Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2992/22.0T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: INAUDIBILIDADE DE GRAVAÇÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADE
DECISÃO DE INDEFERIMENTO
TRÂNSITO EM JULGADO
Nº do Documento: RP202306262992/22.0T8OAZ.P1
Data do Acordão: 06/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - Ocorrendo pronúncia pelo tribunal de 1.ª instância, que incidiu sobre requerimento autónomo de uma parte processual, indeferindo a arguição de nulidade decorrente de falta ou inaudibilidade de gravação de depoimento prestado em audiência, por se ter considerado intempestiva a respetiva arguição, deve a parte interessada, caso pretenda impugnar tal decisão, mesmo que tenha levantado previamente a tal decisão a mesma questão nas alegações do recurso que havia apresentado e dirigido à sentença, reagir expressamente contra aquela decisão, através do meio processual próprio para evitar que sobre a mesma não pudesse vir a incidir caso julgado e, sendo assim, que esse trânsito impedisse o tribunal da relação de se pronunciar sobre a questão.
II - O trânsito em julgado daquela decisão, fora dos casos em que esteja em causa necessidade de intervenção oficiosa do tribunal da relação nos termos previstos no n.º 2 do artigo 662.º do CPC, não obstante possam existir entendimentos diversos incluindo na jurisprudência dos nossos tribunais a respeito do início da contagem do prazo e designadamente se pode a invocação apenas ser feita nas alegações, porque em tal decisão mencionada em I se afirmou expressamente a intempestividade no caso da arguição, que aliás foi feita em requerimento autónomo que motivou tal pronúncia, impede que o tribunal superior sobre tal questão se possa de novo pronunciar.
III - Fora dos casos em que pode a relação conhecer oficiosamente do vício em questão estamos perante uma pretensão do recorrente que se revela de natureza essencialmente privada, dada a sua inerência ao próprio direito a interpor recurso, direito este que, porém, não se configura de modo absoluto, pois que, embora o legislador esteja impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.
IV - Versando o recurso sobre matéria de direito, deve o recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2, do CPC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação / processo n.º 2992/22.0T8OAZ.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis

Autor: AA
Ré: A..., Unipessoal, Lda.
_______

Nélson Fernandes (relator)
Jerónimo Freitas (1.º adjunto)
Rita Romeira (2.ª adjunta)



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. AA propôs a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra A..., Unipessoal, Lda., pedindo o seguinte:
- A declaração de que foi ilicitamente despedido; e
- A condenação no pagamento da quantia de €2.660 a título de indemnização em substituição da reintegração e a quantia de €4.281,97 correspondente a créditos laborais vencidos, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a cessação do contrato, no montante de €260,18 e vincendos até integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese: que em 14 de setembro de 2021 foi surpreendido com uma carta com uma denúncia por abandono, mas os seus fundamentos eram falsos, pelo que estava a trabalhar e assim continuou até final de setembro e, a partir de final de setembro, o patrão deixou de o ir buscar à sua residência e disse-lhe que não tinha mais trabalho para ele e que se fosse embora; por isso, considera que foi despedido ilicitamente, tendo direito à indemnização pedida em substituição da reintegração; acresce que a Ré não procedeu ao pagamentos dos proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal do ano de 2021 no montante de €1.492,14, nunca lhe pagou os períodos de férias nos montantes de €474,55 [2018], €600 [2019], €635 [2020] e €665 [2021] e, por fim, não lhe forneceu formação profissional, pelo que tem direito à quantia de €114,79.

Contestou a Ré alegando, em síntese, que existiu denúncia por abandono, pois o Autor esteve mais de 10 dias úteis sem comparecer e sem dar qualquer justificação; acresce que, por força disso, tem ela Ré direito a uma indemnização de €1.330, a que acrescem os prejuízos decorrentes do abandono, pois ficou sem motosserrista, só conseguiu contratar outro passados seis meses, deixou de aceitar trabalhos e de concluir outros nos prazos, sofrendo prejuízos de €7.000.
Respondeu o Autor alegando, em síntese, que a própria Ré declarou à Segurança Social retribuições que lhe foram pagas no mês de setembro de 2021. Sustentou, ainda, que a Ré deve ser condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização, por impugnar genericamente, sem sequer tomar posição quanto aos autos, sem juntar recibos de vencimento e faz um pedido indemnizatório sabendo que se baseia em factos falsos.

Fixado o valor da ação em €15.532,15 e admitida a reconvenção deduzida pela Ré, foi proferido de seguida despacho saneador, após o que se identificou o objeto do litígio e se enunciaram os temas de prova.

2. Seguindo os autos os seus posteriores termos, realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta (transcrição):
“III – Decisão.
Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação e, em consequência, condeno a ré a pagar ao autor a quantia de €2.786,22, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada parcela das prestações referidas, até integral pagamento.
Para além do reconhecimento e consideração da compensação, julgo improcedente o pedido reconvencional e, em consequência, dele absolvo o autor.
Julgo improcedente o pedido de condenação da ré como litigante de má-fé.
Custas por autor e ré, na proporção do decaimento e sem prejuízo da isenção de que eventualmente beneficiem.
Registe e notifique.”

2.1. Com data de 26 de janeiro de 2023, apresentou a Ré requerimento com o seguinte teor:
“Há alguns dias, o mandatário da R requereu lhe fosse disponibilizada pela secção deste tribunal a gravação dos depoimentos das testemunhas, a fim de apresentar recurso da decisão proferida nos autos e poder contar também com essa gravação desse depoimento, na medida em que pretende recorrer da matéria de facto dada como não provada e requerer a sua modificabilidade, nos termos em que tal pretensão é legal e processualmente admissível.
Para esse efeito considera a R que a gravação, audição e transcrição do depoimento da testemunha BB, que respondeu a toda a matéria dos temas de prova, sendo que tal depoimento encontra-se gravado em suporte digital/CD, no contador de 00:00:01 a 00:27:36, em pista com a sua identificação, é essencial para a reapreciação de parte dos factos não provados, que, na opinião da R foram incorrectamente julgados como tal.
Ora tendo procedido à audição da gravação do depoimento dessa testemunha verifica o mandatário da R que é completamente impossível ouvir-se o que essa testemunha disse em julgamento, considerando que houve problema de natureza técnica que não permite ouvir-se de todo as suas declarações
A referida deficiência da gravação dessas declarações e dessa prova determina a imperceptibilidade de toda a inquirição da testemunha, cujo depoimento, como se disse, a R considera decisivo ou importante pois pode constituir causa suficiente para ser alterada a decisão proferida pelo tribunal sobre a matéria de facto e compromete a possibilidade do Tribunal Relação proceder à reapreciação dessa decisão.
Ou seja, a R considera ter o direito de concluir que a deficiência da gravação, nessa parte, constitui nulidade processual e pode e deve por causa disso exigir a repetição do ato viciado e dos actos posteriores que dele dependam.
Em conformidade com a jurisprudência que se tem pronunciado sobre matéria idêntica, a nulidade da gravação deve ser conhecida oficiosamente, designadamente o acórdão do TRG 3268/17.0T8BRG.G1, de 28.03.2019, publicado no site da DGSI ...
“Ora, é certo que a deficiência da gravação dos depoimentos prestados em audiência influencia o exame e a decisão da causa, nomeadamente a apreciação conveniente desses depoimentos para aferir se eles foram ou não devidamente apreciados pelo tribunal recorrido para fixar a matéria de facto pelo que a verificar-se este vício não oferece duvidas estarmos perante a omissão de um ato prescrito por lei (já que a deficiência da gravação equivale, na prática, à sua omissão) suscetível de influir no exame e na decisão da causa; o que importa a nulidade do ato e dos subsequentes que dele dependam absolutamente (arts. 195.º e 196.º do CPC)….”
No sentido de que se trata de nulidade de conhecimento oficioso veja-se para além do acórdão citado nas alegações de recurso, o acórdão do TRC de 19-122017 e o Ac. RL de 12/11/2013 (ANA RESENDE) 1400/10.3TBPDL.L1(também disponível em www.dgsi.pt) “…” as anomalias na gravação das provas se podem considerar como uma irregularidade especial a que se aplica um regime de igual modo especial e particularmente expedito e oficioso, que de resto se impõe à luz do manifesto interesse de ordem pública que visa alcançar-se com a gravação da audiência.”
Além disso, não parece sequer ser impeditivo do conhecimento oficioso dessa nulidade a eventual preclusão do direito das partes de arguirem a nulidade da deficiência da gravação, pois mesmo que tal se verificasse neste caso concreto (e não é o caso) tal não impede o conhecimento oficioso dessa mesma nulidade pelo tribunal de recurso, à luz da parte final do art.º 196.º do CPC» se pronunciaram os citados acórdão do TRG e do TRC
Na jurisprudência citada sustenta-se que
….Podemos por isso afirmar que continua atual o decidido no Ac. STJ de 16/12/2010 (disponível em www.dgsi.pt), de que o “…art. 9.º do DL 39/95, de 15-02, aponta no sentido de se poder considerar as anomalias na gravação das provas como uma irregularidade especial, a que se aplica um regime de igual modo especial e particularmente expedito e oficioso, que de resto se impõe à luz do manifesto interesse de ordem pública que visa alcançar-se com a gravação da audiência (…).
“A especialidade mais saliente deste regime legal traduz-se, justamente, na circunstância de a Relação poder ordenar por sua iniciativa a repetição das provas que se encontrem impercetíveis, sempre que isso se revele, no seu entendimento, essencial ao apuramento da verdade (…). A inaudibilidade de um ou mais depoimentos – facto que sempre terá de ser constatado pela 2.ª instância – equivale praticamente, quando esteja em causa reapreciar as provas em sede de apelação, à inexistência da prova produzida; e se a inaudibilidade for influente no exame da causa, ela é impeditiva da real concretização do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto.”
Nestas circunstâncias, muito respeitosamente, deverá ser considerada procedente a nulidade alegada, anulando-se a sentença proferida por este Tribunal e mandar-se repetir-se a Audiência de Discussão e Julgamento pelo menos no que respeita à audição da testemunha acima indicada e dessa forma ser assegurado o registo efectivo do seu depoimento.”

