Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
699/22.7PHMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOREIRA RAMOS
Descritores: PENA DE PRISÃO
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
DIREITO AO TRABALHO
DIREITOS FUNDAMENTAIS
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL
Nº do Documento: RP20230614699/22.7PH,TS.P1
Data do Acordão: 06/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Decorre do artigo 58º nº 1 da Constituição da República Portuguesa que “Todos têm direito ao trabalho”, sendo consabido tratar-se de um direito fundamental dos cidadãos.
II – Sendo inquestionável que, na previsão da execução de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação, a lei contempla no nº 3 do artigo 43º do Código Penal, além doutras, a possibilidade de ausência para desempenho de actividade profissional, não distinguindo entre vínculo precário ou definitivo.
III – Assim, sendo perfeitamente compreensível que o arguido tenha pedido sigilo perante a entidade empregadora sobre a sua situação jurídico-penal por recear ser despedido, dada a precaridade, à época, da sua situação laboral, tal não obstava a que fosse obtida a confirmação da sua inserção profissional e horários de trabalho, designadamente exigindo-lhe um documento comprovativo do que alegava.
IV – Além disso, se o tribunal acreditou no arguido noutros aspectos que ajudaram a alicerçar a fixar aquele regime de cumprimento da pena, nada invalidaria que se bastasse apenas com a confirmação por parte do mesmo, tanto mais que a mesma, querendo-se, seria susceptível de ser monotorizada no terreno.
V – Neste contexto, estando em causa a própria sobrevivência do arguido, a fim de se lhe assegurar a dignidade pessoal mínima a que cada pessoa tem natural e constitucional direito e que vem plasmada no artigo 13º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, tendo-se alcançado os níveis de confiança necessários para se ter determinado o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, torna-se nada compreensível o afastamento da possibilidade de o mesmo se ausentar da residência para trabalhar, que, por isso, deverá ser autorizado, embora com o controlo possível.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 699/22.7PHMTS.P1

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No presente processo, por sentença datada de 14/11/2022 (refª. 442254932), e no que ora importa salientar, decidiu-se:
● condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203º, n.º 1 do Código Penal, na pena de oito meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, sujeita a vigilância electrónica, subordinado ao cumprimento da regra de conduta de se sujeitar a tratamento psicológico e/ou psiquiátrico, na sequência de consulta especializada a que se deverá submeter com acompanhamento da DGRSP;
● ao abrigo do preceituado no artigo 11º da Lei nº 33/2010, de 02/09, e a fim de obviar aos inconvenientes advenientes dos procedimentos de autorização judicial para as ausências a título excepcional do local de vigilância electrónica, autorizo desde já a ausência da habitação do arguido com vista às seguintes finalidades:
i) Actos judiciais ou diligências policiais no presente processo ou outros;
ii) Consultas médicas, tratamentos e similares;
iii) Receber quantias de que seja beneficiário, nomeadamente RSI, outros subsídios ou rendimentos.

Inconformado com a sobredita decisão, o arguido veio interpor recurso da mesma nos termos que constam dos autos e aqui tidos como renovados (refª. 34067308), tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição):

I – O presente recurso tem como objeto a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que impossibilitou o recorrente de sair de casa para o exercício da atividade laboral que desempenha, enquanto cumpre pena de oito meses de prisão em regime de permanência na habitação.

II – Nesse âmbito, conforme consta da sentença objeto do presente recurso, o tribunal ad quo não autorizou a saída do arguido de casa para o exercício de atividade laboral, por considerar que o seu vínculo profissional era extremamente precário (com início a 19.10.2022) encontrando-se em regime experimental e sem qualquer conhecimento quanto ao seu horário de trabalho, porquanto não foi possível confirmar a informação prestada pelo arguido.

III – Assim, se na data da audiência o arguido demonstrava um vínculo profissional precário, desconhecendo o tribunal em concreto o seu horário de trabalho, bem como a existência efetiva de um contrato de trabalho com a A...;

IV – À data, a situação é diversa, pois, o recorrente encontra-se com a sua situação laboral regularizada, mostrando-se disponível para demonstrar a sua inserção profissional e respetivo horário de trabalho.

V – Assim sendo, e caso o tribunal ad quem considere elevado o número de horas ou dias em que o recorrente se encontra ausente da habitação, poderá o mesmo ser reduzido;

VI – De maneira a viabilizar de forma tolerável a vigilância efetiva do arguido.

VII – Pois, só assim será assegurada a reintegração do arguido na sociedade, conforme dispõe a norma do artigo 40.º do Código Penal, bem como as exigências da prevenção geral e especial.

VIII – Ressocializando-se o arguido pessoal e profissionalmente, sem que se perca os laços familiares e a autonomia financeira.

IX – Além disso, o arguido manifesta um grande interesse em frequentar consultas de tratamento psicológico e/ou psiquiátrico a longo prazo;

X – Pois, considera isso fundamental para a sua reintegração e evolução social.

XI – Nos termos do supra alegado, afigura-se ser de maior justiça que o arguido cumpra os 8 meses de prisão em regime de permanência na habitação com autorização para o exercício da atividade laboral que desempenha.

O recurso foi regularmente admitido (refª. 443862910).

O Ministério Público respondeu nos termos vertidos nos autos e aqui tidos como especificados (refª. 34945949), tendo concluído no sentido de que a decisão recorrida não merece qualquer reparo, devendo ser mantida.

Já neste tribunal, o Ex.mo PGA emitiu o parecer inserto nos autos, aqui tido como renovado (refª. 16833659), através do qual anotou que era de parecer que o recurso merece provimento.

No cumprimento do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi aduzido.

Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, nada obstando a tal.
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II – FUNDAMENTAÇÃO:

a) a decisão recorrida:

No que aqui importa reter, a sentença recorrida é do teor seguinte (transcrição):

Factos Provados

1- No dia 11 de julho de 2022, pelas 16:00 horas, o arguido AA dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado “B...”, propriedade da sociedade “Lojas B... Portugal – Exploração, Gestão e Administração de Espaços Comerciais, SA”, localizado no centro comercial C... sito na Rua ..., ..., Matosinhos, com o propósito concretizado de se apoderar de objectos que aí se encontrassem para venda sem proceder ao respectivo pagamento.

2- Assim, nessas circunstâncias de tempo e lugar, no interior do estabelecimento acima referido, o arguido retirou dos expositores/prateleiras os seguintes artigos, cujo valor total ascende a € 212,00:

- 3 calções no valor unitário de € 16,00;
- 1 vestido no valor de € 11,00;
- 1 roupa de praia no valor de € 5,50;
- 1 calções no valor de € 8,00;
- 1 conjunto no valor de € 10,00;
- 1 top no valor de € 12,00;
- 1 calções no valor de € 14,00;
- 1 t-shirt no valor de € 12,00;
- 4 t-shirts no valor unitário de € 18,00;
- 1 par de meias no valor de € 3,50.

3- Depois, o arguido colocou cada um dos objectos acima elencados dentro de um saco da “B...” e, na posse destes, abandonou o citado estabelecimento sem se dirigir às caixas registadoras para proceder ao respectivo pagamento, apoderando-se dos mesmos.

4- Actuando do modo descrito, o arguido tinha o objectivo de se apropriar dos artigos descritos, fazendo-os coisas suas, não obstante estar ciente de que estes não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo proprietário, o que, comportando-se de modo apto a tal, logrou alcançar.

5- Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

6- Do relatório social elaborado pela DGRSP em 29.8.2022 consta que o processo de desenvolvimento de AA decorreu integrado em estrutura de acolhimento infantil e juvenil, do Centro Regional de Segurança Social do Porto, na Obra ..., onde foi acolhido aos dois anos, juntamente com duas irmãs, na sequência da reclusão do pai pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, da ausência de condições económicas da família e das frágeis condições pessoais da mãe para assumir o processo educativo e de acompanhamento dos descendentes, tendo em conta a sua problemática aditiva. Enquanto integrado na instituição, face à qual tece considerações positivas, o arguido frequentou o sistema escolar em diversos graus de ensino, apresentando um comportamento ajustado. No contexto institucional era educado, meigo e colaborante e com facilidade em fazer amigos. Durante o período de institucionalização foi acompanhado por uma das pessoas responsáveis, com quem passava os períodos de férias e épocas festivas. Na sequência da alteração das condições pessoais e familiares dos pais, assim como do manifesto interesse do pai em acolhê-lo, AA, com cerca de 18 anos, regressou a casa da família de origem, inicialmente residente em Gondomar e, posteriormente, na cidade do Porto, tendo dado continuidade à frequência do 10º ano de escolaridade, na Escola ..., que acabou por não completar. O agregado familiar vivenciava uma situação financeira marcada por grandes carências, sendo a subsistência assegurada com apoios sociais, rendimento social de inserção, a par de problemas de saúde com que os progenitores se debatiam, decorrentes da trajetória de toxicodependência, entretanto ultrapassada. Os pais continuavam a evidenciar dificuldades no exercício e supervisão parental e na gestão do quotidiano familiar, do qual para além do arguido e as duas irmãs que estiveram institucionalizadas, também tem mais um irmão. O arguido registou o primeiro confronto com o sistema de administração da justiça em setembro de 2009, pelo crime de furto, tendo-lhe sido aplicado o Instituto da Suspensão Provisoria do Processo, tendo como injunção o cumprimento de 20 horas de serviço de interesse público, que não cumpriu na totalidade, pese emboras as diligências/tentativas da equipa da DGRSP, à data responsável pela monitorização da medida. Em janeiro de 2011, o arguido iniciou a frequência de um curso de Ação Educativa, com equivalência ao 12º ano, ministrado no Centro Formativo Novas Oportunidades, da Fundação ..., que viria a abandonar para iniciar uma nova formação de acordo com as suas preferências, pelo que, em setembro/outubro desse ano, iniciou curso de turismo na Escola 1..., no Porto. Em contexto escolar assumia uma postura interventiva, pertencia à associação de estudantes, mantendo com professores e colegas um adequado relacionamento interpessoal. Com esta rede de sociabilidade passou a estruturar parte do seu tempo livre e a partilhar os mesmos interesses, designadamente idas ao cinema e prática desportiva de futebol. Simultaneamente, constituiu outro grupo de pares, indivíduos que foi conhecendo noutros contextos sociais, alguns dos quais mais novos, com um estilo de vida desviante. Em setembro/outubro de 2011, incompatibilizado com os pais, tomou a decisão de integrar o agregado de umas das irmãs, contribuindo para a economia doméstica com o subsídio atribuído na formação. Permaneceu neste agregado até janeiro de 2012, altura em que o agregado da irmã deixou de viver na cidade do Porto e passou a residir em .... Pese embora a insistência do pai para o arguido regressar a casa, este recusou, tendo sido acolhido em casa de uma tia materna, que residia na cidade do Porto. Pese embora beneficiasse de um ambiente familiar gratificante e afetuoso em casa da tia, mantinha o convívio com o grupo de pares, com comportamentos anormativos, que o conduziram a novos confrontos com o sistema de administração da justiça, tendo sido preso a 29 de março de 2012, para cumprimento de penas de prisão de 5 e 3 anos de prisão, maioritariamente pela prática de crimes contra a propriedade cometidos entre 4 de maio de 2010 e dezembro de 2011. Durante o cumprimento das penas registou 4 sanções por comportamento em desacordo com o normativo institucional e concluiu o 12º ano de escolaridade. AA foi restituído à liberdade em 2 de maio de 2018, sendo acompanhado no âmbito da Liberdade Condicional pela Equipa Porto Penal 1 da DGRSP, com termo previsto para 21 de março de 2020. No relatório final remetido ao processo é assinalada a mobilidade residencial que registou, tendo após período inicial em casa de uma irmã e de uma tia, optado por residir em quartos arrendados, enquadrando as mudanças em condições mais favoráveis. Manteve proximidade de contactos com a família, especialmente com as irmãs que também estiveram institucionalizadas, sendo destacada a preocupação em conseguir manter-se a trabalhar. Para tanto coletou-se como trabalhador em nome individual e desde fevereiro de 2022 que vem conseguindo colocação laboral através de uma empresa de trabalho temporário (D...). No decurso da liberdade condicional o arguido foi acusado da prática, em 4-5-2019, de novo crime, na origem do processo nº366/19.9PAMAI que corre no Juízo Local Criminal do Porto - Juiz 2. À data dos factos na origem do presente processo o arguido encontrava-se a residir, desde maio de 2022, na morada constante do presente processo, em apartamento de tipologia 1 arrendado que disponibiliza adequadas condições de habitabilidade e que fica inserido em zona central mista da cidade (residencial, comércio e serviços) onde não se verifica espacial incidência de problemáticas sociais e criminais. Partilha o apartamento com a irmã mais nova (23 anos, desempregada) e sobrinha (1 ano) existindo uma dinâmica equilibrada e espírito de entreajuda entre os irmãos. A mãe morreu, há cerca de 5 anos, quando o arguido se encontrava a cumprir a pena de prisão e o pai constituiu um novo agregado, afastando-se dessa forma do convívio com os filhos, estando nos últimos anos a viver em Espanha. Profissionalmente, mantinha a atividade laboral por conta da “E..., Lda.”, que fica situada na zona industrial da ..., onde desempenha funções como operador de máquina de encadernação. O seu horário de trabalho decorre de 2ª a 6ª das 08,30 às 17,10, efetuando intervalo de 40 minutos para o almoço. O arguido aufere um salário líquido mensal no valor 630.44, onde se incluem os duodécimos referentes aos subsídios de férias e de natal. Como despesa fixa mensal com a habitação foi estimado um total de 518,00 euros, da qual se destaca a referente à renda de casa (450 euros). O arguido efetua as deslocações para o trabalho com recurso ao metropolitano, para tanto despendendo 40 Euros. Subsiste com dificuldades económicas, vindo a irmã coabitante a contribuir para a economia doméstica com o que aufere de abono de família e valendo-lhes ainda o apoio da irmã mais velha. AA tem dívidas perante a Segurança Social referente ao recebimento indevido do rendimento social de inserção em simultâneo com o exercício de atividade laboral e também de abono de família, afirmando que se encontrava a diligenciar no sentido de requerer o pagamento em prestações. O quotidiano do arguido decorre em função da atividade laboral, referindo que o tempo livre é passado com os irmãos e os respetivos agregados constituídos, com destaque para os sobrinhos relativamente aos quais se revela especialmente dedicado. Pontualmente, mantém convívios com alguns colegas de trabalho, referindo não ter amigos. No contacto com a irmã mais velha, foi-nos referido que desde a sua libertação, o arguido alterou o seu comportamento, mantendo ocupação laboral e distância do antigo grupo de pares, vindo a privilegiar o convívio com família. Confirma o apoio que presta a estes irmãos, visitando-os frequentemente, quer durante a semana como aos fins-de-semana. Como projeto de vida, o arguido indica o de conseguir trabalho estável, conseguir habilitar-se com o título de condução de veículos automóveis e o de constituir família. No âmbito do supra identificado processo nº366/19.9PAMAI que corre no Juízo Local Criminal do Porto - Juiz 2, por sentença de 14.3.2022 o arguido foi condenado por crime de abuso sexual de menor na pena de 4 anos de prisão cuja execução foi suspensa, sujeita a regime de prova, e ao pagamento de 2.500,00 euros a título de indemnização ao ofendido. Esta sentença ainda não transitou devido à discordância dos representantes legais do ofendido face ao valor fixado à indemnização, motivo pelo qual recorreram, tendo o recurso subido para à Relação no dia 30-06-2022. No processo da liberdade condicional (1168/12.9TXPRT-B) que corre no Juiz 1 do Tribunal de Execução das Penas do Porto por despacho judicial, a decisão sobre o termo/extinção da pena está a aguardar por mais seis meses, a contar da data do envio da decisão da primeira instância para o Tribunal da Relação.

