cit. página 609) salienta que, em caso de dúvida, «face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte».
No caso vertente, o recorrente baseia uma parte significativa da sua impugnação na força probatória plena do documento que juntou com a petição inicial sob o n.º 3. Este é, de resto, o único meio de prova que invoca para fundamentar a alteração da redacção do ponto 10 dos factos provados e a alteração do sentido da decisão quanto a parte da factualidade descrita nos pontos A a D dos factos não provados, que entende dever ser julgada provada com a redacção proposta para os pontos 10-A, 10-B e 10-C.
Nestes termos, importa, antes de mais, analisar o âmbito e o alcance da força probatória do referido documento particular (cfr. artigos 362.º e 363.º, n.º 2, parte final, do CC, sendo certo que esta natureza particular do documento em causa não é alvo de qualquer dissenso), regulada nos artigos 373.º e seguintes do CC, maxime no seu artigo 376.º.
1.3. O artigo 374.º, n.º 1, do CC, preceitua que «[a] letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras» (por via do incidente previsto no artigo no artigo 444.º do CPC).
Decorre, por sua vez, do artigo 376.º, n.º 1, do CC, que o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos da norma antes citada (bem como da norma do artigo 375.º do CC) faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
O n.º 2, do mesmo artigo 376.º, acrescenta que «[o]s factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão».
De acordo com este regime legal, o valor probatório dos documentos particulares cuja letra e/ou assinatura sejam reconhecidas pela contraparte, nos termos previstos no artigo 374.º, n.º 1, do CC, releva em duas vertentes ou dimensões distintas, ainda que complementares, e com alcances diferenciados. O seu valor probatório formal, regulado no artigo 376.º, n.º 1, do CC, diz respeito ao conteúdo extrínseco do documento, isto é, à proveniência ou autoria do mesmo e, por conseguinte, à materialidade das declarações nele vertidas. O seu valor probatório material, regulado no n.º 2, do mesmo artigo 376.º, embora seja consequente ao referido valor probatório formal, diz respeito ao conteúdo intrínseco do documento, isto é, ao valor ou veracidade das referidas declarações. Como é fácil de ver, é este valor probatório material que se relaciona directamente com o thema probandum.
Ainda de acordo com o regime legal em análise, a força probatória plena (no sentido de que cede apenas mediante a prova do contrário, nos termos previstos no artigo 347.º do CC, por contraposição à prova bastante, que cede mediante contraprova, nos termos previstos no artigo 346.º do mesmo código, e à prova pleníssima, que não cede sequer perante a prova do contrário) dos documentos particulares, consagrada no artigo 376.º, n.º 1, do CC, opera apenas quanto o seu conteúdo extrínseco, só podendo ser contrariada pela arguição e prova da falsidade do documento, por via do incidente previsto no artigo 446.º do CPC.
Neste sentido, escreve-se o seguinte no sumário do ac. do STJ, de 23.11.2005 (proc. n.º 05B3318, rel. Araújo de Barros, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode encontrar a demais jurisprudência citada): «1. A força ou eficácia probatória plena atribuída pelo n.º 1 do artigo 376.º do C.Civil às declarações documentadas limita-se à materialidade, isto é, à existência dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas. 2. Ainda que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reporta-se tão só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondiam à realidade dos respectivos factos materiais e, sobretudo, não se excluindo a possibilidade de o seu autor demonstrar a inveracidade daqueles factos por qualquer meio de prova».
Assim, como se afirma no ac. do TRC, de 10.05.2022 (proc. n.º 73700/20.YIPRT.C1, rel. Luís Cravo), «apesar de demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos».
Este entendimento é, tanto quanto sabemos, unívoco na jurisprudência dos tribunais superiores. A título meramente exemplificativo, para além da jurisprudência já citada, vide: ac. do STJ, de 20.09.2020 (proc. n.º 2453/11.2TBEVR-C.E.1.S1, rel. Fernando Samões); ac. do TRL, de 26.04.2016 (proc. n.º 6982/12.2YYLSB-A.L1-7, rel. Maria do Rosário Morgado); o ac. TRG, de 04.10.2017 (proc. n.º 941/16.3T8BCL.G1, rel. Antero Veiga).
No mesmo sentido se pronuncia, na doutrina, Luís Filipe Pires de Sousa (Direito Probatório Material Comentado, 2.ª ed., Almedina, pp. 171-172), que conclui a sua análise da seguinte forma: «Em suma, a força probatória atribuída pelo art. 376.º, n.º 1, reporta-se à materialidade das declarações documentadas e não à sua exatidão. Saber se as declarações documentadas vinculam o seu autor é questão que não respeita à força probatória do documento mas sim à eficácia da declaração. As declarações só vinculam o seu autor se forem verdadeiras».
Nestes termos, só depois de confirmada a força probatória plena do documento, ou seja, depois de provada a materialidade das declarações constantes do documento particular, é que poderá ser aferida a eficácia dos factos aí mencionados, à luz do artigo 376.º, n.º 2, do CC.
De acordo com esta norma, o valor probatório material dos factos documentados restringe-se aos que sejam desfavoráveis ao declarante, o que se compreende «porquanto, tratando-se de declarações de ciência, ninguém pode ser testemunha em causa própria e, tratando-se de declarações de vontade, ninguém pode constituir um título a seu favor» (Luís Filipe Pires de Sousa, cit., p. 171).
Na esteira do ac. do TRC de 10.05.2022, antes citado, cremos que esta norma consagra, antes de mais, uma presunção ilidível da veracidade dos factos desfavoráveis ao declarante. Como escreve Vaz Serra (RLJ, 110, p. 85), «[a] regra do n.º 2 do artigo 376.º constitui uma presunção fundada na regra de experiência de que quem afirma factos contrários aos seus interesses o faz por saber que são verdadeiros; essa regra não tem, contudo, valor absoluto, pois pode acontecer que alguém afirme factos contrários aos seus interesses apesar de eles não serem verdadeiros e que essa afirmação seja divergente da sua vontade ou se ache inquinada de algum vício do consentimento».
Segundo o mesmo autor «o facto declarado no documento considera-se verdadeiro, embora não o seja, por aplicação das regras da confissão, podendo, porém, o declarante, de acordo com as regras desta, valer-se dos respetivos meios de impugnação. Pode, por isso, provar o declarante que a sua declaração não correspondeu à sua vontade ou que foi afetada por algum vício do consentimento (cfr. art. 359.º)».
Atento o exposto, não cremos que da norma do artigo 372.º, n.º 2, do CC, se possa extrair directamente que o documento particular, cuja autoria esteja demonstrada nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, prova plenamente, em quaisquer circunstâncias, os factos desfavoráveis ao declarante. Como se afirma no ac. do TRG acima citado e está subjacente ao pensamento de Vaz Serra, a força probatória consagrada naquela norma «decorre do facto de se estar perante uma verdadeira confissão, daí que a mesma apenas se verifica em relação ao declaratário e não relativamente a terceiros, nos termos do artigo 358.º, 2 do CC». Citando Lebre de Freitas (A Falsidade no Direito Probatório, Almedina, p. 56), afirma-se no mesmo acórdão que «o documento particular “não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objeto da sua perceção direta”, o âmbito da sua força probatória é mais restrito que a dos documentos autênticos. O âmbito dessa força probatória (resultante do n.º 2 do artigo 376.º do CC), não abrange o “problema da eficácia da declaração de ciência constante do documento enquanto meio de confissão dos factos”».
Nestes termos, sem prejuízo da já mencionada presunção de veracidade dos factos contrários aos interesses do declarante, cremos que a (eventual) consideração da prova plena destes factos deverá basear-se nas regras próprias da confissão enquanto meio de prova.
Note-se que esta questão não releva apenas no plano conceptual. É certo que tanto a presunção iuris tantum como a prova legal plena apenas são abaladas mediante prova do facto contrário, nos termos previstos nos artigos 350.º, n.º 2, e 347.º do CC, respectivamente. Mas são distintos os meios probatórios admissíveis para fazer essa prova do facto contrário, revelando-se a lei mais restritiva a respeito da prova plena, como veremos.