2.2. Em 1 de fevereiro de 2023, apresentou a Ré / reconvinte requerimento de interposição de recurso, que finalizou com as seguintes conclusões:
1- Com o devido respeito, a decisão recorrida não valorou totalmente os factos com os quais a R sustentou a sua reconvenção e o seu pedido reconvencional e considera que, face à factualidade provada, deveria ter sido adequadamente indemnizada pelo A devido aos prejuízos que lhe provocou a conduta deste.
2- Nos termos do disposto no art. 640.º do Cpc, os recorrentes consideram que, de forma incorrecta, na sentença recorrida, não resultou provado o que consta dos factos não provados, designadamente:
(7. Em consequência da falta inesperada do autor, a ré não conseguiu contratar um motosserrista para os trabalhos que estava a executar em setembro de 2021 e nos meses subsequentes.
8. O que determinou atrasos e constrangimentos relevantes no trabalho que a ré estava a efectuar nessa data.
9. A ré ficou pelo menos durante 6 meses sem motosserrista.
10. Apesar de ter tentado contratar trabalhador não o conseguiu e, pelo menos durante esse período, ficou sem motorista o que determinou por sua vez a autentica paragem de corte e rechega de madeira.
11. A Ré, desde então, mas pelo menos durante os 6 meses subsequentes, viu verificar-se atraso e mesmo paragem dos trabalhos.
12. Por falta de motosserrista ficou sem poder cortar madeira pelo menos durante vários meses.
13. E por falta de corte de madeira e de matéria aconteceu que um tractorista ao serviço da Ré, que habitualmente trabalhava para a firma Ré, teve também que deixar de prestar serviços à R por falta de matéria prima e de trabalho.
14. O que provocou um prejuízo não inferior a pelo menos 7000€. ,
3- Tal decisão na opinião do recorrente, nessa parte, foi feita em violação do que a esse propósito dispõe a lei porque tais factos deveriam ter sido dados como provados pois constam do processo ou do registo ou gravação nele realizada concretos meios probatórios que impunham uma decisão diferente da sentença recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados, designadamente:
I- A contestação da R .
II- Os documentos juntos pela R na sua contestação
III- As declarações da testemunha arrolada BB, que respondeu a toda a matéria dos temas de prova e o seu depoimento encontra-se gravado em suporte digital/CD, no contador de 00:00:01 a 00:27:36, em pista com a sua identificação.
IV- A parte da sentença que consta da motivação fáctica quando nessa se diz que….A verdade é que o único depoimento que nos pareceu espontâneo e seguro, mantendo sempre alguma imparcialidade [até porque declarou aspetos que contradizem frontalmente o alegado pela ré], foi a testemunha BB, trabalhador da ré, que afirmou claramente que trabalhou algumas semanas com o autor, mas este faltava muito e trabalhou até julho, mas a partir de agosto, não trabalhou, passavam com a carrinha e ele não estava no local, telefonavam e ele não atendia e o patrão chegou a ir bater à porta dele várias vezes, sem resposta. Perante este elemento provatório, consideramos ser de considerar provado que a partir de meados de julho o autor não trabalhou mais para a ré….
V- Os pontos 8 e 9 dos factos provados, que dizem o seguinte: (Durante parte do mês de julho até 14 de agosto de 2021, o autor não compareceu ao trabalho. 9. Contactado por pessoa indicada pela ré para o efeito, durante o mês de agosto de 2021, o autor comprometeu-se a apresentar justificação das faltas, mas nunca apresentou.)
4- Há alguns dias, o mandatário da R requereu lhe fosse disponibilizada pela secção deste tribunal a gravação dos depoimentos das testemunhas, a fim de apresentar recurso da decisão proferida nos autos e poder contar também com essa gravação desse depoimento, na medida em que pretende recorrer da matéria de facto dada como não provada e requerer a sua modificabilidade, nos termos em que tal pretensão é legal e processualmente admissível.
5- Para esse efeito considera a R que a gravação, audição e transcrição do depoimento da testemunha BB, que respondeu a toda a matéria dos temas de prova, sendo que tal depoimento encontra-se gravado em suporte digital/CD, no contador de 00:00:01 a 00:27:36, em pista com a sua identificação, é essencial para a reapreciação de parte dos factos não provados, que, na opinião da R foram incorrectamente julgados como tal.
6- Ora, no dia 26 de Janeiro, o mandatário da R, tendo procedido à audição da gravação do depoimento dessa testemunha verifica o mandatário da R que é completamente impossível ouvir-se o que essa testemunha disse em julgamento, considerando que houve problema de natureza técnica que não permite ouvir-se de todo as suas declarações
7- A referida deficiência da gravação dessas declarações e dessa prova determina a imperceptibilidade de toda a inquirição da testemunha, cujo depoimento, como se disse, a R considera decisivo ou importante pois pode constituir causa suficiente para ser alterada a decisão proferida pelo tribunal sobre a matéria de facto e compromete a possibilidade do Tribunal Relação proceder à reapreciação dessa decisão, devendo ordenar-se r a repetição do ato viciado e dos actos posteriores que dele dependam, em conformidade com a jurisprudência que se tem pronunciado sobre matéria idêntica, a nulidade da gravação deve ser conhecida oficiosamente, designadamente o acórdão do TRG 3268/17.0T8BRG.G1, de 28.03.2019, publicado no site da DGSI .. .
8- Considera a recorrente que deverá ser considerada procedente a nulidade alegada, anulando-se a sentença proferida por este Tribunal e mandar-se repetir-se a Audiência de Discussão e Julgamento pelo menos no que respeita à audição da testemunha acima indicada e dessa forma ser assegurado o registo efectivo do seu depoimento.
9- No seguimento do que supra se alega quanto ao sentido e propósito deste recurso, a R não se conforma com a conclusão que consta da motivação fáctica da sentença recorrida, designadamente quando nela se diz que
A ré alegou que teve prejuízos de €7.000 com a ausência inesperada do autor, pois não conseguiu contratar um motosserrista durante seis meses, ficou sem tratorista porque não tinha motosserrista e os seus trabalhos ficaram atrasados, mas esta realidade não resultou provada e, consideramos que, até, nem se terá verificado, pois a ré tinha contratado outro motosserrista em junho de 2021 e o tractorista não saiu da empresa na sequência da ausência do autor, mas já tinha saído em momento anterior….
10- Neste processo é evidente que o A não provou que não tenha assumido uma conduta de abandono do trabalho, pois a R provou a ausência do A e abandono do trabalho acompanhada de factos que praticou e que com toda a probabilidade, revelaram a intenção de o A não retomar o vínculo.
11- Ora a contratação dum outro motorista pela R foi feita em Junho de 2021, num data anterior aos factos que determinaram a cessação do vinculo do A à R por abandono de trabalho e, precisamente por causa disso, nada tem a ver com a desvinculação do A da forma ilícita como ele a assumiu. A R contratou um trabalhador, antes dos factos que alegou para fundamentar o abandono de trabalho por parte do A porque, para além do A, que nessa data (em Junho de 2021) estava a trabalhar para a R, precisamente porque precisava de mais um motosserrista.
12- Parece à R que o que esse decidiu neste aspecto é pois incorrecto: O R não contratou um motosserrista em Junho de 2021 para poder colmatar a ausência do A pois nem sequer nessa data o A tinha abandonado o trabalho, pelo que não compreende por isso que se queira dar a entender que por ter um motosserrista contratado (antes da o abandono de trabalho por parte do A), possa essa tese servir para invalidar o direito da R à indemnização a que o A deu causa, precisamente porque como se disse não parece que a R possa ver-lhe negado o direito à indemnização a que a conduta do A deu causa com base no facto de se dizer que a R tinha um outro trabalhador contratado anteriormente.
13- E nesse sentido não se conforma a R que por uma lado conforme acima se alega, que quanto ao testemunho da testemunha BB se diga que…. A verdade é que o único depoimento que nos pareceu espontâneo e seguro, mantendo sempre alguma imparcialidade [até porque declarou aspetos que contradizem frontalmente o alegado pela ré], foi a testemunha BB, trabalhador da ré, que afirmou claramente que trabalhou algumas semanas com o autor, mas este faltava muito e trabalhou até julho, mas a partir de agosto, não trabalhou, passavam com a carrinha e ele não estava no local, telefonavam e ele não atendia e o patrão chegou a ir bater à porta dele várias vezes, sem resposta….Mas depois se não refere também dessas declarações o que tal testemunha disse no que respeita aos danos e prejuízos da R por causa da ausência injustificada do A:
14- Esta testemunha foi também peremptória a dizer que foram grandes os incómodos e os prejuízos da R por causa da conduta do A: se tal testemunha é verdadeira em parte dos factos não parece que o seu depoimento já seja descartável noutra parte, neste caso a referente à prova dos prejuízos da R. Não pode ser relevante e irrelevante ao mesmo tempo, na opinião da Recorrente, verificando que as conclusões que constam da sentença quanto aos factos com que a R sustenta a sua reconvenção o seu pedido reconvencional são deficientes e obscuras, que ora se invocam nos termos da previsão do n.º 3 do artigo 639 do CPC, e em violação do disposto no ar. 403 do Código do Trabalho.
15- A sentença recorrida na opinião da recorrente a atitude do A determinou prejuízos à R, pelos quais deveria ter sido ele ser adequadamente responsabilizado, pois 21- Na verdade o A de forma ilícita deixou de se apresentar ao trabalho na R, não apresentado à R qualquer justificação.
16- A recorrente não estava preparada para a sua ausência ao trabalho e não estava pois a contar com isso o que a impediu de preparar adequadamente a ausência do A designadamente contratando um motosserrista para os trabalhos que estava a executar em Setembro de 2021 e nos meses subsequentes, tendo o A provocado um prejuízo não inferior a pelo menos 7000 €, da responsabilidade do A.
17- Pelo que deveriam ter sido dada como provados os factos acima alegados pela R no seu pedido reconvencional e ser julgado procedente o pedido feito nesta sede.
18- Tal prejuízo não foi adequadamente valorado, pois deveria o A ser responsabilizado adequadamente por tais consequências , quando mais não seja segundo um principio de equidade e deveria ser declarado que em compensação dos prejuízos sofridos pela R como consequência da atitude ilícita do A nada deveria a R ser condenada a pagar-lhe.
Nestes termos e nos mais de direito doutamente supríveis deve ser dado provimento ao presente recurso e ser verificada a nulidade arguida, anulandose a sentença proferida por este Tribunal e mandar-se repetir-se a Audiência de Discussão e Julgamento pelo menos no que respeita à audição da testemunha acima indicada e dessa forma ser assegurado o registo efectivo do seu depoimento e, além disso, ser revogada a sentença recorrida e ser julgada procedente por provada a reconvenção e o pedido reconvencional e consequentemente ser o A ser responsabilizado adequadamente , quando mais não seja segundo um principio da equidade devendo ser declarado que, em compensação dos prejuízos sofridos pela R como consequência da atitude ilícita do A, nada deveria a R ser condenada a pagar-lhe, assim se fazendo JUSTIÇA

2.2.1. Contra-alegou o Autor / reconvindo, concluindo do modo seguinte:
I- Não tendo a Recorrente arguido tempestivamente, como lhe competia, a deficiência da gravação do depoimento da testemunha BB, a invocada nulidade terá de ser considerada sanada.
II– Aliás, a arguição da nulidade já foi indeferida pelo Tribunal recorrido.
III- Por outro lado, indeferida a arguição da nulidade pelo Tribunal de 1ª instância, a quem competia apreciá-la e decidir, não pode a Relação tomar conhecimento da mesma, pois, a menos que haja recurso da decisão que a indeferiu, o que não é o caso, a questão encontra-se decidida.
IV- Estando impossibilitada a Relação de reapreciar, por inaudível, o depoimento da referida testemunha, não poderá ordenar a repetição do julgamento para a repetição da sua audição.
V- Com efeito, não estando diretamente em causa interesses de ordem pública, mas antes um interesse essencialmente privado da Recorrente na repetição do depoimento gravado, relacionado com o direito ao recurso, o facto de não ter suscitado tempestivamente a arguição da nulidade decorrente da deficiente gravação impede agora a Relação de oficiosamente ordenar a repetição da produção daquele meio de prova.
VI– Por sua vez, o conteúdo da contestação, o segmento da “motivação fáctica” transcrito nas alegações e a decisão dada aos pontos 8 e 9 não são meios de prova nem a Ré justifica, nem se alcança, em que medida é que esses elementos impunham decisão diferente relativamente aos factos dados como não provados nos pontos 7 a 14, do mesmo modo que também não justifica, nem se alcança, a razão pela qual os documentos juntos com a contestação impunham decisão diversa sobre os referidos factos.
VII– A Recorrente também não indica qualquer meio de prova que invalide a motivação apresentada nem explica em que medida é que o raciocínio do Mtº Juiz a quo se encontra viciado ou é deficiente ou obscuro.
VIII– Finalmente, a Recorrente não radica a impugnação da matéria de facto em verdadeiro erro de julgamento mas antes na convicção que o julgador criou sobre a prova produzida e que exteriorizou na motivação de forma objetiva, suficiente e clara.
IX– O que a Recorrente verdadeiramente pretende é que a sua parcial convicção (porque de parte interessada) se sobreponha à judiciosa convicção do julgador (isento por dever de ofício).
X– O que não é fundamento para a impugnação da decisão da matéria de facto e outro não existe, mesmo de direito - que nem sequer é invocado - para alterar a sentença recorrida.
Termos em que, deve negar-se provimento ao recuso, confirmando-se a douta decisão recorrida, assim se fazendo Justiça.

