Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1708/21.2T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO MULTI-RISCOS
ÂMBITO DA RESPECTIVA COBERTURA
MURO
DESPRENDIMENTO DE TERRAS
Nº do Documento: RP202306051708/21.2T8STS.P1
Data do Acordão: 06/05/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Tendo o derrube de um muro sido causado por desprendimento de terras ocasionado por acção da chuva e do efeito de erosão decorrente da sua infiltração no solo, tal deslocação ou movimentação de terras integra um “aluimento”;
II – Situando-se tal muro em prédio objecto de contrato de seguro e abrangendo este, como nele previsto, os danos sofridos pelos bens seguros em consequência de “fenómenos geológicos” constituídos por “aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos”, é de concluir que os danos decorrentes de tal derrube estão abrangidos por tal contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº1708/21.2T8STS.P1
(Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Santo Tirso – Juiz 2)


Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim



Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório

AA e marido, BB, propuseram acção declarativa comum contra “A..., S.A.”, pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de €15.621,00 (quinze mil, seiscentos e vinte e um euros) acrescida de juros de mora a contar da citação até integral pagamento.
Alegaram para tal que, na vigência de contrato de seguro denominado de “Riscos Múltiplos Habitação – Protecção Casa Mais” que celebraram com a ré, ocorreram danos no muro do seu prédio objecto daquele contrato cuja reparação ascende àquele montante na sequência de risco (desprendimento de terras) por ele coberto.
A ré deduziu contestação, impugnando o valor dos danos e arguindo a exclusão dos mesmos do contrato de seguro.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador e subsequente despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Procedeu-se a julgamento, tendo na sua sequência sido proferida sentença em que a final se decidiu nos seguintes termos:
Pelo supra exposto, julga-se a ação totalmente procedente e, consequentemente, decide-se:
A) Condenar a Ré A...,S.A. a pagar aos Autores AA e marido BB a quantia de 15.621,00€ (quinze mil, seiscentos e vinte e um euros), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento;
B) Condenar a Ré A..., S.A. no pagamento das custas processuais.

De tal sentença veio a ré interpor recurso – agora como “B... – Companhia de Seguros, S.A.”, que incorporou, por fusão, a ré inicial (conforme registo de tal operação no registo comercial em 3/1/2022 comunicada pela “B...” no requerimento de interposição do recurso) –, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.
O objecto primordial do presente recurso é a veemente impugnação da decisão proferida quanto aos factos 2. 6. e 9., porquanto a Apelante entende que os mesmos mereciam a seguinte resposta alternativa:
2. No prédio descrito em 1), existem dois muros de suporte em pedra na área do predito quintal
6. No dia 20/12/2019, em consequência de chuva que ocorreu no antedito dia, cerca das 10h, o muro de suporte existente na parte superior cedeu e caiu, em parte, provocando a queda de pedras e terra que derrubaram, em parte, o muro de suporte existente na parte inferior.
9. Estima-se o custo dos trabalhos referidos em 8) num valor que varia entre €10.000,00€ (dez mil euros) e os 15.261,00€ (quinze mil, duzentos e sessenta e um euros).
2.
Além disso, propõe a Apelante que seja aditado mais um facto: Os muros de contenção em causa têm mais de 60 anos, sem que alguma vez tenham sofrido alguma obra de reparação ou manutenção.
3.
Com o devido respeito, o Tribunal a quo não ponderou de forma integrada a prova produzida e não teve em consideração que o sinistro decorre da queda parcial de dois muros de contenção.
4.
Assim, quanto ao facto 2., isto é, de que se tratou da queda de dois muros, resulta do i) depoimento da testemunha CC (gravado no Habillus Media Studio, no dia 16 de Março de 2022, nome do ficheiro áudio 20220316095848_15983501_2871590, das 09:58:49 às 10:08:09, mais concretamente aos minutos 05:50 a 06:45; ii) do depoimento da testemunha DD (gravado no Habillus Media Studio, no dia 16 de Março de 2022, nome do ficheiro áudio 20220316100839_15983501_2871590, das 10:08:40 às 10:14:49, mais concretamente aos minutos 00:40 a 01:00; e iii)das fotos juntas como documento 3 com a Contestação.
5.
Ademais, as terras da parte superior do quintal não se desprenderam e derrubaram o muro de suporte.
6.
O que se verificou foi a queda do muro de suporte que se encontrava na leira superior e foi este derrube do muro superior que originou o colapso do segundo muro.
7.
Isto mesmo resulta i) do depoimento da testemunha CC (gravado no Habillus Media Studio, no dia 16 de Março de 2022, nome do ficheiro áudio 20220316095848_15983501_2871590, das 09:58:49 às 10:08:09, mais concretamente aos minutos 05:50 a 06:45; ii) do depoimento da testemunha DD (gravado no Habillus Media Studio, no dia 16 de Março de 2022, nome do ficheiro áudio 20220316100839_15983501_2871590, das 10:08:40 às 10:14:49, mais concretamente aos minutos 00:35 a 01:00 e minutos 02:00 a 02:30; e iii))das fotos juntas como documento 3 com a Contestação.
8.
impõe-se a alteração do facto 6., porque o uso da expressão “chuva por vezes forte e persistente”, além de conclusiva, induz em erro, pois que nem foi a força, nem a persistência da chuva que esteve na origem da queda parcial do primeiro muro de contenção.
9.
Ao invés, esse primeiro muro caiu porque a chuva, ao infiltrar-se na terra, fez aumentar a pressão hidrostática do terreno. Associado a isto temos a circunstância de se tratar de um muro com mais de 60 anos, sem que alguma vez tenha sofrido alguma obra de reparação ou manutenção (facto a aditar infra). Pelo que, o muro cedeu em virtude destas duas circunstâncias.
10.
Impõe-se, igualmente, a alteração do facto 6., porque não se verificou o desprendimento de terras – o que aconteceu foi que parte do muro do talude superior caiu mesmo.
11.
Impõe-se ainda a alteração do facto 6., porque foi a queda de parte do muro do talude superior que provocou a queda de parte do segundo muro. Note-se, aliás, que há um alinhamento entre a parte do muro da leira superior e o da leira de baixo, nas partes que cederam.
12.
O facto pretendido aditar – os muros de contenção em causa têm mais de 60 anos, sem que alguma vez tenham sofrido alguma obra de reparação ou manutenção – resultou do depoimento da testemunha CC (gravado no Habillus Media Studio, no dia 16 de Março de 2022, nome do ficheiro áudio 20220316095848_15983501_2871590, das 09:58:49 às 10:08:09, mais concretamente aos minutos 03:00 a 03:45.
13.
Finalmente, no que ao facto 9. diz respeito, da conjugação de todos os meios de prova não parece resultar prova suficiente no sentido de que o custo previsível seja de 15.261,00€.
14.
Desde logo, a testemunha DD (gravado no Habillus Media Studio, no dia 16 de Março de 2022, nome do ficheiro áudio 20220316100839_15983501_2871590, das 10:08:40 às 10:14:49, mais concretamente aos minutos 01:15 a 02:00 indicou que fez uma estimativa de danos na ordem dos 8.000,00€ + IVA (cerca de 10.000,00€), considerando os valores de mercado e os trabalhos a executar, especificando-os.
15.
Além deste meio de prova, temos uma outra testemunha, filho dos Autores, que apontou o valor de 12/13 mil euros, assim como a prova documental impugnada.
16.
Deste modo, podia e devia o Tribunal a quo, porque de orçamentos se tratam, ter apenas dado como provado que o custo se estima de 10.000,00€ a 15.261,00€, deixando, para uma outra fase processual, a determinação do valor concreto que será o custo, sempre com estes limites.
17.
Entende a Apelante que a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser revogada e substituída por outra que julgue provados os seguintes factos:
2. No prédio descrito em 1), existem dois muros de suporte em pedra na área do predito quintal
6. No dia 20/12/2019, em consequência de chuva que ocorreu no antedito dia, cerca das 10h, o muro de suporte existente na parte superior cedeu e caiu, em parte, provocando a queda de pedras e terra que derrubaram, em parte, o muro de suporte existente na parte inferior.
9. Estima-se o custo dos trabalhos referidos em 8) num valor que varia entre €10.000,00€ (dez mil euros) e os 15.261,00€ (quinze mil, duzentos e sessenta e um euros)
Aditando-se o seguinte:
Os muros de contenção em causa têm mais de 60 anos, sem que alguma vez tenham sofrido alguma obra de reparação ou manutenção

Sem prescindir,
18.
O sinistro ocorrido não se encontra coberto pelas garantias do contrato celebrado entre as partes, nem pela cobertura “Inundações”, nem “Tempestades”, nem “Aluimento de Terras”.
19.
No que às coberturas “Inundações” e “Tempestades”, além de não se verificar preenchido os respectivos pressupostos para o accionamento de cada uma das garantias, ainda se verifica, para cada uma delas, o preenchimento de uma cláusula que exclui a indemnização, qual seja, a que prevê que excluem da respectiva cobertura os danos em muros e vedações.
20.
Resta, portanto, a condição “aluimento de terras” que, sempre com o devido respeito por opinião contrária, não se verifica preenchida porquanto não temos qualquer aluimento de terras, mas antes a queda de dois muros.
21.
Dito de outro modo, não ocorreu qualquer fenómeno geológico, enquanto fenómeno da natureza. O que se verificou foi um fenómeno geotécnico, isto é, a falha de um elemento de estrutura – no caso o muro de contenção – que provocou o sinistro.
22.
Além disso, sempre se encontra preenchida a exclusão contratual que prevê que ficam excluídos desta garantia, as Perdas ou danos resultantes de colapso total ou parcial das estruturas seguras, não relacionadas com os riscos geológicos garantidos – tanto mais que o que ocorreu foi o colapso parcial do muro de contenção.
23.
Em face do exposto, porque o evento ocorrido não se encontra coberto pelas garantias do contrato celebrado entre as partes, deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que absolva a aqui Apelante do pedido.
24.
Mesmo que assim não se entenda, o que apenas se concebe por mera hipótese de raciocínio, sempre deverá a condenação ser revogada e substituída por outra que relega para liquidação ulterior a prova do concreto valor necessário para a reparação dos muros, sempre dentro dos limites apurados.
25.
O Tribunal a quo na douta Sentença dos Autos, ao decidir como decidiu, violou o preceituado nos artigos 411.º, 413.º e 414.º, todos do CPC e, ainda, o disposto no artigo 799-º e seguintes do código civil.


Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), tendo em conta a lógica e necessária precedência das questões de facto relativamente às questões de direito, são as seguintes as questões a tratar:
a) – apurar se há que proceder à alteração da decisão da matéria de facto da sentença recorrida quanto aos pontos desta indicados pela recorrente;
b) – apurar, com base na pretendida alteração da matéria de facto ou independentemente dela, se a decisão recorrida deve ser revogada ou alterada, sendo nesta sede de apurar da cobertura dos danos ocorridos pelo contrato de seguro e da quantia indemnizatória a arbitrar.
**

II – Fundamentação

A recorrente – com base em depoimentos testemunhais cujos excertos identifica por referência aos minutos da respectiva gravação (depoimentos das testemunhas CC e DD), em depoimento testemunhal que assim não referencia (depoimento da testemunha EE) e em documentos que identifica (fotografias juntas como documento 3 com a contestação) – pretende a alteração do julgamento da matéria de facto efectuado pelo tribunal recorrido relativamente aos pontos 2, 6 e 9 dos factos provados e pretende ainda que seja aditado um ponto aos factos provados.
Concretizando:
- defende que o ponto 2 onde se diz “No prédio descrito em 1), existe um muro de suporte em pedra na área do predito quintal” – seja alterado para o seguinte conteúdo: “No prédio descrito em 1), existem dois muros de suporte em pedra na área do predito quintal”;
- defende que o ponto 6 – onde se diz “No dia 20/12/2019, em consequência de chuva por vezes forte e persistente que ocorreu no antedito dia, cerca das 10h, as terras da parte superior do sobredito quintal desprenderam-se e derrubaram o muro de suporte descrito em 1), deixando-o em escombros” – seja alterado para o seguinte conteúdo: “No dia 20/12/2019, em consequência de chuva que ocorreu no antedito dia, cerca das 10h, o muro de suporte existente na parte superior cedeu e caiu, em parte, provocando a queda de pedras e terra que derrubaram, em parte, o muro de suporte existente na parte inferior”;
- defende que o ponto 9 – onde se diz “Estima-se o custo dos trabalhos referidos em 8) em 15.261,00€ (quinze mil, duzentos e sessenta e um euros)” – seja alterado para o seguinte conteúdo: “Estima-se o custo dos trabalhos referidos em 8) num valor que varia entre 10.000,00€ (dez mil euros) e os 15.261,00€ (quinze mil, duzentos e sessenta e um euros)”;
- defende que deve ser aditado aos factos provados um novo ponto com o seguinte conteúdo: “Os muros de contenção em causa têm mais de 60 anos, sem que alguma vez tenham sofrido alguma obra de reparação ou manutenção”.
Analisando a matéria de facto que se pretende introduzir, verifica-se o que se passa a referir.
Quanto à alteração de “um muro” para “dois muros” pretendida no ponto 2, quanto às alterações, a esta ligadas, de pretender incluir no ponto 6 referência a um “muro de suporte existente na parte superior”, a um “muro de suporte existente na parte inferior” e a “queda de pedras e terra” daquele para este e também quanto ao novo ponto de factualidade que se pretende aditar aos factos provados, há que notar que a respectiva matéria só agora em sede de recurso vem referenciada, pois não foi alegada nos articulados por nenhuma das partes (e por isso não objecto de contraditório e discussão).
Ora, salvo os casos previstos nas alíneas do nº2 do art. 5º do CPC – e no caso vertente aqueles segmentos de factualidade não se integram em nenhum de tais casos [não se incluem manifestamente nas suas alíneas a) e c) e, quanto à sua alínea b), não são factos essenciais que sejam complemento ou concretização de factos alegados, antes sendo factos novos] – a factualidade a ter em conta na acção e, por isso, susceptível de ser objecto de ampliação nos termos previstos no art. 662º nº2 c) do CPC, é a alegada nos articulados, pois é com o que nestas peças processuais se diz que se conformam os fundamentos fácticos da acção e da defesa, e não a referenciada apenas em depoimentos ou documentos.
E tanto bastaria para, independentemente do conteúdo dos elementos probatórios referidos pela ré/recorrente e do relevo que lhes possa ser dado, fazer improceder aquelas pretensões probatórias.
Porém, ainda que assim não fosse, há que considerar que a matéria de qualquer daqueles segmentos factuais pretendidos introduzir é irrelevante para o mérito da causa: na acção está em causa, como alegado e decorre da matéria de facto provada sob o ponto 6, o muro de suporte da parte superior do quintal (foi nessa parte que se apurou o desprendimento de terras que o derrubou) e o custo da sua reparação e, portanto, não um qualquer outro dano noutro muro abaixo; por outro lado, está questionado na acção a cobertura dos danos em tal muro pelo contrato de seguro, mas nada se questiona nem equaciona em sede de mérito da causa, nem das cláusulas do contrato de seguro atinentes a este tal se descortina, sobre um qualquer relevo da idade do muro e/ou do estado de conservação deste.
Ainda sobre a pretensão probatória da recorrente em relação ao ponto 6, agora na parte respeitante a ali fazer constar que o muro foi derrubado “em parte”, poder-se-ia considerar tal segmento factual como concretização mais aproximada dos termos em que ocorreu o derrube do muro e, assim, porque bem perceptível tal circunstancialismo pela observação das fotografias juntas como documento 3 com a contestação, que não foram impugnadas, introduzir tal segmento na matéria de facto provada por via da previsão do art. 5º nº2 b) do CPC.
Porém, também tal alteração é irrelevante para o mérito da causa:
- por um lado, na matéria de facto provada (ponto 6) diz-se que as terras desprenderam-se e derrubaram o muro mas não se diz que foi todo o muro. Como tal, tal matéria de facto é também congruente com o derrube de apenas parte do muro;
- por outro lado, o que está em causa é apurar da queda/danificação do muro como objecto de cobertura pelo contrato e apurar do montante pecuniário para a reparação do que caiu, independentemente da expressão da queda. Nesse conspecto, a especificação de que o muro foi derrubado apenas “em parte” não tem qualquer utilidade.
O mesmo juízo de irrelevância é de fazer em relação à pretensão de querer excluir do ponto 6 dos factos provados a expressão “por vezes forte e persistente” com que se qualifica a chuva ali referida (na sequência da informação meteorológica do IPMA vertida na certidão emitida por este Instituto entrada nos autos a 25/1/2022).
Efectivamente, e ainda que se reconheça conclusividade a tal expressão, a mesma é inócua para o mérito da causa: o que se dá como provado como causa do desprendimento de terras ali referido foi a chuva, e só esta – e não os termos da sua adjectivação – conta como facto.
Sendo irrelevante a factualidade que se veio de referenciar para a apreciação do mérito da causa, e a fim de não se praticar actos inúteis no processo (o que sob o art. 130º do CPC até se proíbe), não há que conhecer da impugnação deduzida sobre a mesma [no sentido de quando está em causa factualidade sem qualquer relevo efectivo do ponto de vista jurídico para a decisão da causa, o tribunal da Relação deve, quanto a ela, abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe de antemão ser inconsequente ou inútil, vide António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, Almedina, 2008, págs. 285 e 286; no mesmo sentido, vide, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 5/11/2018 (proc. nº 3737/13.0TBSTS.P1, relator Jorge Seabra), os Acórdãos da Relação de Coimbra de 24/4/2012 (proc. nº219/10.6T2VGS.C1, relator Beça Pereira) e de 27/5/2014 (proc. nº1024/12.0T2AVR.C1, relator Moreira do Carmo), todos estes disponíveis em www.dgsi.pt, e ainda o Acórdão do STJ de 23/1/2020 (proc. 4172/16.4TFNC.L1.S1, relator Manuel Tomé Soares Gomes), in CJ, Acórdãos do STJ, ano XXVII, tomo I/2020, págs. 13/16].
Assim, não se conhece da impugnação da matéria de facto deduzida pela recorrente quanto aos referidos pontos 2 e 6 dos factos provados nem quanto ao ponto pretendido aditar aos factos provados.
Resta apreciar da pretensão relativa ao ponto 9 dos factos provados.
O mesmo foi dado como provado com base no orçamento junto pelos autores com a petição inicial – emitido pela empresa “C..., Lda.”, no valor de 12.700,00 € e que acrescido de IVA ascende ao valor global de 15.621,00 € –, o qual foi considerado na motivação da sentença recorrida como “eivado dos requisitos de veridicidade formal, v.g., identificação das partes e especificação do objeto, contemplando a concretização verosímil dos trabalhos necessários para reposição do muro esboroado, i.e., à demolição dos escombros e seu arrumo, construção de muro em pedra com betão, respetiva drenagem e fornecimento de terras para nivelamento do terreno”, tendo ali ainda sido referido que “não foram produzidas contraprovas minimamente fundadas, porquanto a testemunha DD se limitou a aflorar uma avaliação desprovida de fundamentação objetiva e tampouco foi carreado para o processo um orçamento díspar”.
A ré defende que o mesmo deve ser dado como provado nos termos que propugna com base no depoimento da testemunha DD, funcionário/perito da empresa “D...” que lhe presta serviços de peritagem.
Ouvido tal depoimento, disse tal testemunha sobre a matéria a que respeita aquele ponto factual na sequência de lhe ter sido perguntado sobre uma “estimativa de danos”, que esta “rondava os 8000 e poucos euros”, mais IVA, e falou a propósito de um “relatório” que viu mas não se sabe qual é, pois não se encontra junto aos autos.
Deste modo, o que se aproveita de tal depoimento não é mais do que uma opinião oralizada em audiência, ao passo que o orçamento escrito junto aos autos pelos autores e subscrito pela empresa especializada em obras supra identificada detalha os trabalhos a serem efectuados, não foi posta em causa a idoneidade de tais trabalhos nem o valor nele indicado e não lhe foi contraposto um qualquer outro orçamento escrito.
Como assim, com base em tal documento escrito – cujo valor sem IVA até foi confirmado pela testemunha EE, filho dos autores, como valor de orçamento por estes pedido (este referiu um valor de cerca de 12/13 mil euros) –, a factualidade provada sob o ponto 9 é de manter como está.

Na sequência de quanto se veio de referir antes, mantém-se nos seus precisos termos a factualidade da sentença recorrida.

Passemos agora para as questões enunciadas sob a alínea b).
É a seguinte a matéria de facto a ter em conta (toda a da sentença recorrida, já que, como decorre do tratamento da primeira questão enunciada, não sofreu alterações):
A) Factos provados
1. Os Autores residem no prédio urbano composto de habitação e com quintal, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Santo Tirso, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...4, à vista de toda a gente, com a convicção de exercem um direito de propriedade,
2. No prédio descrito em 1), existe um muro de suporte em pedra na área do predito quintal.
3. Em 12/07/2011, os Autores declararam subscrever a apólice de seguro n.º ...62 de “Riscos Múltiplos Habitação Protecção Casa Mais” emitida pela A..., com referência ao prédio enunciado em 1), prazo de um ano, renovável por igual período, consignando, designadamente, as coberturas de “Aluimento de Terras”, “Inundações”, “Tempestades”.
4. No âmbito das condições gerais e especiais da apólice indicada em 3), consigna-se, designadamente, que:
(…)
Condições Gerais
Parte II – Das coberturas Facultativas
Cláusula 32.ª – Objeto e garantias facultativas do contrato
(…)
2- Tempestades
2.1 Garante os danos causados aos bens seguros em consequência de:
a) tufões, ciclones, tornados e toda a acão direta de ventos fortes ou choque de objetos arremessados ou projetados pelos mesmos, sempre que a sua violência destrua ou danifique instalações, objetos ou árvores num raio de 5 kms envolventes dos bens seguros e desde que, no local e momento do sinistro, os ventos tenham atingido velocidade igual ou superior a 100 kms por hora;
b) alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício em consequência de danos causados pelos riscos mencionados em 2.1., na condição que estes danos se verifiquem nas 72 horas seguintes ao momento da destruição parcial do edifício.
3 – Inundações
3.1 Garante os danos causados aos bens seguros em consequência de:
a) tromba de água ou queda de chuvas torrenciais – precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos, no pluviómetro; b) rebentamento de adutores, redes externas de distribuição de águas, coletores, drenos, diques e barragens;
c) enxurradas ou transbordamento do leito de curso de águas naturais ou artificiais.
(…)
25 – Aluimento de Terras
Garante os danos sofridos pelos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos: aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos.
(…)
Cláusula 33.ª – Exclusões aplicáveis às coberturas facultativas ou à cobertura de incêndio quando contratada como cobertura facultativa
(…)
Tempestades
Ficam excluídos desta cobertura:
1 - (…)
2- Os danos causados em bens móveis que se encontrem ao ar livre.
3- Os danos em muros e vedações.
(…)
Inundações
Ficam excluídos desta cobertura:
1- Os danos causados diretamente aos bens seguros por subida de marés, marés vivas e, mais genericamente, pela ação do mar.
2- Os danos causados em bens móveis que se encontrem ao ar livre.
3- Os danos em muros e vedações.
(…)
Aluimentos de terras
Ficam excluídos desta cobertura:
“1- Perdas ou danos resultantes de colapso total ou parcial das estruturas seguras, não relacionadas com os riscos geológicos garantidos.
2- Perdas ou danos acontecidos em edifícios, muros, vedações, piscinas ou outros bens seguros, que estejam assentes sobre fundações que contrariem as normas técnicas ou as boas regras de engenharia de execução das mesmas, em função das características dos terrenos e do tipo de construção assim como as perdas ou danos acontecidos aos bens neles existentes.
3- Perdas ou danos resultantes de deficiência de construção, de projeto, de qualidade de terrenos ou outras características do risco, que fossem ou devessem ser do conhecimento prévio do Tomador do Seguro ou do Segurado, assim como danos em bens seguros que estejam sujeitos a ação contínua da erosão e ação das águas, salvo se for feita prova que os danos não têm qualquer relação com aqueles fenómenos.
4- Perdas ou danos consequentes de qualquer dos riscos garantidos por esta Condição Especial, desde que os mesmos verifiquem durante a ocorrência de abalos sísmicos ou no decurso das 72 horas seguintes à última manifestação do fenómeno sísmico.
5- Perdas ou danos nos bens seguros se, no momento da ocorrência do evento, o edifício já se encontrava danificado, desmoronado ou deslocado das suas fundações, paredes, tetos, algerozes ou telhados.
5. Entre 12/07/2019 e 11/07/2020, o prazo da apólice mencionada em 3) e 4) foi renovado, consignando-se, nomeadamente, os seguintes capitais seguros:
a) “Aluimento de Terras”: 80.216,24€ - sem franquia;
b) “Inundações”: 80.216,24€ - franquia de 150,00€;
c) “Tempestades” 80.216,24€ - franquia de 150,00€.
6. No dia 20/12/2019, em consequência de chuva por vezes forte e persistente que ocorreu no antedito dia, cerca das 10h, as terras da parte superior do sobredito quintal desprenderam-se e derrubaram o muro de suporte descrito em 1), deixando-o em escombros.
7. Em 23/12/2019, os Autores declararam participar o enunciado em 6) à Ré.
8. Em consequência do indicado em 6), é necessário proceder à demolição dos escombros e seu arrumo, construção de muro em pedra com betão, respetiva drenagem e fornecimento de terras para nivelamento do terreno.
9. Estima-se o custo dos trabalhos referidos em 8) em 15.261,00€ (quinze mil, duzentos e sessenta e um euros).
*
B) Factos não provados
Inexistem com relevância para a discussão da causa.
*
Entrando no tratamento das questões acima referidas, comecemos por averiguar se o evento danoso ocorrido – o derrube do muro – está abrangido pelo contrato de seguro.
Tal muro, como decorre dos nºs 1, 2 e 3 dos factos provados, integra-se no prédio que é objecto do contrato de seguro dos autos, pois existe na área do quintal que dele também faz parte.
Como decorre do nº6 dos factos provados, as terras da parte superior desse quintal, em consequência da chuva que se fez sentir, desprenderam-se e derrubaram aquele muro.
Aquele desprendimento consistiu pois numa deslocação ou movimentação de terras sem mão humana, fruto da acção de um elemento natural sobre a terra ali existente e que foi, no caso, a água resultante da chuva e o efeito de erosão decorrente da sua infiltração no solo.
Tal desprendimento integra um caso manifesto de aluimento de terras e foi tal aluimento, com certeza por via da pressão exercida pela terra que se desprendeu contra o muro, que causou o derrube deste.
Como consta do contrato de seguro dos autos (cujo atinente clausulado se refere sob o nº4 dos factos provados), sob o nº 25 da sua cláusula 32ª (inserida nas suas condições gerais – como se vê do teor integral do contrato, junto pela ré com a sua contestação), com a epígrafe “Aluimento de Terras”, o mesmo “Garante os danos sofridos pelos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos: aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos”, sendo que, como desta cláusula se vê, os aluimentos, os deslizamentos, derrocadas e afundimentos (estes consistem num abatimento de terreno) são eles mesmos considerados pelo próprio contrato como “fenómenos geológicos” desencadeadores da cobertura do seguro.
Como tal, os danos decorrentes do derrube do muro, porque este foi causado pelo aluimento de terras nos termos que se analisaram, estão cobertos pelo contrato.
Deste modo, não faz sentido a invocação pela ré da exclusão de cobertura prevista sob a cláusula 33ª – onde se diz (nº4 dos factos provados) que ficam excluídos da cobertura “Aluimento de terras” as “1- Perdas ou danos resultantes de colapso total ou parcial das estruturas seguras, não relacionadas com os riscos geológicos garantidos” –, pois aquele derrube, ao ter sido causado pelo aluimento (e sendo este considerado pelo próprio contrato, como se viu, um fenómeno geológico cujo risco dele decorrente está por aquele coberto), está, naturalmente, relacionado com ele.
No mesmo sentido do que se veio de dizer, e para casos de cláusulas em apreço praticamente iguais à supra analisada (constante sob o nº 25 da cláusula 32ª do contrato de seguro), vejam-se, por exemplo, o Acórdão do STJ de 12/7/2018[2] (onde se refere que a cobertura “aluimento” prevista na respectiva cláusula como fenómeno geológico cobre prejuízos consequentes a movimentação de terras que tiveram como causa natural fortes chuvadas), o Acórdão do STJ de 8/3/2012[3] (onde se aborda o aluimento sob a figura do “afundimento de terras”, ou cedência/abaixamento de terreno, e se refere e aceita as condições climatéricas como causa para o mesmo) e o Acórdão da Relação de Guimarães de 27/6/2019[4] (em cujo texto se refere que “(…) um fenómeno geológico é um conjunto de ocorrências naturais, sem qualquer intervenção humana, ao nível da estrutura geológica da terra. Assim, os aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimentos cobertos pelo contrato devem estar associados à geodinâmica da crosta terrestre. Sem embargo, uma vez que na origem de aluimentos, de deslizamentos, de derrocadas e de afundamento de terras, também estão fenómenos climatológicos – períodos de seca severa, que abre gretas na terra, ou de chuvas torrenciais, que tiram consistência aos terrenos – igualmente os que tenham sido provocados por estes fenómenos relacionados com o clima devem considerar-se cobertos pelas garantias do contrato.”).
Concluindo-se pela cobertura daqueles danos pelo contrato, é também de concluir pela responsabilidade da ré para com os autores quanto ao pagamento da respectiva indemnização.
E assim passamos ao tratamento da questão atinente ao seu cômputo.
Como resulta provado sob os nºs 8 e 9 dos factos provados, em consequência do derrube do muro é necessário proceder à demolição dos escombros e seu arrumo, construção de muro em pedra com betão, respetiva drenagem e fornecimento de terras para nivelamento do terreno, estimando-se o custo de tais trabalhos em 15.261,00€ (quinze mil, duzentos e sessenta e um euros).
Tal quantia encontra-se dentro do capital seguro e uma vez que os danos em causa derivam da cobertura “Aluimento de terras” não há que a ela deduzir qualquer quantia a título de franquia, como decorre da previsão contratual referida sob o nº5 alínea a) dos factos provados.
Assim, há que fixar a indemnização a cargo da ré naquela quantia de 15.261,00€ (quinze mil, duzentos e sessenta e um euros) e fazer acrescer à mesma juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento (arts. 805º nº1 e 806º nºs 1 e 2 do C. Civil), como nos mesmos termos se decidiu na sentença recorrida.

Por tudo quanto se expôs, é de julgar improcedente o recurso e manter a sentença recorrida.

As custas do recurso ficam a cargo da recorrente, que nele decaiu (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):

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III – Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
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Porto, 5/6/2023.
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim

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[1] No “Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa”, da Porto Editora, disponível em “infopedia.pt”, define-se aluimento como “desmoronamento; derrocada” e como “desmoronamento decorrente de erosão subterrânea causada por águas infiltradas no solo
[2] Proferido no proc. nº825/15.2T8LRA.C1.S2, rel. Pedro Lima Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Proferido no proc. nº2187/08.5VLSB.L1.S1, rel. Tavares de Paiva, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Proferido no proc. nº3142/16.7T8VCT.G, rel. Fernando Fernandes Freitas, disponível em www.dgsi.pt.