7- Da informação prestada em 9.11.2022 pela DGRSP – equipa de vigilância electrónica – consta que o arguido reside num apartamento arrendado de tipologia 1, com adequadas condições de habitabilidade. Relativamente ao fornecimento de energia elétrica à habitação, AA realizou recente alteração de operadora tendo contratualizado serviço de fornecimento com a F..., havendo indicação da G... de que a visita técnica ocorreu, com sucesso, no dia 8.11.2022. AA reside sozinho, contando com o apoio das irmãs, nomeadamente da mais nova que com ele coabitou até recentemente. O arguido não mantém relacionamento de proximidade com vizinhos, dada a grande mobilidade dos moradores daquele edifício. AA, habilitado com o 12º ano de escolaridade, apresenta um percurso profissional indiferenciado, iniciado em 2018, após cumprimento de uma pena de 5 anos e 3 meses de prisão. O seu primeiro emprego foi como copeiro num restaurante por 6 meses a que se seguiu a de prestador de serviços de limpeza num ginásio, como operador de máquina de encadernação de durante 6 meses, não tendo visto o contrato renovado por diminuição de trabalho, tendo acedido a subsídio de desemprego. O arguido declarou que desde 19.10.2022 se encontra a trabalhar, em regime experimental, na A..., desempenhando funções como empregado de balcão. AA declarou que trabalha de 2ª feira a domingo, com direito a um dia de folga semanal, o que até ao momento afirma que vem acontecendo à sexta-feira. O arguido declarou que o seu horário tem hora de entrada às 10:30 e saída estipulado às 18:30 horas, com exceção das quintas feiras em que sai às 21:00 horas. Mais declarou que devido ao tipo de serviços que presta (atendimento ao balcão sendo responsável por acompanhar o cliente até ao pagamento), a sua hora de saída não é rígida, podendo registar 30 minutos de trabalho suplementar ou ser solicitado a prestar mais horas em períodos de maior afluência, ao que diz aceder, por pretender ali permanecer com situação regularizada, conforme refere que lhe terá sido prometido. AA efetua as deslocações para o trabalho a pé, com as quais referiu despender 30 minutos. Assim, declarou que sai de casa às 10:00 e regressa às 19:00 horas. Não foi estabelecido contacto com entidade empregadora porquanto AA pediu sigilo em relação à mesma sobre a sua situação jurídico-penal. Pretende frequentar aulas na Escola de Condução ..., indicando o horário pós-laboral, dois dias por semana à segunda e quarta feira. Nesses dias deslocar-se-ia do local de trabalho para a escola despendendo no percurso, feito a pé, 30 minutos e estimando despender cerca de 15 minutos com a deslocação da escola para o domicílio. Durante o período de ausência da habitação, cerca 10 horas, seis dias por semana, é interrompida a monitorização contínua da pena, sendo apenas possível aferir o cumprimento do horário autorizado de entrada e saída da habitação. A subsistência do condenado será assegurada pelo seu salário, que informou ter sido acordado como correspondendo ao salário mínimo. Como só completa um mês de trabalho no fim do mês em curso, não soube precisar qual será o valor líquido, mas estima que irá auferir quantia aproximada a 630.44 líquidos. No atual enquadramento é-lhe fornecido o almoço e o lanche, não saindo do local de trabalho. Dos dias de trabalho em Outubro declarou que recebeu 300 euros líquidos. Como despesa fixa mensal foi estimado um total de 525 Euros, da qual se destaca a renda de casa de 450 Euros. O arguido refere ter-se passado a confrontar com necessidade de maior contenção dos gastos na sequência da saída de casa por parte da irmã que coabitava com ele e que comparticipava nas despesas fixas. De todo o modo conta com o apoio das irmãs em géneros alimentares e em dinheiro se assim se revelar necessário, o que foi reiterado por aquelas no contacto estabelecido com as mesmas. AA encontra-se a efetuar tratamento dentário, estando a próxima consulta marcada para o dia 25-11-2022 pelas 18 horas. Segundo referiu as consultas ocorrem com periodicidade mensal. Não sendo possível verificar a fiabilidade do horário de trabalho indicado por AA, porquanto pediu sigilo perante a entidade empregadora sobre a sua situação jurídico-penal por recear ser despedido, não foi obtida confirmação da inserção profissional e horários de trabalho indicados. A ser concedida a autorização por parte do tribunal, a eficácia da execução da PPH ficará seriamente comprometida pela dificuldade das ações de controlo da equipa de Vigilância Eletrónica, porquanto a DGRSP não tem forma de assegurar a fiscalização dos períodos de ausência e das finalidades de saída da habitação, cingindo-se o controlo ao registo eletrónico da hora de saída e entrada do condenado na habitação.

8- No processo nº1203/10.5PJPRT da extinta 3ª Vara Criminal do Porto, por acórdão de 14.4.2011, transitada em julgado em 14.4.2011, o arguido foi condenado pela prática em 9.9.2010 de dois crimes de roubo p. e p. pelo art.210º do Código Penal na pena de 5 meses de prisão, substituída por admoestação.

9- No processo nº943/10.3SMPRT da extinta 2ª Vara Criminal do Porto, por acórdão de 14.7.2011, transitada em julgado em 19.9.2011, o arguido foi condenado pela prática em 11.12.2010 de um crime de roubo p. e p. pelo art.210º do Código Penal na pena de 12 meses de prisão, substituída por 360 horas de trabalho.

10- No processo nº1047/10.4PHMTS do extinto 2º Juízo Criminal de Matosinhos, por acórdão de 18.4.2012, transitada em julgado em 11.6.2012, o arguido foi condenado pela prática em 8.7.2010 de um crime de roubo p. e p. pelo art.210º, nº1, do Código Penal na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, a qual veio a ser extinta pelo decurso do tempo nos termos do art.57º do CP.

11- No processo nº84/12.9PJPRT da extinta 1ª Vara Criminal do Porto, por acórdão de 4.4.2013, transitada em julgado em 2.12.2013, o arguido foi condenado pela prática em 11.2011, de um crime de roubo qualificado p. e p. pelo art.210º, nº1 e 2, b), com referência ao art.204º, 2, g) do Código Penal; pela prática em 18.11.2011 de um crime de roubo qualificado na forma tentada p. e p. pelo art. 210º, nº1 e 2, b), com referência ao art.204º, 2, f) e g), 22º, 1, 2, a) e b) e 23º, 1 e 2 do Código Penal; pela prática em 16.12.2011 de um crime de roubo qualificado na forma tentada p. e p. pelo art. 210º, nº1 e 2, b), com referência ao art.204º, 2, g), 22º, 1, 2, a) e b) e 23º, 1 e 2 do Código Penal; pela prática em 11.6.2011 de um crime de roubo qualificado p. e p. pelo art.210º, nº1 e 2, b), com referência ao art.204º, 2, g) do Código Penal; pela prática em 12.2011 de um crime de roubo qualificado p. e p. pelo art.210º, nº1 e 2, b), com referência ao art.204º, 2, g) do Código Penal; na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.

12- No processo nº2235/10.9PPPRT do 3º Juízo - 3º secção dos Juízos Criminais do Porto, por sentença de 11.10.2012, transitada em julgado em 12.11.2012, o arguido foi condenado pela prática em 25.11.2010 de um crime de roubo p. e p. pelo art.210º, nº1, do C. Penal na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução por 15 meses, a qual veio a ser extinta pelo decurso do tempo nos termos do art.57º do CP.

13- No processo nº895/10.0SJPRT do Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 9, por acórdão de 10.3.2014, transitada em julgado em 27.10.2014 o arguido foi condenado pela prática em 29.6.2010 de 8 crimes de roubo p. e p. pelo art.210º, nº1, do Código Penal; pela prática em 29.6.2010 de dois crimes de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.143º do C. Penal e pela prática em 20.12.2010 de um crime de violência depois da subtracção p. e p. pelo art.211º, com referência ao disposto nos arts.210º, 1 e 2, b) e 204º, 2 g) e 4 do C. Penal na pena de 4 anos de prisão efectiva.

14- No processo nº1161/10.6PHMTS do 2º Juízo Criminal de Matosinhos, por sentença de 10.1.2013, transitada em julgado em 30.1.2013, pela prática em 2.8.2010 de dois crimes de roubo, cada um deles na pena de um ano de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução por 14 meses, com sujeição a regime de prova, a qual veio a ser extinta pelo decurso do tempo nos termos do art.57º do CP.

15- No processo nº53/11.6PAVLG do 1º Juízo - 2º secção dos Juízos Criminais do Porto, por sentença de 19.4.2013, transitada em julgado em 20.5.2013, o arguido foi condenado pela prática em 28.1.2011 de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo art.143º, nº1 e 145º, 1, a) e 2, com referência ao disposto no art.132º, 2, l), do C. Penal na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, à taxa diária de 5 €.

16- No processo nº799/10.6PJPRT da 4ª Vara Criminal do Porto, por acórdão de 5.2.2014, transitado em julgado em 7.3.2014 o arguido foi condenado pela prática em 4.5.2010 de um crime de roubo p. e p. pelo art.210º, nº1, do Código Penal na pena de 1 ano e 4 meses de prisão efectiva.

17- No processo nº895/10.0SJPRT do Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 9, por acórdão de 21.4.2015, transitado em julgado em 21.5.2015, foi operado cúmulo jurídico de penas com as penas aplicadas nos processos nº84/12.9PJPRT quanto aos crimes pelo mesmo cometidos em inícios de Novembro de 2011, em 18.11.2011 e 16.12.2011 e finais de Dezembro de 2011; 799/10.6PJPRT da 4ª Vara Criminal do Porto; processo nº53/11.6PAVLG do 1º Juízo - 2º secção dos Juízos Criminais do Porto; processo nº943/10.3SMPRT da extinta 2ª Vara Criminal do Porto; processo nº84/12.9PJPRT da extinta 1ª Vara Criminal do Porto na pena de 3 anos e 5 anos de prisão, de cumprimento sucessivo.
18- No processo de liberdade condicional nº1168/12.9TXPRT-B do 1º Juízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto por acórdão do Tribunal da Relação do Porto – 4ª secção criminal datado de 2.5.2018, transitado em 14.5.2018, foi concedida a liberdade condicional ao condenado pelo período decorrente até 21.3.2020 no âmbito do processo nº895/10.0SJPRT do Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 9.

19- O arguido confessou integralmente os factos que lhe vinham imputados e pelos quais foi detido em situação de flagrante delito.
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Factos Não Provados

Inexistem.
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MOTIVAÇÃO

A decisão do tribunal fundou-se no conjunto da prova produzida, a qual foi apreciada segundo regras da lógica, da ciência e máximas da experiência comum.
O arguido AA admitiu, na íntegra, os factos narrados na acusação, confessando-os, descrevendo as circunstâncias em que actuou, tal como resultou provado. Da sua narrativa ressaltou o reduzido juízo crítico do arguido em relação ao seu comportamento: “foi uma atitude descompensada”, “isto foi sem noção”, procurando minimizar a gravidade do seu incontrolado impulso.
No que tange à sua situação pessoal e económica, assim como aos pressupostos necessários para eventual execução de prisão em regime de pemanência na habitação tomaram-se em consideração os relatórios juntos aos autos, os quais infirmam parcialmente as declarações prestadas pelo arguido, designadamente quanto à sua situação profissional (cfr. declarações do arguido relativas à continuação de actividade laboral na sessão de julgamento de 14.10.2022). Na realidade, os aludidos relatórios estribam-se, além da entrevista com o arguido, na consulta de documentos comprovativos referentes às despesas fixas com a habitação, de inscrição e horário das aulas na Escola de Condução ... e de deslocação a consulta dentária, bem como consulta do dossier constituído sobre o arguido na DGRSP do qual constam registos de diligências, relatórios e informações decorrentes de intervenção anteriormente desenvolvida e em curso. É de realçar que não foi realizado qualquer contacto pela DGRSP com a entidade empregadora indicada pelo arguido porquanto este pediu sigilo em relação à mesma sobre a sua situação jurídico-penal, o que inviabilizou a confirmação da natureza das funções exercidas, horário de trabalho e cooperação da entidade patronal com a DGRSP no que respeita ao seu eventual incumprimento.
Os antecedentes criminais encontram-se certificados nos autos, tendo sido vertidos no essencial, na matéria provada.

(…)

Dispõe, com atinência para o caso concreto, o nº1 do art.43º do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº94/2017, de 23.8, sob a epígrafe “regime de permanência na habitação” que sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) a pena de prisão aplicada em medida não superior a dois anos(…).
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1.9.2011, in Bases de Dados Jurídico-Documentais do IGFEJ: “com esta disposição, como resulta claramente do seu n.º 2, o legislador de 2007 instituiu uma nova pena de substituição que deve ser aplicada na sentença, não tendo criado uma pena de substituição de uma pena de substituição ou uma diferente forma de execução da pena de prisão aplicável, por despacho, em momento posterior ao da prolação da sentença [Neste mesmo sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, in «Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem», UCE, Lisboa, 2008, p. 182 e ss. ].”
Na situação em apreço, cremos que a execução da pena de prisão acima fixada em regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica, satisfaz as finalidades punitivas do caso concreto, quer gerais (qualquer comunidade fica intranquila quando tem notícia de comportamentos do género), quer especiais (o número de crimes já cometido pelo arguido revela uma enorme desinibição e um claro perigo de continuação da actividade criminosa), na medida em que força – pelo confinamento ao espaço de residência – uma mais profunda e aturada reflexão sobre as consequências da conduta até aqui adoptada pelo arguido.
Assim sendo e uma vez que nisso o arguido expressamente assentiu em audiência, considera-se proporcional e adequada a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, sujeita a vigilância electrónica.
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O regime de permanência na habitação ficará subordinado, no entanto, ao cumprimento da regra de conduta de se sujeitar a tratamento psicológico e/ou psiquiátrico, na sequência de consulta especializada a que se deverá submeter com acompanhamento da DGRSP, ao que o arguido deu, em audiência, o seu assentimento.
Na verdade, o arguido necessita – a nosso ver – de acompanhamento especializado no sentido de possibilitar o treino de competências pessoais e sociais, como seja a do auto-controlo, do pensamento consequencial e da interiorização do desvalor da sua conduta, de forma a poder reger o seu quotidiano de acordo com as normas sociais e jurídicas vigentes.
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Ao abrigo do preceituado no art.11º da Lei nº33/2010, de 2.9. e a fim de obviar aos inconvenientes advenientes dos procedimentos de autorização judicial para as ausências a título excepcional do local de vigilância electrónica, autorizo desde já a ausência da habitação do arguido com vista às seguintes finalidades:
i) Actos judiciais ou diligências policiais no presente processo ou outros;
ii) Consultas médicas, tratamentos e similares;
iii) Receber quantias de que seja beneficiário, nomeadamente RSI, outros subsídios ou rendimentos.
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Não se autoriza a saída do arguido de casa para o exercício de actividade laboral, uma vez que o seu vínculo profissional é extremamente precário (teve início em 19.10.2022, encontrando-se em regime experimental) e se desconhece em concreto o seu horário de trabalho, porquanto não foi possível confirmar a informação prestada (unicamente) pelo arguido. Além disso, afigura-se-nos ser extremamente alargado o período de tempo fora da habitação, o que inviabiliza de forma intolerável a vigilância efectiva do arguido (durante o período de ausência da habitação, cerca 10 horas, seis dias por semana, é interrompida a monitorização contínua da pena, sendo apenas possível aferir o cumprimento do horário autorizado de entrada e saída da habitação).Como se refere no relatório elaborado pela DGRSP: não sendo possível verificar a fiabilidade do horário de trabalho indicado por AA, porquanto pediu sigilo perante a entidade empregadora sobre a sua situação jurídico-penal por recear ser despedido, não foi obtida confirmação da inserção profissional e horários de trabalho indicados. A ser concedida a autorização por parte do tribunal, a eficácia da execução da PPH ficará seriamente comprometida pela dificuldade das ações de controlo da equipa de Vigilância Eletrónica, porquanto a DGRSP não tem forma de assegurar a fiscalização dos períodos de ausência e das finalidades de saída da habitação, cingindo-se o controlo ao registo eletrónico da hora de saída e entrada do condenado na habitação.
Do mesmo modo e atento o horário das aulas de condução que o arguido pretendia frequentar em horário nocturno, não se vê que tal seja compatível com as finalidades da punição.
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Acresce que,
Em caso de incumprimento grave do estipulado, nomeadamente saída ilegítima do arguido da habitação, AUTORIZO a equipa de vigilância electrónica a informar de imediato os OPC competentes com vista à detenção do arguido e sua apresentação a juízo para os devidos efeitos.
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b) apreciação do mérito:

Começaremos por recordar que, conforme jurisprudência pacífica[1], de resto, na melhor interpretação do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objeto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo, obviamente, e apenas relativamente às sentenças/acórdãos, da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal[2], devendo sublinhar-se que importa apreciar apenas as questões concretas que resultem das conclusões trazidas à discussão, o que não significa que cada destacada conclusão encerre uma individualizada questão a tratar, tal como sucede no caso vertente.
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Assim sendo, e em face daquilo que se apreende das efetivas conclusões trazidas à discussão pelo recorrente, importa saber apenas se, sendo inquestionável a pena aplicada e respectivo regime de cumprimento fixado, seria de maior justiça se o seu cumprimento albergasse também a autorização para o exercício da atividade laboral que desempenha.

Vejamos, pois.

O recorrente entende que se lhe afigura ser de maior justiça que cumpra os oito meses de prisão em regime de permanência na habitação com autorização para o exercício da atividade laboral que desempenha, pelas razões que indica, argumentação que, no essencial vem vertida nas correspondentes conclusões supra transcritas[3] e que, por economia, aqui se considera renovada.

Na resposta, o Ministério Público veio anotar, em síntese, que o argumento do arguido, de que apresenta agora uma situação de contrato de trabalho regularizada, não merece acolhimento, uma vez que a assertividade da decisão recorrida tem que ser avaliada por referência ao momento em que foi proferida, e não em momento posterior, conforme aquele pretende, que aproveitou o recurso para trazer factos novos, exigindo a ponderação dos mesmos a fim de almejar pretendida autorização para trabalhar, designadamente, que o seu vínculo laboral deixou ser precário, ganhando densidade com a sua manutenção após o período experimental, que se compromete a não executar trabalho suplementar para além das oito horas laborais fixas, de modo a evitar ausências prolongadas de casa, e que, existindo contrato de trabalho, o tribunal já poderá confirmar a sua existência e horário, mas, no entanto, não juntou qualquer prova a respeito, pugnando agora por uma atitude do tribunal superior que o próprio obstou ao tribunal de primeira instância em momento anterior à sentença recorrida, que tudo apreciou, conforme anota, mais adiantando, a coberto de citada jurisprudência, que o regime de permanência na habitação não pode ser objeto de um regime de flexibilização que o descaracterize de tal forma que o mesmo passe a ser confundido com o regime de semidetenção e que o cumprimento da pena aqui aplicada não pode ser de tal forma transigente que desvirtue a sua finalidade, concedendo ao arguido um tratamento demasiado benévolo, tanto mais que o mesmo beneficiou, de modo que se lhe afigura suficiente e razoável, perante elementos considerados a ser favor, ao ter-lhe sido permitida a possibilidade de cumprir pena privativa da liberdade fora do meio prisional, em face do seu historial criminológico, pelo que entendia que a decisão recorrida não merecia qualquer reparo, devendo manter-se.

Por seu turno, no parecer que exarou, o Ex.mo PGA veio anotar, igualmente em síntese, que, pese embora se reconheça a justeza de quanto, a este propósito, afirma a Exm.ª Procuradora da República junto do tribunal recorrido, atendendo à actual situação socio-económica e precariedade dos vínculos laborais que caracterizam a realidade vivenciada por grande parte da população, mesmo por aqueles que não têm quaisquer antecedentes criminais, de alguma forma não podem deixar de considerar-se como profundamente relevantes os temores invocados pelo recorrente de que, se a entidade patronal fosse contactado pela DGRSP quando ainda estava “à experiência”, não concretizaria com ele o vínculo laboral que, entretanto, se terá registado, mais sublinhando que à luz destes elementos quer-se crer que resulta evidenciado que, a manter-se a decisão recorrida quanto à forma de execução da pena em que o mesmo vem condenado, ver-se-á desprovido de qualquer fonte de rendimento que lhe permita fazer face às suas despesas mais básicas, desde logo, as relacionadas com a respectiva alimentação e higiene, como mais se verá, quase seguramente, impossibilitado de pagar a renda mensal do apartamento em que reside, o que poderá conduzir à resolução do respectivo contrato de arrendamento, situação que agravará, ainda mais, o risco de o mesmo, sentindo-se quase absolutamente desvalido, enveredar pelo caminho radialmente oposto ao que aquela pena visa também alcançar, qual seja, o da respectiva reinserção social, contexto em que, e na dependência de ser efectivamente documentada a existência do vínculo laboral pelo recorrente só agora invocado, entendia que o recurso merecerá provimento, assim devendo ser parcialmente revista a decisão recorrida, no sentido de, para além das ausências já autorizadas, o recorrente seja autorizado a ausentar-se da respectiva residência também para efeitos de exercício da respectiva actividade profissional, em função do horário de trabalho normal, pelo mesmo a comprovar, e sempre com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

Apreciando.

Para nos situarmos em termos interpretativos, embora nos pareça existir total sintonia nos autos nesta matéria, relembraremos que “As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade”, e que “Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa”[4]. De resto, a culpa e a prevenção são os dois parâmetros que norteiam a indagação da medida da pena, conforme resulta claro da previsão do artigo 71º, nº 1, do Código Penal.
Claro está que uma tal tarefa há de partir, logicamente, da análise dos factos, no seu cotejo com a também apurada personalidade do seu agente, o que equivale por dizer que “… o substrato da culpa, e portanto também o da medida da pena, não reside apenas nas qualidades do caráter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível…” mas reside, isso sim, “…na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizada naquilo que chamamos a atitude da pessoa perante as exigências do dever-ser.”[5]
É, pois, este o pano-de-fundo que ditará qual a pena que deverá ser aplicada em cada caso concreto.
Aqui chegados, é consabido que está aqui unicamente em causa a autorização de saída da residência do arguido para o exercício da atividade laboral que desempenha, agora não precária, mas estabilizada, mostrando-se disponível para demonstrar a sua inserção profissional e respectivo horário de trabalho, admitindo que se o tribunal considerar elevado o número de horas ou dias em que se encontra ausente da habitação, poderá o mesmo ser reduzido, de maneira a viabilizar de forma tolerável a sua vigilância efectiva.
Em suma, é isto.
Já vimos a tese adversa contida na resposta, basicamente estribada no facto de se alicerçar em factos novos que antes não facultou ao tribunal recorrido, além de não juntar prova do que alega, e a concordante com a pretensão recursiva inserta no parecer.
Cremos que o recurso deverá obter algum êxito.
Na verdade, decorre do artigo 58º nº 1 da Constituição da República Portuguesa que “Todos têm direito ao trabalho”, sendo consabido tratar-se de um direito fundamental dos cidadãos.
Por outro lado, não se questiona que a lei prevê no nº 3 do artigo 43º do Código Penal, além doutras, a possibilidade de ausência para desempenho de actividade profissional, não distinguindo entre vínculo precário ou definitivo.
Ora, se é certo que o arguido pediu sigilo perante a entidade empregadora sobre a sua situação jurídico-penal por recear ser despedido, dada a precaridade, à época, da sua situação laboral, tal não obstava a que fosse obtida a confirmação da sua inserção profissional e horários de trabalho, designadamente exigindo-lhe um documento comprovativo do que alegava e que não implicaria necessariamente expor-se perante a entidade patronal, pois que não tinha que indicar o concreto fim a que se destinava. Além disso, se o tribunal acreditou nele noutros aspectos que ajudaram a alicerçar a fixar aquele regime de cumprimento da pena, nada invalidaria que se bastasse apenas com a sua confirmação, tanto mais que a mesma seria susceptível de ser monotorizada no terreno, de forma discreta, para não comprometer tal relação laboral, a qual, ao que parece, entretanto se estabilizou, embora não possa ser por essa novidade que possa discordar-se do decidido, pois que não disponível na altura da prolação da decisão recorrida, devendo anotar-se que, cremos pacífico, ou, quando menos, maioritário ao nível jurisprudencial, que não deverão ser admitidos documentos em sede de recurso, o que retira validade a uma tal argumentação contida na resposta.
Acresce a tudo isto que a apurada situação pessoal do arguido é extremamente difícil, pois que reside num apartamento arrendado de tipologia 1, reside sozinho, contando com o apoio das irmãs, nomeadamente da mais nova, que com ele coabitou até recentemente, a sua subsistência será assegurada pelo seu salário, correspondendo ao salário mínimo, é-lhe fornecido o almoço e o lanche, não saindo do local de trabalho, tem despesas fixas mensais num total de quinhentos e vinte e cinco euros, incluindo a renda de casa no montante de quatrocentos e cinquenta euros, e passou a confrontar-se com necessidade de maior contenção dos gastos na sequência da saída de casa por parte da irmã que coabitava com ele e que comparticipava nas despesas fixas, embora conte com o apoio das irmãs em géneros alimentares e em dinheiro se assim se revelar necessário.
De tudo isto decorre linearmente que, se não lhe for possível trabalhar, não poderá pagar a renda de casa e estará dependente das irmãs, designadamente para se alimentar, ou seja, estará em causa a sua própria sobrevivência[6], pelo que, tendo-se alcançado os níveis de confiança necessários para se ter determinado o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, torna-se nada compreensível o afastamento da possibilidade de o mesmo se ausentar da residência para trabalhar, tanto mais que, como se viu, a justificação dada pelo tribunal recorrido não tem sustentação e mostra-se associada a alguma inércia probatória, mais ou menos discreta, atenta a singularidade da situação precária em termos laborais então existente.
E aqui permitimo-nos abrir uma parêntesis para anotar a citação jurisprudencial que, muito assertivamente, nos relembra que “Aos Magistrados Judiciais e do Ministério Público caberá, pois, um papel decisivo na implementação da filosofia que anima o Código porquanto é no momento da concretização da pena que os desideratos de prevenção geral e especial e de reintegração ganham pleno sentido”[7].
Neste global contexto, defere-se à pretensão do arguido de se ausentar da habitação para trabalhar, a qual dependerá da prévia indagação da entidade patronal e do respectivo horário e dias de trabalho, com indicação do dia ou dias de folga, tendo-se em conta que o mesmo necessita de trinta minutos para se deslocar para o posto de trabalho em questão, devendo o mesmo juntar aos autos, no final de cada mês, o respectivo recibo de vencimento, a fim de que possa comprovar-se o número de dias de trabalho efectivamente prestado, mantendo-se, obviamente, o demais decidido, incumbindo à DGRSP assegurar a fiscalização possível, mormente através do registo eletrónico da hora de saída e entrada do arguido na habitação, já que a única que entende ser viável, não podendo o arguido ser prejudicado apenas por haver dificuldade das ações de controlo da equipa de vigilância eletrónica, conforme alega.
Procede, pois, o recurso, pelo que o recorrente não deverá suportar quaisquer custas (cfr. artigo 513º, nº 1, “a contrario”, do Código de Processo Penal).
*
III – DISPOSITIVO:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes nesta Relação acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, em consequência do que decidem autorizá-lo a ausentar-se da sua habitação para trabalhar, a qual dependerá da prévia indagação da entidade patronal e do respectivo horário e dias de trabalho, com indicação do dia ou dias de folga, tendo-se em conta que o mesmo necessita de trinta minutos para se deslocar para o posto de trabalho em questão, devendo o mesmo juntar aos autos, no final de cada mês, o respectivo recibo de vencimento, a fim de que possa comprovar-se o número de dias de trabalho efectivamente prestado, mantendo-se, obviamente, o demais decidido.

Sem tributação.

Notifique.
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Porto, 14/06/2023.[8]
Moreira Ramos
Maria Deolinda Dionísio
Jorge Langweg
______________
[1] Vide, entre outros no mesmo e pacífico sentido, o Ac. do STJ, datado de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt, no qual se sustenta que “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso”.
[2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95.
[3] As quais foram transcritas precisamente porque reproduzem o essencial da motivação ou argumentação recursiva e, por isso, permitimos dispensar-nos de a repetir neste lugar.
[4] Vide, Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 227.
[5] Vide, Figueiredo Dias, in “Liberdade, Culpa, Direito Penal”, Biblioteca Jurídica Coimbra Editora, 1983, págs. 183 e 184.
[6] E aqui não poderá deixar-se à margem a dignidade pessoal mínima a que cada pessoa tem natural e constitucional direito (cfr. artigo 13º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa).
[7] Trata-se do acórdão proferido em 05/11/2018 no Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito do processo nº 17/16.3PFGMR.G1, relatado pela Desembargadora Teresa Coimbra, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Texto composto e revisto pelo relator (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).