2.3. Depois de aberta conclusão com informação da secretaria na mesma data (com o teor seguinte: “(…) informando V. Exº. de que ouvida a gravação da testemunha em causa, de facto não é perceptível o seu depoimento. Contactado o técnico de informática, para questionar se poderia de alguma forma o depoimento ser recuperado, pelo mesmo foi dito que não haverá nada a poder fazer para repor o mesmo, pois parece dever-se a uma avaria do amplificador, que neste momento já foi trocado, para testar, pelo que faço os autos Conclusos para V. Exª ordenará o que houver por conveniente.”), em 16 de fevereiro de 2023, apreciando o requerimento mencionado supra em 2.1., foi proferido em 1.ª instância despacho nos termos que se transcrevem:
“A ré veio invocar a nulidade decorrente da deficiente gravação de depoimentos prestados na audiência de julgamento, mais concretamente na sessão datada de 30 de novembro de 2022.
O autor opôs-se defendendo que a arguição foi feita fora de tempo.
Cumpre decidir.
Nos termos do artigo 155.º, n.º 3, do CPC, «a gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato», sendo que «a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada».
A gravação da sessão de 30 de novembro de 2022 ficou disponível, pelo menos, em 2 de dezembro de 2022 (data da assinatura da ata), pelo que o prazo de arguição da nulidade ocorreu em 12 de dezembro de 2022, pelo que a sua arguição em 26 de janeiro de 2023 e intempestiva.
Pelo exposto, indefiro a nulidade arguida.
Notifique.”

2.3.1. Não obstante notificadas do despacho mencionado em 2.3, nenhuma das partes se pronunciou ou apresentou qualquer requerimento ao mesmo dirigido.

2.4. O recurso foi admitido em 1.ª Instância, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

3. Nesta Relação, aberta vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, o mesmo deixou exarado parecer no sentido de ser extemporânea a invocação da nulidade e da improcedência do recurso, parecer esse em relação ao qual não ocorreu pronúncia de qualquer das partes.
*
Respeitadas as formalidades legais, cumpre decidir:
II – Questões a resolver
Sendo, como é consabido, pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC – aplicável “ex vi” do artigo 87., n.º 1, do CPT –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir nesta sede: invocada nulidade de falta de gravação de depoimento; impugnação da matéria de facto; parte do recurso dirigida à aplicação do direito.
*
III – Fundamentação
A) Fundamentação de facto
Em 1.ª instância considerou-se como factos provados o que seguidamente se transcreve:
1. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à exploração florestal.
Por acordo verbal não reduzido a escrito, o Autor foi admitido ao serviço da Ré, em Março de 2018, por tempo indeterminado, para trabalhar para a mesma como motosserrista, cortando e empilhando madeira à mão, sob a sua direção, autoridade e disciplina.
2. A Ré atribuiu ao Autor a categoria profissional de Trabalhador Agrícola ou Florestal/Trabalhador florestal.
3. Mediante a retribuição mensal ilíquida que, no ano de 2021, era de 665,00€.
4. No dia 14 de setembro de 2021, o Réu recebeu uma carta da Ré a comunicar a cessação do contrato de trabalho por abandono do posto de trabalho.
5. Na referida comunicação, datada de 10 de setembro de 2021, é referido que o Autor “não está a comparecer ao seu posto de trabalho há mais de 10 dias sem ter dado qualquer justificação”, que a Ré sabia que o Autor “tem exercido trabalho em outros locais durante este tempo e dentro do horário de trabalho que habitualmente praticava nesta sociedade”, que “presume-se que V/Exa não tem intenção de retomar o seu posto de trabalho nesta entidade”, pelo “de acordo com o artº 403º do CT, vem esta sociedade denunciar o contrato de trabalho por facto imputável ao trabalhador”, concluindo que “considera-se resolvido o contrato de trabalho com efeitos a partir do momento que V/Exa recepcione esta comunicação, que se presume seja no próximo dia 13/09/2021”.
6. Durante a relação entre as partes, a ré procedeu ao pagamento de formação profissional recebida pelo autor, necessária para este exercer a atividade de motosserrista, num período de cerca de três semanas, dois dias por semana.
7. Durante parte do mês de julho até 14 de agosto de 2021, o autor não compareceu ao trabalho.
8. Contactado por pessoa indicada pela ré para o efeito, durante o mês de agosto de 2021, o autor comprometeu-se a apresentar justificação das faltas, mas nunca apresentou.
9. No início de junho de 2021, a ré contratou um outro motosserrista que continuou a trabalhar para esta até, pelo menos, novembro de 2022.

