Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1657/21.4T8OVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
USO INDEVIDO DA INJUNÇÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
Nº do Documento: RP202302271657/21.4T8OVR-A.P1
Data do Acordão: 02/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em consonância com o princípio geral e estruturante do processo civil do contraditório, preceitua o artigo 591º do CPC que uma vez findos os articulados e observadas as diligências eventualmente determinadas nos termos do artigo 590º do CPC é convocada audiência prévia para os fins (ou alguns dos fins) indicados no nº 1 do deste mesmo artigo 591º[1], do qual se destaca para o que ora releva nos autos o constante da al. b), a qual determina o agendamento da audiência prévia para a discussão de facto e de direito nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias.
Esta regra geral comporta algumas exceções, desde logo nas situações em que a exceção dilatória tenha já sido debatida nos articulados, havendo o processo de findar no despacho saneador pela sua procedência: assim o prevê o artigo 592º nº 1 al. b) do CPC.
II - A responsabilidade de pessoa singular, demandada enquanto fiador em nome pessoal, não pode ser discutida ao abrigo do procedimento de injunção instaurado nos termos do DL 62/2013 de 10/05, já que não pode o fiador ser considerado empresa para os fins indicados no artigo 3º deste DL.
III - A demanda do recorrido fiador que não se funda, não deriva, diretamente da relação contratual que foi causa do pedido de injunção, é de rejeitar independentemente do valor peticionado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 1657/21.4T8OVR-A.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Jz. de Execução de Ovar
Apelante/ “A..., S.A.”
Apelado/ AA

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
AA deduziu por apenso à execução contra si instaurada por “A..., S.A.” oposição por embargos à execução, concluindo pela procedência da mesma:
“a) Ser declarada a inexequibilidade do título executivo e a inexigibilidade da dívida exequenda, com todas as consequências legais;
b) Ser reconhecida a ilegitimidade do aqui Embargante;
c) Ser extinta a presente execução; e
d) Ser a Embargada condenada, como litigante de má-fé, em multa e em indemnização, no valor de 1.000,00 € (mil euros), a favor da Embargante, acrescida de juros legais desde a notificação da presente oposição até efetivo e integral pagamento”

Fundou o embargante a oposição deduzida:
- na inexequibilidade do título e na inexigibilidade da dívida exequenda.
Entre o mais tendo alegado não ter celebrado com a embargada qualquer contrato de fornecimento, nomeadamente o subjacente às faturas emitidas que deram origem à injunção à qual foi aposto fórmula executória.
Injunção também intentada contra o aqui embargante enquanto garante do negócio celebrado entre embargada e executada.
Executada com a qual o embargante fiador não tem qualquer relação comercial e assim não pode ser responsabilizado por via da injunção.
Entre o mais tendo neste ponto alegado:
“12º
A injunção padece de vícios porque o fiador não tem qualquer relação comercial com a Executada e em consequência, ao fiador não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade por via da injunção”.
- na sua ilegitimidade, porquanto o mesmo não garantiu o pagamento das faturas indicadas na injunção;
- Ao alegar a embargada que o embargante se responsabilizou pelo pagamento das faturas identificadas na injunção agiu de má-fé, o que deverá ser sancionado pelo tribunal.
No mais, impugnou o embargante o alegado. Invocando ainda não poder ser considerado empresa para os fins do DL 32/2003, pelo que não podia ser contra si instaurada injunção.
*
Notificada a exequente para querendo contestar, apresentou articulado no qual e em suma:
- excecionou a extemporaneidade dos embargos;
- pugnou pela improcedência das exceções invocadas pelo embargante, nomeadamente e quanto à idoneidade do meio – recurso à injunção – para responsabilizar o garante, tendo respondido:
“Para enquadrar os embargos numa situação de admissibilidade, alega o embargante (desprovido de qualquer fundamento), em súmula, a inexequibilidade e inexigibilidade do RI com aposição de fórmula executória por ter sido requerida sociedade e garante, sendo que segundo entendimento do embargante não pode ao garante ser “assacada responsabilidade por não ter relação comercial” e, portanto, segundo o mesmo o recurso à injunção seria meio não idóneo para responsabilizar garante.
12º- Entende o embargante (sem razão) que, em sede de injunção, era parte ilegítima e que não poderia ser (segundo o mesmo) demandado em sede de injunção, para concluir com o alegado vício do RI.
13º.- Ao contrário do alegado pelo embargante, o título executivo (doravante designado por TI) não padece de nenhum vício.
14º.- Desde logo, não padece de qualquer vício formal já que (…)
16º.- E também não padece o TI de qualquer vício material já que o procedimento de injunção mostra-se adequado e é aplicável a todas as situações em que se pretenda exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e desde que o valor dessas obrigações não exceda o valor de € 15.000.00, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro. (cfr art 7º do DL 269/98 de 01/07, na redação atual).
17º.- A Lei não especifica nem restringe a sua aplicação a um específico tipo de contratos, nem faz quaisquer exigências quanto à forma de fixação, por acordo ou unilateralmente, das obrigações pecuniárias.
18º.- Na verdade, tendo em consideração que o tipo de obrigação em questão - obrigação pecuniária - e o valor em questão - inferior a € 15.000,00 - sempre o procedimento de injunção seria o meio adequado seja para demandar a sociedade requerida, seja o embargante, por via da aplicação do art 1º do diploma preambular ex vi art 7º do DL 269/98, de 01/01, na redação atual (cfr, neste sentido, douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/06/2021, relator: Espinheira Baltar, proc 11952/19.9YIPRT.G1, in dgsi).”
e
- concluiu pela improcedência dos embargos com as consequências legais.
Respondeu o embargante, no exercício do contraditório.
*
Fixou o tribunal a quo o valor da causa em “€ 9.034,72 que corresponde ao pedido executivo (cf. arts. 297.º, n.º 1, 305.º, n.º 4 e 307.º, n.º 1, do mesmo Código)”
Após o que justificou a não convocação da audiência prévia nos seguintes termos:
“Tendo em conta o valor da ação (€ 9.034,72), a não convocação da audiência prévia é um mecanismo previsto para a agilização do processo (arts. 592.º, n.º 1, al. b), e 597.º, caput, ambos do CPC).”
Foi proferido despacho saneador e neste elencado para conhecimento:
“2.1. Exceções dilatórias
2.1.1. Uso indevido do procedimento de injunção conhecida a seguinte questão”:
Assim justificado: “saber se o procedimento de injunção é o meio adequado (i) à cobrança de uma dívida ao fiador de obrigação emergente de transação comercial (ii) quando a vontade de prestar fiança tenha sido expressamente declarada em documento autónomo e posterior àquela transação”.
E tendo o tribunal a quo decidido
“julgar procedente a exceção dilatória relativa ao uso indevido do procedimento de injunção, por não ser este o meio adequado à cobrança de uma dívida ao fiador de obrigação emergente de transação comercial.”,
Proferiu decisão final a “(…) julgar procedente os Embargos do Executado e, em consequência, extinta a execução quanto ao Embargante.
(…)”
*
Do assim decidido apelou a embargada, oferecendo alegações e formulando as seguintes
Conclusões:
“1ª. - Vem o presente recurso impugnar o despacho saneador sentença proferido a 06/05/2022, com refª 121516051, de fls., pela qual o Mmº Juiz a quo ao decidir julgar procedente os embargos, por verificação da exceção dilatória de uso indevido do processo e extinguir a execução contra o embargante fez (salvo o devido e merecido respeito) incorreta interpretação e aplicação da lei;
2ª. - Despacho com o qual a recorrente não se conforma e do qual ora recorrem;
3ª.- São no essencial duas as questões em que se alicerça a discordância da apelante com o despacho saneador sentença, ora impugnado:
- a) prolação de despacho saneador sentença sem prévia realização de audiência prévia ou notificação prévia à embargada para se pronunciar, em concreto, sobre a exceção em questão; e
- b) inexistência de exceção dilatória de uso indevido do processo de injunção;
4ª.- O despacho, ora em crise, viola o princípio processual do contraditório previsto no art 3º, n.º 3 do CPC e proibição das decisões-surpresa;
Pois que:
5ª.- Em sede de embargos de executado, o embargante deduziu oposição, tendo, em sede de matéria de exceção, alegado, como matéria de exceção, seguinte: "I - Da inexequibilidade do título e da inexigibilidade da dívida exequenda; II - Da ilegitimidade
do aqui Embargante";
6ª.- Em sede de contestação, a embargada respondeu às exceções invocadas em sede de embargos e não se pronunciou, em concreto, quanto à exceção dilatória de "uso indevido do procedimento de injunção", nem lhe era exigível que o fizesse já que o uso da injunção era o meio adequado para demandar o garante, seja por a fiança ter o mesmo conteúdo que a obrigação afiançada, seja por o embargante a fiança em questão ser fiança comercial, seja pelo garante ser empresário em nome individual (com em rendimentos da categoria B do IRS, nos termos e para efeitos do art 3º do CIRS) e seja por o uso ser sempre legalmente admissível pela via da cláusula geral constante do art. 1º do Dl 269/98 de 01/09 conjugado com o disposto no artigo 7º do Regime Anexo;
7ª.- Sme a decisão de dispensar a realização de audiência prévia e proferir despacho saneador sentença, conhecendo de exceção dilatória de "uso indevido do procedimento de injunção" contra o embargante por garante pessoal, exceção não invocada em sede de embargos, constitui uma decisão surpresa, já que tal exceção não havia sido diretamente "debatida" nos autos tal qual;
8ª.- Saliente-se que o embargante diz em sede de embargos é que era (segundo ele) "parte ilegítima" na injunção, sendo realidades jurídicas distintas a questão da ilegitimidade e a questão do uso indevido do processo de injunção;
9ª.- E viola o disposto no art 591, n.º 1 al. b), já que atento o valor da ação, e pretendendo o MMº Juiz a quo conhecer da exceção dilatória de "uso indevido do procedimento de injunção" deveria ter convocado audiência prévia para os efeitos legalmente previstos no preceito citado;
10ª.- A decisão mostra-se, assim, nula seja por violação do princípio do contraditório previsto no art 3º n.º 3 do CPC seja por violação do art 591º n.º 1 al. b) do CPC, este último manifestação do princípio do contraditório, nulidades que se invocam para todos os devidos e legais efeitos;
11ª.- A decisão do MMo Juiz a quo ao considerar verificada exceção dilatória de uso indevido do processo de injunção, fez (salvo devido e merecido respeito) errada interpretação e aplicação da Lei.
Pois que:
12ª.- Conforme douto entendimento do Tribunal da Relação de Guimarães, constante do douto Acórdão de 15/06/2021, relator: Espinheira Baltar, proc 11952/19.9YIPRT.G1, in dgsi "I – A fiança é uma garantia especial e pessoal das obrigações e tem como finalidade última garantir o cumprimento da obrigação do devedor perante o credor (art 627 n.º 1 do C. Civil). A obrigação do devedor e do fiador são autónomas, mas têm o mesmo objeto, isto é, o mesmo conteúdo, na medida em que o fiador se obriga a cumprir a obrigação do devedor na sua plenitude, como resulta do artigo 634 do C. Civil. II - Sendo os créditos em questão de natureza comercial e oriundos das relações comerciais entre a autora e 1ª ré, e garantidos pelas fiadoras (...) , na sua plenitude, que asseguram o seu cumprimento, é de aplicar o processo previsto no Dl 62/2013 de 10/05, mais concretamente tendo em conta o disposto no art 2º n.º 1 e artigo 3 al. a) e b). III - Mesmo que assim não se entendesse, era sempre de aplicar-se o disposto no art 1º do DL 269/98, de 01/09 uma vez que o valor dos créditos é inferior a 15.000€".
13ª.- Decorre do despacho saneador sentença que o valor da ação é de 9034,72 EUR.
14ª.- Por outro lado, da conjugação dos factos dados como provados no despacho saneador sentença (cujos conteúdos, em obediência ao princípio da economia processual, se dão aqui por integralmente reproduzidos) com a mera análise do “RECONHECIMENTO DE DÍVIDA – PESSOA COLECTIVA”, datado de 03.06.2019, subscrita pelo embargante e cuja assinatura o mesmo não contesta, logo faz prova plena, nos termos do art 376 n.º 1 e 2 do Código Civil (doravante designado por CC), decorre que a sociedade executada "B..., UNIPESSOAL, LDA" tem como único sócio e gerente o embargante "AA" (cfr documento de confissão de dívida junto aos autos e procuração junta aos autos principais de sociedade executada e cujos conteúdos se dão aqui por integralmente reproduzidos);
15ª.- Acresce que da consulta da base de dados das finanças efetuada pela I. AE em 14/10/2021, com refª citius 12075681, resulta que o embargante é empresário em nome individual, já que além de sócio-gerente da executada sociedade, manifesta rendimentos da categoria B (Cfr consulta de AE de 14/10/2021, refª citius 12075681.).
Ou seja, decorre dos autos que:
16ª.- A fiança prestada pelo embargante tem natureza comercial pois tem como objeto uma obrigação comercial emergente da atividade da exequente e da sociedade executada, importando responsabilidade solidária, pelo que só por esse facto nunca existiria uso indevido do processo de injunção;
17ª.- Por outro lado, decorre do direito substantivo que uma das caraterísticas da fiança é a acessoriedade, nos termos dos artigos 627º n.º 2 e art 634º ambos do CC;
18ª.- Com efeito, a fiança é caracterizada pela acessoriedade, o que significa que a fiança se determina pela obrigação do devedor principal, acompanhando a obrigação afiançada;
19ª.- Tendo a fiança o mesmo conteúdo da obrigação principal, nos termos do art 634º do CC e art 101º do Código Comercial (doravante designado por Cód. Com), então o credor pode exercer perante o fiador os mesmos direitos que tem perante o devedor, quer respeitem à ação de cumprimento, à indemnização por incumprimento, mora ou cumprimento defeituoso, nele se incluindo o recurso à injunção;
20ª.- Isto é, tendo o embargante garantido, através de fiança, o cumprimento da obrigação emergente de transação comercial da sociedade executada, todas as obrigações nasceram de uma relação comercial entre exequente e sociedade executada, sendo o embargante fiador e garante das referidas obrigações, com o mesmo conteúdo;
21ª.- Pelo que a exequente tinha (e tem) o direito de exigir ao fiador os créditos emergentes da relação comercial, usando formalmente os mesmos meios que tem ao seu dispor para demandar a sociedade, designadamente através da via de procedimento de injunção, atento o disposto no art 2 n.º 1 e art 3 als a) e b) do DL 62/2003;
22ª.- Acresce que o recurso ao procedimento de injunção para demandar conjuntamente sociedade executada e garante nunca configuraria exceção dilatória de uso indevido do processo;
Pois que:
23ª.- Sendo a fiança acessória à obrigação principal, a qual, por sua vez, trata-se de dívida comercial, seja por se tratar ato objetivo de comércio seja pela via subjetiva (pelas partes principais intervenientes) e, como tal, tendo o mesmo conteúdo, sendo seria idóneo o mesmo o meio de reação judicial face ao incumprimento: no caso o procedimento de injunção;
24ª.- A acrescer, a fiança comercial regulada pelo art 101º do Cód. Com é ela própria um ato objetivo de comércio;
25ª.- E, por outro lado, como decorre dos autos que o embargante, além de único sócio e gerente da sociedade executada, é empresário em nome individual e, como tal, comerciante, e não mero consumidor, logo ele próprio abrangido pelo âmbito de aplicação do supra citado Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro;
Sem prescindir:
26ª. - Mesmo que a fiança em questão não tivesse o mesmo conteúdo que tem a obrigação principal (que tem) e/ou não fosse uma fiança comercial (que é) e/ou o embargante não fosse comerciante (empresário em nome individual) - o que não se aceita e apenas se coloca por mera hipótese de raciocínio -, sempre seria legítimo o recurso ao procedimento de injunção, ao abrigo do disposto no art 1 do DL 269/98 de 01/09 porque o valor dos créditos é inferior a € 15000,00 e se trata de ação para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato;
27ª.- Pois que o procedimento de injunção sempre seria adequado dado que se visava o cumprimento de obrigações pecuniária, o valor em dívida é inferior a € 15000,00 e, como tal, abrangido pelo art 1 do Dl 269/98, de 01/09, conjugado com o disposto no art 7º do Anexo que determina o “Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1 do Diploma Preambular”;
28ª.- Tanto mais que o objetivo final do procedimento de injunção é a utilização de um instrumento processual simplificado evitando-se a aplicação das regras próprias do processo comum;
29ª.- Se assim não fosse, estaríamos a obrigar a uma duplicação de ações, com o mesmo objeto, o que violaria os princípios da tutela jurisdicional efetiva e o princípio da economia processual;
30ª.- Mais: violar-se-ia o princípio da auto – responsabilidade das partes, já que se permitiria a um devedor notificado, em sede de balcão nacional de injunção – que teve pleno conhecimento de conteúdo de requerimento injuntivo -, que nada fez (porque, como decorre dos embargos, pretende pagar mas em prestações), sendo totalmente incauto, beneficie de procedência de embargos;
31ª.- Devedor que é único sócio e gerente da sociedade executada, que assinou em representação da sociedade e em nome próprio e negociou forma de pagamento de dívida confessada, dívida confessada que é solidária, com todas as implicações daí decorrentes; e
32ª.- O despacho saneador sentença sob recurso viola, entre outros, o previsto nos arts 2º e 20º da CRP; as disposições civis e comerciais previstas nos arts 101º do Código Comercial, arts 376º, nº 1 e 2, art 627º n 2 e art 634º do Código Civil; as disposições processuais previstas nos arts 3º, nº 3, art. 591º, nº 1, al. b) CPC, como ainda os art.s 7º e art 14-A, nº 2 de Anexo do DL 269/98; art 1º do DL 269/98; arts 2º e art 3º, al.s a) e b) do DL 62/2003.
Nestes termos, e nos mais que V. Exªs. superiormente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e provido e, em consequência, revogada o douto despacho saneador sentença recorrido, com todas as demais consequências legais, como é de DIREITO E DE JUSTIÇA!”

O recorrido/executado contra-alegou tendo em suma pugnado pela improcedência do recurso face ao bem decidido pelo tribunal a quo.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos (da oposição) e com efeito meramente devolutivo.
Foram dispensados os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante serem questões a apreciar:
I- Nulidade da decisão proferida por não realização de audiência prévia, seja por “violação do princípio do contraditório previsto no art 3º n.º 3 do CPC seja por violação do art 591º n.º 1 al. b) do CPC, este último manifestação do princípio do contraditório, nulidades que se invocam para todos os devidos e legais efeitos;” (vide conclusão 10ª);
II- Erro na aplicação do direito – em causa a julgada verificada exceção dilatória de uso indevido do processo de injunção (vide conclusões 11ª e seguintes).
***
III- Fundamentação.
O tribunal a quo considerou assentes para a prolação da decisão os seguintes factos/vicissitudes processuais:
«a) O requerimento de injunção deu entrada no Balcão Nacional de Injunções, em 14.05.2021, com referência n.º 46285/21.0YIPRT;
b) Em 28.09.2021, foi aposta fórmula executória naquele requerimento de injunção;
c) A injunção é abrangente de quantia que diz respeito a diversos bens que a sociedade exequente forneceu à sociedade executada “B..., Unipessoal Lda.”, a solicitação desta e que a mesma recebeu;
d) O Embargante AA declarou, por escrito, garantir pessoalmente, a título de principal pagador e sem benefício de excussão prévia e sem benefício de divisão, o integral pagamento da dívida reconhecida pela sociedade executada “B..., Unipessoal Lda.” no documento particular denominado “RECONHECIMENTO DE DÍVIDA – PESSOA COLECTIVA”, datado de 03.06.2019, conforme o doc. n.º 1 junto por cópia em anexo à petição de embargos.”

A esta factualidade, acrescentamos ainda o seguinte (para retratar o que foi alegado no requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória e dado à execução):
e) No requerimento de injunção, ao qual foi aposta formula executiva, instaurado pela então requerente “A..., S.A.” contra “B..., Unipessoal, Lda.” e AA:
1) Identificou a requerente ser a “Obrigação emergente de transação comercial” e não se tratar de “Contrato com consumidor”.
2) E indicou como data do contrato “14-11-2018” e período a que se refere “14-11-2018 a 27-11-2020”.
3) Alegou a requerente, entre o mais, o seguinte:
“A requerente dedica-se à venda de rações, adubos, produtos fitofármacos, inseticidas, sementes, entre outros.
Por seu lado, a requerida sociedade dedica-se ao comércio a retalho em outros estabelecimentos não especializados, sem predominância de produtos alimentares, bebidas ou tabaco.
No exercício das suas descritas atividades comerciais, por encomenda da requerida sociedade e que esta recebeu, a requerente forneceu à requerida sociedade os bens devidamente discriminados nas faturas (…)”[1].
4) E quanto ao ora recorrido, alegou a requerente:
Por seu lado, por documento particular de confissão de dívida subscrito aos 03/06/2019, o requerido AA declarou garantir pessoalmente, a título de principal pagador e sem benefício de excussão prévia e sem benefício de divisão, benefícios aos quais renunciou o integral pagamento da dívida reconhecida, bem como dos devidos juros legais.”
5) A final tendo requerido seja proferida decisão a “condenar os requeridos a pagar à requerente a quantia de capital de € 8795,02, acrescida dos juros de mora vencidos desde as datas de vencimento de cada uma das faturas e vincendos até efetivo e integral pagamento, calculados às taxas legais comerciais em vigor, sendo os vencidos no valor de € 323,85 (…)”.
***
Conhecendo.
As questões sujeitas à nossa apreciação, serão conhecidas por ordem de precedência na medida em que a solução de uma possa prejudicar o conhecimento de outras (vide artigo 608º ex vi 663º do CPC ambos].
E como tal impõe-se em primeiro lugar apreciar da invocada nulidade da decisão proferida por não convocação de audiência prévia, em violação do princípio do contraditório, na medida em que o tribunal a quo conheceu de questão nova / exceção não debatida nos articulados.

Tal como resulta do relatório supra, o requerente instaurou procedimento de injunção invocando estar em causa obrigação emergente de transação comercial e assim convocando a aplicação do previsto no DL 62/2013 de 10/05, o qual transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais.
O âmbito de aplicação deste DL 62/2013 encontra-se delimitado pelo estabelecido no seu artigo 2º:
1 - O presente diploma aplica-se a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais.
2 - São excluídos do âmbito de aplicação do presente diploma:
a) Os contratos celebrados com consumidores;
b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais;
c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros.
3 - O presente diploma não prejudica:
a) A aplicação do Decreto-Lei n.º 118/2010, de 25 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 2/2013, de 9 de janeiro, aplicando-se supletivamente;
b) As regras relativas à assunção de compromissos e aos pagamentos em atraso das entidades públicas, nos termos da Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 20/2012, de 14 de maio, 64/2012, de 20 de dezembro e 66-B/2012, de 31 de dezembro, e demais legislação complementar.”
No que a transação comercial e empresa respeita, para efeitos de aplicação do previsto neste diploma se tendo definido estes conceitos nos seguintes termos (cfr. artigo 3º do mesmo DL):
“b) «Transação comercial», uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração;
d) «Empresa», uma entidade que, não sendo uma entidade pública, desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, incluindo pessoas singulares;”
Finalmente e para o que ora releva, quanto aos meios processuais ao dispor do credor, facultou o legislador nos termos do artigo 10º deste mesmo DL o acesso do credor a “Procedimentos Especiais”, em concreto o regime de injunção, independentemente do valor da dívida [alargando assim o regime regra da injunção previsto no DL 269/98 apenas para os procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000 – vide artigo 1º de tal DL].
Artigo 10º em citação que assim dispõe:
1 - O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
4 - As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação.”
Consequentemente está o requerimento de injunção apresentado pela recorrente sujeito ao formalismo processual previsto no DL 269/98 e respetivo Anexo, de cujo artigo 21º decorre que a execução fundada em requerimento de injunção segue, com as necessárias adaptações, a forma de processo comum.
O mesmo é dizer que segue a forma de processo sumário, por força do disposto no artigo 550º nºs 1 e 2 al. b) do CPC.
Não sendo de aplicar ao caso o nº 3 al. d) deste mesmo artigo, no qual está excecionada a aplicação da forma sumária “d) Nas execuções movidas apenas contra o devedor subsidiário que não haja renunciado ao benefício da excussão prévia.”, porquanto e desde logo, em função do alegado pela exequente, não se mostra questionado ter o executado embargante renunciado ao benefício da excussão prévia.
Assente a forma sumária aplicável à execução, é aos embargos da execução sumária aplicável a tramitação prevista nos artigos 856º e 857º do CPC e, subsidiariamente as disposições do processo ordinário (da execução) – vide nº 3 do artigo 551º do CPC, bem como as disposições do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da ação executiva com as necessárias adaptações (vide nº 1 do artigo 551º do CPC).
Assim, por força do previsto no artigo 732º do CPC, é-lhe ainda aplicável o previsto nos artigos 592º nº 1 al. b) e 597º, ambos convocados pelo tribunal a quo na decisão recorrida.
Definido o enquadramento processual dentro do qual tem de ser analisada a arguida nulidade por violação do princípio do contraditório, analisemos se à recorrente assiste razão.
Dispõe o artigo 3º nº 3 do CPC «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
Consagra este artigo o princípio da contradição ou do contraditório, um dos princípios gerais estruturantes do processo civil, intimamente ligado ao princípio da igualdade das partes e com uma matriz constitucional, assente nos princípios de acesso ao direito e aos tribunais e da igualdade.
Em consonância com o princípio geral e estruturante do processo civil do contraditório, preceitua o artigo 591º do CPC que uma vez findos os articulados e observadas as diligências eventualmente determinadas nos termos do artigo 590º do CPC é convocada audiência prévia para os fins (ou alguns dos fins) indicados no nº 1 do deste mesmo artigo 591º[1], do qual se destaca para o que ora releva nos autos o constante da al. b), a qual determina o agendamento da audiência prévia para a discussão de facto e de direito nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias.
Esta regra geral comporta algumas exceções, desde logo nas situações em que a exceção dilatória tenha já sido debatida nos articulados, havendo o processo de findar no despacho saneador pela sua procedência: assim o prevê o artigo 592º nº 1 al. b) do CPC.
Adicionalmente e tal como previsto no artigo 597º al. c), nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, findos os articulados - e sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 590.º relativo a despacho pré-saneador - o juiz, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo pode proferir despacho saneador, nos termos do no n.º 1 do artigo 595.º, conhecendo nomeadamente de exceções dilatórias que hajam sido suscitadas pelas partes ou sejam de conhecimento oficioso [al. a) do nº 1 deste artigo 595º].
Foi ao abrigo destes normativos legais que o tribunal a quo conheceu da exceção dilatória de uso indevido do processo, após o fim dos articulados.

A decisão recorrida apenas merecerá censura se o conhecimento da exceção dilatória no mencionado momento processual e sendo a causa de valor não superior a metade da alçada da relação, não tiver sido debatida nos articulados.
Assim o alegou a recorrente.
Sem razão, contudo.

Como fundamento dos embargos deduzidos alegou o embargante ora recorrido, entre o mais:
- que não tendo tido qualquer relação comercial com a executada não podia a si ser assacada qualquer responsabilidade por via da injunção;
- tendo a exequente feito uso indevido do procedimento de injunção contra o aqui embargante, o que configura exceção dilatória inominada.
Aqui se reproduz parte do em concreto alegado pelo embargante:
34º
Pese embora o aqui Embargante se tenha constituído, de forma solidária, como fiador e principal pagador de todas e quaisquer obrigações emergentes do contrato celebrado entre a Executada B...- Unipessoal Lda. e a aqui Embargada, o requerimento de injunção foi intentando ilegalmente contra o aqui Embargante, ao abrigo do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro, ex vi Decreto-Lei nº 32/2003 de 17 de fevereiro e Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de maio.
35º
O procedimento especial de injunção é exclusivamente destinado à responsabilidade pelo não pagamento do preço no contrato celebrado entre empresas comerciais.
36º
Não pode o aqui Embargante ser considerado como empresa, para efeitos da aplicação do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de fevereiro.
37º
Pelo supra exposto, o aqui Embargante enquanto fiador, não tem qualquer obrigação legal no âmbito do procedimento especial.
38º
Pois, o aqui Embargante era parte ilegítima na injunção nº 46285/21.0YIPRT e como tal, nunca poderia ser discutida e apreciada a sua responsabilidade neste processo especial.
39º
O que quer dizer, a Embargada ao intentar, ilegalmente, contra o aqui Embargante a injunção supra referida, a mesma consubstanciou-se numa autêntica ausência de causa de pedir, uma vez que a Embargada não tinha qualquer suporte factual e legal para obter o crédito do aqui Embargante.
40º
Pelo que, a Exequente fez um uso indevido do procedimento de injunção contra o aqui Embargante, o que consubstancia exceção dilatória inominada, obstando ao conhecimento do mérito da causa, nos termos dos artºs 576, nº 1 e 2 e 577º e 578º do CPC. (sublinhado nosso).

Tendo contestado, alegou a embargada, ora recorrente, entre o mais:

“11º.- Para enquadrar os embargos numa situação de admissibilidade, alega o embargante (desprovido de qualquer fundamento), em súmula, a inexequibilidade e inexigibilidade do RI com aposição de fórmula executória por ter sido requerida sociedade e garante, sendo que segundo entendimento do embargante não pode ao garante ser “assacada responsabilidade por não ter relação comercial” e, portanto, segundo o mesmo o recurso à injunção seria meio não idóneo para responsabilizar garante.
12º- Entende o embargante (sem razão) que, em sede de injunção, era parte ilegítima e que não poderia ser (segundo o mesmo) demandado em sede de injunção, para concluir com o alegado vício do RI.
13º.- Ao contrário do alegado pelo embargante, o título executivo (doravante designado por TI) não padece de nenhum vício.
(…)
16º.- E também não padece o TI de qualquer vício material já que o procedimento de injunção mostra-se adequado e é aplicável a todas as situações em que se pretenda exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e desde que o valor dessas obrigações não exceda o valor de € 15.000.00, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro. (cfr art 7º do DL 269/98 de 01/07, na redação atual).
17º.- A Lei não especifica nem restringe a sua aplicação a um específico tipo de contratos, nem faz quaisquer exigências quanto à forma de fixação, por acordo ou unilateralmente, das obrigações pecuniárias.
18º.- Na verdade, tendo em consideração que o tipo de obrigação em questão - obrigação pecuniária - e o valor em questão - inferior a € 15.000,00 - sempre o procedimento de injunção seria o meio adequado seja para demandar a sociedade requerida, seja o embargante, por via da aplicação do art 1º do diploma preambular ex vi art 7º do DL 269/98, de 01/01, na redação atual (cfr, neste sentido, douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/06/2021, relator: Espinheira Baltar, proc 11952/19.9YIPRT.G1, in dgsi).
(…)
43º.- Ora figurando o embargante como devedor no requerimento de injunção com aposição de fórmula executório, ocorre a legitimidade passiva do mesmo.
43º.-A - Não existe qualquer ilegitimidade, nem qualquer outra exceção dilatória (inominada ou não).
(…)”
Concluindo a final pela total improcedência dos embargos.

Como resulta evidente da alegação constante dos articulados que aqui deixámos reproduzida, a exceção dilatória inominada do uso indevido do procedimento de injunção foi claramente invocada pelo embargante e mereceu da embargada expressa resposta, pugnando pela sua improcedência e assim exercendo com plena liberdade o contraditório que entendeu por oportuno.
O mesmo é dizer que a exceção dilatória conhecida pelo tribunal a quo foi debatida nos articulados e como tal estava o mesmo habilitado a conhecer a exceção em sede de saneador, sem convocação de audiência prévia.
Termos em que se julga improcedente a arguida nulidade imputada à decisão recorrida, por violação do princípio do contraditório.

Apreciado este primeiro fundamento do recurso, cumpre apreciar o segundo argumento e que respeita já ao mérito da decisão recorrida. Ou seja, aferir se efetivamente usou a recorrente de processo indevido para demandar o recorrido, fiador de obrigação decorrente de transação comercial e assumida por empresa.

Através do DL 269/98 de 01/09 e respetivo anexo, foi aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior (atualmente e desde 2007) a € 15.000,00, publicado em anexo a este mesmo diploma (cfr. o artigo 1º deste DL).

Procedimentos previstos no mencionado anexo e que respeitam a ação declarativa e injunção.
Por sua vez, através do DL 62/2013 acima já aludido e visando estabelecer medidas contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais, veio o legislador estabelecer a aplicação do procedimento especial de injunção (regulado no DL 269/98) para a cobrança de créditos quando em causa estejam transações comerciais nos termos previstos em tal diploma, independentemente do valor da dívida.
Tal como resulta do relatório supra, o requerente instaurou procedimento de injunção invocando estar em causa obrigação emergente de transação comercial e assim convocando a aplicação do previsto no mencionado DL 62/2013 de 10/05.
DL 62/2013 que delimita positivamente a sua aplicação (artigo 2º nº 1) “a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais” e negativamente (artigo 2º nº 2), apontando não ser o mesmo aplicável a contratos celebrados com consumidores; juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros.
Definindo, para fins de delimitação da sua aplicação (artigo 3º), o conceito de transação comercialb) «Transação comercial», uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração;”
e de empresad) «Empresa», uma entidade que, não sendo uma entidade pública, desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, incluindo pessoas singulares;”
Concluindo, por via deste DL 62/2013, facultou o legislador nos termos do artigo 10º do mesmo, para além dos meios comuns, o acesso do credor de transação comercial entre empresas ou entre empresas e entidade pública ao procedimento especial da injunção, independentemente do valor da dívida [alargando assim o regime regra da injunção previsto no DL 269/98 apenas para os procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000 – vide artigo 1º de tal DL].

Consequentemente está a apreciação da pretensão da recorrente e nomeadamente no que concerne aos pressupostos do exercício do seu direito, dependente do previsto no DL 62/2013.
Alega a recorrente:
- que a fiança tem natureza comercial, sendo como tal a responsabilidade do fiador solidária (artigo 101º do C. Com.). Acrescenta que a acessoriedade que é inerente à fiança, implica poder o credor exercer os mesmos direitos perante fiador e devedor, face ao incumprimento;
- devedor que além de sócio-gerente da executada é também empresário em nome individual;
- pelo que pode a recorrente exigir do fiador os créditos emergentes da relação comercial, usando o procedimento de injunção nos termos do artigo 2º nº 1 e 3º al. a) e b) do DL 62/2013.

O artigo 2º nº 1 define, como referido, a aplicação do diploma em análise a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais.
Por sua vez o artigo 3º al. a) define atraso de pagamento como “qualquer falta de pagamento do montante devido no prazo contratual ou legal, tendo o credor cumprido as respetivas obrigações, salvo se o atraso não for imputável ao devedor”; e a al. b) do mesmo número define o conceito de transação comercial como a “transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração;”.
Ora o recorrido/embargante – demandado enquanto pessoa individual como fiador – não é uma empresa para os fins definidos na al. d) deste artigo 3º do DL 62/2013, ou seja, “uma entidade que, não sendo uma entidade pública, desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, incluindo pessoas singulares”;
Mesmo sendo o recorrido sócio único da também executada sociedade -sociedade por quotas unipessoal “B..., Unipessoal, Lda.” e/ou empresário em nome individual, não se confunde nem com a sociedade, nem com a atividade comercial que possa exercer em nome individual.
E a fiança, com base na qual foi o recorrido demandado no requerimento injuntivo, foi prestada por este em nome pessoal, ou seja, individualmente, não na qualidade de sócio ou enquanto comerciante em nome individual. É o que resulta do ponto d) dos factos considerados assentes.
A responsabilidade de pessoa singular, demandada enquanto fiador em nome pessoal, não pode ser discutida ao abrigo do procedimento de injunção instaurado nos termos do DL 62/2013 de 10/05, já que não pode o fiador ser considerado empresa para os fins indicados no artigo 3º deste DL.
Em consonância com este entendimento afirma Salvador da Costa in “A Injunção e as Conexas Ação e Execução”, 8ª edição, p. 187, que o requerimento de injunção em que o requerente não tenha alegado que o demandado pessoa singular agiu no exercício de uma atividade económica ou profissional autónoma suscetível de ser enquadrada no conceito de empresa, deve ser recusado.
Não se discute que atenta a garantia especial e pessoal prestada pelo recorrido que inclusive declarou ter renunciado ao benefício de excussão prévia, poderia a recorrente demandar conjuntamente ambos os obrigados – o principal devedor e o fiador.
O problema está no meio escolhido – a injunção. E esta enquanto procedimento especial está sujeita a regras específicas que importa respeitar.
O mesmo é dizer que este entendimento em nada colide com o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva da recorrente (vide artigo 20º da CRP também invocado pela recorrente) que tem e deveria ter feito uso dos demais meios processuais comuns ao seu dispor, querendo demandar ambos e em conjunto.
Improcede nesta medida a argumentação da recorrente, o que se decide em consonância com o que foi decidido no Ac. TRL de 08/09/2015, nº de processo 127769/13.3YIPRT.L1-7 in www.dgsi.pt
Argumentou a recorrente, numa segunda linha de defesa, que a dívida por si reclamada é inferior a € 15.000,00 e como tal sempre estaria abrangida pelo artigo 7º do DL 269/98 (regime regra).
Por esta via defendendo igualmente a revogação do decidido.
Define o artigo 7º do anexo ao DL 269/98 ser a injunção uma providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro.
Para o caso, releva agora a 1ª parte.
E o artigo 1º define como critérios balizadores da aplicação deste regime, o fim do pedido – a exigência de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos - e o valor da ação (este inferior a € 15.000,00).

Diz-se pecuniária a obrigação que, tendo por objeto uma prestação em dinheiro, visa proporcionar ao credor o valor que as respetivas espécies possuam como tal.
O pedido de cumprimento de obrigações pecuniárias, tem na sua base uma relação contratual que dependendo do que as partes vierem discutir no litígio poderão apresentar maior ou menor complexidade na produção de prova atinente aos factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação pecuniária peticionada.
O pedido na injunção formulado pela recorrente contra a devedora sociedade, fundou-se na contrapartida acordada pelo fornecimento de bens por si efetuado à sociedade demandada e executada, de acordo com as faturas descriminadas no requerimento de injunção [num período alegado de 2018 a 2020].
Por sua vez a demanda do ora recorrido fundou-se em fonte diversa – em alegado documento particular de confissão de dívida subscrito em junho de 2019, no qual o recorrido declarou garantir pessoalmente (e assim com o seu património) a título de principal pagador e sem benefício de excussão prévia o integral pagamento da dívida, reconhecida em tal documento pela executada sociedade.
Em causa o documento oferecido com o requerimento de embargos (e também com a contestação).
A pretensão formulada contra o recorrido fiador baseia-se, tal como deu nota o tribunal recorrido, não no contrato de fornecimento que qualifica a transação comercial invocada no requerimento de injunção como fundamento da demanda da afiançada, mas antes em documento autónomo celebrado na pendência da relação contratual. Documento este de confissão de dívida, no qual foi estipulado um plano de pagamento da dívida então reconhecida e sanção para a falta de pagamento de qualquer uma das prestações acordadas - com o vencimento imediato da totalidade da dívida, acrescida de juros comerciais e dando sem efeito a redução da taxa de juro antes prevista na cláusula 3ª de tal acordo.
Em suma, a pretensão contra o fiador deduzida baseia-se no incumprimento das obrigações assumidas no mencionado documento de confissão de dívida e acordo de pagamento, no qual o recorrido assumiu determinadas responsabilidades enquanto fiador da obrigada principal.
Como tal, não derivando diretamente do incumprimento da obrigação pecuniária emergente do contrato invocado como fundamento da demanda da sociedade executada.
Como já afirmado antes, a admissibilidade do recurso ao processo de injunção está dependente de o pedido respeitar ao cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes do contrato que o fundam[2].
Na mesma linha de raciocínio, Salvador da Costa in ob. cit. p. 13, afirmou que este regime processual aplica-se “ao incumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos”, mas não tem a virtualidade “de servir para obter indemnização no âmbito da responsabilidade civil contratual ou extracontratual ou com base no enriquecimento sem causa, incluindo a restituição do indevido a que se refere o nº 1 do artigo 476º do Código Civil”.
A declaração que integra a obrigação assumida pelo ora recorrido constitui um documento autónomo e distinto da relação contratual estabelecida entre as partes e identificada como fundamento da injunção instaurada, como já assinalado, ao abrigo do DL 62/2013.
É bem certo que o objeto de tal declaração foi o de reconhecimento de dívida pela sociedade executada perante a ora recorrente, com plano de pagamentos e declaração de garantia pessoal pelo ora recorrido.
Mas a obrigação assim constituída não emerge diretamente do contrato que foi fundamento da injunção, mas antes do reconhecimento de dívida.
Tendo inclusive sido obtida no decurso da relação comercial entre as partes estabelecida (de acordo com o alegado no requerimento de injunção).
O exposto conduz à conclusão de que a demanda do recorrido fiador não se funda, não deriva diretamente, da relação contratual que foi causa do pedido de injunção e nessa medida sempre teria de ser rejeitada independentemente do valor peticionado. Pelo que também por esta via não merece censura o decidido pelo tribunal a quo[3].
O uso indevido da injunção constitui exceção dilatória que determina a absolvição da instância do recorrido tal como decidido pelo tribunal a quo[4].
Termos em que improcede na totalidade o recurso interposto.
***
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente se mantendo a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
*
Porto, 2023-02-27.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
_________________
[1] Faturas que descriminou.
[2] Assim foi decidido no Ac. TRP de 15/12/2021, nº de processo 17463/20.0YIPRT.P1, onde se afirmou só poder “ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objeto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro».”. Após se tendo concluído não poder ser objeto do pedido de injunção “o exercício da responsabilidade civil contratual subsequente à resolução de um contrato por incumprimento, com todas as consequências: vencimento imediato de todas as prestações previstas, contabilização de juros de mora e aplicação de uma taxa a título de cláusula penal”; ainda sobre a mesma temática cfr. Ac. TRL de 14/05/2020 nº de processo 60038/19.1YIPRT.L1-6, onde se decidiu afastar o recurso ao processo de injunção quando como causa de pedir está “uma eventual obrigação pecuniária mas reportada ao incumprimento, cumprimento defeituoso ou indemnização decorrente do incumprimento.”; e Ac. TRP de 15/01/2019, nº de processo 141613/14.0YIPRT.P1 em que se decidiu afastar o recurso ao procedimento de injunção quando em causa esteja uma quantia pecuniária fixada contratualmente mas a título de cláusula penal e como tal fundada em responsabilidade civil; todos in www.dgsi.pt
[3] A recorrente invocou em abono do por si defendido, o decidido no Ac. TRG de 15/06/2021, nº de processo 11952/19.9YIPRT.G1 in www.dgsi.pt
Ac. onde foi analisada a demanda de fiadores obrigados por via do mesmo contrato de franquia em que a afiançada sociedade se obrigou perante o credor. No que desde já difere da situação dos nossos autos. Não obstante, tendo ali sido decidido ao contrário do que é nosso entendimento
“II- Sendo os créditos em discussão de natureza comercial e oriundos das relações comerciais entre a autora e 1ª ré, e garantidos pelas fiadoras, 2ª, 3ª e 4ª rés, na sua plenitude, que asseguram o seu cumprimento, é de aplicar o processo previsto no DL. 62/2013 de 10/05, mais concretamente tendo em conta o disposto no artigo 2º n.º 1 e artigo 3º al. a) e b).
III- Mesmo que assim se não entendesse, era sempre de aplicar-se o disposto no artigo 1º do DL. 269//98 de 1/09 uma vez que o valor dos créditos é inferior a 15.000€.”
[4] Quanto à qualificação da exceção assim tendo sido decidido no AC. TRP de 31/05/2010, nº de processo 385702/08.8YIPRT.P1; Ac. TRC de 20/05/2014, nº de processo 30092/13.6YIPRT.C1; Ac. TRL de 14/05/2020 acima já citado, todos in www.dgsi.pt