Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1483/21.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
RESPONSABILIDADE CIVIL
CONCAUSALIDADE
NEXO DE CAUSALIDADE
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
IVA
Nº do Documento: RP202306261483/21.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 06/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Por princípio a concausa é admitida como causa para efeitos de responsabilidade civil à luz da teoria ou doutrina da adequação que, conforme entendimento predominante, é aquela que encontra consagração legal no artigo 563º do Código Civil, concretamente na sua formulação negativa, segundo a qual o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercedam no caso concreto.
II - Por isso, por via de regra, a concausa é irrelevante para efeitos de afastamento da imputação objetiva em processo cível, tendo, no entanto, consequências no cômputo do montante da indemnização, isto é, o valor desta deve ser graduado na medida em que a conduta do agente tenha contribuído menos ou mais para a ocorrência do dano.
III - A opção entre a fixação da indemnização com recurso à equidade nos termos do nº 3 do artigo 566º do Código Civil ou a liquidação nos moldes previstos no nº 2 do artigo 609º do Código de Processo Civil, deve dirimir-se a favor do meio que dê mais garantias de se ajustar à realidade. Por isso, se for previsível que o valor exato do dano será apurado com prova complementar, deve preferir-se a condenação genérica; já se, apesar de provado o dano, não for previsível que possa determinar-se o seu montante exato com recurso a prova complementar, deve fixar-se logo a indemnização com apelo à equidade.
IV - A equidade, como justiça do caso, mostra-se apta a colmatar as incertezas do material probatório, bem como a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio ou na mera superação da falta de prova de factos que pudessem ser provados.
V - Os juros moratórios exercem, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, uma função de indemnização pelo retardamento no integral ressarcimento do lesado, idêntica à alcançada através da aplicação da teoria da diferença, visando a compensação dos danos decorrentes do intempestivo cumprimento da obrigação e da desvalorização monetária entretanto ocorrida.
VI - O montante a suportar pelo lesado a título de IVA no pagamento de obras de reparação deve ser ponderado na fixação da indemnização segundo critérios de equidade.
VII - O devedor tributário é o prestador de serviços e a relação tributária estabelece-se entre o obrigado e o Estado, sendo o lesado e o lesante alheios a essa relação; todavia, na fixação da indemnização está em causa a determinação do montante adequado à reparação do dano, o qual engloba as quantias que o lesado tem de despender com a reparação, incluindo o pagamento de IVA.
VIII - As regras de determinação do IVA devem ser consideradas na fixação da indemnização como base de critérios de equidade, uma vez que não se trata de liquidação da obrigação tributária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1483/21.0T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia – Juízo Central Cível, Juiz 1

Relator: Miguel Baldaia Morais
1ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
2ª Adjunta Desª. Eugénia Marinho da Cunha
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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


I - RELATÓRIO

Condomínio do Edifício ..., sito na Avenida ..., ..., em ..., Vila Nova de Gaia, intentou a presente ação declarativa com processo comum contra A..., Ldª., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €96.825,60 (noventa e seis mil e oitocentos e vinte e cinco euros e sessenta cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, calculados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Para substanciar tal pretensão alega que a ré explora a sua atividade no edifício autor, onde ocupa duas frações autónomas contíguas, mantendo em funcionamento um estabelecimento comercial e um armazém, dedicando-se ao comércio de tintas.
Acrescenta que a demandada faz uso habitual do logradouro existente na parte frontal das ditas frações para passagem de veículos que efetuam as cargas e descargas do material que comercializa, o que deu causa à destruição do piso desse logradouro, quebrando o cerâmico e afetando a tela de impermeabilização existente sob o cerâmico, o que motivou a ocorrência de infiltrações em outras frações e partes comuns do edifício, ascendendo o custo da reparação desses danos ao valor global peticionado.
Regularmente citada, a ré deduziu contestação, impugnando a matéria alegada pela autora, referindo que apenas utiliza 18/19 metros de uma área total de 69/70 metros a que corresponde o logradouro, o qual já se mostrava danificado em toda a sua extensão à data em que a ré iniciou a atividade no local, não podendo, por isso, ser-lhe imputada qualquer responsabilidade pelos danos cuja reparação é reclamada na ação.
Foi proferido despacho saneador, definiu-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizou-se audiência final com observância do formalismo legal, vindo a ser proferida sentença que julgou “a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de 25.000,00 EUR (vinte e cinco mil euros), acrescida de juros desde a data de citação até efetivo e integral pagamento».
Não se conformando com o assim decidido, veio a ré interpor recurso, admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso, a ré apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

1.º - A Apelante não se conforma com a sentença proferida, uma vez que entende, data vénia, que a mesma padece de vício/erro de julgamento quanto à decisão de facto (situação essa cuja “revisão” pelo Douto Tribunal Ad Quem encontra acolhimento nos diversos números e alíneas do artigo 662.º do C.P.C.).
Foram considerados como não provados factos que se encontram em flagrante contradição com outros que mereceram a designação de provados; motivo pelo qual irá impugnar parcialmente a decisão proferida sobre a matéria de facto.
2.º - A Apelante considera, ainda e data vénia, que o Douto Tribunal Ad Quo efectuou uma errada apreciação de um dos pressupostos basilares da responsabilidade civil extracontratual: o nexo de causalidade (tal e qual o mesmo se encontra configurado no artigo 563.º do C.C.).
3.º - Sem prejuízo do afirmado na Conclusão 2.º e caso se entenda que os requisitos da responsabilidade civil extracontratual se encontram cumulativamente preenchidos – o que apenas se pode conceber por bondade de raciocínio – acredita a Apelante que o Douto Tribunal Aq Quo desconsiderou o princípio da equidade (previsto no artigo 566.º do C.C.) no que tange ao quantum indemnizatório arbitrado à Apelada.
4.º - o Douto Tribunal Ad Quo, salvo o devido respeito, incorreu em vicio/erro de julgamento sobre a matéria de facto porquanto sob a epígrafe de “factos provados” e “factos não provados” incluiu circunstâncias que estão em manifesta contradição entre si.
5.º - As decisões relativas à matéria de facto devem ser claras, unívocas e perceptíveis para os destinatários para que não existam quaisquer dúvidas sobre qual a posição do Douto Tribunal.
6.º - Existe contradição factual quando a prova ou não prova de um facto acarreta, por imperativo lógico-formal ou incompatibilidade material, a impossibilidade de se poderem dar como provados ou não provados certos factos.
7.º - A matéria de facto dada como provada nos pontos J, K, Q, V, DD e EE está em flagrante contradição com o ponto 5 da matéria consignada como não provada.
8.º - Não é coerente, lógico ou, até mesmo, possível considerar que: existem infiltrações nas fracções autónomas imediatamente por baixo do logradouro e nas partes comuns desde 2017; a R./Apelante só começou a utilizar o imóvel e os espaços comuns desse desde Maio de 2018; e, depois, decidir que não há prova quanto à circunstância das ditas infiltrações serem anteriores à presença da R./Apelante e dos seus funcionários no imóvel!!!!
9.º - Se a R. (ora Apelante) só abriu o seu estabelecimento ao público em Maio de 2018 – sendo que foi a partir dessa data que começou a movimentar cargas e descargas no logradouro – (factos provados inscritos sob J, K, DD e EE) e se a partir do Inverno se 2017 já existiam infiltrações nas fracções autónomas imediatamente por baixo do referido logradouro e nas partes comuns do edifício (facto provado V), é evidente que as infiltrações actualmente existentes nas zonas imediatamente por baixo do “logradouro”/“terraço” com origem directa no piso deste, bem como os problema nas telas de impermeabilização, são anteriores à presença da R./Apelante e dos seus funcionários no imóvel (facto não provado 5)!
10.º - Por imperativo lógico-formal e por aplicação das regras gerais da experiência não é possível que a matéria constante do ponto 5 dos factos não provados mereça uma resposta como aquela que foi dada!
11.º - Existe evidente contradição entre os factos provados inscritos sob J, K, V, DD e EE e o facto não provado 5, motivo pelo qual - em homenagem ao disposto na alínea c), n.º 2 do artigo 662.º do C.P.C. - é imperativo que o Douto Tribunal Ad Quem altere a decisão de facto proferida pela 1.ª Instância. Deve, desse modo, ser inserida uma alínea MM à matéria de facto dada como provada para passar a constar que “as infiltrações actualmente existentes nas zonas imediatamente por baixo do “logradouro” / “terraço” com origem directa no piso deste, bem como os problemas nas telas de impermeabilização, são anteriores à presença da ré e dos seus funcionários no imóvel”, eliminando-se o ponto 5 dos factos dados como não provados. O que, desde já, se requer para todos os devidos e legais efeitos.
12.º - Os factos provados Q, R e V e o ponto 4 da matéria de facto dada como não provada estão, também eles e salvo o devido respeito, em notória contradição entre si; regista-se, por conseguinte, vicio/erro de julgamento quanto à matéria de facto.
13.º - Se há um agravamento da circunstância de existência de tijoleiras partidas, se essa vicissitude se denota com maior relevância numa parte do imóvel, então, é porque essa é uma questão que se coloca em todo o imóvel (entenda-se, aqui, a referência ao logradouro)! Não se pode agravar ou demonstrar maior incidência de um facto se esse não existir! Resposta diferente é absolutamente ilógica, irrazoável, viola as regras gerais da experiência e, reitere-se, denota um notório erro de julgamento sobre a matéria de facto.
14.º - Ocorre evidente contradição entre os factos provados inscritos sob Q, R e V e o facto não provado 4, motivo pelo qual - em homenagem ao disposto na alínea C), n.º 2 do artigo 662.º do C.P.C. – é imperativo que o Douto Tribunal Ad Quem altere a decisão de facto proferida pela 1.ª Instância. Deve, desse modo, ser inserida uma alínea NN à matéria de facto dada como provada para passar a constar que “as tijoleiras usadas no “logradouro” / “terraço” encontram-se danificadas ao longo de toda a sua extensão, apresentando, em vários pontos externos à zona de utilização da ré, sinais de infiltrações”, eliminando-se o ponto 4 dos factos dados como não provados. O que, desde já, se requer para todos os devidos e legais efeitos.
15.º - Os presentes autos sindicam um caso de responsabilidade civil extracontratual prevista no artigo 483.º do C.C.
16.º - São pressupostos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos: o facto; a ilicitude; a culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
17.º - A obrigação de indemnizar só pode ser imposta ao agente quando se provem todos os requisitos que compõem a responsabilidade civil extracontratual. A inobservância de um desses pressupostos implica o perecimento da dita obrigação.
18.º - In casu, entende a Apelante que não é possível dar como provada que a sua actuação foi causa directa e necessária dos danos que a Apelada peticiona que sejam reparados.
19.º - O artigo 563.º do C.C. acolheu a doutrina da causalidade adequada. A causa juridicamente relevante de um dano é aquela que, em abstracto e de acordo com as regras da experiência comum ou conhecidas do agente, se mostra adequada à produção desse dano.
20.º - A teoria da causalidade adequada tem duas variantes: a formulação positiva e a formulação negativa. A nossa lei adoptou a formulação negativa, pois o facto que actuou como condição do dano deve deixar de ser considerado como causa adequada quando para a sua produção tiverem contribuído, decisivamente, circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas.
21.º - Não basta classificar determinado facto como possível e admiti-lo como tal. Perante o circunstancialismo analisado, é necessário que se possa concluir fundamentadamente pela sua real e indubitável ocorrência.
22.º - Uma acção ou omissão é causa de certo prejuízo se, face ao critério do homem médio, se mostrava adequada à sua produção.
23.º - “O facto terá de ser, em concreto, ‘conditio sine qua non’ do dano.”
24.º - No aresto em crise o Douto Tribunal Ad Quo afirma que “(…) importará sopesar o estado geral de conservação do edifício autor (cuja degradação se mostra com clareza evidenciada nos autos, ao ponto de ter sido alvo de uma intimação camarária para realização de obras urgentes) enquanto critério de delimitação da responsabilidade da ré (dada a amplitude da pretensão do autor). Por outro lado, não poderá deixar de ser tido em conta que a ré, sem prejuízo da sua comprovada actuação culposa, não poderá ver estendida a sua responsabilidade a um dano que seja meramente conexo ou esteja virtualmente associado à sua acção ilícita.”
25.º - Não obstante o supra transcrito na conclusão 24.º, o Douto Tribunal Ad Quo desconsiderou efectivamente o estado geral do prédio e a pré-existência de várias infiltrações em momento muito anterior à presença da Apelante no imóvel.
26.º - Se as infiltrações se começaram a registar em 2017 (ou seja, cerca de um ano antes da Apelante abrir ao público o seu estabelecimento comercial!) há, verdadeiramente, nexo causal entre o pretenso dano e as alegadas reparações peticionadas???
27.º - Se já existiam tijoleiras partidas desde 2014 (facto provado Q) e se essas chegaram, até, a ser objecto de substituição em algum momento temporal não concretamente apurado (facto provado HH), como é que a Apelante pode ser responsabilizada pela origem dessa quebra – com todas as devidas e legais consequências???
28.º - As respostas às questões das conclusões 26.º e 27.º não são, obviamente, inócuas para a produção do resultado do pleito e têm que ser devidamente enquadradas com a matéria de facto discutida e realmente provada nos autos.
29.º - Se tivermos em conta o teor do facto provado DD, do facto provado EE, do facto provado V, do facto provado Q e do novo facto MM (anterior facto não provado 5 cuja reapreciação da prova em virtude de contradição flagrante na resposta à matéria de facto se sindicou), é notório que, por um qualquer erro de raciocínio na apreciação da conduta da Apelante, o Douto Tribunal Ad Quo considerou sem qualquer suporte fáctico ou documental que “(…) as infiltrações [foram] causadas pela actuação (e omissão de reparação atempada) da ré (…)”, sem prejuízo de, mais a frente no aresto em crise, declarar que, afinal, a conduta da Apelante teve apenas “(…) uma contribuição decisiva para a actual existência de infiltrações, (…)”.
30.º - Face aos entendimentos doutrinais e jurisprudenciais supra citados acerca do nexo de causalidade – tal e qual o mesmo se encontra previsto no artigo no artigo 563.º do C.C. –, tendo em atenção os pontos J, Q, R, V, DD, EE, HH e, agora, MM E NN e tendo presente que a causa adequada do dano é o facto pelo qual o respectivo autor agrava o risco ou possibilidade física do nascimento desse mesmo dano, somos forçados a concluir que a conduta da Apelante (ainda que passível de alguma censura) não deu causa ao nascimento do dano! Ou, sequer, agravou o risco da sua existência!
31.º - O dano era pré-existente, seja no que tange às infiltrações, seja no que respeita às tijoleiras partidas e impróprias para uso e acesso aos estabelecimentos comerciais (que, como é lógico, têm que carregar para o seu interior os produtos que vendem e, eventualmente, carregar esses mesmos produtos para os transportes dos Clientes) – facto provado P. A Apelante, quando muito, agravou algum desse dano.
32.º - O Douto Tribunal Ad Quo incorreu, assim e salvo o devido respeito, em violação de lei substantiva, por erro de julgamento.
33.º - Ocorre erro de julgamento (error in judicando) quando esse resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou da aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa. O que, na sentença em crise – face aos factos provados -, acontece.
34.º - Da subsunção jurídica dos factos ao Direito, concluímos que, ao decidir como decidiu, a Meritíssima Juiz do Tribunal Ad Quo desconsiderou e violou o disposto no n.º 1 do artigo 483.º, no artigo 562.º e no artigo 563.º, todos do C.C.. O que, desde já, se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
35. º - Sem prejuízo do afirmado nas conclusões 15.º a 34.º, entende a Apelante que ainda que se provassem todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual – o que apenas se pode admitir por bondade de raciocínio – sempre o quantum indemnizatório arbitrado à Apelada tinha violado o princípio da equidade previsto no n.º 3 do artigo 566.º do C.C.
36.º - A tarefa de fixar o montante indemnizatório adequado é, obviamente, dotada de discricionariedade, já que de um lado temos o lesado que espera que a decisão a proferir seja revista de inteira justiça no que tange à reparação do dano concreto e do outro temos um lesante que, apesar de ter incorrido em alguma conduta censurável (seja por acção, seja por omissão) e punível nos termos da lei, também espera justiça na fixação da reparação.
37.º - Ainda assim, a justiça relativa deve ser sempre preservada por forma a contribuir para a certeza do Direito e da segurança na sua aplicação. Só por via do fortalecimento do princípio da igualdade entre os cidadãos, é que os Tribunais podem sair credibilizados e prestigiados perante os destinatários do aparelho de Justiça.
38.º - A equidade desempenha um papel corretor e de adequação da indemnização às especificidades do caso, ainda que esse recurso à equidade não pode possa (ou deva!) afastar – como, aliás, também tem sido concomitantemente acentuado - a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade (que implica a procura de uma racional e criteriosa orientação do julgador, a qual não é incompatível com a atenção devida às particularidades do caso concreto).
39.º - O apelo a critérios de equidade radica na necessidade de encontrar aquilo que, no caso concreto, é a solução mais justa. A equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias) em oposição à justiça meramente formal.
40.º - Face ao consignado nas conclusões 36.º a 39.º, não pode a Apelante – salvo o devido respeito – deixar de questionar o modus como o quantum indemnizatório foi determinado.
41.º - Estando provada a existência de diversos orçamentos (factos provados AA, JJ e KK) com soluções equivalentes aquela que serve de base ao petitório dos presentes autos, porque é que o Douto Tribunal Ad Quo escolheu mediar a ponderação de um hipotético valor indemnizatório pelo consignado no facto provado AA e não no JJ (que, de resto, é mais barato e – precisamente como se defende no aresto em crise – inclui no computo geral todas as obras que o Condomínio tem a obrigação legal de realizar)???? Qual foi o seu critério de equidade ao sopesar os interesses das partes? O justo ou o mais justo???
42.º - Salvo o devido respeito, o raciocínio do Douto Tribunal Ad Quo quanto a esta matéria não respeitou o princípio da equidade previsto no n.º 3 do artigo 566.º do C.C., na medida em que no computo do montante indemnizatório a arbitrar à Apelada desvirtuou, nomeadamente, orçamento - também ele não aprovado pela Assembleia de Condóminos - cuja existência deu por provada (facto JJ) e cuja bondade da solução apresentada é a mesma que a daquele outro que sustenta os presentes autos (facto provado AA) – ou seja, retirada das tijoleiras (cerâmico de revestimento), a remoção da camada de betonilha imediatamente por baixo, a remoção da tela de impermeabilização que dota o local e a subsequente colocação de nova tela, camada de betonilha e tijoleira cerâmica no terraço.
43.º - O orçamento previsto no ponto JJ da matéria de facto provada é a base mais justa e equitativa para determinar o quantum indemnizatório, uma vez que prevê um valor mais baixo para a obra em causa sem deixar de assegurar justiça no que tange à reparação do dano concreto e justiça na fixação da reparação.
44.º - A justiça torna-se, assim, não só justa, como mais justa para todos os intervenientes processuais!
45.º - Defende, assim, a Apelante que a haver condenação com base na responsabilidade civil extracontratual (o que apenas admite por bondade de raciocínio), essa seja fixada, de forma justa e adequada, tendo por critério o orçamento dado como provado em JJ e o valor próximo de um terço do total em que se mostra orçamentada a obra do pavimento do logradouro necessária a eliminar as causas de infiltração (pois esse é, grosso modo, o ratio do dito logradouro que a Apelante usa).
46.º - A solução evidenciada na conclusão 45.º seria aquela que se mostra mais justa à composição do presente pleito e aquela que assegura o respeito pelo princípio da equidade tal e qual o mesmo se encontra configurado pela Doutrina, pela Jurisprudência e pela Lei (n.º 3 do artigo 566.º do C.C.). O que, desde já, se invoca para todo os devidos e legais efeitos.
47.º - Da subsunção jurídica dos factos ao direito, podemos, pois, concluir que, ao decidir como decidiu, a Meritíssima Juiz do Tribunal Ad Quo desconsiderou e violou o disposto no n.º 1 do artigo 483.º, no artigo 562.º, no artigo 563.º, no artigo 564.º e no n.º 3 do artigo 566.º, todos do C.C. o que, desde já, se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
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O autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela ré. Recorreu ainda subordinadamente formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:

A) Vem o presente recurso interposto subordinadamente, ao recurso independente interposto pela ré, da decisão final proferida no processo nº 1483/21.0T8VNG, que correu seus termos junto do Juiz 1, do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto;
B) Na qual o meritíssimo juiz a quo, resumidamente, decidiu “(…) julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência condeno a ré a pagar ao autor a quantia de 25.000,00 EUR (vinte e cinco mil euros), acrescida de juros desde a data de citação até efectivo e integral pagamento (…)”;
C) Discordando da decisão aí proferida, interpõe o Autor o presente recurso subordinado, e, com suporte nas conclusões que condensam a fundamentação do seu Recurso;
D) Efectivamente, entende o recorrente que o meritíssimo juiz a quo delimitou bem as questões que havia de responder na presente acção judicial, e que, inclusivamente, não merece a decisão proferida qualquer reparo a nível de julgamento em sede de matéria de facto.
E) Contudo, entende o ora recorrente que, no que concerne à decisão jurídica em crise, existem questões susceptíveis de reparo na decisão proferida e que urge corrigir por efeito do presente recurso;
F) O recorrente não pode aceitar a decisão proferida no que corresponde ao quantum indemnizatório, entendendo que a determinação de um valor singelo de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) de indemnização a ser paga pela recorrida ao ora recorrente, não constitui um debelamento correcto e efectivo dos prejuízos tidos;
G) Entende o ora recorrente que, com a decisão indemnizatória, no valor que foi arbitrado se viola o disposto no número 1 do artigo 483º, 562º, 563º, 564º, e 566º, todos do Código Civil;
H) E entende isto sem apresentar qualquer reparo à linha de raciocínio apresentado pelo meritíssimo tribunal a quo, quanto ao recurso às regras da equidade para determinação do concreto prejuízo indemnizável;
I) Neste particular, entende o ora recorrente que o raciocínio que presidiu à estipulação do valor indicado é completamente adequado e de acordo com aquilo que determina o número 3, do artigo 566º, do Código Civil, pecando, no entanto, pela não utilização de dois critérios que adequariam, ainda mais, a aplicação em concreto das regras da equidade;
J) Em primeiro lugar, entende o ora recorrente que o meritíssimo tribunal a quo não valorizou correctamente o decurso do tempo e aquilo que foi uma verdadeira cavalgada nos preços inerentes na construção civil ocorrida nos passados três anos em Portugal;
K) Sendo que se impunha que o quantum indemnizatório tivesse isso em consideração, por se entender que a indemnização deve ser arbitrada por referência ao tempo mais próximo daquele em que seja atribuída;
L) Aliás, na própria fundamentação apresentada pelo meritíssimo tribunal a quo é possível verificar que este tem em atenção este elemento que ora se pede que o meritíssimo tribunal ad quem analise;
M) Contudo, não a fez relevar naquilo que é o dispositivo da decisão;
N) Assim, entende o ora recorrente que ao valor de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) indicado como constituindo o valor a ser pago pela recorrida ao recorrente será de aplicar um coeficiente de actualização que faça reflectir o aumentos de preços generalizado e nada natural que se tem vindo a sentir no mercado;
O) Sendo de aplicar um agravamento àquele montante indemnizatório na proporção de 30% (trinta por cem) alterando a decisão proferida, condenando a ora recorrida ao pagamento da quantia singela de €32.500,00 (trinta e dois mil e quinhentos euros);
P) Em segundo lugar, o recorrente entende que o raciocínio protagonizado pelo meritíssimo tribunal a quo deveria ter tido em atenção um outro aspecto particular;
Q) A questão dos impostos que o ora recorrente terá que pagar na perspectiva dos trabalhos que terá de contratar para o debelamento dos prejuízos efectivamente tidos;
R) O raciocínio desenvolvido pelo meritíssimo tribunal a quo deveria ter considerado que o ora recorrente terá que proceder ao pagamento de impostos quando contratar os serviços que tem que contratar;
S) Seja o trabalho realizado já, seja ele realizado apenas no decurso da realização dos trabalhos de reabilitação geral do edifício que compõe o condomínio ora recorrente, este terá sempre que pagar o valor do imposto sobre o valor acrescentado;
T) Essa componente fiscal faz parte do preço;
U) Desconsiderar esse elemento constitui uma aplicação incorrecta do princípio da equidade, e põe em causa, por omissão de consideração de factores, o próprio raciocínio desenvolvido pelo meritíssimo tribunal a quo;
V) Já dizia o célebre autor que apenas existem duas certezas na vida: a morte e os impostos;
W) Pelo que, para um debelamento pleno dos prejuízos tidos, deveria o raciocínio desenvolvido pelo meritíssimo tribunal a quo ter condenado a ora recorrida, ao pagamento, ao ora recorrente, do valor arbitrado, acrescido de 23% (vinte e três por cem) a título de obrigações fiscais a serem cumpridas;
X) O que determina que este meritíssimo tribunal ad quem substitua a decisão proferida, por outra, em que se condene a ora recorrida ao pagamento ao recorrente da quantia total de €39.975,00 (trinta e nove mil e novecentos e setenta e cinco euros);
Y) Pelo que a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que determine a condenação da R. ao pagamento ao recorrente da quantia total de €39.975,00 (trinta e nove mil e novecentos e setenta e cinco euros), aplicando-se correctamente o estatuído no número 1, do artigo 483º, e os artigos 562º, 563º, 564º, e 566º, todos do Código Civil.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DO MÉRITO DO RECURSO
1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, são as seguintes as questões solvendas:

Do recurso (independente) interposto pela ré

. da existência de vício na decisão da matéria de facto por contradição entre factos provados e factos não provados;
. da inverificação dos pressupostos que permitam a sua condenação com base no instituto da responsabilidade civil extracontratual;
. da excessividade do quantum indemnizatório arbitrado ao autor.

Do recurso (subordinado) interposto pelo autor

. da insuficiência do montante atribuído para indemnizar os danos sofridos pela atuação da demandada.
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2. Recurso da matéria de facto
2.1. Factualidade considerada provada na sentença

O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
a) O Autor é a pessoa coletiva equiparada que agrega a totalidade dos proprietários das frações autónomas do prédio em regime de propriedade horizontal sito no Lugar ..., ângulo da Avenida ..., ..., em ... e ..., Vila Nova de Gaia.
b) O prédio referido em a) encontra-se descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o número ...29.
c) Desde 9 de Julho de 2014 até à presente data, a administração do referido condomínio encontra-se adstrita à sociedade comercial B..., Lda., pessoa coletiva nº ..., com sede na Rua ..., em Vila Nova de Gaia
d) Por sua vez, a Ré é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de tintas, actividade que desenvolve nas fracções “Q” e “R” do edifício autor.
e) As fracções autónomas aludidas em d) são contíguas e correspondem a dois estabelecimentos comerciais, situados no rés-do-chão do supra identificado edifício, com entradas independentes, respectivamente, pelos nºs ... do prédio.
f) As referidas fracções autónomas têm interligação interna, aí funcionando um estabelecimento comercial explorado pela R., de venda de tintas.
g) A saída para a via pública das fracções “Q” e “R” é feita por um logradouro que constitui parte comum do edifício, designado no título constitutivo de propriedade horizontal como “terraço”.
h) O aludido logradouro constitui o telhado do primeiro piso abaixo da cota da soleira do edifício que compõe o complexo habitacional, onde se encontram situadas algumas fracções habitacionais, algumas garagens e o espaço de manobragem comum de acesso às referidas fracções destinadas a aparcamento.
i) Desde o início da sua actividade no local, a R. utiliza o referido logradouro como ponto de passagem das cargas de descargas dos materiais que disponibiliza ao público e que mantém armazenados dentro das fracções autónomas.
j) Como o referido logradouro/terraço impede a circulação automóvel em toda a sua área, estando dotado de guias específicas para impedir essa circunstância, os funcionários da R., desde que esta começou a usar aquele local como estabelecimento comercial, usam máquinas do tipo porta-paletes, para proceder à carga dos materiais pesados que comercializam nos veículos automóveis dos seus clientes.
k) Procedendo da mesma forma para a descarga desses mesmos materiais dos veículos automóveis dos seus fornecedores para o seu armazém.
l) Transportando latas de tintas por cima do referido logradouro através da utilização dos referidos porta-paletes.
m) Fazendo-o todos os dias em que o seu estabelecimento se encontra aberto e várias vezes ao dia, durante os anos em que o referido estabelecimento se encontra aí a laborar.
n) O referido logradouro é revestido de tijoleira cerâmica e, por constituir um terraço de cobertura, é dotado de telas de impermeabilização por baixo das tijoleiras, que visam evitar a infiltração de águas pluviais para dentro das partes comuns do edifício, das garagens individuais e dos apartamentos que compõem o primeiro piso abaixo da cota da soleira do edifício A., mantendo a sua estanquicidade.
o) As tijoleiras cerâmicas servem de protecção às referidas telas, que, devidamente colocadas, têm que manter a sua integridade material e estrutural.
p) Não estando preparadas para os pesos associados ao uso constante dos porta-paletes carregados com os materiais neles transportados pelos funcionários da R.
q) Com o decurso do tempo, e nomeadamente desde o ano de 2014, as referidas tijoleiras, começaram a quebrar-se, o que veio a agravar-se por acção das actuações referidas em j) a m) por parte da R.
r) As quebras de cerâmico evidenciam particular incidência na zona frontal às fracções afectas à actividade da ré.
s) Por diversas ocasiões foi a R. interpelada pela administração do condomínio para, por um lado, cessar com aquele tipo de actividade pelo referido logradouro, e, por outro lado, para proceder à substituição das tijoleiras por si partidas.
t) A R. sempre se demonstrou verbalmente disponível para proceder a essa substituição.
u) Sem que alguma vez, por um lado, tenha cessado o transporte dos seus materiais por aquele local e da forma descrita supra, e, por outro, tenha procedido à substituição das tijoleiras em falta.
v) Pelo menos a partir do Inverno do ano de 2017, começaram a surgir infiltrações nas fracções autónomas imediatamente por baixo do referido logradouro e nas partes comuns do edifício aí existentes.
w) Por acção de um dos condóminos foram accionados os serviços municipais de fiscalização do Município de Vila Nova de Gaia.
x) Dando origem ao processo de vistoria nº 10/VY/2019, que aí correu seus termos e que deu origem aos autos de determinação de realização compulsiva de obras número 4938/2019, obrigando o condomínio à realização de obras de reabilitação do local.
y) A actuação descrita da ré deu causa à quebra persistente das tijoleiras existentes na zona frontal às fracções por si usadas, acabando por danificar as telas de impermeabilização existentes sob aquelas.
z) Além das tijoleiras partidas, a tela de impermeabilização que dota a cobertura daquele local, colocada imediatamente por baixo das referidas tijoleiras, foi em parte afectada na sua integridade física, perdendo a sua qualidade impermeabilizante.
aa) A solicitação do autor foi obtido um orçamento, com data de para reparação integral da área de logradouro, que ascendeu a 78.720,00 € acrescido de IVA, num total de 96.825,60 €, que inclui os trabalhos descritos no documento nº14 anexo à petição inicial, cujo teor se tem por reproduzido.
bb) A reparação do logradouro de modo a fazer cessar as infiltrações já existentes implica a retirada das tijoleiras (cerâmico de revestimento), a remoção da camada de betonilha imediatamente por baixo, a remoção da tela de impermeabilização que dota o local e a subsequente colocação de nova tela, camada de betonilha e tijoleira cerâmica no terraço.
cc) Em 30.03.2017, a “C..., Lda.” celebrou com o “Banco 1..., S.A.” um contrato de locação financeira por 10 (dez) anos, sendo locatária das fracções “Q” e “R”.
dd) Em 26.02.2018, a R. celebrou com “C..., Lda.” um contrato de arrendamento onde essa cedia, a título oneroso, o uso das suas fracções para instalação de um estabelecimento comercial apto ao comércio de tintas e produtos similares.
ee) Em fase prévia ao início da sua actividade, a ré realizou obras de adaptação dos espaços, após o que abriu o seu estabelecimento comercial ao público em Maio de 2018, ocasião em que deu início ao seu funcionamento nas fracções arrendadas. ff) A entrada no estabelecimento comercial faz-se por uma porta localizada no n.º 860 da Av. ..., sendo a partir da data referida em ee) que a R. começou a movimentar produtos pelo logradouro/terraço, cujo uso lhe está afecto.
gg) O prédio onde se inserem as fracções exploradas pela R., no lado que se encontra virado para a Avenida ..., cerca de 66 metros de frente, coberta por tijoleira, dos quais a ré usa, de forma mais regular, cerca de 20 metros para acesso à sua loja, sendo a sua frente de loja de aproximadamente 16 metros.
hh) As tijoleiras que revestem o logradouro/terraço do edifício apresentam em alguns pontos, evidências de substituição anterior de pavimento.
ii) Em assembleia do condomínio autor celebrada em 21.01.2020, foi apreciada e discutida a forma de manutenção do edifício – ponto 6 de ordem de trabalhos -, consignando-se em acta que, em relação aos danos o pavimento em frente às lojas, foram efectuadas comunicações pela administração do condomínio, sendo dada como resposta a dificuldade de aquisição de cerâmica idêntica, tendo sido deliberado que “deve ser imputado ao proprietário das frações Q e R a reparação do material cerâmico na área correspondente a frente de ambas as lojas com material idêntico ao existente e quando for efectuada essa intervenção e se o condomínio possuir condições financeiras deve proceder à reparação do restante terraço”.
jj) No relatório de apresentação de contas de 01.01.2019 a 31.12.2019 entregue pela A. aos seus condóminos foram apresentados outros orçamentos para realização da obra geral do edifício, que prevêem, em relação à obra do logradouro, a empresa “D..., Lda.”, que orçou, em 17 de Janeiro de 2020, para a realização das obras do logradouro/terraço um valor € 67.500.00 (obra total de 381.109,56 €).
kk) Do referido relatório consta que a empresa “E...” orça para a totalidade da obra a realizar no prédio um montante de € 188.222,22 (cento e oitenta e oito mil duzentos e vinte e dois euros e vinte e dois cêntimos).
ll) A pedido da R., a empresa “F...– Unipessoal, Lda.” para a realização da obra no “logradouro”/“terraço” numa área de 125m2, correspondente aproximadamente à área da frente do estabelecimento da ré, apresentou o orçamento de € 6.360,00 (seis mil trezentos e sessenta euros), correspondente ao documento nº 21 anexo à contestação, cujo teor se tem por reproduzido.
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2.2. Factualidade considerada não provada na sentença

O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:
1) A R. mantém nas fracções aludidas em e) um armazém dos seus materiais.
2) As telas referidas em n) e o) necessitam de ser integralmente substituídas.
3) Apesar de já ter sido solicitado por diversas vezes (em nome da sua Senhoria – “C..., Lda.”) e de ter apresentado várias propostas para alteração do espaço de acesso às suas fracções, todas as soluções apresentadas têm sido objecto de recusa por parte da A.
4) As tijoleiras usadas no “logradouro”/“terraço” encontram-se danificadas ao longo de toda a sua extensão, apresentando, em vários pontos externos à zona de utilização da ré, sinais de infiltrações.
5) As infiltrações actualmente existentes nas zonas imediatamente por baixo do “logradouro”/“terraço” com origem directa no piso deste, bem como os problema nas telas de impermeabilização, são anteriores à presença da R. e dos seus funcionários no imóvel.
6) A A. – porque pressionada pela autarquia para a realização de obras e porque não tem qualquer capacidade financeira para as levar a cabo ficciona uma exigência legal para, a partir dessa, tentar extorquir vantagem pecuniária de um dos poucos ocupantes do imóvel que tem uma capacidade económica e financeira elevada.
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2.3. Apreciação da impugnação da matéria de facto

Nas suas conclusões recursivas veio a ré apelante impugnar a decisão sobre a matéria de facto por considerar existir manifesta contradição entre as proposições vertidas nas alíneas J), K), Q), R), V), DD) e EE) dos factos provados e as proposições plasmadas nos nºs 4 e 5 dos factos não provados, sustentando que (i) deve ser eliminado o ponto nº 5 dos factos dados como não provados, aditando-se ao elenco dos factos provados uma nova alínea com o seguinte teor: “As infiltrações atualmente existentes nas zonas imediatamente por baixo do logradouro/terraço com origem direta no piso deste, bem como os problemas nas telas de impermeabilização, são anteriores à presença da ré e dos seus funcionários no imóvel”; (ii) deve ser eliminado o ponto nº 4 dos factos dados como não provados, transitando para os factos provados uma nova alínea com a seguinte redação: “As tijoleiras usadas no logradouro/terraço encontram-se danificadas ao longo de toda a sua extensão, apresentando, em vários pontos externos à zona de utilização da ré, sinais de infiltrações”.
Como vem sendo entendido[2], o vício de contradição ocorre quando duas ou mais respostas a afirmações de facto controvertidas conjugadas entre si sejam incompatíveis, no sentido de que a verificação de uma determinada realidade de facto exclui a outra.
Consequentemente, dada a sua razão de ser, o referido vício pode ocorrer entre factos provados, entre factos não provados ou entre factos provados e factos não provados[3].
Isto posto, importa, pois, dilucidar se, in casu, se verifica o apontado vício de contradição entre proposições factuais dadas como provadas e não provadas.
Comecemos pelo primeiro segmento da impugnação da matéria de facto, que se traduz em determinar se ocorre contradição entre a matéria de facto dada como provada nos pontos J), K), Q), V), DD) e EE) e a proposição vertida no nº 5 dos factos não provados.
Nos referidos pontos de facto deu-se como provado que:
. “Como o referido logradouro/terraço impede a circulação automóvel em toda a sua área, estando dotado de guias específicas para impedir essa circunstância, os funcionários da R., desde que esta começou a usar aquele local como estabelecimento comercial, usam máquinas do tipo porta-paletes, para proceder à carga dos materiais pesados que comercializam nos veículos automóveis dos seus clientes” (ponto J);
. “Procedendo da mesma forma para a descarga desses mesmos materiais dos veículos automóveis dos seus fornecedores para o seu armazém” (ponto K);
. “Pelo menos a partir do Inverno do ano de 2017, começaram a surgir infiltrações nas fracções autónomas imediatamente por baixo do referido logradouro e nas partes comuns do edifício aí existentes” (ponto V);
. “Em 26.02.2018, a R. celebrou com “C..., Lda.” um contrato de arrendamento onde essa cedia, a título oneroso, o uso das suas fracções para instalação de um estabelecimento comercial apto ao comércio de tintas e produtos similares” (ponto DD);
. “Em fase prévia ao início da sua actividade, a ré realizou obras de adaptação dos espaços, após o que abriu o seu estabelecimento comercial ao público em maio de 2018, ocasião em que deu início ao seu funcionamento nas fracções arrendadas” (ponto EE).
Por seu turno, deu-se como não provado no ponto nº 5 que “As infiltrações actualmente existentes nas zonas imediatamente por baixo do logradouro/terraço com origem directa no piso deste, bem como os problema nas telas de impermeabilização, são anteriores à presença da R. e dos seus funcionários no imóvel”.
Advoga a apelante que não é coerente (sendo, antes, contraditório) considerar como provado que existem infiltrações nas frações autónomas imediatamente por baixo do logradouro e nas partes comuns desde 2017, que a apelante só começou a utilizar o imóvel e os espaços comuns desde maio de 2018 e depois decidir que não há prova quanto à circunstância das ditas infiltrações serem anteriores à sua presença e dos seus funcionários no imóvel.
Não lhe assiste razão.
De facto, como deflui do ponto V) dos factos, o que aí se refere é que “a partir do Inverno do ano de 2017, começaram a surgir infiltrações nas frações autónomas por baixo do logradouro e nas partes comuns do edifício aí existentes”.
Portanto, não se diz - como parece ser entendimento da apelante – que as infiltrações começaram em dezembro de 2017 ou em janeiro de 2018, mas sim que as mesmas começaram a surgir “a partir do inverno de 2017”, ou seja, no período compreendido entre 21 de dezembro e 20 de março.
É certo que se deu como provado (ponto ee)) que a ré abriu o seu estabelecimento comercial ao público em maio de 2018. No entanto, resultou igualmente demonstrado que a demandada passou a ocupar as frações “Q” e “R” na sequência de contrato de arrendamento celebrado no dia 26 de fevereiro de 2018, realizando a partir de então obras de adaptação das mesmas, sendo que até à abertura do estabelecimento teve naturalmente de para aí transportar (nomeadamente por intermédio de máquinas do tipo porta-paletes) todo o material necessário, quer para essas obras, quer para dar início ao comércio de tintas e produtos similares que iria vender nesses espaços.
Inexiste, por isso, a apontada contradição, motivo pelo qual não há que aditar ao elenco dos factos provados a materialidade plasmada no ponto nº 5 dos factos não provados.
Vejamos agora se se regista contradição entre os factos provados Q), R) e V) e o facto não provado nº 4.
Nesses pontos de facto deu-se como provado que:
. “Com o decurso do tempo, e nomeadamente desde o ano de 2014, as referidas tijoleiras, começaram a quebrar-se, o que veio a agravar-se por acção das actuações referidas em j) a m) por parte da R.” (ponto Q));
. “As quebras de cerâmico evidenciam particular incidência na zona frontal às fracções afectas à actividade da ré.” (ponto R));
. “Pelo menos a partir do Inverno do ano de 2017, começaram a surgir infiltrações nas fracções autónomas imediatamente por baixo do referido logradouro e nas partes comuns do edifício aí existentes.” (ponto V)).
Já no ponto nº 4 deu-se como não provado que “As tijoleiras usadas no logradouro/terraço encontram-se danificadas ao longo de toda a sua extensão, apresentando, em vários pontos externos à zona de utilização da ré, sinais de infiltrações”.
Defende a apelante que se se considerou provado que as tijoleiras se começaram a quebrar desde o ano de 2014 (sendo que a conduta da ré agravou essa circunstância), que essa quebra tem uma particular incidência na zona frontal das frações por si utilizadas e que a partir do inverno do ano de 2017 começaram a surgir infiltrações nas frações autónomas e nas partes comuns imediatamente por baixo do logradouro/terraço, dever-se-ia, pois, dar como provada a afirmação de facto constante do ponto nº 4 da materialidade não provada, já que, na leitura que faz de tais enunciados fácticos, “se há um agravamento da circunstância de existência de tijoleiras partidas, se essa vicissitude se denota com maior relevância numa parte do imóvel, então, é porque essa é uma questão que se coloca em todo o logradouro do imóvel (…) por não se poder agravar ou demonstrar maior incidência de um facto se esse não existir”.
Ora, do simples cotejo entre as afirmações de facto consideradas provadas e aqueloutra que foi dada como não provada, não se antolha a ocorrência da apontada discrepância, posto que em parte alguma do substrato factual considerado provado se refere que as infiltrações se registem noutros locais que não a zona utilizada pela ré, sendo certo outrossim que, no concernente às tijoleiras, o que resulta desse tecido fáctico é que, malgrado já existisse quebra das mesmas em momento anterior à utilização das frações que presentemente ocupa como arrendatária, essa quebra agravou-se por ação sua, com particular incidência na área do logradouro/terraço de que se serve para a carga e descarga dos materiais que comercializa.
Assim, também nesse ponto, inexiste fundamento para o aditamento da mencionada proposição ao elenco dos factos provados.
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3. FUNDAMENTOS DE DIREITO

O condomínio autor[4] demandou a ré visando obter o pagamento da importância necessária para a reparação dos danos que esta, através de transporte de cargas, provocou no cerâmico e na tela de impermeabilização do logradouro/terraço existente na parte frontal das frações autónomas de que é arrendatária e nas quais mantém em funcionamento um estabelecimento comercial e um armazém.

O juiz a quo, afirmando a ocorrência dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual da ré, julgou parcialmente procedente a aludida pretensão de tutela jurisdicional, condenando-a no pagamento da quantia de €25.000,00, acrescida de juros de mora desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Ambas as partes se rebelam contra o aludido segmento decisório, sendo que a ré advoga que não se encontram reunidos os pertinentes pressupostos normativos para a sua condenação (em particular o nexo causal) e bem assim que o montante arbitrado sempre seria excessivo; já o autor sustenta que esse quantum é insuficiente para a reparação dos danos que aquela ocasionou em partes comuns do Edifício ..., sito na Avenida ..., ..., em ..., Vila Nova de Gaia.

Tendo em conta a forma como se mostra balizado o objeto dos recursos (independente e subordinado), a questão a dilucidar prende-se, por conseguinte, em determinar se a ré se encontra, e em que medida, constituída no dever de reparar os danos que alegadamente ocasionou no aludido logradouro/terraço, o qual, por mor do disposto na al. b) do nº 1 do art. 1421º do Cód. Civil, assume obrigatoriamente natureza de parte comum do prédio[5], por desempenhar função de cobertura de algumas das frações e garagens que o compõem (cfr. al. h) dos factos provados).

O problema equacionado convoca, assim, a aplicação dos institutos da propriedade horizontal e da responsabilidade civil.

Como é consabido, na propriedade horizontal coexistem num mesmo edifício, formando um conjunto incindível, os direitos de propriedade exclusiva dos condóminos sobre as respetivas frações autónomas e os direitos dos mesmos condóminos sobre as partes comuns, por princípio definidos segundo o regime da compropriedade (art. 1420º, n.º 1 do Cód. Civil). Destarte, ao lado de um direito de compropriedade sobre as partes comuns de que todos os condóminos são contitulares, cada condómino é proprietário exclusivo da sua própria fração autónoma.

O que verdadeiramente caracteriza a propriedade horizontal é, pois, a fruição de um edifício por parcelas ou frações independentes, mediante a utilização de partes ou elementos afetados ao serviço do todo. Trata-se, em suma, da coexistência, num mesmo edifício, de propriedades distintas, perfeitamente individualizadas, ao lado da compropriedade de certos elementos, forçadamente comuns.

Como proprietário o condómino goza, de modo pleno e exclusivo, dos direitos de uso, fruição e disposição da sua fração autónoma, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (cfr. art. 1305º do Cód. Civil). Como comproprietário exerce, em conjunto com os restantes, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participa nas vantagens e encargos das partes comuns, que são incindíveis, em proporção da sua percentagem ou permilagem (cfr. arts. 1405º e 1406º do mesmo diploma legal).

Nestes termos, e à luz do preceituado no art. 483º do Cód. Civil, a violação desse direito subjetivo dos condóminos (seja enquanto proprietários singulares, seja enquanto comproprietários das partes comuns) pode importar a obrigação de o agente da violação indemnizar o lesado ou lesados, caso se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil enunciados no seu nº 1, no qual se dispõe que “[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Do inciso normativo transcrito resulta - como, praticamente una voce, tem sido entendido pela doutrina[6] - que os pressupostos, requisitos ou elementos da responsabilidade civil por factos ilícitos são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Assim, para que exista obrigação de indemnizar, baseada em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, torna-se mister que se verifiquem todos os descritos pressupostos, sendo certo que, por força do critério geral estabelecido no art. 342º, complementado neste particular pelo disposto no art. 487º, ambos do Cód. Civil, incumbe a quem invoque a seu favor o direito à indemnização alegar e provar os factos pertinentes.

Como se deu nota, no ato decisório sob censura considerou-se estarem, in casu, reunidos os pertinentes pressupostos ou requisitos da aludida fonte de obrigações, em virtude de os danos (rectius, parte desses danos) que o cerâmico e a tela de impermeabilização do logradouro/terraço apresentam terem sido causados pelo comportamento da ré.
É exatamente neste ponto que se situa o âmago do objeto do recurso interposto pela demandada, já que é primordialmente em relação à afirmação da existência de nexo causal que se reporta, em termos úteis, a sua divergência recursiva.
A propósito desse requisito, vem constituindo entendimento claramente majoritário[7]-[8] o de que, no nosso ordenamento jurídico (cfr. art. 563º do Cód. Civil), vigora a teoria de causalidade adequada (que a dogmática moderna tende a substituir pela designação de teoria ou doutrina da adequação), cuja ideia fulcral é a de que se considera causa de um dano o facto que se revele, em concreto, condição necessária desse dano, mas também que constitua, em abstrato, segundo o curso normal das coisas, causa adequada da sua produção.
A averiguação da adequação abstrata do facto a produzir o dano só pode, no entanto, ser realizada a posteriori, através da avaliação se seria previsível que a prática daquele facto originasse aquele dano (prognose póstuma), sendo que a mencionada doutrina aceita que essa avaliação tome por base não apenas as circunstâncias normais que levariam um observador externo a efetuar um juízo de previsibilidade, mas também circunstâncias anormais, desde que recognoscíveis ou conhecidas pelo agente.
Isto posto, vejamos, então, se o substrato factual adrede apurado permite, ou não, afirmar a ocorrência do mencionado requisito da responsabilidade civil aquiliana.
Com relevo para essa questão, resultou demonstrado que:
. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de tintas, atividade que desenvolve nas frações “Q” e “R” do edifício autor;
. Tais frações autónomas são contíguas e correspondem a dois estabelecimentos comerciais, situados no rés-do-chão desse edifício, com entradas independentes, respetivamente, pelos nºs ... do prédio;
. Essas frações autónomas têm interligação interna, aí funcionando um estabelecimento comercial explorado pela ré, de venda de tintas;
. A saída para a via pública das frações “Q” e “R” é feita por um logradouro/terraço (que, como se referiu, constitui parte comum do edifício, sendo designado no título constitutivo de propriedade horizontal como “terraço”);
. O aludido logradouro/terraço constitui o telhado do primeiro piso abaixo da cota da soleira do edifício que compõe o complexo habitacional, onde se encontram situadas algumas frações habitacionais, algumas garagens e o espaço de manobragem comum de acesso às referidas frações destinadas a aparcamento; . Desde o início da sua atividade no local, a ré utiliza o referido logradouro/terraço como ponto de passagem das cargas e descargas dos materiais que disponibiliza ao público e que mantém armazenados dentro das frações autónomas;
. Como o referido logradouro/terraço impede a circulação automóvel em toda a sua área, estando dotado de guias específicas para impedir essa circunstância, os funcionários da ré, desde que esta começou a usar aquele local como estabelecimento comercial, usam máquinas do tipo porta-paletes, para proceder à carga dos materiais pesados que comercializam nos veículos automóveis dos seus clientes;
. Procedendo da mesma forma para a descarga desses mesmos materiais dos veículos automóveis dos seus fornecedores para o seu armazém;
. Transportando latas de tintas por cima do referido logradouro/terraço através da utilização dos referidos porta-paletes;
. Fazendo-o todos os dias em que o seu estabelecimento se encontra aberto e várias vezes ao dia, durante os anos em que o referido estabelecimento se encontra aí a laborar;
. O referido logradouro/terraço é revestido de tijoleira cerâmica e, por constituir um terraço de cobertura, é dotado de telas de impermeabilização por baixo das tijoleiras, que visam evitar a infiltração de águas pluviais para dentro das partes comuns do edifício, das garagens individuais e dos apartamentos que compõem o primeiro piso abaixo da cota da soleira do edifício, mantendo a sua estanquicidade;
. As tijoleiras cerâmicas servem de proteção às referidas telas, que, devidamente colocadas, têm que manter a sua integridade material e estrutural;
. Não estando preparadas para os pesos associados ao uso constante dos porta-paletes carregados com os materiais neles transportados pelos funcionários da ré;
. Com o decurso do tempo, e nomeadamente desde o ano de 2014, as referidas tijoleiras, começaram a quebrar-se, o que veio a agravar-se por ação das descritas atuações (de cargas e descargas) por parte da ré;
. As quebras de cerâmico evidenciam particular incidência na zona frontal às frações afetas à atividade da ré;
. Por diversas ocasiões foi a ré interpelada pela administração do condomínio para, por um lado, cessar com aquele tipo de atividade pelo referido logradouro/terraço, e, por outro lado, para proceder à substituição das tijoleiras por si partidas;
. A ré sempre se demonstrou verbalmente disponível para proceder a essa substituição;
. Sem que alguma vez, por um lado, tenha cessado o transporte dos seus materiais por aquele local e da forma descrita supra, e, por outro, tenha procedido à substituição das tijoleiras em falta;
. Pelo menos a partir do Inverno do ano de 2017, começaram a surgir infiltrações nas frações autónomas imediatamente por baixo do referido logradouro/terraço e nas partes comuns do edifício aí existentes;
. A atuação descrita da ré deu causa à quebra persistente das tijoleiras existentes na zona frontal às frações por si usadas, acabando por danificar as telas de impermeabilização existentes sob aquelas;
. Além das tijoleiras partidas, a tela de impermeabilização que dota a cobertura daquele local, colocada imediatamente por baixo das referidas tijoleiras, foi em parte afetada na sua integridade física, perdendo a sua qualidade impermeabilizante.
. Em fase prévia ao início da sua atividade, a ré realizou obras de adaptação dos espaços, após o que abriu o seu estabelecimento comercial ao público em maio de 2018, ocasião em que deu início ao seu funcionamento nas frações arrendadas;
. O prédio onde se inserem as frações exploradas pela ré, no lado que se encontra virado para a Avenida ..., cerca de 66 metros de frente, coberta por tijoleira, dos quais a ré usa, de forma mais regular, cerca de 20 metros para acesso à sua loja, sendo a sua frente de loja de aproximadamente 16 metros;
Do descrito quadro fáctico emerge que o uso que a ré fez do logradouro/terraço – utilizando-o como ponto de passagem de veículos “porta-paletes” para efetuar as cargas e descargas dos materiais que comercializa e que mantém armazenados nas frações autónomas de que é arrendatária -, pela sua reiteração e desadequação, motivou a quebra persistente da tijoleira cerâmica colocada na zona frontal às frações por si usadas, acabando por danificar as telas de impermeabilização existentes sob aquela, cuja finalidade se traduz essencialmente em manter a sua estanquicidade e, desse modo, evitar a infiltração de águas pluviais para o interior de outras partes comuns, das garagens individuais e das frações que compõem o primeiro piso abaixo da cota da soleira do ajuizado edifício.
Consequentemente, sob o enfoque da mencionada teoria ou doutrina da adequação, na sua vertente ou formulação negativa[9] - segundo a qual o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercedam no caso concreto[10] -, não pode deixar de se afirmar a ocorrência, na espécie, do nexo causal entre o comportamento da ré e os danos cuja reparação o autor reclama na presente ação.
A apelante esgrime, contudo, o argumento de que se já existiam tijoleiras partidas no logradouro/terraço em momento anterior àquele em que, como arrendatária, passou a ocupar as frações “Q” e “R” e se as infiltrações nas frações autónomas situadas imediatamente por baixo desse logradouro/terraço e nas partes comuns do edifício aí existentes se começaram a registar em 2017, não se pode concluir pela verificação desse nexo.
Não lhe assiste, contudo, razão por uma dupla ordem de razões.
Primeiramente porque, na sequência do que supra se decidiu, não resulta do substrato factual apurado que as mencionadas infiltrações “sejam anteriores à presença da ré e dos seus funcionários no imóvel”. Depois porque, ao invés do que defende a apelante, relativamente às tijoleiras o que resultou provado não foi que tivesse sido a demandada a quebrar esse material cerâmico, mas antes que essa quebra se “veio a agravar por ação das atuações [de carga e descarga dos materiais que comercializa] por parte da ré”.
Ora, essa realidade não é de molde a afastar a existência de nexo causal, posto que, como se referiu, de acordo com a citada doutrina da adequação, o facto que atua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o tenha produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excecionais, não pressupondo a exclusividade da condição, podendo ter colaborado na sua produção outros factos anteriores, concomitantes ou posteriores.
Isso mesmo é enfatizado pela doutrina[11] que vem sublinhando que do conceito de causalidade adequada podem extrair-se múltiplos corolários, e um deles é, precisamente, o de que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que ele seja apenas uma das condições desse dano.
É facto que, relativamente ao pavimento cerâmico, já anteriormente à ocupação pela ré das frações autónomas “Q” e “R” existiam tijoleiras quebradas. Essa realidade, contudo, não importa o afastamento do nexo de causalidade, implicando antes uma situação de concausalidade, sendo que, como vem sendo entendido[12], em regra, a concausa é admitida como causa para efeitos de responsabilidade civil à luz da teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa.
Como assim, entre nós, a concausa é irrelevante para efeitos de afastamento da imputação objetiva em processo cível, tendo, no entanto, consequências no cômputo do montante da indemnização. Logo, o valor da indemnização deve ser graduado na medida em que a conduta do agente tenha contribuído menos ou mais para a ocorrência do dano.
Foi, precisamente, esse o caminho trilhado na sentença recorrida em que o decisor de 1ª instância, com recurso à equidade, procurou definir a contribuição da ré na produção dos danos cuja reparação o autor reclama na presente demanda, discreteando nos seguintes termos: «A dificuldade assenta na definição da exacta proporção de responsabilidade que a ré terá no pagamento do valor em que foi orçada a reparação do pavimento.
Por um lado, é razoavelmente indiferente para a responsabilização da ré a circunstância de o prédio ter infiltrações desde 2017 (situação que se analisou em sede de julgamento da matéria de facto como diferenciada em relação às concretas infiltrações a que deu causa a actuação da ré), porquanto a autora não peticiona o custo de reparação das infiltrações, antes peticionando o custo em que estima a reparação do pavimento na medida necessária a eliminar a causa daquelas (imputável à ré). Por outro lado, importará considerar como efectivamente irrazoável responsabilizar a ré pelo custo de reparação da totalidade do piso daquele logradouro, dada a evidente diferenciação entre a zona directamente afectada pelo uso corrente pela ré, bem como o reconhecimento de que a quebra de cerâmico do pavimento já ocorria desde 2014, sendo certo que, de modo que se revelou determinante para formação da convicção do tribunal, as infiltrações causadas pela actuação (e omissão de reparação atempada) da ré têm uma incidência delimitada numa área mais próxima da zona frontal do seu estabelecimento.
Se a ré tem efectivas e inegáveis responsabilidades na eliminação da causa das infiltrações directamente decorrentes da sua actividade, já ultrapassa o limite da relação causa/efeito entre a acção ilícita e o prejuízo responsabilizar a ré pela totalidade do custo de reparação de um pavimento que já evidenciava danos à data em que a ré ali instalou a sua actividade (…).
No nosso caso, se a conduta da ré não contribuiu de forma exclusiva para o estado em que se encontra o pavimento do logradouro, nem constitui causa para a necessidade de reparação integral do mesmo, a acção/inacção da ré é causa directa e adequada de um concreto dano que reclama essa necessidade de reparação e que lhe é directamente imputável.
Com relevância para a determinação dos limites quantitativos do dano causalmente imputável à ré, importará ainda ter em conta que as obras de reparação do pavimento do logradouro serão realizadas em conjunto com as obras globais do edifício, a suportar, no mais (e após recolha dos fundos necessários para o efeito), pelos condóminos, que, por razões que terão vantagens no custo global, mas poderão não ser vantajosas na perspectiva do custo de cada obra parcelarmente considerada, podem agravar a quantificação do concreto custo de reparação imputável exclusivamente à ré.
A este respeito, conforme resulta provado, não existe dúvida que foram apresentados distintos orçamentos para a reparação do logradouro.
Porém, o orçamento obtido pela ré – considerado como razoável pelo senhor perito na perspectiva exclusiva da relação entre a área a intervencionar e o custo dos materiais discriminados no orçamento –, não só não mereceu qualquer suporte em julgamento quanto à técnica envolvida na reparação ali orçamentada (designadamente quanto à utilização de tela asfáltica ou elástica), como previsivelmente não satisfaz as necessidades de durabilidade exigíveis na situação concreta, porquanto envolveria a “solução remendo” correspondente à reparação de apenas 125m2, com ligação entre os materiais (telas) antigos e os materiais novos e o agravamento da situação do autor quando se visse obrigado a realizar as obras gerais do edifício, que teria que compatibilizar com a obra parcelar custeada pela ré.
Em relação ao orçamento obtido pela autora, o mesmo foi apresentado em 30.12.2019 (doc. 14), sendo do conhecimento público e um facto notório que no último ano os materiais de construção sofreram um forte agravamento, pelo que aquele valor, a ser desajustado, sê-lo-á por corresponder a um valor inferior àquele que hoje resultaria orçamentado.
Numa outra perspectiva, trata-se de um orçamento sem aprovação pelo autor (obra não adjudicada), pelo que qualquer indemnização a pagar pela ré não terá por efeito imediato a realização da obra, antes ficando na posse do autor e sob rentabilização deste até à data em que as obras globais vierem a ser realizadas, após conclusão da lenta quotização gradual do valor total a suportar pelos condóminos.
Considerando que o logradouro tem uma metragem total de cerca de 66 metros de frente, dos quais a ré usa, de forma mais frequente, cerca de 20 metros para acesso à sua loja (alínea gg) dos factos provados), para um valor global de 78.720,00 € (acrescido de IVA à taxa que estiver em vigor na data em que for adjudicada a obra), correspondente ao orçamento validado tecnicamente em julgamento de forma credível -, teremos que ponderar na proporção média próxima de um terço do valor total a responsabilidade que a ré terá em suportar tal custo, já que a sua acção/inacção teve uma contribuição decisiva para a actual existência de infiltrações, ponderando-se, no sentido inverso, o facto de sempre ter o autor que realizar obras, ainda que de menor dimensão ou sem substituição de telas, caso o facto ilícito não tivesse ocorrido (face à notificação da edilidade).
De acordo com a previsão do art.º 566º, nº3 do Código Civil, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Quando em causa está, como ora sucede, uma indemnização em dinheiro, de acordo com a teoria da diferença, a indemnização “terá como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos”.
À luz de todas as sobreditas considerações e do conjunto de factores envolvidos, tendo designadamente em conta que o valor a pagar pela ré não será imediatamente aplicado na realização da obra, bem como que o orçamento (em que a reparação da responsabilidade da ré figura como parte de uma obra global) não foi ainda adjudicado, não tendo a certeza e segurança próprias de um valor que será suportado pelo autor, podendo ser objecto de alterações ou negociações (ou até ser adjudicado a uma outra empresa), cremos que será justo e adequado fixar em 25.000,00 EUR a quantia a pagar pela ré ao autor, valor próximo de um terço do total em que se mostra orçamentada a obra do pavimento do logradouro necessária a eliminar as causas de infiltração».
Como se deu nota, ambas as partes se rebelam contra o valor fixado no ato decisório recorrido.
Assim, a ré preconiza que esse montante deve cifrar-se em um terço do valor do orçamento a que se alude no ponto JJ (ou seja, €22.500,00 [€67.500,00 x 1/3], posto que “esse orçamento era a base mais justa e equitativa para determinar o quantum indemnizatório, já que prevê um valor mais baixo para a obra em causa sem deixar de assegurar justiça no que tange à reparação do dano concreto e justiça na fixação da reparação”; por seu turno, o autor advoga que esse montante deverá ascender a €39.975,00, porquanto “se deve aplicar um coeficiente de atualização [que estima em 30%] que faça refletir o aumento de preços generalizado e nada natural que se tem vindo a sentir no mercado (…), devendo igualmente atender-se aos impostos que terá que pagar na perspetiva dos trabalhos que terá de contratar para o debelamento dos prejuízos efetivamente tidos”.
Como deflui do excerto transcrito da sentença recorrida, na fixação do montante indemnizatório fez-se apelo, por aplicação do disposto no nº 3 do art. 566º do Cód. Civil, à equidade.
Ora, como é consabido, a aplicação do regime prescrito nesse normativo em sede de puros e típicos danos patrimoniais envolve, desde logo, a questão de saber se a indefinição factual acerca do real valor do dano sofrido é suscetível de suprimento através de uma ponderação equitativa; é que o apelo à equidade é, neste caso, puramente complementar e acessório da aplicação da teoria da diferença, pressupondo que o núcleo essencial do dano está suficientemente concretizado e processualmente demonstrado e quantificado – não devendo o juízo equitativo representar um verdadeiro e arbitrário “salto no desconhecido”, dado perante matéria factual de contornos manifestamente insuficientes e indeterminados.
A previsão contida no referido preceito legal supõe, na verdade, o preenchimento de duas condições ou requisitos: não estar determinado apenas o «valor exato» do dano mas terem sido provados «limites», máximo e mínimo, para esse dano. Daí que não podem considerar-se verificadas quando, no momento do julgamento, ocorre uma essencial indefinição acerca do valor real do dano material sofrido, pressupondo a formulação do juízo complementar de equidade uma base factual minimamente sólida e consistente sobre os valores indemnizatórios em causa: é que, se essa base consistente não existir no processo, a solução legalmente imposta é o proferimento de condenação genérica, relegando-se para ulterior tramitação incidental a concretização do montante exato e preciso dos danos, por ser de supor que a remoção da situação de dúvida sobre o valor de tal tipo de danos possa razoavelmente ser ainda suprida por uma ulterior atividade probatória, sujeita, aliás, a um particular reforço do inquisitório (cfr. art. 360º, nº 4).
A opção entre a fixação da indemnização com recurso à equidade e a liquidação deve, por isso, dirimir-se a favor do meio que dê mais garantias de se ajustar à realidade[13]. Assim, se for previsível que o valor exato do dano será apurado com prova complementar, deve preferir-se a condenação genérica; já se, apesar de provado o dano, não for previsível que possa determinar-se o seu montante exato com recurso a prova complementar, deve fixar-se logo a indemnização com recurso à equidade.
No caso dos autos, é manifesta a falta de factualidade apurada que permita, de per si, uma precisa quantificação indemnizatória do dano patrimonial sofrido, não sendo previsível que o seu valor exato seja passível de ser apurado com recurso a prova complementar. Afigura-se-nos, por conseguinte, ajustada a decisão da 1ª instância de recorrer à equidade para a definição desse quantum indemnizatur.
Como a este propósito escreve DARIO MARTINS DE ALMEIDA[14]-[15], “a equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. E funciona em casos muito restritos, algumas vezes para colmatar as incertezas do material probatório; noutras para corrigir as arestas de uma pura subsunção legal, quando encarada em abstrato.
A equidade, exatamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um elemento essencial da juridicidade. A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto (…), não equivalendo ao arbítrio; é mesmo a sua negação, sendo uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio. Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se somente encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal”.
No caso, não se tratará de recorrer à equidade para contornar questões de falta de prova de factos que pudessem ser provados, mas antes, dentro dos limites que foi possível ter por provados, encontrar a justa indemnização para um dano que é incontornável, mas cuja extensão exata, em termos de volume de empobrecimento real, não foi possível delimitar com todo o rigor, o que pode, no limite, ser suprido com parâmetros de razoabilidade, adequação e justa proporção, fazendo apelo à justiça do caso, tendo em conta os dados da experiência comum e um padrão de normal diligência.
Assim, ponderando, neste âmbito, o factualismo apurado, de si expressivo do dano, e a exiguidade de outros elementos para a sua quantificação, mas importando não privar o autor lesado da necessária reparação, não vemos, no âmbito do imprescindível juízo de equidade – que não é injustiça, para nenhuma das partes, nem “salto no escuro”, mas justa proporção, justiça possível do caso –, outro critério a sufragar que não seja o adotado pelo decisor de 1ª instância, que se socorreu do valor do orçamento (a que se alude no ponto AA) dos factos provados) que reputou objetivamente mais consistente e adequado sob o ponto de vista técnico (expendendo as razões que o conduziram a essa conclusão e que nos parecem perfeitamente justificadas), limitou esse valor à área do logradouro/terraço que a ré tem utilizado nas cargas e descargas dos produtos que comercializa e que estimou em cerca de um terço do mesmo, tendo ainda considerado a necessidade de um ajustamento desse valor em função do aumento dos custos dos materiais entretanto registado.
Como assim, afigura-se-nos inexistir razão válida para atender a pretensão da ré apelante de diminuição desse valor, sendo que, neste conspecto, não apresentou qualquer argumentação no sentido de justificar uma prevalência do orçamento a que se faz alusão no ponto JJ) dos factos provados, limitando-se, neste conspecto, a afirmar, de forma marcadamente conclusiva, que o mesmo “prevê um valor mais baixo para a obra em causa sem deixar de assegurar justiça no que tange à reparação do dano concreto e justiça na fixação da reparação”.
De igual modo, não é digna de acolhimento a pretensão que o autor formula no sentido de fixação de um valor superior em resultado da necessidade de considerar o aumento do custo dos materiais a empregar nos trabalhos de reparação do logradouro/telhado, porquanto, como emerge da sentença recorrida, o juiz a quo não deixou de atender a esse aumento como também condenou a ré no pagamento de juros contados desde a citação, o que corresponde a uma forma de atualização do valor arbitrado, dado que, conforme tem sido assinalado pela doutrina[16], os juros moratórios exercem, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, uma função de indemnização pelo retardamento no integral ressarcimento do lesado, idêntica à alcançada através da aplicação da teoria da diferença, visando a compensação dos danos decorrentes do intempestivo cumprimento da obrigação e da desvalorização monetária entretanto ocorrida.
Resta, assim, apurar se assiste ao apelante o direito de reclamar o pagamento do valor do IVA que terá de liquidar pela prestação do serviço de reparação do logradouro/telhado.
Na peça processual com que deu início ao presente processo, o demandante impetrou a condenação da ré a pagar o custo da reparação dos danos que provocou no referido logradouro/telhado, estimando esse valor no montante de €78.720,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
Como é sabido, a liquidação desse imposto obedece a normas específicas quanto a incidência objetiva e subjetiva e a taxas aplicáveis.
Dessas normas resulta, desde logo, que o devedor tributário é, no caso, o prestador de serviços (cfr. art. 2.º, n.º 1, alínea a) do CIVA), embora não seja ele a suportar a respetiva prestação tributária[17]. A relação tributária estabelece-se, no entanto, entre o obrigado (no caso a entidade que fizer as reparações) e o Estado, do que resulta que as partes nesta ação são inteiramente alheias, nessa sua qualidade, à relação tributária.
Todavia, em sede de atribuição do montante indemnizatório na sequência de comportamento lesivo que importe a responsabilidade civil do lesante não é a liquidação da obrigação tributária que está em causa, antes o é a determinação do quantum adequado à reparação do respetivo dano, tarefa essa que, naturalmente, terá de levar em linha de conta (todas) as quantias que o lesado tem de despender com a reparação[18] . Ora, na perspetiva de reparação do dano é indiferente que essas quantias hajam de ser despendidas na aquisição de materiais, no pagamento de mão de obra ou no pagamento do IVA devido. Interessa é que o lesado as tenha de despender e a medida é a do art. 563.º, n.º 1, do Código Civil.
Como se referiu, o regime legal do IVA implica que a sua taxa e momento de incidência se rejam por regras específicas. Se essas regras se não podem aplicar diretamente, porque não nos encontramos em sede de liquidação do imposto, podem ser consideradas na liquidação como base para critérios de equidade.
Ponderando que o autor, lesado, terá de suportar esse montante, o mesmo deve ser objeto de liquidação neste momento, ponderando o montante provável do imposto, inexistindo motivo para a consideração de taxa diversa da taxa normal de 23%.
Como assim, à fixada quantia indemnizatória de €25.000,00, deverá acrescer o montante de €5.750,00, correspondente ao valor que o demandante terá de suportar a título de imposto.
Por conseguinte, nesta parte, impõe-se a procedência do recurso subordinadamente interposto.

***

III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
(i) julgar improcedente o recurso independente interposto pela ré;
(ii) julgar parcialmente procedente o recurso subordinado, em consequência do que se condena a ré a pagar adicionalmente ao autor a quantia de €5.750,00 (cinco mil setecentos e cinquenta euros), correspondente ao valor que este terá de suportar a título de imposto sobre o valor acrescentado;
(iii) confirmar no mais a sentença recorrida.

Custas a cargo dos apelantes na proporção da respetiva sucumbência (art. 527º, nºs 1 e 2).

Porto, 26/6/2023
Miguel Baldaia de Morais
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
____________
[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Cfr., por todos, na doutrina, ANTUNES VARELA et alii, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 656 e seguinte, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 173 e seguinte; ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, Coimbra Editora, págs. 553 e seguinte e TIAGO MILHEIRO, Nulidades da decisão da matéria de facto, pág. 27 e seguinte, trabalho acessível em julgar.pt/wp.../Tiago-Caiado-Milheiro-Nulidades-da-decisão-da-matéria-de-facto.pdf; na jurisprudência, acórdão do STJ de 4.02.97 (processo nº 458/96), acórdão da Relação de Évora de 6.10.88, BMJ nº 380, pág. 559, acórdão da Relação de Coimbra de 5.12.2012 (processo nº 368917/10.6YIPRT.C1) e acórdão da Relação de Guimarães de 21.06.2012 (processo nº 61/08.4TBPTB.G1), estes últimos acessíveis em www.dgsi.pt.
[3] Cfr., sobre a questão, inter alia, LEBRE DE FREITAS et alii, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 631, registando que um facto dado como provado pode ser contraditório com um facto dado como não provado, quando a existência de tal facto pressuponha o facto dado como não provado; em análogo sentido decidiu o acórdão da Relação de Coimbra de 10.12.92 (BMJ nº 422, pág. 442), considerando a ocorrência de contradição “quando não tenha sido acolhido na resposta negativa facto que constitua antecedente lógico necessário da resposta afirmativa”.
[4] Entendido como o conjunto de todos os condóminos, enquanto titular dos direitos relativos às partes comuns do edifício.
[5] Esta natureza obrigatoriamente comum desta parte do edifício compreende-se, aliás, facilmente, já que integra a respetiva estrutura e, portanto, é do interesse objetivo dos titulares das frações autónomas que a sua conservação e manutenção não fique dependente apenas da ação de algum ou alguns deles, mais ou menos diligentes na prossecução do interesse comum da preservação geral do prédio, mas da ação e diligência de todos, e ainda, se impõe que eventuais inovações que o condómino nelas pretenda efetuar estejam sujeitas ao regime das inovações em partes comuns, como garantia de que se não prejudica à revelia dos demais a cobertura do prédio, seja essa cobertura total ou parcial.
Isso mesmo tem sido recorrentemente sublinhado quer na doutrina (cfr., por todos, ARAGÃO SEIA, in Propriedade Horizontal, 2.ª edição, Almedina, 74 e seguintes e CARVALHO FERNANDES, in Direitos Reais, 5.ª edição, Almedina, págs. 369 e seguinte) quer na jurisprudência (de que constituem exemplo, entre outros, os acórdãos do STJ de 31.05.2012 [processo n.º 678/10.7TVLSB.L1.S1], de 9.06.2016 [processo n.º 211/12.6TVLSB.L2.S1] e de 12.10.2017 [processo nº 1989/09.0TVPRT.P2.S1], acessíveis em www.dgsi.pt), afirmando-se que quer à luz da versão originária do art. 1421º do Código Civil, quer após a alteração que lhe foi aportada pelo DL n.º 267/94, de 25.10, os terraços intermédios que sirvam de cobertura a alguma ou algumas frações são necessariamente partes comuns, independentemente de estarem ou não afetados ao uso de alguma ou algumas frações do último piso, ou de qualquer piso, e independentemente da qualificação que lhes for dada pelo título constitutivo.
[6] Cfr., por todos, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 5ª edição, Almedina, págs. 418 e seguintes, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 5ª edição, Almedina, págs. 367 e seguintes e GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 6ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, págs. 194 e seguintes.
[7] Cfr., por todos, ALMEIDA COSTA, ob. citada, págs. 631 e seguintes, ANTUNES VARELA, ob. citada, págs. 844 e seguintes e GALVÃO TELLES, ob. citada, págs. 408 e seguintes.
[8] Refira-se, de qualquer modo, que uma parte da doutrina pátria (v.g. MENEZES CORDEIRO, in Da responsabilidade civil dos administradores das sociedades comerciais, Lex, 1996, págs. 532 e seguintes e MENEZES LEITÃO, A responsabilidade do gestor perante o dono do negócio no Direito Civil Português, Almedina, 2005, págs. 281 e seguintes e, do mesmo autor, Direito das Obrigações, vol. I, 4ª edição, Almedina, pág. 327) vem defendendo que o nexo causal juridicamente relevante deve ser apurado de acordo com a denominada teoria do escopo da norma violada, nos termos da qual para o estabelecimento desse nexo de causalidade é apenas necessário averiguar se os danos que resultaram do facto correspondem à frustração das utilidades que a norma visava conferir ao sujeito através do direito subjetivo ou da norma de proteção. Assim, a questão da determinação do nexo de causalidade acaba por se reconduzir a um problema de interpretação do conteúdo e fim específico da norma que serviu de base à imputação dos danos.
[9] Formulação essa que vem sendo acolhida maioritariamente na jurisprudência, de que constituem exemplo, entre outros, os acórdãos do STJ de 17.04.07 (processo nº 07A701), de 13.01.05 (processo nº 04B4063), de 11.01.11 (processo nº 2226/07-7TJVNF.P1.S1) e de 4.12.12 (processo nº 714/09.0TVLSB.L1.S1), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[10] Cfr., ANTUNES VARELA, ob. citada, págs. 919/920 e 928 a 930.
[11] Cfr., por todos, ANTUNES VARELA, ob. citada, pág. 924 e ALMEIDA COSTA, ob. citada, págs. 763 e seguinte.
[12] Para maior desenvolvimento sobre a problemática da multicausalidade, vide, entre outros, ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, in Causalidade e Imputação da Responsabilidade Civil Ambiental, Almedina, 2007, págs. 101 e seguintes e ANA MIRANDA BARBOSA, in Responsabilidade Civil Extracontratual – Novas Perspetivas em Matéria de Nexo de Causalidade, Principia, 2014, págs. 205 e seguintes.
[13] Sobre o âmbito de aplicação dos regimes plasmados no art. 566º, nº 3 do Cód. Civil e no art. 609º, nº 2 do Cód. Processo Civil e a forma de os articular, vide, entre outros, na doutrina, LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, Almedina, págs. 715 e seguintes, LOPES DO REGO, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 552 e seguinte, VAZ SERRA, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 114º, pág. 287 e ABRANTES GERALDES et al., in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 755; na jurisprudência, acórdãos do STJ de 21.03.2019 (processo nº 4966/17.3T8LSB.L1.S1) e de 3.02.2009 (processo nº 08A3942), acessíveis em www.dgsi.pt.
[14] In Manual de Acidentes de Viação, 2.ª edição, Almedina, págs. 103/105.
[15] Sobre a equidade enquanto critério não normativo de solução do caso, vide, para maior desenvolvimento, TEIXEIRA DE SOUSA, in Introdução ao Direito, 2012, Almedina, págs. 414 e seguintes e KARL LARENZ, in Metodologia da Ciência do Direito, 3ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, págs. 190 e seguintes.
[16] Cfr., por todos, CORREIA DAS NEVES, in Manual dos Juros, Almedina, 1989, págs. 303 e seguintes e MENEZES LEITÃO, in Direito das Obrigações, vol. II, 3ª edição, Almedina, págs. 230 e seguintes.
[17] De facto, na sua configuração legal, o IVA é um imposto plurifásico que utiliza o método indireto subtrativo, em que a prestação tributária não é, verdadeiramente, suportada pelo sujeito passivo, mas pelos seus clientes, sendo que aquele se limita a receber a quota tributária que cobra dos clientes, quota essa que constitui o crédito fiscal do Estado e a detê-la, a título precário, até que se vença o prazo que a lei fiscal estabelece para a sua entrega.
[18] Neste mesmo sentido se pronunciam, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 15.05.2012 (processo nº 1981/04.0YXLSB.L1-7) e de 9.06.2022 (processo nº 11165/18.5T8LRS.L2-6), acessíveis em www.dgsi.pt.