Considerou-se de seguida como factos não provados o seguinte:
1. Em 14 de setembro de 2021, o Autor não tinha deixado de comparecer ao seu posto de trabalho há mais de 10 dias, pois manteve- se ao trabalho nesse período, nem estava a trabalhar noutros locais dentro do horário de trabalho que praticava para a Autora, nem em qualquer outro.
2. Recebida a referida comunicação o Autor estava a trabalhar para a Ré e assim continuou até ao final desse mês de setembro de 2021, sem qualquer objeção da mesma e sem qualquer referência à referida comunicação.
3. A Ré continuou a agir como se nada se tivesse passado, continuando o seu gerente a procurar o Autor na casa deste todas as manhãs, a deslocar-se com o mesmo, na viatura da Ré, para os locais de trabalho e, no final da jornada de trabalho, a transportá-lo de volta à residência, como o fazia antes de efetuar a referida comunicação.
4. Até que, a partir do final de setembro de 2021, o gerente da Ré deixou de procurar o Autor na residência deste para o transportar para o local de trabalho.
5. Informando o Autor que, a partir daí, não tinha mais trabalho para ele, por não ter tratorista.
6. Disse-lhe, por mais de uma vez, “Vai-te embora que eu não tenho mais trabalho para ti”.
7. Em consequência da falta inesperada do autor, a ré não conseguiu contratar um motosserrista para os trabalhos que estava a executar em setembro de 2021 e nos meses subsequentes.
8. O que determinou atrasos e constrangimentos relevantes no trabalho que a ré estava a efectuar nessa data.
9. A ré ficou pelo menos durante 6 meses sem motosserrista.
10. Apesar de ter tentado contratar trabalhador não o conseguiu e, pelo menos durante esse período, ficou sem motorista o que determinou por sua vez a autentica paragem de corte e rechega de madeira.
11. A Ré, desde então, mas pelo menos durante os 6 meses subsequentes, viu verificar-se atraso e mesmo paragem dos trabalhos.
12. Por falta de motosserrista ficou sem poder cortar madeira pelo menos durante vários meses.
13. E por falta de corte de madeira e de matéria aconteceu que um tractorista ao serviço da Ré, que habitualmente trabalhava para a firma Ré, teve também que deixar de prestar serviços à R por falta de matéria prima e de trabalho.
14. O que provocou um prejuízo não inferior a pelo menos 7000€.
*
B) Discussão
1. Nulidade invocada
Invoca a Recorrente que, no que se refere às declarações da testemunha BB, que respondeu a toda a matéria dos temas de prova, em relação ao qual foi afirmado na motivação da sentença ser “o único depoimento que nos pareceu espontâneo e seguro, mantendo sempre alguma imparcialidade [até porque declarou aspetos que contradizem frontalmente o alegado pela ré]”, tendo requerido que lhe fosse disponibilizada pelo Tribunal “a gravação dos depoimentos das testemunhas, a fim de apresentar recurso da decisão proferida nos autos e poder contar também com essa gravação desse depoimento, na medida em que pretende recorrer da matéria de facto dada como não provada e requerer a sua modificabilidade, nos termos em que tal pretensão é legal e processualmente admissível”, no entanto, diz, tendo o seu Mandatário procedido à audição da gravação do depoimento dessa testemunha verificou que é completamente impossível ouvir-se o que disse em julgamento, considerando que houve problema de natureza técnica que não permite ouvir-se de todo as suas declarações”, sendo que tal deficiência da gravação e dessa prova determina a impercetibilidade de toda a inquirição da testemunha, cujo depoimento “considera decisivo ou importante pois pode constituir causa suficiente para ser alterada a decisão proferida pelo tribunal sobre a matéria de facto e compromete a possibilidade do Tribunal Relação proceder à reapreciação dessa decisão, devendo ordenar-se a repetição do ato viciado e dos actos posteriores que dele dependam”. Mais acrescenta, no seguimento do que invocou quanto ao sentido e propósito deste recurso, que não se conforma com a conclusão que consta da motivação fáctica da sentença recorrida, designadamente quando nela se diz que “A ré alegou que teve prejuízos de €7.000 com a ausência inesperada do autor, pois não conseguiu contratar um motosserrista durante seis meses, ficou sem tratorista porque não tinha motosserrista e os seus trabalhos ficaram atrasados, mas esta realidade não resultou provada e, consideramos que, até, nem se terá verificado, pois a ré tinha contratado outro motosserrista em junho de 2021 e o tractorista não saiu da empresa na sequência da ausência do autor, mas já tinha saído em momento anterior”, pois que, diz, a testemunha BB “foi também peremptória a dizer que foram grandes os incómodos e os prejuízos da R por causa da conduta do A” e, “se tal testemunha é verdadeira em parte dos factos não parece que o seu depoimento já seja descartável noutra parte, neste caso a referente à prova dos prejuízos da R”, pelo que deveriam ter sido dada como provados os factos que alegou “no seu pedido reconvencional e ser julgado procedente o pedido feito nesta sede”.
Defende o Recorrido, por sua vez, que, “não tendo a Recorrente arguido tempestivamente, como lhe competia, a deficiência da gravação do depoimento da testemunha BB, a invocada nulidade terá de ser considerada sanada”, acrescentando, ainda, por um lado, que “a arguição da nulidade já foi indeferida pelo Tribunal recorrido” e, por outro, indeferida essa arguição “pelo Tribunal de 1ª instância, a quem competia apreciá-la e decidir, não pode a Relação tomar conhecimento da mesma, pois, a menos que haja recurso da decisão que a indeferiu, o que não é o caso, a questão encontra-se decidida” – e, “estando impossibilitada a Relação de reapreciar, por inaudível, o depoimento da referida testemunha, não poderá ordenar a repetição do julgamento para a repetição da sua audição”.
Pronunciando-se o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer emitido, no sentido de ser extemporânea a invocação da nulidade, constata-se que o Tribunal recorrido, previamente à subida dos autos a este Tribunal de recurso, depois de aberta conclusão com informação da secretaria na mesma data (com o teor seguinte: “(…) informando V. Exº. de que ouvida a gravação da testemunha em causa, de facto não é perceptível o seu depoimento. Contactado o técnico de informática, para questionar se poderia de alguma forma o depoimento ser recuperado, pelo mesmo foi dito que não haverá nada a poder fazer para repôr o mesmo, pois parece dever-se a uma avaria do amplificador, que neste momento já foi trocado, para testar, pelo que faço os autos Conclusos para V. Exª ordenará o que houver por conveniente.”), se pronunciou, em 16 de fevereiro de 2023, apreciando requerimento que havia sido apresentado pela Ré / aqui recorrente, nos termos seguintes:
“A ré veio invocar a nulidade decorrente da deficiente gravação de depoimentos prestados na audiência de julgamento, mais concretamente na sessão datada de 30 de novembro de 2022.
O autor opôs-se defendendo que a arguição foi feita fora de tempo.
Cumpre decidir.
Nos termos do artigo 155.º, n.º 3, do CPC, «a gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato», sendo que «a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada».
A gravação da sessão de 30 de novembro de 2022 ficou disponível, pelo menos, em 2 de dezembro de 2022 (data da assinatura da ata), pelo que o prazo de arguição da nulidade ocorreu em 12 de dezembro de 2022, pelo que a sua arguição em 26 de janeiro de 2023 e intempestiva.
Pelo exposto, indefiro a nulidade arguida.”
Ora, não obstante notificada do aludido despacho, em que o Tribunal a quo, no seguimento aliás da invocação da Ré da questão em requerimento, se pronunciou expressamente sobre a nulidade invocada, indeferindo-a, por ter considerado intempestiva a respetiva arguição, o que se consta é que a aqui Recorrente, apesar de aquela decisão ter sido proferida já após ter apresentado as suas alegações no presente recurso (e no qual, naturalmente, até porque foi posterior, não foi inserido como objeto esse despacho autónomo), remeteu-se ao silêncio processual, ou seja, contra essa decisão não reagiu processualmente, quando, salvo o devido respeito, a própria prudência aconselharia, desde logo para evitar que sobre tal decisão não pudesse vir a incidir caso julgado e, sendo assim, que esse trânsito impedisse que esta Relação se pudesse pronunciar sobre a questão não obstante ter sido invocada também, mas antes daquela decisão de 1.ª instância, no recurso interposto.
Assim o dizemos pois que, seguindo-se de muito perto o afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de março de 2022[1], que incidiu precisamente sobre situação similar em que foi conhecida expressamente a questão em 1.ª instância sem reação da parte contra essa decisão, “como podemos verificar, a arguição da mesma foi objeto de apreciação, através de despacho do Senhor Juiz da primeira instância, de 13/07/2021, transitado em julgado, que indeferiu, por extemporaneidade, nos termos do art. 155.º n.º 4, do C.P.C., a arguição de tal nulidade, considerando-a sanada” e, “nestes termos, não tendo sido impugnado autonomamente aquele despacho, bem andou o Tribunal da Relação em se ter abstido de conhecer, por não ser oportuno, tal matéria”.
Do exposto resulta que, quando vista na perspetiva de invocação da aludida nulidade pela parte interessada, assim a aqui Recorrente, o trânsito daquela decisão, não obstante possam existir entendimentos diversos incluindo na jurisprudência dos nossos tribunais a respeito do início da contagem do prazo e designadamente se pode apenas ser feita nas alegações, porque em tal decisão se afirmou expressamente a intempestividade no caso da arguição, que aliás foi feita em requerimento autónomo que motivou tal pronúncia, impede que esta Relação sobre tal questão se possa de novo pronunciar, no presente recurso.
Nos termos expostos, improcede a analisada invocação.

2. Não obstante o que referimos anteriormente, não deixaremos de esclarecer, mas agora apenas a respeito da questão de saber se, ainda assim, no entendimento, defendido por parte da nossa jurisprudência de que nesses casos de falta ou deficiência de gravação de depoimentos possamos estar perante questão de conhecimento oficioso, assim imposto nas situações previstas no n.º 2 do artigo 662.º do CPC, o que pressupõe, pois, que estejamos no caso em qualquer dessas situações, que sequer será este o caso, como melhor esclareceremos de seguida.
Porque com manifesta relevância para o enquadramento dessa questão, dispensando-se assim outras considerações da nossa parte, transcreveremos, aqui, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de março de 2022[2], nos termos seguintes:
“(…) De harmonia com a nossa lei adjetiva, são duas as modalidades ou variantes de nulidades, as principais ou tipificadas e as nulidades secundárias.
As nulidades principais são as que o art.º 196º do Código Processo Civil expressamente se refere, constituindo nulidades secundárias todas os demais casos de desvio na prática do ato processual, desde que relevantes.
Estatui o art.º 155º do Código Processo Civil sobre a gravação da audiência final e documentação dos demais atos presididos pelo juiz que “A audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, devendo apenas ser assinalados na ata o início e o termo de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respetiva resposta, despacho, decisão e alegações orais” (n.º1), sendo que“A gravação é efetuada em sistema sonoro, sem prejuízo de outros meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor” (n.º 2), a par de que “a gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato” (nº. 3) e “a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada” (n.º 4).
Este preceito do Código Processo Civil simetriza, em parte, com os artºs. 159º e 522º-C n.º 1, do anterior Código Processo Civil, e artºs. 6º, n.º 1, 7º, n.º 2, e 9º, do Decreto-lei nº. 39/95, de 15 de fevereiro, sendo inovador o n.º 1, pelo que, da conjugação dos nºs. 1 a 4 deste artigo, bem como, do art.º 422º do Código Processo Civil, reconhecemos tacitamente revogados os artºs. 6º, n.º 1, 7º, n.º 2, e 9º, todos Decreto-lei nº. 39/95, de 15 de fevereiro.
Do cotejo do enunciado normativo torna-se evidente, desde logo, que o legislador tomou posição sobre a forma e o tempo de arguição da deficiência ou inaudibilidade da gravação, assumindo que o termo inicial daquele prazo contar-se-á desde o momento da efetiva disponibilização da gravação.
A nível jurisprudencial, no que tange à tempestividade da arguição da nulidade, a questão não tem sido pacífica, tendo por referência o direito adjetivo civil aplicável antes da entrada em vigor do Novo Código Processo Civil, e, neste sentido, divisamos uma tese defendida pela Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que considera a tempestividade da arguição da nulidade gerada pela inaudibilidade ou imperceptibilidade das gravações operada nas alegações do recurso de apelação, sendo que também encontramos decisões jurisprudenciais que sustentam, divergindo daqueloutro entendimento, ser o prazo para arguição da dita nulidade de 10 (dez) dias, a contar da data da disponibilização do registo magnético pelo tribunal, e outras ainda proclamam que esse prazo é de dez dias, contados da data limite em que a parte deveria ter solicitado a entrega da cópia do registo da gravação, nos termos do n.º 2 do art.º 7º, do Decreto-lei nº. 39/95, de 15 de fevereiro.
Dada a manifesta dissensão que existia na Jurisprudência relativamente a esta matéria, o legislador quis pôr cobro a tal controvérsia, tendo o n.º 4 do art.º 155º do Código Processo Civil carácter interpretativo, razão pela qual entendemos que será aplicável a gravações efetuadas mesmo antes de 1 de setembro de 2013 (artigo 13º do Código Civil).
Observamos, porém, que no caso de anulação da decisão de facto por contradição sobre pontos determinados da matéria de facto (art.º 662º, n.º 2, alínea c), do Código Processo Civil), sendo essa contradição factual de conhecimento oficioso, coloca-se a questão de saber se a deficiência ou inaudibilidade da totalidade ou de parte da prova que sustentou as respostas aos pontos de facto contraditórios será também de conhecimento oficioso.
Reconhecemos, quer do art.º 155º, quer do art.º 422º, ambos do Código Processo Civil, o propósito de regulação completa da matéria da gravação das audiências, incidentes e procedimento cautelares, razão pela qual, o Decreto-lei nº. 39/95, de 15 de fevereiro foi tacitamente revogado, nos preceitos acima referidos, sendo certo que quanto aos restantes perdeu grande parte da atualidade, em virtude de estar talhado para a gravação analógica em fitas magnéticas. Cremos, pois, que não obstante a gravação deficiente não seja, em regra, um vício de conhecimento oficioso, parece que quando haja necessidade de recorrer à prova gravada para sanação de um vício de conhecimento oficioso, necessariamente tal vício será também de conhecimento oficioso. Caso contrário, conhecer-se-ia oficiosamente da contradição e não se poderia remover a contradição, o que, convenhamos, não se compagina com o paradigma do legislador, diligente e inteligente, considerado no nosso direito substantivo civil (art.º 9º, n.º 3, do Código Civil) (…)»
Do entendimento antes exposto resultará, assim, como aliás no citado Acórdão se refere, que “numa verificada situação de contradição na decisão da matéria de facto em razão das respetivas respostas, bem assim, na inexistência ou inaudibilidade/ impercetibilidade de uma ou várias gravações, o Tribunal da Relação não tem ao seu dispor todos os elementos probatórios que permitam remover o vício, sendo o procedimento a adotar o previsto no art.º 662º n.º 2, alínea c) e n.º 3, alínea b), do Código Processo Civil, ou seja, “2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; 3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma: b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições.”
Fora desses casos, em que pode a relação conhecer oficiosamente do vício em questão, como o parece pretender a Recorrente, assim determinando a baixa do processo à 1ª instância a fim de esta sanar o mesmo, sendo considerada intempestiva a arguição por decisão transitada em julgado, nos termos antes dito, importa ter presente que esta pretensão da Recorrente se revela afinal de natureza essencialmente privada, dada a sua inerência ao próprio direito a interpor recurso, direito este que, porém, não se configura de modo absoluto, pois que, embora o legislador esteja impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões[3].
Sendo assim, mesmo aplicando-se o entendimento antes referido ao caso, o que se constata é que não estaremos afinal perante uma qualquer das referidas situações em que se impusesse a nossa intervenção oficiosa.
Na verdade, tendo-se o Tribunal recorrido pronunciado sobre a matéria de facto, formando a sua convicção, na consideração de que a prova foi efetivamente produzida em audiência, em que se inclui o depoimento cuja gravação está inaudível, e que teve assim, gozando aliás do privilégio da imediação, por base essa prova para aquelas pronúncia e convicção, não encontramos razões para reputarmos como deficiente, obscura ou contraditória a decisão que foi proferida sobre pontos determinados da matéria de facto.
De resto, esclareça-se, a respeito da única invocação que a Recorrente faz nas alegações nesse âmbito, referindo-se ao depoimento da testemunha BB, de que, “se tal testemunha é verdadeira em parte dos factos não parece que o seu depoimento já seja descartável noutra parte, neste caso a referente à prova dos prejuízos da R” (“Não pode ser relevante e irrelevante ao mesmo tempo, na opinião da Recorrente”), a verdade é que, com salvaguarda do respeito devido, não se percebe a afirmação que se faz de seguida de que verificaria “que as conclusões que constam da sentença quanto aos factos com que a R sustenta a sua reconvenção o seu pedido reconvencional são deficientes e obscuras, que ora se invocam nos termos da previsão do n.º 3 do artigo 639 do CPC, e em violação do disposto no ar. 403 do Código do Trabalho”, pois que, como é de fácil constatação, o normativo indicado nada tem a ver com uma qualquer situação de deficiência ou obscuridade da sentença e antes, sim, sobre convite ao aperfeiçoamento de conclusões do recurso. Admitindo-se, porém, que se possa tratar de lapso e que se pretendesse fazer alusão ao regime estabelecido no artigo 662.º n.º 2, alínea c), a que antes fizemos referência, sempre esclareceremos que, como aliás já antes o avançámos, não é este o caso.
Como resulta da motivação constante da sentença sobre a matéria de facto, a referência, a que alude a Recorrente, ao depoimento da testemunha BB – “A verdade é que o único depoimento que nos pareceu espontâneo e seguro, mantendo sempre alguma imparcialidade [até porque declarou aspetos que contradizem frontalmente o alegado pela ré], foi a testemunha BB, trabalhador da ré, que afirmou claramente que trabalhou algumas semanas com o autor, mas este faltava muito e trabalhou até julho, mas a partir de agosto, não trabalhou, passavam com a carrinha e ele não estava no local, telefonavam e ele não atendia e o patrão chegou a ir bater à porta dele várias vezes, sem resposta” – começa por estar está diretamente relacionada com o que se diz de seguida, assim que, “perante este elemento provatório, consideramos ser de considerar provado que a partir de meados de julho o autor não trabalhou mais para a ré”, e de que, a respeito do que teria sido referido pelo Autor de que trabalhou em setembro, para além do mais aí mencionado, que tal teria sido contrariado especialmente pela a testemunha BB, que “deixa claro que a partir de agosto o autor não trabalhou”, sendo que, no que se refere em particular, depois, à pronúncia referente aos factos não considerados provados (iniciada com a referência “Para além disso, a ré alega que ficou sem motosserrista e depois sem tractorista, por força do abandono do autor e, por via disso, o seu trabalho atrasou-se e teve prejuízos de €7.000”), as referências que se fazem à referida testemunha em momento algum o Tribunal recorrido fez constar que nesta parte não tenha aquela mantido a espontaneidade, segurança e imparcialidade que antes afirmara, dizendo antes, o que é coisa diversa, sem que tal envolva uma qualquer situação de deficiência ou obscuridade na pronúncia, é que “não existe prova minimamente consistente nesse sentido, para além de algumas referências genéricas”, na consideração, que se faz de seguida, de que “Não foram apresentados quaisquer elementos contabilísticos e, para além disso, a testemunha BB identificou-se como motosserrista, referiu que o patrão também cortava árvores [a testemunha CC também referiu que, com as faltas do autor, o patrão tinha que fazer o trabalho dos empregados] e a verdade é que a testemunha BB foi contratada em junho de 2021 e ainda trabalha na empresa e o tal tractorista, a testemunha DD saiu em data que o mesmo não conseguiu especificar [pois inicialmente disse julho, mas como admitiu que não chegou a trabalhar juntamente com a testemunha BB, tudo indica que terá sido maio, como o próprio também admitiu], mas sempre muito antes de setembro, o que não faz sentido com a alegação da ré”. Ou seja, como é mais uma vez de fácil constatação, o que ressalta é uma consideração, em face de toda a prova produzida, de que a Ré / aqui recorrente, pelas razões que se indicam, não satisfez o ónus da prova sobre esses factos, explicando-se, aliás, quanto à testemunha BB, as razões porque assim foi entendido – assim o ter-se identificado como motosserrista, o ter referido que o patrão também cortava árvores, bem como que, tendo sido contratada em junho de 2021, trabalhando ainda na empresa, no entanto que o tal tratorista, a testemunha DD, teria saído em data que o mesmo não conseguiu especificar, mas sempre muito antes de setembro, para se dizer de seguida que tal “não faz sentido com a alegação da ré” –, o que, podendo certamente ser objeto de divergência em termos de formação de convicção por parte da aqui Recorrente, assim no sentido de pretender convencer que outra deveria ter sido a convicção, não se confunde, sendo que é apenas disso que se trata para efeitos da nossa aludida intervenção oficiosa, com uma qualquer situação de deficiência ou porventura de obscuridade na aludida pronúncia.
Em face do exposto, não estamos, afinal, perante situação que, nos termos antes ditos, pudesse justificar, no entendimento enunciado, a nossa intervenção oficiosa.

