Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5394/22.4T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NÉLSON FERNANDES
Descritores: DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
Nº do Documento: RP202306055394/22.4T8MTS.P1
Data do Acordão: 06/05/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - Podendo o contrato de trabalho cessar, para além de outras causas, por despedimento por iniciativa do empregador baseado em justa causa, por facto imputável ao trabalhador, como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 351.º do Código de Trabalho (CT), compete nestes casos ao trabalhador fazer a prova da existência do contrato de trabalho e do despedimento e à entidade patronal provar os factos constitutivos da justa causa do despedimento que promoveu.
II - A justa causa compreende três elementos: a verificação de um comportamento culposo do trabalhador; que esse seja grave em si mesmo e de consequências danosas; o nexo de causalidade entre aquele comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral, face àquela gravidade – dito de outro modo, o comportamento tem de ser imputado ao trabalhador a título de culpa (com dolo ou negligência) e a gravidade e impossibilidade devem ser apreciadas em termos objetivos e concretos relativamente à empresa.
III - Não nos dando o legislador a exata definição sobre qual o comportamento do trabalhador que deve ser considerado como culposo para integração no conceito legal de justa causa, limitando-se a enunciar, de forma exemplificativa, alguns comportamentos do trabalhador que, a ocorrerem, constituem justa causa de despedimento, sempre será, porém, como resulta da lei, de exigir, para o preenchimento do conceito, que o comportamento do trabalhador, para além de culposo, revista uma gravidade e consequências tais que, no caso, em função pois das circunstâncias concretas apuradas, tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação / processo n.º 5394/22.4T8MTS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 1


Recorrente: AA
Recorrida: A..., S.A.
______
Nélson Fernandes (relator)
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes




Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório
1. AA, ao abrigo do disposto nos artigos 98º-C e 98º-D, ambos do Código de Processo de Trabalho (CPT), veio opor-se ao despedimento efetuado por A..., S.A.

Realizada a audiência de partes sem que tenha sido alcançado acordo, depois de notificada para o efeito, apresentou A..., S.A., articulado motivador do despedimento, pugnando pela licitude do mesmo, invocando, muito em síntese, que o despedimento é lícito, porquanto o Trabalhador violou os deveres laborais previstos no artigo 128.º, n.º 1, alíneas c), e) e g), cometendo as infrações previstas nas alíneas a), d) e e) do n.º 2 do artigo 351.º, ambos do Código de Trabalho, para concluir que o comportamento configura justa causa de despedimento.

AA apresentou contestação, invocando, em resumo: não ter horário para regressar com o camião, sendo habitual deixarem os veículos em instalações de clientes, o que fez solicitando ao porteiro da B... que o vigiasse e guardasse, para além dos gastos acrescidos com duas deslocações com o camião em combustível, desgaste e acréscimo desnecessário de emissões de CO2; que reconhece ter solicitado dinheiro para eventuais despesas em pernoita e refeições, referindo ser habitual a Empregadora proceder à sua disponibilização. Deduziu, ainda, pedido reconvencional, requerendo o seguinte:
“A) Deve o Tribunal considerar e declarar o despedimento do A. ilícito, com todas as consequências da lei, nomeadamente:
1. Deve a Ré ser condenada a reintegra o A. no seu posto e local de trabalho, com a antiguidade que lhe pertencia, ou em alternativa, se o A. viera a manifestar tal pretensão em ulterior momento, a substituição da reintegração, pelo pagamento da indemnização legal que deverá ser contabilizada em 45 dias de retribuição do A. por cada ano de antiguidade ou fração.
2. Deve mais a ré ser condenada a pagar ao autor a importância de 2.953,23, à qual acrescem os juros de mora a partir da data do seu vencimento e até integral pagamento.
3. Deve ainda a Ré ser condenada no pagamento de todas as prestações e respetivos subsídios e proporcionais vincendas até final.
B) Tudo com custas e demais encargos pela Ré.”

Após resposta à reconvenção, foi esta admitida, fixando-se à mesma o valor de €3.202,65, após o que foi proferido despacho saneador, referindo-se de seguida, por invocação do disposto no artigo 49.º, n.º 3, do CPT, que “não serão fixados temas de prova de acordo com o disposto no CPC vigente”.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi depois proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Na procedência parcial da pretensão do autor decide-se julgar improcedente o declaração da ilicitude do despedimento e com a consequente absolvição da entidade empregadora quanto aos pedidos de reintegração, bem como às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão e julgar parcialmente procedente a reconvenção condenando-se a ré a pagar ao autor a quantia de €1.692,68 acrescida de juros de mora contados desde a citação até efetivo e integral pagamento à taxa legal de 4 %.
Custas a cargo de autor e ré na proporção do decaimento.
Valor da ação: €1.692,68.
Registe e notifique.”

2. Não se conformando com o decidido apresentou AA requerimento de interposição de recurso, finalizando as suas alegações com as conclusões que seguidamente se transcrevem:
…………………….
…………………….
…………………….
2.1. Contra-alegou a Recorrida, apresentando as conclusões seguintes:
…………………….
…………………….
…………………….

2.2. O Tribunal a quo proferiu despacho com o teor seguinte:
“Por ser tempestivo e legalmente admissível, defiro o requerimento de interposição de recurso de apelação, tendo este efeito meramente devolutivo, com subida imediata e nos próprios autos, art.s 79 n.º 1 al. a), 80 n.º 12, 83 n.º 1 e 83 A, n.º1 todos do CPT.
Remeta os autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto.”


3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, parecer esse em relação ao qual se pronunciou o Recorrente, evidenciando a sua divergência.
*
Cumpridas as formalidades legais, cumpre apreciar e decidir:
II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º/4 e 639.º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87.º/1 do CPT –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) apreciação da nulidade invocada / omissão de pronúncia; (2) apreciação do recurso sobre a matéria de facto; (2) o direito do caso: saber se o tribunal erro no julgamento a respeito do juízo e conclusão a respeito do despedimento.

III – Fundamentação
A) De facto
O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:
“A) Por carta registada datada de 25 de agosto de 2022 o instrutor nomeado pela administrador da ré comunicou ao trabalhador a nota de culpa bem como a intenção de proceder ao seu despedimento.
B) O autor respondeu à nota de culpa em 8 de setembro de 2022.
C) Foram juntos ao processo disciplinar os seguintes documentos: guia de transporte realizado pelo trabalhador no dia 28 de junho, fatura do transporte de táxi relativa ao dia 28 de junho de 2022 e guia de transporte relativa ao dia 5 de agosto de 2022.
D) Foi realizada a inquirição de duas testemunhas em 27 e 28 de setembro de 2022.
E) Por carta regista com aviso de receção em 6 de outubro de 2022, o instrutor nomeado comunicou ao trabalhador ao agendamento da inquirição das três testemunhas arroladas na resposta à nota de culpa.
F) Nenhuma dessas testemunhas compareceu na data agendada tendo o instrutor nomeado elaborado um despacho em 17 de outubro de 2022 consignando que carta por si enviada foi recebida no dia 7 de outubro conforme print dos CTT junto e dando a fase de instrução como concluída.
G) Terminadas as diligências probatórias foi elaborado pelo instrutor nomeado um relatório final em 19 de outubro de 2022 o qual concluiu pela aplicação de sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação.
H) Em 20 de outubro de 2022, em face da proposta de decisão proferida pelo instrutor nomeado a empregadora proferiu decisão final de despedimento com justa causa do trabalhador e enviou a mesma por carta registada com aviso de receção.
I) No dia 28 de junho de 2022 o trabalhador conduzia o veículo de propriedade da empregadora com a matrícula ..-..-XG.
J) No âmbito desse frete o trabalhador e um colega de trabalho (que conduzia outro veículo) foram confrontados à chegada ao cliente, por volta das 17.40 h que tinha ocorrido um engano e que os contentores em causa só poderiam ser carregados no dia seguinte.
L) Os motoristas contactaram a empregadora que determinou que regressassem para o parque sito em ..., Matosinhos com os contentores vazios.
M) O autor resolveu deixar o veículo estacionado perto do cliente da entidade empregadora e regressou para o parque partilhando um táxi com o colega de trabalho.
N) No dia seguinte 29 de junho de 2022 a gestão de tráfego teve de organizar o serviço de forma a que outro camião conduzido por outro motorista desviasse a seu rumo e levasse o trabalhador e o colega até perto da empresa B... para assumirem a condução dos seus camiões.
O) No dia 5 de agosto de 2022 o trabalhador conduzia o mesmo veículo da entidade empregadora e foi-lhe destinado um serviço de transporte entre o porto de Leixões e um cliente na Figueira da Foz.
P) O trabalhador exigiu à empregadora que lhe entregasse dinheiro para despesas nomeadamente eventual pernoita e eventuais refeições.
Q) Perante a recusa da empregadora que sustentou que as despesas eram pagas no recibo de vencimento o trabalhador recusou-se a fazer o trabalho e permaneceu todo o dia no parque da empregadora.
R) A entidade empregadora incumbiu outro motorista para a realização do transporte.
S) O trabalhador foi admitido ao serviço da entidade empregadora em 19.11.2017 para sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer a função de motorista de condução de veículos de mercadorias superiores a 7,5 toneladas.
T) A entidade empregadora dedica-se à atividade dos transportes rodoviários encontrando-se inscrita na ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias.
U) O trabalhador é filiado no STRUN – Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos do Norte.
V) Ao serviço da entidade empregadora pelo menos a partir de 01.01.2022 o trabalhador auferiu as seguintes prestações mensais:
- vencimento base: €777,20;
- diuturnidades €75,48;
- complemento salarias €15.45;
- cláusula 61º €416,75;
- refeições €184,40
X) A entidade empregadora descontou ao trabalhador a quantia de €144,89 respeitante a três dias do mês de agosto.
Z) A entidade empregadora descontou ao autor a quantia de € 354,14 respeitante à diferença de pagamento da cláusula 61º no mês de setembro de 2022
AA) E da quantia de €277,83 referente ao não pagamento da cláusula 61º respeitante aos 20 dias do mês de outubro de 2022.
BB) O autor gozou apenas 13 dias de férias.
CC) A entidade empregador procedeu ao pagamento da quantia de € 1.395,68 (€697,84 + €697,84) a título de férias e subsídio de férias.
DD) A ré liquidou ao autor a quantia de €276,25 a título de férias.”

Considerou-se, por sua vez, que “não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa e que estejam em contradição com os dados como provados, sendo designadamente factos não provados que”[1]:
1- o trabalhador não tivesse horário que lhe permitisse regressar no camião;
2- o a trabalhador tivesse solicitado ao porteiro da B... para vigiar e guardar o camião;
3- fosse prática habitual, em situações semelhantes, deixarem os veículos nas instalações dos clientes e fazerem o regresso às instalações da entidade empregadora de táxi ou à boleia de outros motoristas que eventualmente estivessem naquelas localidades pagando a ré essa deslocação;
4- o trabalhador tivesse argumentado perante a entidade empregadora a existência de gastos acrescidos com as duas deslocações nomeadamente em desgaste, combustível e ambientais com acréscimo desnecessário de emissão de CO2;
5- a ré tivesse deixado ao critério do trabalhador a melhor forma de resolver o problema ocasionado pelo seu engano;
6- seja habitual a ré disponibilizar algumas somas em dinheiro como adiantamento aos motoristas para ocasionais e eventuais despesas por causa das deslocações;
7- o trabalhador não dispusesse de dinheiro próprio;
8- o trabalhador tenha aderido à greve à hora extra convocada pelo sindicato.

B) Discussão
1. Nulidade da sentença por invocada omissão de pronúncia
Invoca o Recorrente que, tendo solicitado a declaração de ilicitude do despedimento, cabia ao Tribunal conhecer desde de logo as nulidades do processo disciplinar, mas quanto a isso não se pronunciou o Tribunal pelo que, diz, “a decisão enferma assim de uma omissão de pronuncia que a torna nula, nos termos do disposto no n.º1 aliena d) do art.º 615.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 77.º do CPT.”
Como argumentos, refere designadamente o seguinte:
- O despedimento efetuado no âmbito de um processo disciplinar movido a um trabalhor é desde de logo ilícito se não forem cumpridos os seus tramites, nomeadamente, se não tiver sido notificada ao trabalhador a decisão de despedimento devidamente fundamentada – cfr. Art.º 382.º, n.º2 alínea d) do CT –, sendo que, estando em causa a validade substancial do processo que se consubstancia numa nulidade e por isso de conhecimento oficioso, dessa o tribunal terá de conhecer, sendo que, porém, quanto a esta parte, nada diz a sentença. Passando apenas e tão só para a analise dos fundamentos do processo;
- tendo-lhe apenas sido envida a carta junta com o requerimento de inicio do processo e na qual se pode ler “vimos pelo presente remeter a decisão do processo disciplinar, bem como o recibo de vencimento e o modelo da declaração de situação de desemprego.”, acompanhada de uma folha que tinha como titulo decisão e onde apenas consta que “concordado com a proposta do senhor instrutor, acolhendo a matéria e facto apurada nos respetivos autos e o respetivo relatório final, determina a aplicação da sanção disciplinar de despedimento”, sendo esta a decisão que recebe e que diz que foi despedido, da sua leitura não vislumbra com que fundamentos, se foram, ou não, os da nota de culpa, se todos foram dados como provados, quais os critérios da determinação da sanção, etc., sendo que só após a entidade patronal juntar o processo disciplinar já em sede judicial conseguiu saber afinal que factualidade fora dada como provada e com base em quê, sendo que, acrescenta ainda, só da leitura do processo disciplinar e não da decisão é que verificou que a Ré, afinal, “deu como não provado o facto de o A. não ter aberto um contentor e, o seu despedimento se basear afinal em duas situações absolutamente explicáveis, ainda para mais relativamente a um trabalhador com uma antiguidade superior a 15 anos, sem faltas disciplinares” – “só com a junção aos autos do processo disciplinar é que percebeu que a Ré, depois da resposta à nota de culpa efetuada em 8 de setembro de 2022, ouviu o legal representante da Ré e, o chefe de tráfego BB, audições supostamente (e diz-se supostamente pois os depoimentos não se mostram assinados pelos depoentes, mas apenas pelo instrutor) ocorridos em 27 e 28 de setembro de 2022”, a que acresce, diz também, que só um mês depois de ter efetuado a resposta à nota de culpa é que o instrutor convocou as testemunhas solicitadas por ele Recorrente em sede de resposta e, convocada para a audição a um sábado…e, por auto elaborado só na segunda feira seguinte, e não naquele dia, é que o instrutor afirma que ninguém lá esteve;
- Se é permitida a remissão para o relatório final é necessariamente preciso que o mesmo seja anexo para que o trabalhador possa entender o que leva ao seu despedimento, o que não sucedeu, ou seja, “a decisão final enviada ao trabalhador não refere quais os factos imputados, qual a fundamentação, qual a ponderação efetuada para a aplicação da sanção mais grave”
- “Do que se expôs resulta que a decisão remetida ao trabalhador e junta com o requerimento inicial composta por um paragrafo não respeita as exigências formuladas nos artigos 357º, nº 4, e 358º, nº 2, do Código do Trabalho, o que acarreta a invalidade do procedimento disciplinar e a ilicitude do despedimento, o que teria que ser conhecido pelo tribunal” – “o procedimento será inválido se a “comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º” - nºs 1 e 2, al. d), do artº 382º do CT”, sendo que “essa exigência legal de fundamentação – do artº 357º, nºs 4 e 5 - só se pode considerar preenchida se o trabalhador tiver possibilidade de, através do conteúdo dessa decisão, tomar pleno conhecimento dos factos que lhe são imputados e que, na perspetiva da entidade empregadora, constituem justa causa de despedimento, por tornarem pratica e imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, pelo que, diz, no caso constata-se “que a decisão de despedimento não respeita minimamente a aludida necessidade de fundamentação e ponderação”, pelo que, “ao não avaliar esta nulidade do processo mal andou o tribunal e, por conseguinte, terá a decisão proferida que ser revogada e substituída por outra em que se reconheça a ilicitude do processo disciplinar”.
- Acresce a esta falta de fundamentação do processo disciplinar e que terá que levar à sua invalidade, o facto de terem sido omitidas as diligencias efetuadas após direito de audição do trabalhador e consulta do processo, bem como, diz, apenas tendo ouvido o instrutor o legal representante da Ré e o gestor de tráfego após pronúncia do trabalhador, não lhe foi dado, como deveria, a conhecer esse facto, pois que dessas declarações surgiu a prova dos factos que lhe foram imputados.
- “São nulidades processuais que teria que ser obrigatoriamente conhecidas pelo tribunal e que, da sua análise teria que levar à ilicitude do despedimento”.
Pronunciando-se, defende a Apelada que, “no que respeita à alegada omissão de pronúncia da decisão sub judice sobre as supostas nulidades do processo disciplinar, tal não foi invocado em sede de Contestação, vigorando o princípio da autorresponsabilidade das partes que se manifesta no princípio da preclusão, bem como o princípio da concentração da defesa, pelo que o Recorrente perdeu o direito da sua invocação”.
Fazendo uma breve abordagem ao vício de nulidade da sentença invocado pelo Recorrente, de omissão de pronúncia – alínea d): O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento –, poderemos dizer que tem a ver com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608.º, n.º 2 do CPC[2], continuando, a seu respeito, plenamente válidos, ainda hoje, os ensinamentos de Alberto dos Reis, ao afirmar que “(...) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” – “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.[3] No mesmo sentido, Lebre de Freitas[4] ao referir que “Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2014[5], o juiz “não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente”. Em traços mais uma vez breves, permitindo-se-nos algum risco de repetição, como no Acórdão desta Relação de 28 de outubro de 2021[6], diremos também que se pretende aqui sancionar, em respeito pelo princípio do pedido e do impulso processual associado ao princípio da contradição, consagrados desde logo no artigo 3.º do CPC, a violação do disposto no artigo 608.º n.º 2 do CPC, sendo assim “em função do objeto processual delineado pelo autor, conformado este pelo pedido e causa de pedir, bem como pelas questões/exceções ao mesmo opostas pelo réu que a atividade do tribunal se desenvolverá, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso” – «o mesmo é dizer que a pronúncia judicial deve recair “sobre a causa de pedir, o pedido, as exceções dilatórias e perentórias invocadas e os pressupostos processuais, se for controvertida a sua verificação”, sob pena de nulidade por omissão ou excesso de pronúncia». Ou seja, para que seja cumprido o dever aí estabelecido é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz[7].
Depois do referido enquadramento, apreciando, importa desde já sinalizar que, efetivamente, tal como o refere a Recorrida, só agora, no presente recurso, o Apelante vem invocar a ocorrência dos vícios / nulidades do processo disciplinar, pois que, de modo manifesto, em momento algum na ação tal invocou perante o Tribunal recorrido, assim na contestação que apresentou ao articulado de despedimento – nessa, como com relativa facilidade se extrai nada referiu nesse âmbito.
Estamos, pois, perante questão nova, quando, como é consabido, a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina uma importante limitação ao seu objeto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Assim se o tem afirmado a Doutrina e a Jurisprudência, escrevendo-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 2016[8], a propósito, o seguinte:
“De acordo com a terminologia proposta por Teixeira de Sousa [9], não pode deixar de se ter presente que tradicionalmente seguimos, em sede de recurso, no âmbito do processo civil, um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no Tribunal de recurso.
Para se concluir no sentido de que os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que antes não foram submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal recorrido.[10]
Com efeito, em sede recursória o que se põe em causa e se pretende alterar é o teor da decisão recorrida e os fundamentos desta. A sua reapreciação e julgamento terão de ser feitos no seio do mesmo quadro fáctico e condicionalismo do qual emergiu a sentença proferida e posta em crise.
A este propósito, também Abrantes Geraldes[11] explicita que os recursos se destinam a permitir que um Tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, objectivo que se reflecte na delimitação das pretensões que lhe podem ser dirigidas e no leque de competências susceptíveis de serem assumidas.
O mesmo é dizer que devem circunscrever-se às questões que já tenham sido submetidas ao Tribunal de categoria inferior e aos fundamentos em que a sentença se alicerçou e que resultaram da prova produzida e carreada para os autos, salvo, naturalmente, as questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos imprescindíveis ao seu conhecimento.
Não permitindo a lei que nos recursos sejam discutidas questões novas que não foram suficientemente submetidas ao escrupuloso respeito pela regra do contraditório, a fim de obviar que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas [12](…)”
Colocando, porém, o Recorrente a questão no âmbito da invocação de nulidade por omissão de pronúncia, com o argumento de que se tratará de questões que o Tribunal recorrido estava obrigado a conhecer de modo oficioso, sem prejuízo de se nos impor desde já evidenciar que sequer se percebe de que modo aquele Tribunal poderia estar em condições de ter conhecimento, porque não invocados, dos factos que agora se invocam e que estão também na base das pretensas invalidades que se invocam, a tal acresce, de modo decisivo, que contrariamente ao que diz, não estamos sequer perante a obrigação para o Tribunal de conhecimento oficioso que é invocada, o que, por decorrência, afasta a ocorrência do vício de omissão de pronúncia que com base em tal argumento foi invocado.
Precisamente em resposta à pergunta sobre se a pretendida nulidade do procedimento disciplinar pode ser conhecida, oficiosamente, pelo tribunal, porque dispensa outras considerações da nossa parte, não obstante com base então no regime da LCT e CT de 2003 mas que é em absoluto aplicável em face do regime similar que resulta do CT de 2009, diremos também, como no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de julho de 2010[13], o seguinte (transcrição):
“(…) No dizer de LUÍS A. CARVALHO FERNANDES (Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1996, pp. 386-387), o legislador português identifica dois tipos de invalidade, em função de certos traços correntes do seu regime: a nulidade, como invalidade absoluta [invocável por qualquer interessado], insanável e de eficácia automática [exclui, ipso jure, a produção dos seus efeitos, o que implica a possibilidade de o tribunal a apreciar ex officio], e a anulabilidade, como invalidade relativa [só é invocável por certas pessoas], sanável [mediante confirmação e pelo decurso do tempo] e de eficácia não automática [a não produção dos efeitos só se dá quando o interessado invoque a invalidade, não podendo o tribunal dela conhecer oficiosamente]. Porém, «uma progressiva evolução legislativa, neste domínio, tem feito com que estes tipos apresentem cada vez menor âmbito, continuando, contudo, o legislador a designar como nulos ou anuláveis negócios [e, também, actos jurídicos - artigo 295.º do Código Civil] que não seguem o regime típico da nulidade ou da anulabilidade. Este quadro mostra que, afinal, nenhum dos aspectos em que o regime da nulidade e da anulabilidade se manifesta é essencial para os respectivos conceitos, o que lhes retira dignidade dogmática.»
Assim, para fixar as consequências da nulidade do procedimento disciplinar importa atender ao regime específico da ilicitude do despedimento, o qual contempla, patentemente, desvios ao regime típico da nulidade consagrado no Código Civil.
Na verdade, apesar do legislador designar a consequência da inobservância do formalismo descrito no artigo 12.º, n.º 3, alíneas a) a c), da LCCT como nulidade, o certo é que a regra constante do n.º 2 do mesmo normativo, ao determinar que a ilicitude do despedimento só pode ser declarada pelo tribunal em acção intentada pelo trabalhador, «consagra dois dos traços característicos da anulabilidade: o da eficácia provisória do acto anulável até à declaração judicial da invalidade e o da limitação da legitimidade para a sua arguição» (cf. PEDRO FURTADO MARTINS, in A Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, Cascais, 1999, p. 140).
Ademais o artigo 435.º, n.º 2, do Código do Trabalho aplicável, condiciona o exercício do direito de impugnar o despedimento ao prazo de um ano.
Portanto, o regime especial da invalidade do procedimento disciplinar exclui o regime típico da nulidade previsto no Código Civil, nomeadamente a possibilidade do tribunal dela conhecer oficiosamente (artigo 286.º do Código Civil), já que se trata de uma invalidade de clara eficácia não automática, nos termos acima definidos.
A autora defende, igualmente, que «o Tribunal sempre estaria habilitado a conhecer da questão, por força do disposto no artigo 74.º do C.P.T.».
Mas não tem razão.
O artigo 74.ºdo Código de Processo do Trabalho estabelece que «[o] juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho».
Ora, o conhecimento da pretendida invalidade do procedimento disciplinar não se configura como uma condenação extra vel ultra petitum e, por outro lado, não se descortinam, neste plano de consideração, preceitos inderrogáveis que reconheçam um direito a cujo exercício a autora não pudesse renunciar, como seria o caso do direito a indemnização por acidente de trabalho ou doença profissional ou do direito ao salário na vigência do contrato, acrescendo que o regime especial da invalidade do procedimento disciplinar, como se evidenciou supra, não comporta a possibilidade daquela ser declarada oficiosamente pelo tribunal, vigorando, in casu, o princípio do dispositivo, nos termos preceituados no artigo 264.º do Código de Processo Civil. (…)»
Nos termos expostos, não se tratando, como se viu, de questões de que o Tribunal recorrido estivesse obrigado a conhecer / pronunciar-se, improcede por decorrência a nulidade da sentença por omissão de pronúncia invocada pelo Recorrente.

2. Recurso sobre a matéria de facto
2.1. Critérios de admissibilidade
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do CPT, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
Nestes casos, deve porém o recorrente observar o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º, no qual se dispõe:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[14]. Contudo, como também sublinha, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[15].
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[16] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[17].
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe ao recorrente que concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
Em face da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, discorrendo sobre esta matéria, resulta a consideração, nomeadamente, neste âmbito, dos critérios seguintes: no Acórdão de 27 de outubro de 2016[18] que, “Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto”; no Acórdão de 7 de julho de 2016[19] que, “para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c)” (no mesmo sentido, conclui-se no Acórdão de 27 de outubro de 2016[20] – proferido num caso em que o Tribunal da Relação não conheceu do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não pelo incumprimento pela recorrente no corpo das alegações, dos ónus impostos pelos nºs 1 e 2, al. a) do art. 640º e sim pelo facto de se terem omitido nas conclusões a indicação de quais as alíneas da matéria de facto provada e/ou quais os números da matéria de facto não provada que se impugnam, bem como a decisão, que no entender do recorrente, deveria ser proferida sobre esses concretos pontos da factualidade provada e/ou não provada–, que o “Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe”[21]. Em conformidade com esse entendimento, aí se conclui, também, que “perante a sobredita omissão, não havia lugar ao convite ao aperfeiçoamento, mas à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto”); no Acórdão de 5 de Setembro de 2018[22] que a “alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”, sendo que “não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna”; no Acórdão de 1 de outubro de 2015[23] que se exige que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa”; no Acórdão de 20 de Fevereiro de 2019[24], como se consignou no respetivo sumário: “I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos”.
Muito recentemente, assim no Acórdão de 6 de julho de 2022, após enunciar a “jurisprudência do STJ, norteada por critérios de proporcionalidade e de razoabilidade e rejeitando abordagens desta problemática de raiz essencialmente formal”[25], veio a ser sintetizado no respetivo sumário o entendimento seguinte:
“I - As implicações das falhas evidenciadas no plano do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º, do CPC, avaliam-se em função das circunstâncias de cada caso concreto, tendo em conta, nomeadamente, o número de factos impugnados, o número e a conexão existente entre os factos integrantes de cada “bloco”, o número e a extensão dos meios de prova, a maior ou menor precisão na indicação dos meios de prova e na formulação das pretendidas alternativas decisórias e o grau de clareza com que tenham sido expostas as razões subjacentes ao peticionado, razões que devem ser nitidamente percecionáveis, pois não é suposto que o tribunal da Relação se dedique à descoberta de motivos e raciocínio não explicitados claramente. II - Impugnar uma decisão significa refutar as premissas e os motivos que lhe subjazem, contrapondo-lhe um pensamento (racionalidade) alternativo, que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos (tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos”). III - Independentemente das exigências especificamente contidas no art. 640.º, do CPC, o recorrente – em qualquer recurso – não pode dispensar-se de claramente explicitar os “fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” (art. 639.º, n.º 1, do mesmo diploma), resultando da articulação destas disposições legais que o recorrente é onerado com imposições (de motivação) situadas em dois planos que, sendo complementares, têm natureza diversa: i) por um lado, impõe-se-lhe a precisa delimitação do objeto do recurso; ii) por outro lado, exige-se-lhe a efetiva e clara compreensibilidade das razões em que assenta o recurso, por forma a que na sua apreciação o tribunal não se confronte com dificuldades desmesuradas, nem demore tempo excessivo”.
Cumprindo-nos pronúncia, de seguida procederemos à aplicação dos critérios antes enunciados e, no caso desses terem sido cumpridos, à apreciação do recurso quanto a cada uma das questões colocadas:

2.2. Apreciação:
Alínea S) da factualidade provada
Tal alínea tem a redação seguinte:
“S) O trabalhador foi admitido ao serviço da entidade empregadora em 19.11.2017 para sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer a função de motorista de condução de veículos de mercadorias superiores a 7,5 toneladas.”
Sustenta a Recorrente que o teor desta alínea deve ser alterado, quer por não ter suporte em documentos, quer, por resultar da aceitação expressa das partes, devendo passar a constar: “O trabalhador foi admitido ao serviço da entidade empregadora em 19.11.2007 para sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer a função de motorista de condução de veículos de mercadorias superiores a 7,5 toneladas.”
Apreciando, constata-se que, efetivamente, o Recorrente, na reconvenção, alegou, assim no artigo 29.º, que foi admitido em 19.11.2007, sendo que a Recorrida, na resposta que apresentou, não impugnou tal alegação, o que por si só, dada a aceitação do facto, leva a que a alínea analisada deva ser alterada, nos termos propostos.
Procede assim, sem necessidade de outras considerações, o recurso nesta parte, passando a constar, da alínea analisada, a redação seguinte:
“S) O trabalhador foi admitido ao serviço da entidade empregadora em 19.11.2007 para sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer a função de motorista de condução de veículos de mercadorias superiores a 7,5 toneladas.”

Alínea Q) da factualidade provada e pontos 1.º e 3.º constantes como não provados
Consta de tal alínea da factualidade provada a redação seguinte: “Q) Perante a recusa da empregadora que sustentou que as despesas eram pagas no recibo de vencimento o trabalhador recusou-se a fazer o trabalho e permaneceu todo o dia no parque da empregadora.”
Por sua vez, os referidos pontos constantes como não provados possuem a redação que se segue:
- “1- o trabalhador não tivesse horário que lhe permitisse regressar no camião;”
- “3- fosse prática habitual, em situações semelhantes, deixarem os veículos nas instalações dos clientes e fazerem o regresso às instalações da entidade empregadora de táxi ou à boleia de outros motoristas que eventualmente estivessem naquelas localidades pagando a ré essa deslocação;”
Socorrendo-nos também do corpo das alegações, depois de tecer considerações em várias conclusões sobre a circunstância de o Tribunal ter referido a “existência de conflito laboral com a entidade empregadora e que, em nosso entender, comprometeu a isenção e imparcialidade dos seus depoimentos”, se bem se percebe com o intuito de afirmar que não ocorrerá tal falta de isenção e imparcialidade – referindo que, ouvidos os depoimentos, o que ressalta deles são uma versão unânime das situações “e sim, efetivamente, depoimentos assertivos, que são veiculados por quem conhece as situações e sente aquilo que diz”, que “foram depoimento cuja a espontaneidade, a verosimilhança, a seriedade, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as levam a que seja possível aferir que, mesmo tendo processos contra a Ré ora Recorrida, sabem do que estão a falar e não estão a mentir” –, o Recorrente refere a seguir que já do depoimento de parte do legal representante da Ré resulta claramente que não está descomprometido, mas sim fazendo crer a sua versão, assim como das testemunha BB, que se limita “a confirmar a versão da Ré, e sempre a evitar de responder a tudo o que não lhe convinha”.
De seguida, dizendo que tal resultará dos depoimentos das testemunhas BB, CC e DD, começando por inserir nas alegações o que diz ter sido referido pelas mesmas (fazendo indicações que se percebe que dirão respeito à localizando nos registos da gravação), sustenta o Recorrente que “o facto descrito na alínea Q) dos factos provados tem que ser alterado e passar a constar que “A empregadora informou o trabalhador que não ia efetuar pagamento de despesas adiantas e, para o mesmo ficar no parque, como entendesse”, mais devendo “passar a constar da matéria dos factos provados e sair assim da matéria dos factos não provados que “O trabalhador no dia 28 de junho de 2022 já tinha trabalhado 10 horas, não tendo amplitude para regressar ao parque” e passar a constar que “era pratica habitual, em situações semelhantes, deixarem os veículos nas instalações dos clientes”, afirmando, ainda, depois, que “esta alteração da matéria de facto tem-se por essencial e fundamental, resultando cabalmente da prova produzida em audiência de julgamento, resultando dos depoimentos das testemunhas CC; EE e DD e, bem assim, dos discos juntos aos autos onde se pode ver que em 5 de agosto o A. esteve a trabalhar e a efetuar fretes entre as oito menos dez e as 12horas sendo que, só depois da hora de almoço é que esteve em martelos, ou seja, no parque, dada a ordem que recebeu de ficar no parque”.
Em face do modo como é estruturada a impugnação, para além de se fazer referência a prova gravada (assim o depoimento de parte do legal representante da Ré) em relação à qual claramente que não se cumpre o ónus estabelecido no n.º 2 do artigo 140.º do CPC), bem como, ainda, quando alude aos “discos juntos aos autos onde se pode ver que em 5 de agosto o A. esteve…”, pois que não concretiza qual o documento concreto que estará em causa, não cumprindo mais uma vez os ónus legais a que nos referimos antes, também se constata, do mesmo modo, no que se refere à prova gravada que diz transcrever nas alegações, que mesmo esta prova é indicada não separadamente em relação a cada um dos pontos de facto que pretende impugnar, o que, salvo o devido respeito, acaba por se traduzir numa impugnação conjunta / em bloco quanto a esse conjunto de factos.
Neste contexto, sendo claramente de rejeitar o recurso no mais, por falta de cumprimento dos ónus legais, no entanto, porém, quanto aos depoimentos das testemunhas BB, CC e DD, alegadamente transcritas passagens nas alegações (com localização no registo da gravação), porque está em causa a apreciação de apenas três pontos de facto, admitindo-se que possa existir alguma relação entre os mesmos, entendemos que, ainda assim, estamos em condições de proceder à respetiva apreciação, o que faremos, pois, de seguida.
Defendendo a Apelada o julgado, no que é acompanhada pelo Ministério Público junto desta Relação, constata-se que o Tribunal recorrido fez constar da motivação sobre a matéria de facto apenas o seguinte:
“O elenco dos factos acima consignados como provados e não provados é o resultado da análise crítica e ponderação conjunta de todas as provas produzidas nos autos, sem prejuízo dos factos constantes das alíneas A) a H), S) a DD) decorrerem do acordo das partes conjugado com o processo disciplinar junto aos autos, no que concerne aos factos das alíneas A) a H) e documento de fls. 41 ( recibo de vencimento) quanto aos factos das alíneas CC) e DD).
Na afirmação da restante factualidade provada considerou o tribunal o depoimento/declarações do legal representante da ré, FF e de BB que demonstraram ter conhecimento direto dos factos e depondo de forma a que se afigurou isenta e imparcial pese embora a qualidade em que depuseram e sem que no contrapolo os seus depoimentos tenham sido infirmados pelos depoimentos das testemunhas arroladas pelo trabalhador, CC, EE e DD a quem se assinala a existência de conflito(s) laboral com a entidade empregadora e que, em nosso entender, comprometeu a isenção e imparcialidade dos seus depoimentos.
No que concerne à factualidade não provada e par do que já fomos referindo deveu-se à inexistência de prova sobre a mesma de que forma a que o Tribunal pudesse afirmar a sua verificação.”
Cumprindo-nos apreciar, sendo verdade que estamos perante singela fundamentação – dizemos singela pois que o juízo crítico da prova que é mencionada assim se nos apresenta –, deixando-se consignado que se procedeu nesta sede recursiva à audição dos registos de gravação, incluindo das testemunhas que são indicadas, desde já avançamos que não encontramos razões para afastarmos a convicção firmada em 1.ª instância, como melhor explicaremos de seguida.
Desde logo, e em primeiro lugar, importa deixar evidenciado, a respeito do que se fez constar das alegações como correspondendo ao que teria sido referido pelas testemunhas BB, CC e DD, que, ouvidos os registos de gravação, claramente se evidencia que não se trata de transcrição exata do que as mesmas referiram, sendo frequentes os casos em que o que se fez constar não traduz exatamente o sentido que resulta do que foi efetivamente mencionado, a que acresce, importa também referi-lo, o que mais acentua a relevância do que se disse anteriormente, ser patente que se trata de menções parcelares, muitas vezes sem referir toda a frase que foi dita, evidenciando-se que apenas se menciona o que porventura pudesse dar apoio à posição defendida pelo Recorrente no presente recurso, pois que, muitas vezes, se omitem referências oriundas desses depoimentos que pudessem apontar em sentido contrário, em particular, por se constatar que dão apoio à convicção que foi firmada pelo Tribunal recorrido, o que assume especial relevo quanto ao testemunho de BB, pois que, ouvido que foi integralmente, se extrai claramente que dá adequado suporte, não à posição do Recorrente, e sim, noutros termos, à convicção firmado pelo Tribunal quanto aos factos provados, incluindo os que agora reanalisamos. Mas também no que se refere às testemunhas CC e DD, que mais uma vez ouvimos integralmente, se evidencia, para além da indicação apenas parcelar e que se nos apresenta como interessada no sentido de dar sustentação ao defendido pelo Recorrente, omitindo-se já declarações que porventura tal intenção pudessem prejudicar, a razão por que o Tribunal a quo, com a vantagem de ter gozado dos privilégios da imediação, fez constar da motivação antes transcrita, para além da existência de conflito(s) laboral com a entidade empregadora, ainda, que tal teria comprometido a isenção e imparcialidade dos seus depoimentos. Na verdade, ressalta claramente que as testemunhas ao deporem, em várias vezes, evidenciam ter mesmo um interesse pessoal nas questões que lhes são colocadas, em particular sobre pagamento / adiantamento de valores para despesas – demonstrando o que se disse basta ouvir que que refere a primeira a minutos 13 a 16 e, no caso da segunda, para além do mais, a minutos 10/11, no caso da segunda.
O que referimos antes visa evidenciar que, reanalisada a prova, diversamente do que o Recorrente o invoca, não se extrai que não pudesse o Tribunal ter desconsiderado tais depoimentos, com o argumento, que também refere, mas que aliás não explica, de que a versão que trazem seja admissível pela logica e experiência comum. É que, não se trata, salvo o devido respeito sequer de saber se uma qualquer versão possa ser ou não admissível pela lógica, como porventura pela experiência comum, e sim, noutros termos, de, em face da prova produzida, repete-se toda a prova (e não pois apenas a indicada parcelarmente e mesmo este sequer na sua totalidade), se formar convicção sobre a realidade dos factos a que se chega no processo. De resto, esclareça-se, sequer a prova indicada pelo Recorrente, diversamente do que refere, dá suficiente sustentação à versão que defende no presente recurso, pois que, como antes já o referimos, nada se extraindo nesse sentido do que foi dito pela testemunha (antes pelo contrário, contraria tal versão), por outro lado, quanto às testemunhas CC e DD, para além de sequer trazerem uma versão propriamente coincidente sobre os factos em causa – para além do mais sobre que horas seriam, contatos ocorridos e eventuais respostas que teriam sido dadas por parte da empresa, o que facilmente se extrai, mesmo esquecendo-se a falta de exatidão a que antes nos referimos, apenas considerando o que se fez constar das alegações a respeito dos seus depoimentos –, sem esquecermos, como mais uma vez antes já o dissemos, que é notório que na base do ocorrido está uma divergência dos trabalhadores em relação ao modo como serão pagos nomeadamente os valores despendidos / a despender em dormidas, transportes, etc quando estão deslocados (se devem ser adiantados ou se devem ser pagos depois, ou ainda sobre horário de trabalho, denotando as testemunhas um interesse como que próprio (por várias vezes fazem questão de o evidenciar) na defesa do que entendem ser ou não o que deve entender-se. Não se extrai, pois, da prova produzida, quanto à alínea Q) dos factos provados, suporte minimamente sustentado para se alterar a sua redação, em particular na parte em que se diz “para o mesmo ficar no parque, como entendesse” (quando à primeira parte, assim “A empregadora informou o trabalhador que não ia efetuar pagamento de despesas adiantas”, já resultará da redação data pelo Tribunal, ou seja “Perante a recusa da empregadora que sustentou que as despesas eram pagas no recibo de vencimento”). Como não se extrai, do mesmo modo, quanto ao que consta do ponto 1.º não provado, sendo que quanto a esse, sendo a sua redação “o trabalhador não tivesse horário que lhe permitisse regressar no camião”, sem dúvidas conclusiva, mas que aliás corresponde ao que foi alegado, percebe-se que o Recorrente pretende agora, afinal, dar como provado o facto, que não alegou, que pudesse dar suporte a tal conclusão, assim ao pretender que passe a constar “O trabalhador no dia 28 de junho de 2022 já tinha trabalhado 10 horas, não tendo amplitude para regressar ao parque”, sendo que, diga-se, mesmo esquecendo-se o que se referiu anteriormente, apesar desta alegação nova ter algum suporte na prova, em particular no que foi referido pela última das referidas testemunhas, tal suporte, porém, sequer é consistente, muito menos no que se refere ao caso do Recorrente (de resto, é para aquela alegação conclusiva e que no presente recurso o Recorrente pretende ver concretizada em factos, que se o mesmo, nas suas conclusões do recurso, nomeadamente 79.º e seguintes, o mesmo, tecendo considerações sobre o ónus da prova que atribui à Ré / recorrida, ao aludir ao disco, que refere essencial, e referente ao dia e que diz não ter sido junto pela mesma “ardilosamente”, sem que, porém, diga-se, entendamos que lhe assiste razão, por se tratar de facto, ainda que tivesse sido alegado (e não o foi concretamente), cuja prova lhe assistia) –, para efeitos de formação de convicção positiva sobre a realidade do facto, o que, diga-se, é claramente aplicável em termos de prova do último dos factos aqui reanalisados, assim que fosse ou não pratica habitual, em situações semelhantes, deixarem os veículos nas instalações dos clientes.
Neste contexto, lembrando-se que aqui vigora o princípio da livre apreciação da prova – este que, citando-se Lebre de Freitas[26], significa “que o julgador deve decidir sobre a matéria de facto da causa segundo a sua íntima convicção, formada no confronto com os vários meios de prova” –, o que consideramos, na sua aplicação ao caso, em face da prova produzida e que foi indicada, é que não encontramos razões para não considerarmos que a decisão recorrida, nesta parte, motivou e analisou, de forma ponderada, aquela prova, não padecendo, assim, de desconformidade com os elementos probatórios disponíveis – não resultando a nosso ver infirmada tal decisão, tendo presente a alegação do Recorrente, quando, tendo por base o regime legal aplicável, importa também ter presente que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância (pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[27]), muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão proferida em 1.ª instância, exigindo antes da parte processual que pretende usar dessa faculdade a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar, porém, o segundo grau, ou seja o tribunal de recurso, de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção (não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[28]). Assim, afastada fica a pretensão do Recorrente, pois que, nos termos antes ditos, a prova que indica não tem a virtualidade de evidenciar o erro de julgamento quanto aos factos aqui analisados.
Nos termos expostos, improcede o recurso nesta parte.

2.3. Por decorrência do anteriormente decidido, o quadro factual a atender, para dizermos o direito do caso, é aquele que o Tribunal a quo considerou, com a alteração a que antes procedemos.
*
3. Dizendo de direito
Pugna o Recorrente pela revogação da sentença recorrida, sustentando, no final das suas conclusões, no pressuposto aliás que lograsse alcançar a alteração da matéria de facto que também defendeu, mas cujo resultado apenas parcialmente logrou alcançar, que a sentença deve “ser anulada e substituída por outra que reconheça a ilicitude da sanção disciplinar aplicada” e, consequentemente, seja determinada a sua reintegração “no seu posto de trabalho assim como, a condenação da Recorrida no pagamento das respetivas retribuições intercalares que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao transito em julgado da decisão, acrescidas do pagamento dos respetivos juros de mora”.
Em face do que resulta das conclusões, no que à aplicação do direito diz respeito, na consideração aliás de que não fosse alterada a matéria de facto com exceção da alínea s) (isto é, a data de admissão para 2007), defendendo que não estão preenchidos os requisitos que justificam a justa causa, invoca o Recorrente nomeadamente o seguinte:
- Tendo os factos dados como provados relativos à sua conduta sido considerados aptos ao preenchimento do conceito de justa causa de despedimento, assim não o devem ser, por não justificarem a aplicação dessa sanção, que é a mais grave, sendo os comportamentos sempre tiveram “como base o contexto de revindicação do trabalho, quer pelo horário que já ia longo, quer pelo pedido de pagamento de adiantamentos”, não existindo “um grau de culpa elevado que justifique a aplicação dessa sanção, pois que, diz, importando ter presente que as existências de diversas sanções disciplinares de natureza conservatória visam precisamente dar vida à opção (possível até à sua impossibilidade) pela continuidade do vínculo laboral – a finalidade de prevenção geral e especial que deve estar presente na aplicação das sanções conservatórias deve sempre ser equacionada com vista a afastar sempre que possível a aplicação da sanção mais grave –, sequer basta a gravidade do comportamento em si mesmo, tornando-se necessário avaliar o circunstancialismo do caso concreto, carácter das relações entre as partes, grau de lesão do interesse do empregador e outros aspetos relevantes, tal como prescreve o n.º 3 do art.º 351.º do Código do Trabalho, aspetos esse que não foram considerados no caso, apresentando-se a aplicação de uma sanção conservatória que o fizesse no seu comportamento, suficiente e adequada face aos fins de prevenção geral e especial, intrínsecos à finalidade das sanções – não cumpre, assim, a sanção de despedimento o princípio da necessidade, proporcionalidade, nem da adequação, pois outras sanções são adequadas para a normalização do vínculo e pacificação da relação laboral (não é qualquer conduta consubstanciada na violação do dever de zelo, diligencia e obediência que é passível, sem mais, de aplicação da sanção mais grave, sendo que deste processo apenas consta que não cumpriu duas ordens, no entanto, tal não é por si só fundamento para se proceder ao despedimento de um trabalhador, não resultando sequer qualquer prejuízo para a Recorrida);
- No que respeita ao dia 5 de agosto consta que a Ré descontou esse dia ao Autor, isto é, que aplicou até já uma sanção, pois considerou falta injustificada e, depois, de novo volta a aplicar a sanção de despedimento, sendo que, diz ainda, a Ré em resposta à reconvenção deduzida pelo A. no seu artigo 8.º considera que o A. faltou ao trabalho em 5/08/2022 e, por isso, descontou esse dia e, por ser a uma sexta-feira aplicou o desconto do sábado e domingo, “ou seja a própria Ré confessa que considerou que o A. faltou no dia 5 de agosto de 2022”, pelo que, então, se faltou e não estava ao serviço, “não existe poder disciplinar sobre o mesmo a não ser que, depois no cumular das faltas venha por via da violação do dever de assiduidade instaurar processo disciplinar, o que não sucede” – “o tribunal ignorando a aplicação da sanção efetuada por via de considerar que o Recorrente faltou ao trabalho, fez na mesma integrar essa conduta no processo disciplinar e valorá-la como violação do dever de obediência de prestação da atividade, considerando que, “o que havia a fazer era condenar a ré a repor ao A. o montante indevidamente descontado por esses dias”, quando o que deveria ter considerado era que “a Recorrida mal andou aplicando duas sanções com base na mesma conduta penalizando o trabalhador de forma atroz”, “pelo que, na falta de factos teria o processo disciplinar que cair e nessa medida o Recorrente ser reintegrado, como o terá de ser, de Justiça”;
- A fundamentação da sentença é “manifestamente escassa e violadora dos artigos 323.º, 329.º, n.º 1, 351º, 353.º, 357.º n.º 4, 381.º e 387.º, n.º 3, todos do Código do Trabalho” – “na ponderação entre, por um lado, o princípio Constitucional da segurança no emprego (art. 53º da CRP) e, por outro, a lesão dos interesses do empregador, entende-se que, no caso, se revelou desproporcional a sanção aplicada” (“um trabalhador que durante 15 anos não tem processos disciplinar e, num ato incumpre uma ordem mas depois disso continua a trabalhar mais de três meses, realizando as mesmas tarefas, continuando a conduzir camiões, a ir a clientes sem que nada se alterasse é, quase quatro meses depois, despedido por ter deixado o camião uma única vez junto de um cliente, surge como manifestamente desproporcional pois se tivesse a Recorrida perdido a confiança para lhe atribuir camiões de imediato o tinha suspendido dado o receio que sentia, o que não ocorreu”).
Por sua vez, nas contra-alegações, defende a Apelada o julgado, no que é acompanhada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu.
Da sentença recorrida fez-se constar, depois de variadas considerações a respeito do enquadramento teórico, no que à aplicação do direito diz respeito, o seguinte:
«(…) No caso sub judice, resulta da fundamentação de facto que o aqui trabalhador, que desempenha as funções de motorista contrariando a ordem para regressar com o camião com os contentores vazios resolvendo deixar o camião estacionado perto do cliente da entidade empregadora.
Tal comportamento, face ao que ficou apurado, para além de ilícito, é culposo, na medida em que, deliberadamente desobedeceu a uma ordem que lhe foi dada e sem que se tenha apurado que não pudesse regressar em virtude de “não ter horário” deixando o veículo – que possui um valor de cerca de €40.000,00 a €50.000,00 – sem assegurar que ficava seguro, sendo certo que mesmo que o trabalhador tivesse logrado provar que solicitou ao porteiro da B... para vigiar e guardar – o que não fez – não poderia ser considerado um meio eficaz para proteção do bem em causa.
Acresce ainda que o mesmo se recusou a prestar trabalho no dia 5 de agosto perante a recusa de lhe ser entregue dinheiro para despesas quando não era prática da empresa o adiantamento das despesas e não ficou apurado que o trabalhador não dispusesse de dinheiro próprio.
Conforme é referido no Acórdão do STJ de 21-11-2018, proferido no Processo n.º 1043/16.8T8CLD.C2.S1 e disponível in www.dgsi.pt da constituição e existência de uma relação contratual de trabalho emergem direitos e deveres para as partes:
− os deveres gerais previstos no art. 126.º do CT, que vinculam ambas as partes; − os deveres para o empregador elencados no art. 127.º do CT; − os deveres para o trabalhador elencados no art. 128.º do CT.
Como resulta da própria noção de contrato de trabalho do art. 11.º do CT, o dever principal do trabalhador para com o empregador é a prestação da atividade do trabalho, em regime de subordinação.
Além deste dever principal há outros deveres acessórios para o trabalhador (que constam, designadamente, do art. 128.º do CT), quer integrantes da prestação principal – como é o caso do dever de obediência, de assiduidade, de pontualidade e de zelo −, quer independentes dessa prestação – como o dever de lealdade, de respeito e de urbanidade.
Os supra descritos comportamentos do trabalhador são violadores dos seus deveres laborais de zelo, diligência e obediência no cumprimento das instruções e procedimentos instituídos pela entidade patronal no que respeita à execução das tarefas que lhe foram atribuídas e, ainda, de velar pela conservação dos bens, violando o trabalhador com tal conduta os deveres estabelecidos nas als. c), e) e g) do n.º 1 do art. 128.º do CT.
Em face do circunstancialismo em que foram praticados tais factos temos que a conduta do trabalhador assume gravidade ao nível da quebra de confiança da relação com a entidade empregadora pondo em causa, de forma que se compreende que seja irreversível, a base de confiança subjacente à continuação pelo trabalhador do exercício das suas funções,
Todo este circunstancialismo evidencia que o trabalhador desrespeitou os deveres laborais supra referidos, além do dever geral de boa fé no cumprimento da respetiva obrigação, previsto no artigo 126.º, n.º 1 do CT e, especificamente, os deveres de guardar lealdade e honestidade, de agir com zelo, prudência, urbanidade e probidade, quer quanto ao seu empregador.
Afigura-se-nos, pois, que se encontram verificados comportamentos subsumíveis à previsão do art. 351.º, n.º 1 do Cód. do Trabalho, sendo o comportamento do trabalhador culposo, grave e inviabilizando qualquer normalização da “relação de trabalho”.
Relativamente às consequências dos factos, cumpre observar que, depois do sucedido, dificilmente seria restabelecida a relação de confiança no trabalho.
Atendendo aos critérios objetivos de normalidade e de razoabilidade impostos por lei, cremos que o despedimento constitui, no caso, atentas as circunstâncias supra descritas, a sanção proporcionada à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator.
Conclui-se, assim, pela verificação, no caso vertente, de justa causa para o despedimento do trabalhador por parte da entidade patronal, com as consequências legais resultantes dessa conclusão face aos pedido formulados por aquele, ou seja, a improcedência da declaração da ilicitude do despedimento e com a consequente absolvição da entidade empregadora quanto aos pedidos de reintegração, bem como às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão (…)»
Em face da citada fundamentação, com natural salvaguarda de entendimento diverso, assim o defendido pelo Recorrente no presente recurso, adiantando-se desde já a nossa conclusão, não nos merece censura o decidido, sendo que, apesar de aquela fundamentação responder já de modo que temos por suficiente aos argumentos por aquele avançados no presente recurso no âmbito da aplicação do direito, ainda assim, de seguida melhor explicaremos, para se perceber a nossa posição, as razões da nossa posição.
Numa primeira nota, em termos de centrarmos a nossa análise, sendo que é esse regime que está aqui em causa, para relembrarmos que o contrato de trabalho pode cessar, para além de outras causas que agora não importam, por despedimento por iniciativa do empregador, por facto imputável ao trabalhador, como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 351.º do Código de Trabalho (CT) –“constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Competindo ao trabalhador fazer a prova da existência do contrato de trabalho e do despedimento e à entidade patronal provar os factos constitutivos da justa causa do despedimento que promoveu, compreende aquela, como é consabido, três elementos, ou seja, a verificação de um comportamento culposo do trabalhador, que esse seja grave em si mesmo e de consequências danosas e o nexo de causalidade entre aquele comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral, face àquela gravidade – dito de outro modo, o comportamento tem de ser imputado ao trabalhador a título de culpa (com dolo ou negligência) e a gravidade e impossibilidade devem ser apreciadas em termos objetivos e concretos relativamente à empresa[29].
Por o termos mais uma vez por aplicável ao caso que se aprecia, socorremo-nos de seguida do que se fez constar do acórdão desta Secção de 5 de Março de 2018[30]:
«Não nos dando o legislador a exata definição sobre qual o comportamento do trabalhador que deve ser considerado como culposo para integração no conceito legal de justa causa, limitando-se a enunciar, de forma exemplificativa, alguns comportamentos do trabalhador que, a ocorrerem, constituem justa causa de despedimento – o que é a todos os títulos compreensível dada a complexidade e disparidade de comportamentos inerentes à realidade social, tornando assim necessária a utilização de conceitos indeterminados com elasticidade suficiente que permitam a integração de comportamentos que, pela sua gravidade, se reconduzam à noção de justa causa –, sempre será, porém, como resulta do preceito legal antes citado, de exigir, para o preenchimento do conceito, que o comportamento do trabalhador, para além de culposo, revista uma gravidade e consequências tais que, no caso, em função pois das circunstâncias concretas apuradas, tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – como resulta do n.º 3 do preceito, “na apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.
Assim o têm afirmado a doutrina e jurisprudência, afirmando-se do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Setembro de 2016 que, significando a referência legal à “impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho” que nas circunstâncias concretas aferidas a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador, “(…) haverá justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes – intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes –, se conclua pela premência da desvinculação”, “premência justificada, em nosso entender, quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador que seja susceptível de criar no espírito daquele a dúvida objectiva sobre a idoneidade futura da conduta do trabalhador no âmbito das relações laborais existentes e que decorrem do exercício da actividade profissional para que foi contratado”. Mais se afirma, com relevância mais uma vez, que “a quebra da confiança entre empregador e trabalhador não se afere pela existência de prejuízos, podendo existir sem estes”, bastando “que o comportamento do trabalhador seja suficientemente grave para que o empregador legitimamente duvide da conduta futura do trabalhador”.»
Dentro, pois, dos indicados quadro e critérios, importando dar a esses aplicação no caso concreto que agora apreciamos, estando aqui em causa verificar se a Ré / recorrida, enquanto empregadora, logrou provar, como lhe competia, procedendo assim os motivos que invocou como fundamento da justa causa para o despedimento do trabalhador, o aqui Autor / recorrente praticou factos ilícitos e culposos que pela sua gravidade e consequências tornariam imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, a conclusão a que chegamos, quanto a esta última e determinante questão, é, nesta parte, concordante com a sentença recorrida, ou seja positiva.
Na verdade, tal como salientado na sentença, permitindo os factos provados ter por violados os deveres de laborais de zelo, diligência e obediência no cumprimento das instruções e procedimentos instituídos pela entidade patronal no que respeita à execução das tarefas que foram atribuídas ao trabalhador / aqui Recorrente e, ainda, o de velar pela conservação dos bens, deveres esses previstos, respetivamente, de forma expressa nas alíneas c), e) e g) do n.º 1 do art. 128.º do CT, para além, como na mesma sentença também se diz, o dever geral de boa fé no cumprimento da respetiva obrigação, este previsto no artigo 126.º, n.º 1 do CT, sendo ainda patente a existência de culpa, tal violação atinge efetivamente contornos de gravidade que, objetivamente, é passível de quebrar, de forma irreversível, a confiança da relação com a entidade empregadora, assim com a aqui Recorrida, sendo que, esclareça-se, essa gravidade e suas referidas consequências não são afastadas mesmo que tivessem tido na sua base, como o refere o Recorrente, um qualquer contexto de revindicação do trabalho (quer pelo horário, quer pelo pedido de pagamento de adiantamentos), pois que, ainda que em tese fosse de admitir tal possibilidade, assim de defesa de quaisquer pretensões neste âmbito – e entendemos que não, por não termos como legítimo utilizar, em vez dos que a lei coloca ao dispor do interessado, quaisquer meios, assim designadamente, os comportamentos que foram, nos termos provados, assumidos, como que por sua livre e autorrecriação, pois que, a ser assim, estar-se-ia afinal a legitimar, permita-se-nos o seu uso, a expressão “fazer justiça pelas próprias mãos”, quando, importa aqui também recordar, a violação do dever de boa fé, que a sentença teve aliás mais uma vez como violado, como se escreve no sumário do Acórdão da Relação de Lisboa de 15 de setembro de 2016[31], “ já para não falar de outros princípios e valores mais elevados e abrangentes, como os direitos de personalidade, sempre radicados e pautados pela dignidade da pessoa humana, designadamente, na vertente da preservação da sua integridade física e moral (cfr., por exemplo, os artigos 14.º e seguintes do C.T./2009 e 70.º do C. Civil)”, “está sempre presente no cumprimento e execução do contrato de trabalho, o que significa que as partes não podem agir nas suas relações contratuais de uma forma infundada, despauterada, por sua livre e autorrecriação, sem motivo objetivo, plausível, lógico e reconhecido como legítimo pelo direito (logo, em violação do dito princípio da boa-fé), assim como não podem atuar em abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil)” –, sequer no caso, em face do que dessa resulta, se poderia concluir que tal pudesse estar em causa.
O que se referiu afasta, também, o argumento do Recorrente de que, no caso, devesse apenas ser aplicada uma qualquer das sanções conservatórias, assumindo-se pelo contrário, assim o entendemos, a sanção de despedimento, com respeito pelos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação, como a adequada, sendo que, importa dizê-lo, por um lado, sequer releva aqui a questão, a que aquele alude, a respeito de ter ou não resultado qualquer prejuízo efetivo para a Recorrida, pois que, importa relembrar, do que se trata, em face dos comportamentos assumidos, é da quebra de confiança, necessária e inerente à relação laboral, e, por outro, sendo verdade que a sua antiguidade, em face da alteração a que procedemos é superior àquela que foi considerada na sentença, daí não resulta afastada aquela adequação, em face, precisamente, da gravidade da violação dos deveres que aqui está presente. Do mesmo modo se conclui quanto ao argumento de que tivesse ou não continuado a trabalhar mais de três meses, realizando as mesmas tarefas, continuando a conduzir camiões, a ir a clientes” e que só quase quatro meses depois tivesse sido despedido por ter deixado o camião uma única vez junto de um cliente, em termos de invocar que este despedimento surge como manifestamente desproporcional, pois se tivesse a Recorrida perdido a confiança para lhe atribuir camiões de imediato o tinha suspendido dado o receio que sentia, o que não ocorreu. Na verdade, mesmo que assumisse relevância, e entendemos que não, sequer resulta da factualidade provada, o que se imporia, por ser essa a base da aplicação do direito, adequado suporte para tais invocações.
Por fim, a respeito da invocação, no que respeita ao dia 5 de agosto, de que a Ré descontou esse dia ao Autor – para dizer que aplicou até já uma sanção, pois considerou falta injustificada e, depois, de novo volta a aplicar a sanção de despedimento, bem como que não existe poder disciplinar a não ser que, depois no cumular das faltas venha por via da violação do dever de assiduidade instaurar processo disciplinar, o que não sucede – , dizendo que o Tribunal ignorou a aplicação da sanção efetuada por via de considerar que o Recorrente faltou ao trabalho e que fez na mesma integrar essa conduta no processo disciplinar e valorá-la como violação do dever de obediência de prestação da atividade (quando, diz, “o que deveria ter considerado era que “a Recorrida mal andou aplicando duas sanções com base na mesma conduta penalizando o trabalhador de forma atroz”), importa dizer que estamos, mais uma vez, perante invocação nova, apenas no presente recurso, pois que tal não foi em momento algum alegado pelo Autor/aqui recorrente, nos articulados, valendo aqui, por essa razão o que referimos anteriormente, assim no ponto 1.º deste dispositivo, que sem necessidade de repetição aqui temos por integrado, quando afirmámos que a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina, como importante limitação ao seu objeto, a que decorre do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Em face do todo o exposto, carece, pois, por fim, necessariamente, de adequado suporte a afirmação do Recorrente de que a fundamentação da sentença seja manifestamente escassa e violadora dos artigos 323.º, 329.º, n.º 1, 351º, 353.º, 357.º n.º 4, 381.º e 387.º, n.º 3, todos do Código do Trabalho”, “na ponderação entre, por um lado, o princípio Constitucional da segurança no emprego (art. 53º da CRP) e, por outro, a lesão dos interesses do empregador”, pois que, como antes dito, assim não se nos apresenta.
Por decorrência do exposto, claudicando os argumentos do Recorrente, o recurso improcede no âmbito da aplicação do direito.

Por decaimento, a responsabilidade pelas custas impende sobre o Autor/recorrente (artigo 527.º do CPC).
*
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, segue-se o sumário do presente acórdão, da responsabilidade exclusiva do relator:
……………………………………….
……………………………………….
……………………………………….
***

IV – DECISÃO:
Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, rejeitando-se parcialmente na parte dirigida à reapreciação da matéria de facto quanto à prova indicada e procedendo em parte na parte admitida, em declarar no mais improcedente o recurso, confirmando-se por decorrência a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente..

Porto, 5 de junho de 2023
(acórdão assinado digitalmente)
Nélson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
_________________
[1] Com numeração introduzida no presente acórdão, por facilidade de análise e apreciação.
[2] “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
Também na instância recursiva, nesse caso por referência às conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.
[3] Código de Processo Civil Anotado, cit., 5º, pág. 143.
[4] No mesmo sentido, Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil” de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320, e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Alm. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143
[5] In www.dgsi.pt.
[6] Processo 257/19.3T8STS.P1, Relatora Desembargadora Fátima Andrade, in www.dgsi.pt.
[7] Ac. do STJ, de 20/10/2015, Processo 372/10: Sumários, 2015, p.55
[8] Disponível em www.dgsi.pt, Relatora Conselheira Ana Luísa Geraldes.
[9] [7] Cf. Neste sentido, cf. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Processo Civil”, 2ª Edição, págs. 395 e segts.
No mesmo sentido cf. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2016, 3ª Edição, Almedina, pág. 98.
[10] [8] Neste sentido, cf. tb. José Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, in “CPC Anotado”, Vol. III. Tomo 1, 2ª Ed., Coimbra Editora, pág. 8.
[11] [9] Ibidem, em “Recursos Em Processo Civil – Novo Regime”, Almedina, 2ª Edição, págs. 25 e segts.
[12] [10] Ibidem, António Santos Abrantes Geraldes, págs. 94 e segts.
[13] Relator Conselheiro Pinto Hespanhol, in www.dgsi.pt.
[14] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[15] Op. cit., p. 235/236
[16] Cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[17] Cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[18] www.dgsi.pt
[19] Processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1 (disponível igualmente em www.dgsi.pt
[20] Processo 110/08.6TTGDM.P2.S1, mais uma vez em www.dgsi.pt
[21] Constando do mesmo Acórdão, em apoio do decidido, a referência à posição também já afirmada nos Acórdãos STJ de 01/10/2015 (p. 824/11.3TTLRS.L1.S1), 11.02.2016 (p.157/12.8TUGMR.G1.S1), 22.09.2015 (p. 29/12.6TBFAF.G1.S1) e 4.03.2015 (p. 2180/09.0TTLSB.L1.S2), 26.11.2015 (p. 291/12.4TTLRA.C1.S1), 3.12.2015 (p. 3217/12.1TTLSB.L1.S1), 3.03.2016 (p. 861/13.3TTVIS.C1.S1)
[22] Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, também em www.dgsi.pt.
[23] Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Relatora Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt
[24] proc.º 1338/15.8T8PNF.P1.S2, Relator Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt, acompanhando o entendimento afirmado nos acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018 [respectivamente, nos processos n.ºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt
[25] que aí se considera consolidada entre outros, nos acórdãos de 13.01.2022 [Proc. nº 417/18.4T8PNF.P1.S1], 27.10.2021 [Proc. n.º 1372/19.9T8VFR.P1-A.S1], de 14.07.2021 [Proc. n.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1], de 19-05-2021 [Proc. n.º 4925/17.6T8OAZ.P1.S1] e de 14.01.2021 [Proc. nº 1121/13.5TVLSB.L2.S1]
[26] em “Introdução ao Processo Civil, 3.ª edição, p. 196
[27] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[28] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[29] Neste sentido, de entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2010, 29-09-2010 e 15-09-2016, disponíveis em www.dgsi.pt.
[30] Apelação 1119/13.3TTPRT.P2, in www.dgsi.pt.
[31] Relator Desembargador José Eduardo Sapateiro, in www.dgsi.pt.