O artigo 352.º do CC define confissão como «o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária», acrescentando o artigo 355.º que esta pode ser judicial, quando é feita em juízo, ou extrajudicial, quando é feita de outro modo (n.ºs 1, 2 e 4).
Nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 2, do CC, «[a] confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena».
Nestes termos, confissão extrajudicial em documento particular (que preencha os respectivos requisitos legais – cfr. artigo 373.º do CC) apenas terá força probatória plena «se for feita à parte contrária ou a quem a represente». Se for feita a terceiro, se não for dirigida a nenhuma pessoa ou se o documento não preencher os requisitos legais, a confissão fica sujeita à regra geral da livre apreciação da prova, sem prejuízo da presunção que se possa fundar no artigo 376.º, n.º 2, do CC, nos termos já antes expostos. Neste sentido, vide o já citado ac. do STJ de 29.09.2020, bem como o ac. do TRP, de 23.09.2021 (proc. n.º 100156/19.2YIPRT.P1, rel. Filipe Caroço), no qual, citando-se a jurisprudência do STJ, se escreve o seguinte: «“A solução legal compreende-se bem: desde que esteja estabelecida a autoria do documento, e nele se contenha uma declaração, feita ao declaratário, contrária ao interesse do declarante, tal declaração representa uma confissão do seu autor, pelo que a esse documento particular deve ser atribuído nas relações entre ambos, valor probatório pleno (art.º 352º e seguintes do Código Civil). Essa força probatória significa que os factos não carecem de outra prova para se terem como demonstrados, mas não implica que o declarante não possa impugnar a sua validade, nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade, precisamente como acontece com a declaração confessória (art.º 359º do Código Civil), e designadamente provando, por exemplo, que a declaração resultou de erro (cf. Prof. Vaz Serra, Provas, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 112, pág. 69, nota 800-a)”. Ou, como refere Vaz Serra, “nessa medida o documento pode ser invocado, como prova plena, pelo declaratário, contra o declarante”».
Já vimos que, nos termos do disposto no artigo 347.º do CC, a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto objecto da mesma, à semelhança do que sucede com as presunções judiciais. Mas, ao contrário destas, a prova legal plena nunca pode ser contrariada por meio de testemunhas ou presunções judiciais, atento o disposto nos artigos 351.º e 393.º, n.º 2, do CC, a não ser que apenas esteja em causa a simples interpretação do contexto do documento (cfr. artigo 393.º, n.º 3, do CC).
Porém, diversa doutrina e jurisprudência vem defendendo que, tratando-se de confissão com força probatória plena, o confitente apenas poderá impugnar tal prova plena demonstrando, cumulativamente, que o facto confessado não corresponde à verdade e que ocorrem os pressupostos que conduzem à nulidade ou anulabilidade da confissão, como decorre conjugação do disposto nos artigos 347.º (maxime a sua parte final) e 359.º, do CC. Neste sentido, Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pp. 101 e 104. No mesmo sentido parecem pronunciar-se Pires de Lima e Antunes Varela, Vaz Serra e Lebre de Freitas, citados no ac. do TRG antes referido.
Neste mesmo sentido se pronunciou o ac. do STJ, de 08.01.2019 (proc. n.º 3696/16.8T8VIS.C1.S1, rel. Ana Paula Boularot), onde se afirma que «o confitente não pode infirmar a força probatória da confissão com a simples prova que o facto confessado extrajudicialmente não corresponde à verdade, apesar do art.º 347.º do C. Civil dispor que a prova legal plena pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto. Isto porque a parte final deste preceito salvaguarda a possibilidade de existirem outras restrições especialmente previstas na lei. E uma dessas restrições especialmente previstas é precisamente a prova que resulta de uma declaração confessória. Esta só pode ser derrubada pelo reconhecimento da nulidade ou pela anulação judicial da confissão, por falta ou vícios da vontade, conforme prevê o art.º 359.º do C. Civil, o que inclui, necessariamente, a prova do contrário do que foi declarado».
Em contrapartida, tem-se entendido que a prova do vício da confissão – que naturalmente acarreta a prova da inveracidade do facto confessado – pode fazer-se por qualquer meio, incluindo prova testemunhal e por presunções judiciais, sem prejuízo do disposto nos artigos 244.º, n.º 2, 351.º e 394.º, n.º 2, a respeito do acordo simulatório e da reserva mental (sobre esta questão vide Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pp. 104 e seguintes, e a doutrina e jurisprudência aí citadas).
No âmbito deste debate, tem assumido alguma autonomia e destaque a questão de saber se a declaração confessória do recebimento do preço é impugnável e em que termos o é. Podemos encontrar uma resenha dos diferentes entendimentos preconizados a este respeito no ac. do TRG, de 10.07.2014 (proc. n.º 741/13.2TBVVD.G1, rel. Filipe Caroço) e na obra de Luís Filipe Pires de Sousa que vimos citando (pp. 106 e seguintes). No caso concreto não está em causa a confissão do recebimento do preço, mas antes a confissão da causa dessa obrigação. Não obstante por se afigurar pertinente, não deixaremos de referir aqui que a tese que parece colher mais apoio e que autor acima citado resume nestes termos: «entende-se que recai sobre o confitente o ónus da prova da inveracidade da declaração confessória, defrontando-se com as limitações ao nível do direito probatório material no que concerne à apresentação de prova testemunhal ou ao uso de presunções judiais (arts. 393.º, n.º 2, e 351.º), sendo que tais limitações apenas cedem quando exista outro meio de prova, maxime prova documental, que torne verosímil a inveracidade da declaração, servindo, então, a prova testemunhal ou o recurso a presunções judiciais como complemento dessa prova indiciária». Próximo deste, embora mais flexível ou abrangente, é o entendimento preconizado no acórdão acima citado – aparentemente com um alcance mais amplo do que sugere o enunciado desta “subquestão” –, em cujo sumário se pode ler o seguinte: «A doutrina e a jurisprudência têm divergido entre a possibilidade ou a impossibilidade da parte usar de prova testemunhal para a destruição dos efeitos da confissão, entendendo grande parte, porventura a maior parte, que essa prova deve ser admitida quando seja acompanhada de circunstâncias objetivas que tornem verosímil a convenção contrária ao documento que com ela se pretende demonstrar ou no caso de existir um começo de prova por escrito que a prova testemunhal vise completar».
Não vemos qualquer razão válida para cingirmos este debate à declaração confessória do recebimento do preço ou das tornas. Independentemente de a declaração incidir sobre estes ou outros factos desfavoráveis ao declarante, a sua força probatória rege-se pelas mesmas normas de direito probatório material, pelo que as soluções jurídicas hão-de ser as mesmas.
Nestes termos, em síntese conclusiva, cremos que a prova por testemunhas e por presunções judiciais será admissível nas duas situações acima referidas: para prova do vício da vontade de que possa enfermar a declaração confessória e para prova da inveracidade da declaração confessória, quando existir outro meio de prova, maxime prova documental, que torne verosímil essa inveracidade.
1.4. Feito este excurso teórico, importa reverter ao caso concreto.
a. O valor probatório formal do documento invocado pelo recorrente não suscita, in casu, qualquer dúvida.
O reconhecimento da autoria do documento, enquanto critério normativo da paternidade das declarações nele vertidas, pode assumir várias modalidades: reconhecimento expresso, reconhecimento tácito ou reconhecimento judicial, nos termos previstos no artigo 374.º do CC, a que acresce o reconhecimento presencial, nos termos previstos no artigo 375.º do mesmo código (a este respeito, vide Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pp. 161 e seguintes).
No caso concreto, autoria da assinatura aposta no documento n.º 3 da petição inicial foi objecto de reconhecimento expresso pelo réu BB, que assim aceitou a paternidade das declarações nele vertidas, conforme afirmado por este na pendência do processo.
Nestes termos, o referido documento faz prova plena da materialidade das declarações do réu BB, vertidas naquele documento, nos termos disposto no artigo 376.º, n.º 1, do CC.
Embora a sentença recorrida não o afirme de modo explícito, não restam dúvidas de que foi em obediência a esta prova legal que o Tribunal a quo julgou provado o facto descrito no ponto 10, como se infere da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente da seguinte passagem: «Naturalmente, não se olvida o teor do documento de fls. 42 constituído pela declaração subscrita pelo R. BB e que o mesmo reconhece que subscreveu, o que implica a prova da emissão de tal declaração».
Ao contrário do que afirma o recorrente, não cremos que este ponto da matéria de facto viole a disciplina de elaboração da sentença, fixada nas normas do artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, por não ter tido em consideração o exacto conteúdo do referido documento. Embora sem reproduzir o conteúdo integral da declaração vertida nesse documento, o Tribunal a quo fez constar do ponto 10 dos factos provados a parte que julgou mais relevante para a apreciação da causa, precisamente a parte em que estão vertidos os factos contrários aos interesses do declarante, como veremos melhor infra.
Não obstante, tendo em vista assegurar o maior rigor possível na descrição e, consequentemente, na apreciação da matéria de facto provada, entendemos ser de deferir, nesta parte, a impugnação deduzida pelo recorrente, no sentido de fazer constar dos factos apurados o conteúdo integral da declaração em causa.
Nestes termos, passa a ser a seguinte a redacção do ponto 10 dos factos provados:
10. Em 23-05-2014, o Réu BB subscreveu documento escrito com o seguinte conteúdo:
«BB, ... em ..., portador do cartão de Residente nº ..., emitido em 17.04.2013, declara que recebeu de AA, natural de ..., ..., Angola, portador do passaporte nº ..., emitido em 13 de Dezembro de 2012, com validade até Dezembro de 2022, contribuinte nº ..., a quantia de 370.000 USD (trezentos e setenta mil Dólares) referente á venda da totalidade de uma moradia, situada na Rua ..., freguesia ..., concelho de Gondomar, sendo posteriormente realizada a escritura pelo seu pai CC
b. No que respeito ao valor probatório material do mesmo documento, admite-se que possam suscitar-se dúvidas.
Mas não cremos que tais dúvidas se estendam à identificação dos factos, compreendidos na declaração acima transcrita, que se mostram contrários aos interesses do declarante, o aqui recorrido BB. Atento o objecto do presente litígio, nomeadamente o pedido e a respectiva causa de pedir, afigura-se de meridiana clareza que esses factos desfavoráveis consistem no seguinte: (i) ter o recorrido BB recebido do recorrente AA, a quantia de 370 mil dólares americanos; (ii) referir-se essa entrega à venda da totalidade de a moradia aí identificada, cuja escritura pública seria realizada posteriormente pelo recorrido CC.
A natureza confessória destes factos, inclusivamente do segundo, não pode suscitar dúvidas, sobretudo se tivermos em conta que, como ensina Vaz Serra (Provas – Direito Probatório Material, BMJ, 111, 16), «a força probatória plena, atribuída pela lei à confissão judicial e a certas confissões extrajudiciais, é independente da intenção do confitente».
Com esta citação não quisemos apressar a conclusão de que a referida declaração confessória tem força probatória plena, mas apenas reforçar tal natureza confessória, na medida em se reporta a factos que desfavorecem o declarante e favorecem a parte contrária.
De resto, é precisamente a eficácia probatória destas declarações que pode legitimar maiores dúvidas, mormente saber se a confissão contida nas mesmas está sujeita à livre apreciação do tribunal, se inverte o ónus da prova por força da presunção iuris tantum dos factos confessados ou se faz prova plena dos mesmos.
Em face do que ficou exposto na análise do regime legal vigente, não temos dúvidas em afirmar que a confissão dos referidos factos faz prova plena dos mesmos, à luz do disposto nos artigos 358.º, n.º 2, e 376.º, n.º 2, do CC, tendo em conta que tal confissão foi feita à parte contrária. Como afirmaram o recorrente e os recorridos nos respectivos articulados, tal declaração foi subscrita pelo recorrido BB e entregue ao recorrente AA, divergindo as partes apenas quanto ao contexto em que esta entrega ocorreu.
Deste modo, ainda em consonância com exposição antecedente, tal força probatória só pode ser abalada mediante a prova de algum vício invalidante da declaração confessória e, concomitantemente, de que a mesma não corresponde à verdade, ou apenas mediante prova desta inveracidade, mas com os limites probatórios decorrentes do disposto nos artigos 393.º e 351.º do CC, que apenas cedem se existir outro meio de prova – não testemunhal ou por presunções judiciais – que torne verosímil aquela inveracidade, admitindo-se então a prova testemunhal ou o recurso a presunções judiciais como complemento desta prova indiciária.
Perante esta análise do valor probatório material do documento invocado pelo recorrente, verificamos que a força probatória plena da confissão nele vertida não abrange todos os factos que o recorrente pretende ver aditados ao elenco dos factos provados, nem está em contradição com a decisão do Tribunal a respeito da factualidade constante dos pontos A a D dos factos não provados.
Quanto a estes, atenta a forma como estão redigidos, não podemos deixar de concordar com o Tribunal a quo quando afirma, na motivação da decisão sobre a matéria de facto, que da declaração vertida no documento em causa «não se extrai qualquer confissão quanto ao circunstancialismo em que o mesmo foi subscrito», nomeadamente o circunstancialismo descrito naqueles pontos A a D dos factos não provados.
Quanto aos factos cujo aditamento é pretendido, apenas o ponto 10-C se contém rigorosamente no âmbito dos factos plenamente provados pela declaração confessória. Os pontos 10-A e 10-B incluem factos totalmente omissos na referida declaração, como a acordo quanto à moeda em que seria pago o preço acordado, e introduzem matizes ou nuances interpretativas que apenas o recurso a prova complementar poderia permitir, prova essa inteiramente admissível (cfr. artigo 393.º, n.º 3, do CC), mas que o recorrente não invocou.
Claro que essa circunstância não impede que o Tribunal de recurso perscrute a prova produzida, tendo em vista a eventual confirmação da interpretação preconizada pelo recorrente.
Porém, o valor probatório do documento que vimos analisando, nos exactos termos em foi definido, torna desnecessária essa indagação, conduzindo igualmente à inutilidade da apreciação dos restantes pontos da matéria de facto objecto de impugnação, na medida em que impele a decisão da acção num determinado sentido, independentemente do sucesso daquela impugnação.
Ressalvamos apenas as incidências processuais descritas nos pontos que o recorrente pretende ver aditados aos factos provados sob os números 35 a 37, que, como veremos infra, relevam para a decisão do recurso, mas que, por se tratarem de ocorrências destes autos de que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções, podem ser consideradas na decisão, nos termos previstos no artigo 5.º, n.º 2, al. c), do CPC.
Pelas razões expostas, julga-se prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas a respeito da matéria de facto e passamos a apreciar o recurso sobre a matéria de direito.
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2. Impugnação da decisão sobre a matéria de direito
Como vimos, a declaração confessória descrita no ponto 10 dos factos provados faz prova plena de que o recorrido BB recebeu do recorrente AA a quantia de 370 mil dólares norte-americanos, referente à venda da totalidade de uma moradia, cuja escritura pública seria realizada posteriormente pelo recorrido CC, decorrendo do ponto 1 dos factos provados que este é o proprietário desse imóvel.
2.1. Os recorridos procuraram impugnar a força probatória plena daquela confissão, alegando que a mesma não corresponde à verdade e que foi obtida mediante coação moral (cfr. artigo 255.º do CC), acrescentando que o recorrente ameaçou o recorrido BB de não proceder aos pagamentos devidos à empresa deste, de assegurar que mais ninguém o contrataria e, se fosse necessário, de o por fora de Angola, o que levou aquele recorrido a assinar a declaração contra a sua vontade.
Todavia, não lograram provar estes factos, como decorre dos pontos N e O dos factos não provados, sendo certo que esta decisão não foi impugnada, pelo que se tornou definitiva.
Alegaram ainda os recorridos que todos os pagamentos efectuados pelo recorrente ao recorrido BB, que ultrapassaram os 370.000,00 USD mencionadas na declaração assinada por este, se destinaram ao pagamento dos serviços prestados pela sociedade de que o mesmo recorrido é gerente (A..., Lda.) a uma sociedade administrada pelo recorrente é administrador (B..., Lda.).
Sucede que este facto não foi incluído nos temas da prova, pelo menos com autonomia relativamente à coação moral, nem consta do elenco dos factos provados ou não provados.
Perante esta insuficiência da factualidade adquirida, justificar-se-ia o seu suprimento – julgando-se provado ou não provado aquele facto e fundamentando-se tal decisão – por via de algum dos mecanismos previstos nos artigos 662.º, n.º 1 e 2, al. c), e 665.º do CPC. Contudo, abstemo-nos de o fazer, visto que esse suprimento sempre estaria votado ao fracasso.
Já vimos que, não se discutindo alguma causa de nulidade ou anulabilidade da confissão, a prova da inveracidade da declaração confessória dotada de força probatória plena não pode ser feita por testemunhas ou presunções judiciais, a não ser que exista outro meio de prova que torne verosímil aquela inveracidade ou, pelo menos, que a prova testemunhal ou por presunções judiciais seja acompanhada de circunstâncias objetivas que tornem verosímil a convenção contrária àquela declaração confessória.
No caso concreto, não se verifica aquele começo de prova, tal como não ocorrem circunstâncias objectivas que confiram verosimilhança a qualquer acordo oposto aos factos confessados.
Por um lado, os documentos apresentados pelo recorrido BB, tendo em vista demonstrar a existência de negócios entre as sociedades A..., Lda. e B..., Lda. e a realização de depósitos pelo recorrente numa conta bancária sua, são insuficientes para fazer o tribunal duvidar da existência de negócios pessoais paralelos àqueles negócios profissionais, até porque, com frequência, aqueles são potenciados por estes.
Por outro lado, as declarações de parte prestadas pelo recorrido BB – a cuja audição se procedeu, tal como à restante prova gravada – focaram-se na coação exercida pelo recorrente, a qual, como vimos, já foi definitivamente julgada não provada. De resto, cremos que as declarações de parte, pela sua natureza, sempre seriam insusceptíveis de constituir um começa de prova da inveracidade de uma anterior declaração confessória.
Está, assim, vedado o recurso à demais prova apresentada, por se tratar de prova testemunhal.
Nestes termos, o declarante confitente não logrou impugnar o valor probatório da declaração confessória, pelo que se mantém a força probatória plena dos factos acima descritos.
2.2. Embora estes factos não permitam conhecer com pormenor os termos do acordo celebrado, deles decorre com clareza que o recorrido BB acordou com o recorrente AA a futura celebração de uma escritura pública de compra e venda, tendo por objecto o imóvel supra referido, que seria outorgada pelo proprietário deste imóvel, o recorrido CC, e o recorrente. Tais factos permitem afirmar com igual segurança que a entrega dos 370.000 USD ao recorrido BB teve em vista a aludida transmissão da propriedade daquele imóvel.
Mais se provou que este recorrido cedeu o uso do referido imóvel ao recorrente (cfr. pontos 11 a 25 dos factos provados) e que o recorrido CC não conhece o recorrente e nunca o autorizou ou convidou a frequentar o referido imóvel (cfr. ponto 34 dos factos provados).
Este circunstancialismo não revela que o recorrido BB tenha agido enquanto gestor de negócios do seu pai, o aqui recorrido CC, desde logo porque não demonstra que aquele tenha agido «no interesse e por conta» deste, como é exigido pelo artigo 464.º do CC para que se possa falar de gestão de negócios.
Em contrapartida, não restam dívidas de que agiu em nome do deste CC, ou seja, em representação deste, mas sem poderes de representação, o que nos remete para o preceituado no artigo 268.º do CC, que as próprias partes invocaram.
Como afirma Carlos Alberto da Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3:º ed., Coimbra, 1990, p. 537), «[p]ara existir a representação basta que o negócio seja concluído em nome do representado, não sendo já necessário, contrariamente ao que por vezes se supõe, que o seja no interesse do representado». E como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 1987, p. 248), «[a] representação sem poderes pode importar gestão de negócios, sujeita, como tal, quanto às relações entre o gestor e o dono do negócio, às disposições dos artigos 464.º e seguintes (cfr. art. 471.º). Mas, se não se verificarem os requisitos da gestão (…), não deixa de ser aplicável o disposto neste artigo. Ele tem, portanto, sob este aspecto, um campo de aplicação mais lato, embora, sob outros aspectos, o tenha mais restrito: refere-se só a negócios jurídicos e diz respeito apenas à eficácia dos negócios em relação a terceiros, e não às relações entre representante e terceiros».
Nos termos do n.º 1, do referido artigo 268.º, o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.
Ora, está documentado nos autos que o recorrido CC, notificado para ratificar a promessa de compra e venda da moradia, declarou que não ratificou nem irá ratificar o alegado negócio, que considera ineficaz em relação a si, ao abrigo do disposto no artigo 268.º, n.º 1, do CC.
Mas, novamente nas palavras de Mota Pinto (cit., p. 545), «[o] negócio, ineficaz relativamente ao «representado», não é, também, tratado como um negócio do representante. Não havendo ratificação, o representante sem poderes, verificada culpa da sua parte, como será quase sempre o caso, responde perante a contraparte, com fundamento em responsabilidade pré-negocial (art. 227.º) ou na existência de uma promessa tácita de garantia [este é o fundamento constante da exposição de motivo do BGB], sempre existente, se não psicologicamente ao menos objectivamente. O «falsus procurator» responde pelo interesse contratual negativo ou interesse da confiança (a contraparte é colocada na situação em que estaria se não tivesse contado com a realização do contrato), se desconhecia, com culpa, a falta de poderes (no caso raro de não ter culpa, não responde). Se o representante sem poderes conhecia a falta de legitimidade representativa a contraparte pode optar pela indemnização pelo não cumprimento do contrato».
No caso em análise, é manifesto que o recorrido CC conhecia a sua falta de poderes de representação, tendo declarado na contestação que praticou os factos descritos à revelia do seu pai, o qual apenas tomou conhecimento da situação em 2017.
Assim, tanto por via da tutela do interesse contratual negativo como por via da tutela do interesse contratual positivo, o recorrente tem à restituição da quantia de 370.000,00 USD que entregou ao falsus procurator.
Mas do exposto também já decorre que nada tem a haver do “falso representado”, ou seja, do recorrido CC, pelo que se impõe a absolvição deste do pedido.
À quantia a restituir acrescem juros de mora, à taxa legal, mas apenas a partir da citação do réu BB para esta acção até integral pagamento, nos termos do disposto nos artigos 804.º, 805.º, n.º 1, e 806.º, n.º 1, do CC.
Refira-se, a este respeito, que ainda que se julgasse provada a factualidade descrita nos pontos D e E dos factos não provados, os juros continuariam a ser devidos apenas desde a data da interpelação do devedor para cumprir, ou seja, desde a data da citação, o que confirma a irrelevância daquela factualidade. Por um lado, é evidente que a data ou as datas da entrega do valor em causa não correspondem à data do vencimento da obrigação de restituir esse mesmo valor. Por outro lado, não existe qualquer fundamento para a aplicação analógica do disposto no artigo 1271.º do CC (por apelo ao conceito de frutos civis), pois nada nos factos alegados permite equiparar o recorrido ao possuidor de má-fé (cfr. artigo 1260.º do CC).
Nos termos expostos, procede parcialmente o recurso interposto, pelo que as respectivas custas deverão ser suportadas por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º do CPC).
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IV. Decisão
Pelo exposto, na procedência parcial da apelação, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto revogam parcialmente a decisão recorrida e, consequentemente:
- Condenam o recorrido BB a pagar ao recorrente AA a quantia de 370.000,00 dólares norte americanos, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento;
- Absolvem o recorrido BB do demais peticionado;
- Absolvem o recorrido CC de todos os pedidos contra si deduzidos.

Custas pelo recorrente e pelo recorrido BB na proporção dos respectivos decaimentos.

Registe e notifique.
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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
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Porto, 7 de Fevereiro de 2023
Artur Dionísio oliveira
Maria Eiró
João Proença