3. Recurso sobre a matéria de facto
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do CPT, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Aí se abrangendo, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente, deve esse porém, nestes casos, observar os ónus de impugnação previstos no artigo 640.º, no qual se dispõe:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[4]. Contudo, como também sublinha, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[5].
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, temos considerado que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[6] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[7].
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe ao recorrente que concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
Discorrendo sobre a matéria, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de outubro de 2016[8] que, “Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.” Observa-se também no Acórdão do mesmo Tribunal de 7 de julho de 2016[9] que, “para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).” Resulta também do Acórdão do mesmo Tribunal de 5 de Setembro de 2018[10] que a “alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”, sendo que “não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna”.
Ora, tendo por referência ao mencionado regime, constata-se que, no caso, sendo manifesta a intenção da Recorrente quanto à reapreciação da matéria de facto, no entanto, vistas as conclusões que a tal se destinam, extraindo-se que são indicados expressamente os pontos de facto impugnados, assim o que consta dos pontos 7.º a 14.º da factualidade não provada, referindo-se ainda o sentido da alteração, ou seja que o que consta desses pontos deveria ter sido considerado provado, devendo deste modo ser tidos como cumpridos os ónus estabelecidos nas citadas alínea a) e c) do n.º 1 do artigo, no entanto, porém, a impugnação é dirigida em bloco a esse conjunto alargado de factos, indicando também em bloco a prova que diz suportar a alteração defendida, e não, pois, como entendemos que se imporia, indicando a prova a cada um desses factos ou eventualmente, o que admitimos poder fazer, a mais do que um facto mas desde que estejam diretamente relacionados, modo de atuar que, nos termos antes ditos, não cumprirá o ónus legal estabelecido na também antes citada alínea b), do nº 1, do mesmo dispositivo legal, que tem como como consequência que o recurso deva ser rejeitado.
Admitindo-se, porém, certamente numa leitura no mínimo menos formalista do regime legal, na consideração de que exista também alguma relação entre todo esse conjunto de factos, que seja caso de apreciação do recurso, a verdade é que sequer a prova permite dar adequado suporte à alteração pretendida, como melhor veremos de seguida.
Pugnando o Apelado pela improcedência do recurso, no que é acompanhado pelo Ministério Público junto desta Relação, consta da motivação sobre a matéria de facto nomeadamente o seguinte:
«(…) Para além disso, a ré alega que ficou sem motosserrista e depois sem tractorista, por força do abandono do autor e, por via disso, o seu trabalho atrasou-se e teve prejuízos de € 7.000. Não existe prova minimamente consistente nesse sentido, para além de algumas referências genéricas. Não foram apresentados quaisquer elementos contabilisticos e, para além disso, a testemunha BB identificou-se como motosserrista, referiu que o patrão também cortava árvores [a testemunha CC também referiu que, com as faltas do autor, o patrão tinha que fazer o trabalho dos empregados] e a verdade é que a testemunha BB foi contratada em junho de 2021 e ainda trabalha na empresa e o tal tractorista, a testemunha DD saiu em data que o mesmo não conseguiu especificar [pois inicialmente disse julho, mas como admitiu que não chegou a trabalhar juntamente com a testemunha BB, tudo indica que terá sido maio, como o próprio também admitiu], mas sempre muito antes de setembro, o que não faz sentido com a alegação da ré.»
Invoca a Recorrente, de modo genérico, que os “factos deveriam ter sido dados como provados pois constam do processo ou do registo ou gravação nele realizada concretos meios probatórios que impunham uma decisão diferente da sentença recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados, designadamente”, “A contestação da R.”, “Os documentos juntos pela R na sua contestação”, “As declarações da testemunha arrolada BB, que respondeu a toda a matéria dos temas de prova e o seu depoimento encontra-se gravado em suporte digital/CD, no contador de 00:00:01 a 00:27:36, em pista com a sua identificação”.
Ora, sem esquecermos que o Tribunal fez referência, na citada motivação, para efeitos de justificar a formação da sua convicção, a um conjunto de prova, que expressamente indicou, a verdade é que a Recorrente, dentro dessa prova, apenas se limita, para fundar o recurso, em termos de indicação de prova, por um lado, a fazer uma referência à sua contestação e aos documentos com essa juntos, não se percebendo, salvo o devido respeito, porque razão ou fundamento a contestação será um meio de prova e quanto aos documentos quais serão em concreto esses e já agora a que facto ou factos serviriam de suporte em termos de prova, o que não se traduz em indicar prova em cumprimento dos ónus legais que lhe são impostos, e, por outro, pretendendo suportar a alteração, no que à prova por declarações e testemunhal diz respeito, no que porventura pudesse ter resultado do depoimento de uma única testemunha, quando outra prova foi expressamente atendida e considerada, mesmo quanto a essa, para além de não se fazer qualquer referência expressa, sequer, desde logo porque o depoimento foi prestado presencialmente perante os Mandatários de ambas as partes em audiência, ao que teria ou não efetivamente sido referido pela mesma, a verdade é que, para além disso, mesmo quanto ao aludido meio de prova, pelas razões já antes ditas, assim por deficiência de gravação, sequer este Tribunal superior está em condições de verificar se tal depoimento relevaria, e em que termos, no sentido de afastar ou de dar pelo contrário suporte à convicção firmada em 1.ª instância, pois que, sendo inaudível o registo de gravação, importa dizer que a Recorrente, como lhe competia, tendo direto interesse em esse registo permitisse a nossa apreciação, não cuidou de, através dos meios legais ao seu dispor, de reagir atempadamente, de modo a que fosse suprido o ocorrido. Ou seja, relembrando-se mais uma que estão evidenciados em primeira linha nesta situação os interesses privados da parte em recorrer e só indireta e secundariamente os interesses públicos – não cabendo assim esta Relação conhecer oficiosamente da nulidade decorrente da impossibilidade de aceder à gravação, nos termos antes ditos –, não tendo tido a Recorrente o cuidado de atempadamente invocar a ocorrência de nulidade, não reagindo ainda contra a decisão que indeferiu a sua arguição, tais omissões só à mesma podem ser imputadas, suportando as suas consequências, no caso o impedimento em que ficou esta Relação de reapreciar criticamente todos os meios de prova de forma livre, articulada e conexa[11].
Daí que, importando ter presente, por apelo a Lebre de Freitas[12], que “o princípio da livre apreciação da prova significa que o julgador deve decidir sobre a matéria de facto da causa segundo a sua íntima convicção, formada no confronto com os vários meios de prova”, nas circunstâncias do caso, não se encontrem razões para não considerarmos que a decisão recorrida tenha motivado e analisado, de forma ponderada, a globalidade da prova produzida, toda ela, pois, não podendo dizer-se que padeça assim de desconformidade com os elementos probatórios disponíveis, sendo que, como também já dito, não resulta afinal a nosso ver infirmada essa decisão na alegação da Recorrente, na consideração da prova que indica, com a agravante de sequer parte dela poder ser reapreciada por este Tribunal da Relação. Como o temos dito noutras pronúncias, tendo por base o regime legal aplicável, teremos de ter também presente que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[13]–, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão proferida em 1.ª instância, exigindo antes da parte processual que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos – sem limitar, porém, o segundo grau, ou seja o tribunal de recurso, de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção (não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[14]).
Em face do exposto, sempre será de declarar improcedente o recurso na parte dirigida à impugnação da matéria de facto.

4. Dizendo de Direito
Em face do que resulta das conclusões, excluídos os argumentos que expressamente dirigiu às questões da nulidade que invocou, mas que não obtiveram sustentação nos termos antes decididos, extrai-se que a Recorrente, no pressuposto aliás de que lograria alcançar a alteração da matéria de facto por que também pugnou, mas que como também o vimos não logrou alcançar, se limita a referir que deveria o o seu pedido reconvencional e ser julgado procedente, acrescentando que o “prejuízo não foi adequadamente valorado, pois deveria o A ser responsabilizado adequadamente por tais consequências , quando mais não seja segundo um principio de equidade e deveria ser declarado que em compensação dos prejuízos sofridos pela R como consequência da atitude ilícita do A nada deveria a R ser condenada a pagar-lhe”.
O que se referiu anteriormente visa evidenciar, salvo o devido respeito, visto o teor da sentença, que não cuidou a Recorrente, nomeadamente para o caso de não lograr alcançar a alteração da matéria de facto por que pugnou, de dirigir àquela sentença, nessa eventualidade, no que à aplicação do direito diz respeito, qualquer efetivo argumento jurídico tendente a infirmar essa aplicação do direito, assim nomeadamente erro na interpretação ou aplicação da lei, no sentido de explicar a razão por que a decisão deveria ter sido outra – no caso aquela que menciona na supra mencionada conclusão, quando, como é comummente afirmado, impendia sobre si, enquanto Recorrente, em sede de recurso, o ónus dessa invocação, com vista a evidenciar que deveriam ser afastados os fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei – versando o recurso sobre matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2, do CPC).
Improcede, assim, o recurso também na vertente da aplicação do direito.

No que se refere a responsabilidade pelas custas do recurso, por decaimento, essa impende sobre a Recorrente (artigo 527.º do CPC).
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Sumário – a que alude o artigo 663º, nº 7 do CPC:
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IV - DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em declarar improcedente o recurso, de facto e de direito, com a consequente confirmação da sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.
Porto, 26 de junho de 2023
(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Jerónimo Freitas
Rita Romeira
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[1] Relator Conselheiro Pedro Branquinho Dias, in www.dgsi.pt.
[2] Relator Conselheiro Oliveira Abreu, mais uma vez em www.dgsi.pt.
[3] Veja-se, indicando em suporte o Ac. TC n.º 159/2019 de 13 de março de 2019, o Ac. STJ de 10-01-2023, que nesta parte se seguiu de muito perto - Relator Conselheiro Nuno Ataíde das Neves, in www.dgsi.pt.
[4] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[5] Op. cit., p. 235/236
[6] Cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[7] Cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[8] www.dgsi.pt
[9] Processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1 (disponível igualmente em www.dgsi.pt
[10] Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, também em www.dgsi.pt.
[11] Veja-se, mais uma vez, o Ac. STJ de 10-01-2023, que nesta parte se seguiu também de muito perto, já antes identificado.
[12] em “Introdução ao Processo Civil, 3.ª edição, p. 196
[13] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[14] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt