Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5117/18.2T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
FACTOS ASSENTES POR ACORDO
NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O ACIDENTE E AS LESÕES
Nº do Documento: RP202306055117/18.2T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/05/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Os factos sobre os quais tenha havido acordo na tentativa de conciliação que tem lugar na fase conciliatória do processo especial emergente de acidente de trabalho, incluindo a aceitação do “nexo causal entre o acidente e as lesões”, não poderão vir a ser posteriormente discutidas em sede de fase contenciosa.
II - O nexo de causalidade entre o acidente e as “lesões” pode decompor-se ou apresentar vários subnexos: nexo de causalidade entre o acidente e a lesão (assim, a sofrida em consequência daquele); entre a lesão (decorrente do acidente) e a sequela; e entre ambas (lesão e sequela) e a incapacidade para o trabalho, sendo que o art. 112º, nº1, do CPT ao reportar-se “ao nexo causal entre a lesão e o acidente” abrange todo o processo causal determinante da (eventual) incapacidade, designadamente da permanente.
III - A aceitação, pela Seguradora, na tentativa de conciliação do nexo de causalidade “entre o acidente e a lesão” reporta-se e tem subjacente a aceitação do resultado do exame médico efetuado pelo INML, não podendo, essa declaração de aceitação, ser dissociada e interpretada à margem desse resultado.
IV - Se, no exame médico singular foi considerado: i) existir nexo de causalidade entre o acidente e a lesão determinante da incapacidade temporária (agravamento temporário de patologia pré existente), ii) mas também não existirem, após a alta clínica, sequelas das lesões contraídas no acidente, encontrando-se o sinistrado curado sem desvalorização, e não havendo, por consequência nexo de causalidade entre o acidente/lesões nele consideradas, por um lado, e eventuais sequelas ou patologias que o sinistrado apresente, por outro, a aceitação pela Seguradora na tentativa de conciliação do “nexo causal entre o acidente e as lesões” reporta-se, apenas, à aceitação do referido em i), não impedindo a discussão, em sede contenciosa, do referido em ii).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 5117/18.2T8PRT-P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1333)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Nos presentes autos de processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado AA e entidade responsável A... - Companhia de Seguros, S.A., teve lugar, na fase conciliatório do processo, tentativa de conciliação, na qual as partes acordaram na existência e caracterização do acidente como de trabalho, bem como quanto à retribuição e ao “nexo causal entre o acidente e as lesões”, tendo-se frustrado a conciliação em virtude da discordância manifestada pelo sinistrado, que não aceitou o relatório do INML que o deu curado sem incapacidade.

Requerido exame por junta médica, realizado o mesmo e notificado o seu resultado às partes, veio a Ré/Seguradora, arguir a nulidade, “subjetiva e objetiva”, da junta médica e subsidiariamente a irregularidade e insuficiência da mesma, mais requerendo que seja determinada a realização de uma junta médica de especialidade de ortopedia, com a sub-especialidade do joelho.

Notificado do aludido requerimento, o A., por requerimento de 16.02.2021, para além de arguir a extemporaneidade da arguição da nulidade “subjetiva”, sustenta quanto à alegada nulidade “objetiva” por suposta irregularidade e insuficiência da Junta Médica, que os quesitos médicos formulados encontram-se devidamente respondidos pelos senhores peritos, realçando que a Ré não formula qualquer pedido de esclarecimentos, estando o laudo de junta médica elaborado em conformidade com o previsto no ponto 8 das instruções gerais a TNI, aprovada pelo Dec. Lei n.º 352/2007, de 23.10 e não padecendo de falta ou de insuficiência de fundamentação, sendo certo que a realização de uma nova junta é um ato que a lei não admite, revelando-se inadmissível a realização de uma 2.ª perícia colegial, concluindo pelo indeferimento do requerimento apresentado pela seguradora.

Aos 18.02.2021, foi proferido despacho que indeferiu a invocada nulidade “subjetiva” e, aos 17.03.2021, foi proferido despacho a indeferir o pedido de nulidade da perícia por junta médica realizada nos autos, mas determinando a continuação do exame por junta médica para os Srs. peritos médicos responderam às dúvidas suscitadas pela Seguradora, prestarem os esclarecimentos que entenderem e manterem, completarem ou alterarem as respostas que deram aos quesitos.
Ao mesmo tempo foi ainda determinada a realização de junta médica de Psiquiatria.
Notificada, veio a seguradora reiterar o requerimento de realização de uma junta da sub-especialidade do joelho, tendo em resposta o sinistrado pugnado pelo indeferimento da pretensão da ré.
Foi, aos 01.06.2021, proferido despacho com o seguinte teor:
“Conforme já referi no meu anterior despacho datado de 17 de março de 2021, a lei processual laboral não contempla a realização de uma segunda junta médica.
Porém, para que o processo reúna todos os elementos necessários à decisão, entendo ser útil, face à grande divergência existente entre os três senhores peritos médicos que integraram a junta médica, não só quanto ao grau de incapacidade permanente como também ao facto de existir já ou não uma consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo sinistrado, obter um parecer de um médico ortopedista com a sub- especialidade do joelho.
Deste modo, solicite ao Colégio da Especialidade de Ortopedia, a indicação de um perito médico dessa sub-especialidade do joelho”.
Em consequência, o Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos indicou o Senhor Doutor BB, para exercer as funções de perito.
Seguidamente, foi determinada a notificação de ambas as partes, na pessoa dos seus Ilustres Mandatários para virem aos autos, no prazo de 10 dias, querendo, indicarem as questões ou os pontos concretos controvertidos do quadro lesional e sequelar do sinistrado que desejem ver esclarecidos ou versados pelo senhor Perito indicado pelo Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos no respetivo relatório a apresentar, tendo a seguradora vindo aos autos indicar de forma discriminada as duas concretas questões que importa obter resposta do Senhor Perito, para além dos quesitos da junta médica:
“1. Existe ou não agravamento devidamente caracterizado e objectivado?
“2. Se sim, em que consiste e qual o registo que o conforma?
“3. Na afirmativa se o mesmo tem nexo com alguma lesão deste acidente? E qual em concreto?
“4. Ou, se se traduz num agravamento expectável de lesão do acidente anterior.”
Veio então o Sr. Perito indicado pelo Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos apresentar parecer, o qual foi notificado às partes, que nada vieram requerer.

Foi, seguidamente, proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:
Pelo exposto, aplicando os citados normativos à matéria de facto apurada, nos termos do disposto no art. 140º, nº1, do C.P.T., observando-se o disposto no nº3 do artigo 73º do mesmo Código, decido:
A) Que o sinistrado AA, no dia 22 de Novembro de 2017 sofreu um acidente de trabalho, do qual se encontra sem qualquer incapacidade permanente para o trabalho decorrente desse acidente.
B) Condeno a seguradora A... - Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao sinistrado a quantia de €15, a título de despesas com deslocações a Tribunal e ao INML do Porto, acrescida de juros de mora á taxa legal desde 05-06-2018 até integral e efectivo pagamento.
C) Absolver a seguradora A... - Companhia de Seguros, S.A. do demais peticionado.
*
Fixo como valor à presente causa €15, (cfr. artigo 120º do Código do Processo do Trabalho).”

Inconformado, o A. veio recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I. A tentativa de conciliação realizada perante o Ministério Público na acção emergente de acidente de trabalho destina-se a obter um acordo das partes que ponha termo ao processo;
II. Não sendo possível o acordo total, destina-se a delimitar o objecto do litígio, a dirimir na fase contenciosa;
III. Por isso, no auto de não conciliação devem constar os factos elencados no artigo 112.º do Código de Processo do Trabalho sobre os quais tenha havido ou não acordo;
IV. Se na tentativa de conciliação tiver havido discordância dos intervenientes apenas quanto à questão da incapacidade para o trabalho, a fase contenciosa deve incidir apenas sobre essa matéria, e não também sobre outras, como o nexo causal entre o acidente e as lesões e/ou sequelas que o sinistrado apresenta;
V. Ora, nos presentes autos, resultou da tentativa de conciliação, as seguintes posições: o Sinistrado não concordou com o resultado do exame pericial, que considerou “que tendo em conta que as lesões evoluíram para a cura com retoma ao estado anterior não é de atribuir incapacidade permanente parcial na sequência do evento em apreço”, por ainda se considerar afectado e com as limitações físicas resultantes do acidente; A seguradora aceitou o acidente como de trabalho, bem como as lesões e o acidente, o salário transferido e o resultado do exame médico efectuado ao sinistrado pelo perito do INML do Porto, que o dá como curado sem incapacidade (…);
VI. O Ministério Público proferiu o seguinte despacho: “Face à posição agora assumida pelo sinistrado em não aceitar o resultado do exame médico que lhe foi efectuado pelo INML do Porto, dou a presente diligência encerrada com a s partes NÃO CONCILIADAS, e que os autos aguardem por 20 dias nos termos do artigo 117.º, n.º 1, alínea b) do CPT a apresentação do requerimento para Junta Médica da parte do sinistrado.”;
VII. Portanto, o que estava em causa era apenas a incapacidade e não qualquer outra questão, como o nexo de causalidade entre o evento e as lesões/sequelas;
VIII. A Junta Médica – designadamente o Perito da Seguradora – e o Colégio da Especialidade de Ortopedia pronunciaram-se sobre o nexo causal entre o acidente e as lesões e/ou sequelas que o sinistrado apresenta, para concluir que o Sinistrado sofreu um acidente de trabalho, do qual se encontra sem qualquer incapacidade permanente;
IX. A sentença recorrida decidiu assim, baseada na Junta Médica e no Parecer do Colégio da Especialidade de Ortopedia, que estabeleceram o nexo causal das lesões com a patologia degenerativa decorrente de acidente anterior;
X. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 11.º e 112.º do CPT;
XI. Deve, por isso, em observância ao disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, serem anulados a Junta Médica de 19.01.2021 e o Parecer do Colégio da Especialidade de Ortopedia, e, consequentemente, anulada a sentença recorrida, devendo proceder-se a nova Junta Médica que tenha em consideração 1) a matéria assente no auto de tentativa de conciliação quanto às lesões/sequelas sofridas pelo Sinistrado , 2) que na tentativa de conciliação não foi suscitada a questão da existência de patologia degenerativa prévia do Sinistrado , procedendo à fixação da incapacidade de que este padece, o que se requer.
TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVERÁ SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA NOS TERMOS ACIMA PETICIONADOS (…)”

A Recorrida contra alegou tendo formulado as seguintes conclusões:
“i) Dado que o recorrente não se insurge contra o conteúdo da sentença, mas antes, contra as diligencias de instrução em que se fundamentou de facto a decisão, sem que tenha em tempo útil e por via da arguição de nulidade reagido contra as mesmas, não pode o recurso ser admitido;
ii) a arguição de nulidade de diligências probatórias tem que ser suscitada no prazo de dez dias a contar da sua notificação, não podendo de forma extemporânea ser suscitada nas alegações de recurso da decisão final, e muito menos depois de antes a parte se ter oposto precisamente à arguição de nulidade de auto pericial reconhecendo a sua correcção e regularidade;
iii) não se pode confundir nexo causal entre as lesões e o acidente com o nexo causal entre as sequelas e as lesões do acidente;
iv) a recorrida nunca aceitou o nexo do estado actual com o acidente mas tão só o agravamento temporário de sequelas de acidente anterior;
v) a sentença não violou qualquer das normas invocadas pelo recorrente, devendo ser confirmada.
NESTES TERMOS, E NOS DE DIREITO, NÃO DEVE SER ADMITIDO O RECURSO PELAS RAZÕES SOBREDITAS, OU SE O FOR, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO, (…)”

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer, referindo o seguinte:
“(…)
2. Entende-se que a decisão admite recurso, embora a opinião diferente da Ré/recorrida, na questão inicial que levanta.
Depois as questões levantadas pelo Recorrente, objecto do recurso, a declaração de nulidade da Junta Médica ou do Parecer do Colégio da Especialidade de Ortopedia, é que pode ser, ou não, conhecido e ser, ou não, declarado nulo ou ordenada qualquer outra diligência.
3. Nulidade da Junta Médica e Parecer do Colégio da Especialidade de Ortopedia: os exames e pareceres realizados destinam-se a habilitar o Juiz a decidir, uma vez que não é médico, e porque o processo prevê a realização deste exame por junta médica e a possibilidade de serem pedidos pareceres ou outras perícias.
Além disso a Junta Médica é presidida pelo Juiz. Entendendo o Recorrente que esta, bem como o referido Parecer do Colégio da Especialidade de Ortopedia são nulos, então salvo melhor opinião, deveria ter arguido esta nulidade perante o tribunal de primeira instância, no prazo legal previsto para a arguição de nulidades.
Na verdade, as nulidades agora invocadas não são nulidades da sentença, mas sim processuais.
Nulidades que, salvo melhor opinião deveriam ser arguidas no desenrolar do processo e não em sede de recurso da sentença.
As nulidades que poderiam ser objecto de recurso, neste caso, seriam só as nulidades da própria sentença.
Questão diferente, é saber se o juiz, com base nos meios de prova de que dispunha, julgou de forma correcta, designadamente se tinha, ou não, elementos ou meios de prova suficientes que suportassem a decisão de facto proferida.
Mas esta situação enquadra-se no âmbito, não de nulidade de sentença, mas sim do erro de julgamento, a que poderia ser aplicável, se fosse o caso, o disposto no artº 662º, do CPC, a que faz apelo o Recorrente. (Ac. da RP, de 12.12.2011, Procº nº 589/10.6TTMAI.P1, Paula Leal de Carvalho Reg. (nº 479).
As nulidades a que se reporta o artigo 77.º, n.º 1 do C.P.T. são as nulidades da sentença/decisão referidas no artigo 615.º, n.º 1, do C.P.C.
A nulidade da junta médica, v.g por preterição de formalidades essenciais ou omissão de diligência havida como essencial para a boa decisão da causa, configura uma nulidade processual secundária, a arguir perante o tribunal onde foi praticada, sujeita à disciplina do artigo 195.º do Código Processo Civil, considerando-se a mesma sanada se não tiver sido tempestivamente arguida. – Ac. do STJ, de 24-03-2021 Proc. n.º 1146/18.4T8FAR.E1.S1 (Revista – 4.ª Secção) Leonor Cruz Rodrigues (Relatora) Júlio Gomes Chambel Mourisco.
4. Porém, da leitura da sentença e demais elementos constantes do processo, entende-se, salvo melhor opinião, que a sentença recorrida não merece censura ou reparo.
Neste caso a perícia médico-legal realizada no INML considera o Recorrente curado sem incapacidade e ao mesmo resultado chega a Junta Médica e Parecer citados.
O que mais se diz é que tendo sofrido um acidente anterior, este apenas determinou período ou períodos de incapacidade temporária e não permanente. Esta é consequência daquele primeiro acidente.
Assim, não vemos que exista contradição que deva ser sanada ou necessidade de ordenar mais diligências de prova.
O Juiz, além disso, como é de lei aprecia livremente a prova pericial – art.º 389º do CC e art.º 607º, 5, do CPC.
Não sendo invocado qualquer erro na formação da sua convicção e não havendo outros de conhecimento oficioso, deve aceitar-se a decisão proferida.
*
5. Pelo que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido de que deverá negar-se provimento ao recurso e confirmar-se, antes, a douta sentença recorrida.”
Notificadas, as partes não responderam ao mencionado parecer.
***
II. Fundamentação de facto

A. Decisão da matéria de facto proferida na sentença recorrida:
É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida na sentença recorrida:
“Com relevo para a decisão da presente causa e com excepção dos factos provados 4 e 7 (com a fundamentação própria que se refere a seguir a cada um desses factos provados), pelos documentos juntos aos autos e por acordo das partes expresso no auto de tentativa de conciliação, mostram-se provados os seguintes factos:
1-O sinistrado nasceu em .../.../1976.
2-No dia 22 de Novembro de 2017, cerca das 15:30 horas, no Funchal, o sinistrado sofreu um acidente de trabalho, quando exercia as funções de bagageiro da industria hoteleira, sob as ordens, direcção e fiscalização da entidade patronal B..., SA. com sede no Largo ..., ..., ... Funchal.
3-O acidente ocorreu quando, no Hotel pertencente à empresa supra identificada para quem o mesmo trabalhava, denominado C... sito na Estrada ... no Funchal, ao descer as escadas do terceiro piso para o segundo escorregou e caiu desamparado no chão.
4-Do acidente referido em 3) resultou para o sinistrado a seguinte lesão : traumatismo do joelho esquerdo, sendo de admitir ter resultado na agudização temporária da sua patologia degenerativa resultante da evolução habitual da lesão ligamentar e meniscal ocorrida no acidente anterior (em 02-02-2010), [conforme parecer do Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos de 4 de Outubro de 2022, o relatório do INML do Porto de fls 175 e 179 dos autos e o parecer minoritário, a propósito do quesito i), do perito da Seguradora no auto de exame por junta médica de 19/01/2021].
5-A responsabilidade infortunística-laboral encontrava-se totalmente transferida para a seguradora A... - Companhia de Seguros, S.A., mediante contrato de seguro titulado pela apólice dos autos, quanto ao trabalhador aqui sinistrado.
6-O sinistrado auferia a retribuição anual de 690,17€ x 14 meses acrescido de 87,47€ x 11 meses de despesas de alimentação, (total anual de €10.624,55).
7- O sinistrado teve alta em em 18/01/2018, [conforme parecer do Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos de 4 de Outubro de 2022, o relatório do INML do Porto de fls 175 e 179 dos autos e o parecer maioritário, a propósito do quesito iii), dos peritos do Tribunal e da Seguradora no auto de exame por junta médica de 19/01/2021].
8- Foram-lhe pagas todas as indemnizações e demais despesas acessórias que lhe eram devidas até à data da alta.
9-O sinistrado despendeu a quantia de €15,00 em deslocações obrigatórias para comparecer neste Tribunal e ao INML do Porto.”
B. E tem-se ainda como assente o que consta do relatório precedente e, bem assim, o seguinte:
10. Do auto de exame médico singular, relaxado na fase conciliatória do processo, consta o seguinte:
“(…)
DISCUSSÃO






CONCLUSÕES


11. Do auto de tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo consta, para além do mais, o seguinte:
- referido pelo Ministério Público, que o sinistrado, ao
- referido pelo legal representante da Seguradora que:
“Aceita o acidente dos autos como de trabalho, bem como o nexo causal entre as lesões e o acidente, bem como o salário mensal transferido de (…), e ainda o resultado do exame médico efectuado ao sinistrado pelo Perito Médico do INML do Porto, que o dá como curado sem incapacidade, pelo que a sua representada nada tem a pagar ao sinistrado”
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III. Objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas pelo Recorrente:
- Saber se a junta médica, o parecer do perito médico indicado pelo Colégio da Especialidade de Ortopedia e a sentença não se podiam ter pronunciado sobre o nexo causal entre o acidente e as “lesões/sequelas” por se encontrar, tal nexo, assente por acordo da Ré na tentativa de conciliação;
- Na procedência da questão anterior, se, em consequência, deverão tais atos ser anulados e proceder-se a nova junta médica para, tendo em conta o pressuposto anterior, fixação da incapacidade.
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IV. Questões Prévias

Tendo em conta as contra-alegações, impõe-se previamente apreciar da questão invocada pela Recorrida da alegada inadmissibilidade do recurso para tanto alegando que: “i) Dado que o recorrente não se insurge contra o conteúdo da sentença, mas antes, contra as diligencias de instrução em que se fundamentou de facto a decisão, sem que tenha em tempo útil e por via da arguição de nulidade reagido contra as mesmas, não pode o recurso ser admitido; ii) a arguição de nulidade de diligências probatórias tem que ser suscitada no prazo de dez dias a contar da sua notificação, não podendo de forma extemporânea ser suscitada nas alegações de recurso da decisão final, e muito menos depois de antes a parte se ter oposto precisamente à arguição de nulidade de auto pericial reconhecendo a sua correcção e regularidade;”
Acompanhamos o douto parecer do Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto quando refere que a decisão admite recurso e que, questão diferente e que, depois, se colocará no recurso, é a de saber se as questões nele colocadas poderão ou não ser conhecidas.
Com efeito, em processo emergente de acidente de trabalho é sempre admissível o recurso interposto (para a Relação) da sentença (art. 79º. Al. b), do CPT) e o mesmo foi, no caso, tempestivamente interposto já que a sentença recorrida foi notificada à Recorrente, através da plataforma informática citius, com data de elaboração de 04.11.2022, tendo o recurso sido interposto aos 22.11.2022, ou seja, no prazo de 15 dias a que se reporta o art. 80º, nº 2, do CPT.
Já quanto à questão da alegada inadmissibilidade do conhecimento do seu objeto, entendemos que não assiste razão à Recorrida.
É certo que, e como decorre do relatório do presente acórdão, tanto na junta médica como no parecer emitido pelo Sr. perito médico do Colégio da Especialidade de Ortopedia foi apreciada a questão do nexo de causalidade entre o acidente e o que o Recorrente designa de “lesões/sequelas”, havendo o Recorrente sido notificado de tais atos e não tendo, então, suscitado a questão da impossibilidade de aqueles sobre elas se pronunciar [veja-se, até, a resposta do A. de 16.02.2021 ao requerimento da Ré de 03.02.2021, em que refere que a junta médica não padece de nulidade].
Não obstante, a questão coloca-se de diferente modo.
Com efeito:
Como decorre do disposto nos arts. 112º e 131º, nº 1, al. c) do CPT [conquanto este se reporte à fase contenciosa que tenha por base a tramitação a que se reporta o art. 117º, nº 1, al. a) e preceitos correspondentemente aplicáveis], os factos sobre os quais tenha havido acordo na tentativa de conciliação levada a cabo na fase conciliatória do processo (e que deverão ficar consignados no respetivo auto) não poderão vir a ser posteriormente discutidos em sede de fase contenciosa, factos esses nos quais se encontra abrangido o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões. Aliás, isso mesmo decorre do disposto no art. 607º, nº 4, do CPC, nos termos do qual se deverão ter, na sentença, como assentes os factos que estejam admitidos por acordo (e, isto, mesmo que em relação a eles tenham sido, inutilmente, levadas a cabo diligências probatórias).
Ora se, porventura e como mera hipótese de raciocínio, a Ré tivesse aceite na tentativa de conciliação o nexo causal entre o acidente e as “lesões/sequelas” e, por consequência, que tivessem sido, como foram, levadas a cabo as referidas perícias, o certo é que estas não poderiam por em causa o nexo de causalidade que se encontraria assente e não poderia ser discutido. E, isso, mesmo que o sinistrado não tivesse, aquando dessas diligências, posto em causa essa pronúncia indevida por parte dos exames periciais. Ou, dito de outro modo, mesmo nesse caso, os exames periciais e a sentença que neles assentasse (no sentido da inexistência do nexo causal) não se poderiam sobrepor ao facto que já se encontraria assente por acordo das partes na tentativa de conciliação. O mais que se poderia dizer é que os exames periciais se teriam pronunciado sobre questão que não tinham ou não podiam pronunciar-se e/ou que teriam sido praticados atos inúteis. E, no que toca à sentença, na medida em que conheceu de questão – inexistência de nexo de causalidade- sobre a qual não se poderia ter pronunciado por já se encontrar assente na tentativa de conciliação e, por consequência, não ser passível desse conhecimento, nulidade da mesma por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), do CPC (cfr. Acórdão desta Relação de 22.06.2020, Proc. 3242/18.9T8VFR.P1), senão mesmo erro de julgamento por ter dado como não provado facto que deveria ser considerado assente, assim condicionando e determinando errado julgamento de direito.
Naturalmente que, no caso, não deixa de ser censurável o comportamento do sinistrado que, tendo conhecimento, como no caso teve, do resultado das perícias médicas e em que nelas se discutiu a questão do nexo de causalidade, não veio ao processo, quando delas notificado, suscitar a questão da impossibilidade desse conhecimento por a questão não ser passível de discussão se assim o entendia, como agora, no recurso da sentença, o entende. No entanto, tal omissão não tem a “virtualidade” de transformar um facto que se encontraria assente (se fosse, porventura, esse o caso, questão que será adiante abordada) em facto não assente/controvertido.
E por essa mesma razão entendemos que a pronúncia pela junta médica e pelo parecer da especialidade não consubstanciam, propriamente, nulidade processual suscetível de sanação. Teriam sim sido praticados atos inúteis ou pronúncia indevida sobre determinada questão (nexo de causalidade), mas não permitindo a convolação de um facto já assente em facto não provado.
E, assim sendo, improcede a questão prévia da inadmissibilidade do recurso e da impossibilidade do conhecimento do seu objeto.
***
IV. Fundamentação de direito

1. Da 1ª questão
Se a junta médica, o perito do Colégio da Especialidade de Ortopedia e a sentença não se podiam ter pronunciado sobre o nexo causal entre o acidente e as “lesões/sequelas” por se encontrar, tal nexo, assente por acordo da Ré na tentativa de conciliação

Segundo o A., a Ré, na tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo, aceitou o nexo de causalidade entre o acidente e as “lesões/sequelas” pelo que não podiam, seja a junta médica, seja o perito do Colégio da Especialidade de Ortopedia e a sentença, terem-se pronunciado sobre tal questão.
Discordando, alega a Recorrida, em síntese, que o Recorrente confunde lesões com sequelas, sendo que, no caso, o seu legal representante, na tentativa de conciliação, apenas aceitou o nexo causal entre o acidente e as lesões, mas não já o nexo causal entre estas e as sequelas.

1.2. Do ponto de vista substantivo, um dos requisitos indispensáveis à caracterização de um acidente como acidente de trabalho é que dele resultem lesões que sejam determinantes de incapacidade para o trabalho (seja esta temporária ou permanente) – art. 8º, nº 1, da Lei 98/2009, de 04.09.
O nexo de causalidade pressupõem que as lesões sejam determinadas pelo acidente. Ou seja, é necessário que o sinistrado apresente uma lesão e que esta seja consequência do acidente. Tal nexo pode, todavia, decompor-se ou apresentar vários subnexos: nexo de causalidade entre a lesão (esta decorrente do acidente) e a incapacidade temporária; ou entre a lesão (decorrente do acidente) e a sequela (caso exista) e entre esta e a incapacidade permanente para o trabalho. Assim é que do acidente pode decorrer uma lesão e esta, por sua vez, pode determinar uma outra lesão e/ou sequela, caso em que, tudo, está abrangido pelo referido nexo causal entre o acidente e as lesões dele decorrentes; ou, dito de outro modo, necessário é que a lesão e as eventuais sequelas que o sinistrado apresente estejam, em relação ao acidente, numa relação de causa-efeito, de tal modo que a eventual sequela seja determinada pela lesão sofrida no acidente.
Decorre do referido que, na verdade, lesão e sequela não se confundem.
Segundo Francisco Manuel Lucas, in Avaliação das Sequelas em Direito Civil, Coimbra, 2005, a págs. 35 e 36 são as seguintes as definições apresentadas:
“LESÃO – perda ou alteração parcial ou total do órgão (definição médica). As alterações anatómicas ou biológica no órgão são causadas por agentes internos ou externos, As alterações físicas ou psíquicas por agentes mecânicos, físicos, químicos ou biológicos, Resultam de acções exógenas com carácter doloso ou não (definição médico-legal).” e,
“SEQUELAS – manifestações anatómicas, funcionais, estéticas, psíquicas e morais permanentes, que menosprezam ou modificam o património biológico dos indivíduos (Pérez Garcia).”
E, nos termos do art. 35º, nº 3, da Lei 98/2009, “3. Entende-se por alta clínica a situação em que a lesão desapareceu totalmente ou se apresenta como insusceptível de modificação com terapêutica adequada
Do ponto de vista processual e para melhor enquadramento, ainda que sinteticamente, dir-se-á o seguinte, tendo presente o CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10:
À efetivação judicial da reparação devida por acidente de trabalho corresponde uma ação própria, com uma forma de processo especial, prevista no CPT, qual seja a constante dos seus arts. 99º e segs.
Tal processo é composto por duas fases: uma, primeira, designada por fase conciliatória, na qual avultam a realização de exame médico singular, a realizar por perito médico do Tribunal (ou do Instituto de Medicina Legal), com vista à determinação das lesões e sequelas e à avaliação da correspondente incapacidade, seguida de tentativa de conciliação, na qual as partes se pronunciam sobre todas as questões relevantes à determinação da reparação devida (art. 109º):
i) Obtido acordo nessa tentativa de conciliação, será o mesmo homologado (arts. 109º, 111º e 114º);
ii) Frustrado o acordo, dispõe o art. 112º, nº 1, que: “1. Se se frustrar a tentativa de conciliação, no respetivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída.”
Importa referir que, ao contrário do que entende a Recorrida, afigura-se-nos que a referência feita no art. 112º, nº1, “ao nexo causal entre a lesão e o acidente” não tem a amplitude mais restrita que parece ser defendida por aquela (de que apenas abrangeria a lesão, mas não já a sequela), mas sim abrangendo todo o processo causal determinante da (eventual) incapacidade permanente, assim abrangendo o nexo causal entre o acidente e a lesão e entre esta e a sequela de que o sinistrado, após a alta clínica, fique a padecer.
No entanto, questão diferente é a da apreciação e interpretação do âmbito da aceitação dos factos que tem lugar na tentativa de conciliação, questão que se coloca no caso concreto e que passaremos a apreciar.
No caso, a Ré, na tentativa de conciliação declarou que “Aceita (…), bem como o nexo causal entre as lesões e o acidente, (…) e ainda o resultado do exame médico efectuado ao sinistrado pelo Perito Médico do INML do Porto, que o dá como curado sem incapacidade, pelo que a sua representada nada tem a pagar ao sinistrado”.
Tal declaração reporta-se e tem subjacente a aceitação do resultado do exame médico efetuado pelo INML, pelo que não pode, essa declaração de aceitação, ser dissociada e interpretada à margem desse resultado.
Com efeito, em tal exame, o que foi considerado pelo Sr. perito médico singular foi: i) existir “nexo de causalidade entre o traumatismo e um agravamento temporário da patologia pré-existente (traduzida em queixas álgicas) após o qual ocorreu a retoma ao estado anterior” e que tal lhe determinou uma ITA desde 23.11.2017 e 18.01.2017, esta a data da cura das lesões (como resulta dos pontos 3, 4 e 5 das conclusões do exame pericial); ii) mas não existirem, após a alta clínica, sequelas das lesões contraídas no acidente, encontrando-se o sinistrado curado sem desvalorização, e não havendo, por consequência nexo de causalidade entre o acidente e as lesões contraídas no acidente, por um lado, e eventuais patologias que o sinistrado apresente (como resulta dos pontos 2.1. e 6 das conclusões).
Ora, a Ré, na tentativa de conciliação, o que aceitou foi o nexo causal entre o acidente, as lesões e o resultado do exame médico, lesões essas que são as consideradas no exame médico e por reporte a este. Como é evidente, apenas se aceita, e pode aceitar, algo de concreto, não algo meramente genérico e descontextualizado. E o nexo de causalidade que, em concreto, estava em equação na tentativa de conciliação e que foi aceite era, e não podia deixar de ser, o relativo às lesões determinantes da incapacidade temporária, mas não já sequelas permanentes (determinantes de incapacidade permanente) que o exame médico singular considerou não existirem, não podendo essa declaração da Ré ser descontextualizada do enquadramento decorrente desse exame. Salienta-se ainda que, da própria posição do A. na tentativa de conciliação, apenas decorre que o mesmo, reportando-se ao exame médico singular “não concorda, por ainda se considerar afectado e com limitações físicas resultantes do acidente”, nada mais sendo concretizado, designadamente, a nível de outras sequelas e do seu nexo causal.
Não se pode, igualmente, deixar de salientar que, o caso, é diferente das situações em que no exame médico é considerado existir nexo de causalidade entre o acidente e a existência de sequelas determinantes de incapacidade permanente e em que a parte, designadamente a seguradora, aceite o nexo de causalidade mas, depois, venha o mesmo a ser discutido na fase contenciosa, caso este em que a aceitação tem, ou poderá ter, por reporte o que foi considerado no exame médico singular.
Ou seja, e concluindo, no caso, na tentativa de conciliação nem foi aceite, pela Ré, a existência de sequelas determinantes de incapacidade permanente, nem, consequentemente, foi aceite o nexo de causalidade entre o acidente e (eventuais) sequelas, mormente permanentes, dele decorrentes. E, assim sendo, poderia a questão ser discutida na fase contenciosa, deste modo improcedendo as conclusões do recurso.
É de referir, ainda, que o Recorrente não põe em causa a sentença recorrida com qualquer outro fundamento, incluindo por eventual erro de julgamento.

2. Da 2ª questão

Tem esta questão por objeto saber se, na procedência da primeira questão, a junta médica, o parecer emitido pelo perito médico do Colégio da Especialidade de Ortopedia e a sentença recorrida deverão ser anulados e proceder-se a nova junta médica para, com base no pressuposto defendido na 1ª questão, fixação da incapacidade.
Ora, em face do decidido quanto à 1ª questão, fica prejudicado o conhecimento da segunda questão suscitada pelo Recorrente, que estava dependente da procedência daquela.
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V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 05.06.2023
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas