Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | NELSON FERNANDES | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA DESPACHO SANEADOR CONHECIMENTO DO MÉRITO EMBARGOS DE TERCEIRO PRAZO | ||
Nº do Documento: | RP20230605873/12.4TTMTS-C.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/05/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PROCEDENTE; ANULADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - A nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito e não já, pois, quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada. II - Por sua vez, quanto à nulidade por omissão de pronúncia, prevista na alínea d), tem essa a ver com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608.º, n.º 2, do CPC. III - O conhecimento do mérito no despacho saneador pressupõe que não existam factos controvertidos indispensáveis para esse conhecimento, ponderando as diferentes soluções plausíveis de direito. IV - O prazo para deduzir embargos de terceiro é um prazo de caducidade e ao invocar que o mesmo foi ultrapassado o embargado invoca um facto extintivo / impeditivo do direito do embargante, recaindo por essa razão sobre ele o ónus da prova, nos termos gerais do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil. V - Ponderando-se que o conhecimento da ofensa que constitui o termo inicial do prazo para dedução dos embargos se reporte a um conhecimento efetivo e não à mera cognoscibilidade da ofensa decorrente designadamente da inscrição da penhora no registro ou da inscrição no registo da aquisição da propriedade, apesar do juiz se considerar habilitado a conhecer do mérito da causa segundo a solução que julga adequada, com base apenas no núcleo de factos que tem como incontroversos, caso existam factos controvertido com relevância para a decisão, segundo outras soluções também plausíveis de direito, deve abster-se de conhecer, na fase de saneamento, do mérito da causa. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Apelação / processo n.º 873/12.4TTMTS-C.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 1 Recorrente / embargante: AA Recorridos / embargados: A..., Lda. (insolvente) e BB _______ Nélson Fernandes (relator) Rita Romeira Teresa Sá Lopes Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório 1. Por apenso aos autos de execução, apresentou AA embargos de terceiro, contra A..., Lda. (insolvente) e BB, requerendo que, na sua procedência, fosse reconhecido que o veículo penhorado, de marca Hyundai, com a matrícula ..-..-QD, é de sua propriedade e consequentemente que fosse ordenado o levantamento da penhora sobre esse veículo. Alega, em resumo, que: apenas tomou conhecimento, no pretérito dia 20 de junho de 2022 – através de notificação que lhe foi dirigida nestes autos de processo e entregue por terceiro que, no âmbito dos autos à margem referenciados pretende o Exequente dos autos a apreensão do veículo com a matrícula ..-..-QD, para venda judicial, decorrente de se encontrar tal viatura penhorada à ordem dos presentes autos, penhora que terá sido ordenada e realizada como se, à data da sua realização, o veículo automóvel fosse pertença da Executada; o veículo automóvel foi objeto de contrato de compra e venda celebrado em 14 de Fevereiro de 2012, entre o aqui Embargante e a Executada, o primeiro na qualidade de comprador e a segunda na qualidade de vendedora tendo o Embargante procedido ao pagamento do preço respetivo e a Executada à entrega do veículo automóvel e respetiva declaração de venda; em momento algum foi comunicado que sobre o veículo recaiam quaisquer ónus ou encargos que prejudicassem o efeito translativo do negócio sendo que se soubesse que sobre o veículo recaia um ónus ou encargo jamais teria concluído a transação; pela Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Gaia, foi reconhecida a assinatura de CC, na qualidade de gerente e com poderes para o ato da respetiva venda; à data do contrato de compra e venda em causa, não estava pendente qualquer registo de penhora e/ou hipoteca, a favor do Exequente e/ou qualquer outrem; passou de imediato a usufruir daquela aquisição, sendo como tal possuidor da mesma desde 14.2.2012, não obstante o registo da aquisição ter sido efetuado apenas em março de 2014. Tendo os embargos sido recebidos, em sede de contestação invocou o Exequente / embargado BB a exceção perentória da caducidade, além do mais, porquanto aquando do registo de aquisição do veículo já se encontravam registada uma penhora e uma hipoteca. Com data de 10 de outubro o Embargante apresentou requerimento em que afirmou impugnar todos os documentos juntos com a contestação, “quanto ao sentido, alcance e conclusões que aquele dos mesmos possa pretender fazer extrair”. Em 17 de outubro de 2022, foi proferido despacho com o teor seguinte: “Ao abrigo do disposto no art. 27 º do Código de Processo de Trabalho (CPT) e art. 547.º do Código de Processo Civil (CPC), admito no processo um articulado, para que o embargante se pronuncie, desde já, sobre a matéria de exceção – caducidade- invocada pelo embargado sujeito ao regime previsto no art. 587.º do CPC. Prazo: 10 dias.” O embargante respondeu, pugnando pela improcedência da exceção da caducidade. Afirmando que o processo já reunia todos os elementos necessários para ser proferida decisão de mérito, o Tribunal recorrido, invocando que o fazia “ao abrigo da conjugação do disposto nos arts. 591º, nº, al. d), 593º, nº 1 e 595º, nº 1, al. b), todos do Código de Processo Civil (CPC)aplicável ex vi do art. 1 n.º 2 al. a) do Código de Processo de Trabalho (CPT)” e ainda “do dever de gestão processual plasmado no art. 27º do CPT”, veio a proferir decisão, sobre a invocada exceção da caducidade invocada, de cujo dispositivo consta: “Em face do exposto e julgo procedente a exceção de caducidade e consequentemente improcedentes os embargos de terceiro deduzidos. Custas a cargo do embargante. Valor da ação 14.726,00 Registe e notifique.” 2. Não se conformando com o decidido, apresentou o Embargante requerimento de interposição de recurso, arguindo ainda a nulidade da sentença. No final das alegações que apresenta, formula as seguintes conclusões: “A. Vem o presente recurso da circunstância do aqui Apelante não se conformar com o douto Despacho Saneador/Sentença proferido nos presentes autos que julgou totalmente procedente a excepção de caducidade. Desde logo, por padecer o mesmo de nulidade, B. Com efeito, em momento algum, na douta sentença é feita qualquer referência aos factos que o Dign.º Tribunal a quo não logrou provar, seja os ditos “factos não provados”, existindo tão só a enumeração dos factos dados como provados, os quais já se teve oportunidade de transcrever. C. Sendo certo que, todos os factos – provados ou não provados – têm, obrigatoriamente, e sob pena de nulidade, de constar do texto da sentença, pois que todos eles resultaram da “discussão” da causa e têm, evidentemente, relevância para a decisão. D. Neste sentido pronunciou-se o Tribunal da Relação de Évora, no seu douto Acórdão de 03/11/2016 (no âmbito do Proc. n.º 1774/13.4TBLLE.E1, e disponível in www.dgsi.pt) e, no mesmo sentido, vide o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07/05/2013 (proferido no âmbito do Proc. n.º 1259/08.0TBGRD.C1 e disponível in www.dgsi.pt), supra transcritos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos. E. Razão pela qual, entende o aqui Apelante que o douto despacho saneador/sentença enferma da nulidade prevista no art.º 615.º n.º 1 alínea b), do C.P.C. - por manifesta violação da formalidade prevista no art.º 607.º, n.º 4, do mesmo diploma -, omitindo, em sede de fundamentação, os factos que, tendo sido trazidos ao conhecimento do tribunal, não foram dados como provados, nem como não provados. Ademais, F. Entende, ainda, o aqui Apelante que a decisão proferida padece de nulidade, nos termos da al. d) do art.º 615.º do CPC, por não se ter pronunciado o Dign.º Tribunal “a quo” sobre aquela matéria que de tanta importância se revelava. G. Desde logo, a factualidade referente ao facto de à data do contrato de compra e venda em causa, não estar pendente qualquer registo de penhora e/ou hipoteca, a favor do Exequente e/ou qualquer outrem; H. Bem como, a factualidade referente ao facto de, desde a data do contrato de compra e venda – 14.02.2012 – o Embargante ter passado a usufruir daquela aquisição, passando a utilizá-la e a dela dispor como seu proprietário. Posse essa de boa fé, pacífica, à vista de todos e sem oposição de ninguém. I. E, acima de tudo, qual a data em que o aqui Embargante tomou conhecimento da existência da penhora, J. Pois que, apenas com essa “enumeração” completa – dos factos provados e factos não provados - pode ser alcançada a certeza de que todos os factos alegados foram devidamente ponderados e decididos pelo Dign.º Tribunal. O que não sucede “in casu”! K. Todavia, o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre tal factualidade [referida em H), I) e J)], nem por qualquer forma justificou a sua omissão. L. Tais factos, oportunamente alegados e, a final, a serem provados, revelavam-se de suma importância para a decisão em causa. M. Termos em que, requer-se, desde já, seja declarada a nulidade, por omissão, em sede de fundamentação, de factos relevantes para a decisão da causa, por manifesta violação da formalidade prevista no art.º 607.º, n.º 4 do C.P.C, e ainda, por ter o Tribunal deixado de se pronunciar sobre questões que deveria ter decidido, tudo, nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. SEM PRESCINDIR, Tem, ainda, o presente recurso por pretensão uma nova análise sobre a matéria fáctica e jurídica em causa nos presentes autos. Com efeito, N. Desde logo, nos termos do n.º 2 do art.º 342.º do C.C., competindo aos Embargados, e ora Recorridos, o ónus da prova da caducidade do direito de accionar através dos embargos - porquanto, se trata de facto extintivo do direito de embargar (Cfr. AC TRL, de 26/11/2009, proc. 11372-F/1993.L1 – certo é que estes nenhuma prova fizeram nesse sentido, pois que, limitaram-se a alegar, com base em presunções, que o conhecimento do aqui Embargante se deve balizar à data em que efectua o registo da aquisição do veículo, seja, em 06.03.2014. O. Nesse sentido, foi a decisão do Dign.º Tribunal “a quo”. O que, salvo o devido respeito, não se pode aceitar, pois que, em momento algum resulta dos autos que em tal data o aqui Recorrente tenha tomado conhecimento do que quer que fosse. P. Com efeito, desde logo, dos autos resulta – cfr. documento n.º 5 junto com a petição de embargos – que não foi sequer o aqui Embargante quem promoveu o registo de aquisição em causa; Q. Não se tendo dirigido à competente Conservatória do Registo Automóvel com tal fito, não teve sequer oportunidade de solicitar e/ou ser-lhe comunicada essa informação junto da respectiva funcionária dos registos. R. Ademais que, à data – algo diferente do que sucede nos dias de hoje, em que, quando se promove o registo de aquisição, mesmo online, se se encontrar algum ónus pendente, o DUA não é emitido e enviado ao novo titular – não havia qualquer inibição e/ou consequência da realização de um novo registo de titularidade, em consequência de acto translativo, quando sobre o veículo em causa impendia algum ónus. S. Seja, à data, o aqui Embargante solicitou o registo de aquisição, que veio a ser concretizado em Março de 2014, sem que tenha tomado conhecimento efectivo de um qualquer ónus, fosse ele hipoteca e/ou penhora. T. Sendo que, com a devida vénia, não se vislumbra, com base na factualidade dada como provada, como pode o Dign.º Tribunal “a quo” concluir que o conhecimento do aqui Recorrente relativamente à penhora em causa teve lugar no momento do registo da aquisição a seu favor, quando, na verdade, da factualidade provada sequer resulta tal matéria! U. Qual a motivação de tal afirmação? Qual o facto assente de que resulta tal factualidade? Pois, de nenhum! Não resulta de qualquer facto assente qual a data em que o aqui Recorrente tomou conhecimento da dita penhora. Sendo, com o devido respeito, chocante a conclusão a que chega o Dign.º Tribunal “a quo”, meramente presuntiva! V. Ao invés, embora tal não lhe competisse, o Recorrente fez prova da tempestividade da dedução dos respectivos embargos, através do documento n.º 1 junto com a petição de embargos, que não foi impugnado, W. Nesta conformidade, a excepção de caducidade invocada devia ter sido julgada improcedente; X. Não decidindo assim, o Tribunal “a quo” violou, além do mais, o disposto no art.º 342.º do C.C. e 344, n.º 2, 576, n.ºs 1 e 2 e 578, todos do CPC; Y. Até porque, «tendo em conta o disposto no art.º 342.º, n.º 2 do CC, é ao embargado que incumbe o ónus de alegação e de prova da extemporaneidade dos embargos, e, não se provando a data do conhecimento do facto lesivo, devem considerar-se tempestivamente instaurados» - cfr. AC. TRC, de 26.04.2002, proferido nos autos de processo n.º 1704/20.7T8VIS-A.C1, disponível em www.dgsi.pt. Z. Como decorre do supra exposto, os embargos foram deduzidos no 30.º dia após o conhecimento do ato lesivo do direito do embargante, pelo que são tempestivos. AA. A penhora dos autos atingiu o veículo propriedade do embargante, por si adquirido em 14.02.2012, data em que foi para si transmitido, por mero efeito do contrato de compra e venda, o direito de propriedade sobre o veículo. BB. Logo, a penhora efectuada depois, em 16.10.2013, em execução contra a vendedora, ofende o direito de propriedade do Embargante, impondo-se o seu levantamento. CC. Assim, considerando tudo quanto supra exposto, temos por certo que, o aqui Embargante alegou, e demonstrou, que o seu conhecimento do acto lesivo da sua propriedade ocorreu em momento posterior ao da sua aquisição. DD. Razão pela qual, não resta senão concluir que, dentro do prazo dos 30 (trinta) dias, previsto no artigo 344.º, n.º 2 do CPC, o aqui Recorrente deduziu os presentes embargos. Em suma, De todo o supra exposto, EE. Resulta, antes de mais, que o douto despacho saneador/sentença enferma de nulidade prevista no art.º 615.º n.º 1 alínea b) e d) do C.P.C., por manifesta violação da formalidade prevista no art.º 607.º, n.º 4, do mesmo diploma legal por omissão, em sede de fundamentação, de factos relevantes para a decisão da causa e, ainda, por insuficiência da decisão de facto para a decisão de direito proferida. FF. Mais ainda, ao decidir o Dign.º Tribunal a quo pela improcedência dos presentes embargos, por verificada a excepção da caducidade, incorreu em errada apreciação e interpretação dos factos e, consequente incorreta aplicação do direito, violando o douto despacho saneador/sentença recorrido o disposto nos artigos 342.º do C.C. e 344, n.º 2, 576, n.ºs 1 e 2 e 578, todos do CPC. GG. Pelo que, deve ser revogado o despacho saneador/sentença e substituído por outra decisão que julgue totalmente procedentes, por provados, os embargos de executado, com todas as consequências legais, HH. Ou, caso assim não se entenda, deve ser revogado o despacho saneador/sentença e, consequentemente, serem os presentes autos remetidos para julgamento, visando a produção de prova e, subsequente subsunção do direito. Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via disso, ser revogada a decisão ora recorrida, com o que V. Exas. julgarão, como sempre, com inteira e sã JUSTIÇA!” 2.1. Contra-alegou o Embardado, concluindo do modo seguinte: “1ª. Não se verifica a nulidade invocada pelo embargante, por efeito da não inclusão na douta sentença recorrida da matéria de facto não provada, uma vez que a douta sentença recorrida pronunciou-se apenas pela matéria de exceção de caducidade invocada e pelos factos a tanto atinentes, que se acham documentados nos autos, como era o bastante. 2ª. Foi dada oportunidade ao embargante/recorrente, por douto despacho de 17/10/2022, para que “se pronuncie, desde já, sobre a matéria de exceção – caducidade - invocada pelo embargado sujeito ao regime previsto no art. 587.º do CPC.”, o que o mesmo fez. 3ª. Após pronúncia do embargante sobre essa matéria de exceção, por a Mmª. Sra. Juiz a quo ter entendido que o processo já reunia todos os elementos necessários para ser proferida decisão de mérito quanto à matéria da exceção de caducidade invocada, foi a mesma proferida de imediato, ao abrigo da conjugação do disposto nos arts. 591º, nº 1, al. d), 593º, nº 1 e 595º, nº 1, al. b), todos do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi art. 1º n.º 2 al. a) do Código de Processo de Trabalho (CPT), bem como do dever de gestão processual plasmado no art. 27º do CPT, uma vez que as partes já haviam exercido o contraditório relativamente à matéria dessa exceção. 4ª. Na douta sentença recorrida, a Mmª. Sra. Juiz a quo elencou devidamente os factos assentes, que reputou relevantes para o conhecimento do mérito e decisão da exceção perentória da caducidade invocada pelo embargado, tendo em consideração a prova documental a que na mesma decisão aludiu, não estando o Julgador obrigado a pronunciar-se sobre a demais matéria alegada que não esteja relacionada com a exceção da caducidade. 5ª. Não se verifica, assim, a pretendida nulidade invocada pelo apelante, decorrente de não constar da douta sentença recorrida a demais matéria que tivesse que ser havida por provada ou não provada, a qual resultaria necessariamente da discussão e julgamento da causa, que não teve lugar pelo fundamento invocado, nem ocorre a nulidade da douta sentença recorrida a que alude o artº 615º, nº 1, al. b) por violação do previsto no artº 607º, nº 4, ambos do CPC., estando a douta sentença recorrida devidamente fundamentada e nela justificado o sentido da decisão proferida. 6ª. Não existe também a nulidade prevista na al. d) do nº 1 do artº 615º do CPC, pois que a Mmª. Sra. Juiz a quo não deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar nem conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, tão-só conheceu do mérito da exceção da caducidade invocada, que considerou verificar-se e, por via dela, julgar extemporâneos os embargos de terceiro deduzidos. 7ª. Para o conhecimento do mérito da caducidade, a matéria de facto considerada como provada é suficiente para esse efeito, pois que, estando assente pelos documentos juntos aos autos que “em 14.2.2012 foi reconhecida a assinatura de CC, na qualidade de gerente e com poderes para o ato” no requerimento de registo automóvel junto como doc. nº 3 à petição de embargos – facto provado sob a al. D) -, quando o embargante efetuou o registo em 6.3.2014 da aquisição do veículo a seu favor – facto provado sob a al. E) - através da inscrição n.º ... dessa data, já se encontrava registada a penhora em causa nos autos, pelo que foi efectivamente esse o primeiro momento em que o embargante teve conhecimento de um ato ofensivo do seu pretenso direito, não o podendo ignorar. 8ª. Tendo o registo de aquisição do veículo aqui em causa sido realizado a favor do embargante em 6 de Março de 2014, data em que se encontravam já registados previamente os registos de hipoteca judicial com o nº de ordem … em 01.03.2013 e o registo da penhora com o nº de ordem … em 16.10.2013, à ordem dos autos principais de execução, obviamente que, por intermédio da ilustre advogada do embargante a quem foi incumbido o registo, quando esta requereu o registo de aquisição a favor do embargante, tomou conhecimento do prévio registo da penhora, pelo menos em Março de 2014. 9ª. Não é crível nem verosímil que, realizado o registo de aquisição a favor do embargante por intermédio da sua advogada, esta não lhe desse conhecimento nem o alertasse da existência dos prévios registos de hipoteca e penhora à ordem dos autos principais de execução e só passados 8 anos, ou seja, apenas em 20.6.2022 é que tenha tido conhecimento da penhora, pelo que bem decidiu a Mmª. Juiz a quo ao considerar procedente a invocada exceção perentória da caducidade. 10ª. Não é crível nem podia o embargante ter tomado conhecimento no dia 20 de junho de 2022, através da notificação judicial junta aos embargos como docs. 1 e 2, que o exequente/embargado pretendia a apreensão do veículo com a matrícula ..-..-QD, para venda judicial, por estar essa viatura penhorada à ordem dos autos principais de execução, por nada disso ser mencionado nesse ofício de notificação, mas tão-só que deveria juntar aos autos o Documento Único Automóvel da viatura e indicar onde a mesma se encontra habitualmente aparcada, a fim de poder ser vista por qualquer interessado na sua aquisição judicial. 11ª. O conhecimento da penhora da viatura pelo embargante adveio-lhe, como é normal, do acto de registo a seu favor, feito em 06/03/2014, tendo agora aproveitado a oportunidade daquela notificação judicial para construir uma tese que notoriamente não tem nenhuma consistência de credibilidade, que se evidencia claramente falsa. 12ª. Conforme foi referido na contestação dos embargos e resulta dos documentos aí juntos, o embargante é um experiente comerciante de automóveis, sócio-gerente de uma sociedade com estabelecimentos de venda de automóveis espalhados por vários locais do norte do País – cfr. docs. 6, 7 e 8 juntos à contestação -, tendo adquirido a viatura aqui em causa obviamente com vista a vendê-la a terceiros, objectivo que nunca conseguiu alcançar por efeito dos prévios registos de hipoteca judicial e de penhora à ordem dos autos principais. 13ª. Como profissional que é do sector de comércio automóvel, tem o embargante o especial dever de conhecer e conhece bem a dinâmica de tramitação dos registos automóveis e, como tal, bem sabe que, quando se requer um registo automóvel, são dados a conhecer de imediato pela Conservatória os registos prévios existentes, incluindo todos os ónus e encargos registados, que são detectados durante a operação que é realizada para efeitos de apuramento do trato sucessivo do registo. 14ª. O embargante invoca um contrato de compra e venda com data de 14/02/2012, mas não existe nem foi junto nenhum contrato com essa data, nem no modelo único de requisição de registo, que juntou como doc. nº 3 aos embargos, está inscrita essa data no campo 7, que foi deixado em branco, modelo esse que está também em branco quanto à Conservatória a que se dirigiria o pedido, está totalmente em branco ainda, no campo 2, a menção de qual o acto de registo pretendido e está em branco no campo 8, a menção dos dados do documento de identificação do aí signatário como sujeito activo/adquirente. 15ª. A ter sido celebrado um contrato de compra e venda da viatura em 14/02/2012, data em que foi feito o reconhecimento da assinatura do pretenso vendedor na Conservatória do Registo Comercial e Automóvel de Vila do Conde, não se compreende então porque não foi logo nessa data e aí de imediato apresentada a registo a pretensa transmissão de propriedade da viatura… facto que é estranho e retira toda a credibilidade à alegação do embargante/apelante. 16ª. Na data do ofício da GNR de Vila do Conde de 27/11/2013, em que foi nomeado fiel depositário CC, sócio-gerente da sociedade executada, este não fez qualquer declaração de que o veículo não pertencia à sociedade sua representada, por o ter vendido ao aqui embargante, antes tendo assumido os deveres do cargo de que fora incumbido, o que prova não existir nessa data a venda que o embargante alega e a falsidade dos argumentos por este invocados para a dedução dos embargos. 17ª. Inexiste qualquer nulidade da douta sentença recorrida, pois os factos assentes e dados por provados resultam da prova documental existente nos autos e a fundamentação da convicção do Julgador está concretizada de forma devidamente justificada e coerente, sendo perfeitamente inteligíveis os argumentos expendidos que levaram à decisão proferida. 18ª. Atento o princípio da publicidade do registo automóvel, previsto no artº 1º, nº 1 do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, na versão actual que vigora desde 2005, torna-se óbvio que, quando foi apresentado o registo automóvel a favor do embargante em 06/03/2014, foram dados a conhecer ao requerente os prévios registos de hipoteca judicial e de penhora à ordem dos autos principais de execução, como é procedimento normal de qualquer Conservatória de Registo Automóvel. 19ª. Aliás, é do conhecimento e experiência comum e das regras mais básicas de cautela, que a generalidade dos cidadãos procura, para a compra de um veículo usado, averiguar se existem quaisquer ónus ou encargos registados sobre o veículo pretendido. 20ª. Estabelece o artº 10.º, nº 1 desse diploma legal de registo automóvel, na versão que estava em vigor em 06/03/2014, dada pela Lei n.º 39/2008, de 11/08, que, “Do certificado de matrícula devem constar todos os registos em vigor”, de onde resulta claro e sem margem para qualquer dúvida que, quando foi entregue ao embargante o certificado de matrícula do registo que o mesmo requereu em 06/03/2014, dele constaram e, pelo menos, por essa via lhe foram dados a conhecer os registos prévios de hipoteca judicial e de penhora. 21ª. Não há, assim, qualquer vício a apontar à douta sentença recorrida, que apenas conheceu da exceção perentória da caducidade, que é, por si, fundamento suficiente para a desnecessidade de conhecimento da demais matéria alegada nos embargos, sem qualquer violação dos dispositivos legais constantes do artº 342º do Cód. Civil, nem dos artºs 344º, nº 2, 576º nºs 1 e 2, 578º, 607º nº 4 e 625º nº 1 als. b) e d), todos do Cód. Proc. Civil, inexistindo qualquer vício a apontar à douta sentença recorrida, que deve manter-se nos seus precisos termos. 22ª. A postura do embargante/apelante revela, acima de tudo, uma manifesta litigância de má-fé, consistente na alegação de factos contrários à realidade por si há muito conhecida, deduzindo uma pretensão cuja falta de fundamento não podia nem devia ignorar, colaborando activamente com o fiel depositário num plano gizado para procurar desviar o veículo aqui em causa da acção da Justiça e do cumprimento coercivo do direito de crédito do embargado, com o manifesto propósito de conseguir um objectivo ilegal, por via do que deve ser exemplarmente sancionado em exemplar multa e condigna indemnização a favor do embargado/apelado, nos termos do disposto no artº 543º do Cód. Proc. Civil. 23ª. Não merece, assim, qualquer censura a douta sentença recorrida, que não violou qualquer dispositivo legal, fez uma adequada interpretação jurídica dos factos, devendo manter-se nos precisos termos em que foi proferida, por ser a clara expressão da realização da Justiça material e da justa composição do litígio. Termos em que deve ser julgado improcedente o recurso interposto, confirmando-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos e apreciando-se a postura do embargante/apelante como litigante de má-fé, com o devido sancionamento nos termos legais, assim se fazendo Justiça.” 2.2. Em 1.ª instância, ocorrendo ainda pronúncia sobre a nulidade invocada, o recurso foi admitido, como apelação, a subir nos próprios autos, de imediato e com efeito meramente devolutivo. 3. Subido o recurso a esta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto deixou exarada posição no sentido de que o recurso deve improceder, referindo para o efeito nomeadamente o seguinte: “(…) 5. Está em causa, sobretudo, a data em que o Embargante teve conhecimento dos registos de hipoteca judicial e da penhora, anteriores ao registo de aquisição. O registo de aquisição do veículo, foi realizado a favor do embargante em 6 de Março de 2014. Nesta data já se encontravam registados os registos de hipoteca judicial com o nº de ordem … em 01.03.2013 e o registo da penhora com o nº de ordem … em 16.10.2013, à ordem do processo de execução. Como é obvio, quando foi requerido o registo de aquisição a favor do embargante, este, ou a sua mandatária, tomaram conhecimento do prévio registo da penhora, ou seja, pelo menos em Março de 2014. Além disso, como refere o embargado, não podia o embargante ter tomado conhecimento no dia 20 de junho de 2022, através da notificação judicial junta aos embargos como docs. 1 e 2, que o exequente/embargado pretendia a apreensão do veículo com a matrícula ..-..-QD, para venda judicial, por estar essa viatura penhorada à ordem dos autos principais de execução, por nada disso ser mencionado nesse ofício de notificação, mas tão-só que deveria juntar aos autos o Documento Único Automóvel da viatura e indicar onde a mesma se encontra habitualmente aparcada, a fim de poder ser vista por qualquer interessado na sua aquisição judicial. O que é normal é tomar conhecimento da penhora da viatura no acto de registo a seu favor, feito em 06/03/2014. E, destinando-se o registo automóvel a dar, também, publicidade aos registos de ónus ou encargos que incidem sobre o veiculo, é óbvio que, quando foi apresentado o registo automóvel a favor do embargante em 06/03/2014, lhe foram dados a conhecer os prévios registos de hipoteca judicial e de penhora à ordem do processo de execução. Pelo que, salvo melhor opinião, entende-se que não merece censura a douta decisão recorrida, para a qual se remete, evitando desnecessárias repetições. (…)”. 3.1. Respondeu o Recorrido, referindo que adere ao aludido parecer. *** Respeitadas as formalidades legais, cumpre decidir:II- Questões a resolver Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) invocada nulidade da sentença / apreciação; (2) saber se os elementos existentes nos autos, assim na fase de saneamento, são ou não bastantes para que o Tribunal recorrido possa, sem necessidade do prosseguimento dos autos, em que se inclui a fase de instrução e julgamento, conhecer desde logo, como o fez, da exceção da caducidade invocada e, sendo esse o caso, qual a consequência que derivará dessa afirmada procedência para o destino dos embargos deduzidos. III- Fundamentação A) Fundamentação de facto O Tribunal a quo fez constar da decisão recorrida o seguinte (transcrição): Encontram-se assentes os seguintes factos relevantes para a decisão da exceção perentória da caducidade invocada, tendo em consideração a prova documental que infra se aludirá: A) Nos autos de execução a que estes embargos estão apensos foi proferido em 6.6.2022 o seguinte despacho. B) O embargante foi notificado em 14.6.2022 deste despacho. C) Dá-se por integralmente reproduzido o doc. n.º 3 junto com a p.i. denominado requerimento de registo automóvel relativo ao veículo automóvel com a matrícula ..-..-QD, datado de e no qual consta como sujeito ativo (comprador / adquirente / requerente/exequente/locador) o embargante e como sujeito passivo (vendedor / transmitente / requerido / executado) a embargada A..., L.da. D) Pela Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Gaia, em 14.2.2022 foi reconhecida a assinatura de CC, na qualidade de gerente e com poderes para o ato de venda. E) A propriedade do veículo ..-..-QD encontra-se registada a favor do autor através da inscrição n.º ..., em 06.03.2014. F) Sobre o veículo ..-..-QD encontram-se, para além do mais, os seguintes registos: - Hipoteca N. Ordem ... em 01.03.2013; - Penhora N. Ordem ... em 16.10.2013.” * B) Discussão1. Invocada nulidade da sentença / apreciação Sustenta o Recorrente que a decisão recorrida incorre nos vícios de nulidade a que aludem as alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, para o que invoca designadamente o seguinte: - Não consta qualquer referência aos factos que o Tribunal não logrou provar, existindo tão só a enumeração dos factos dados como provados, quando, diz, todos os factos – provados ou não provados – têm, obrigatoriamente, e sob pena de nulidade, de constar do texto da sentença, “pois que todos eles resultaram da “discussão” da causa e têm, evidentemente, relevância para a decisão”, razão pela qual “enferma da nulidade prevista no art.º 615.º n.º 1 alínea b), do C.P.C. - por manifesta violação da formalidade prevista no art.º 607.º, n.º 4, do mesmo diploma”; - Padece ainda de nulidade, nos termos da alínea d) do artigo 615.º do CPC, por não se ter pronunciado, desde logo, sobre “a factualidade referente ao facto de à data do contrato de compra e venda em causa, não estar pendente qualquer registo de penhora e/ou hipoteca, a favor do Exequente e/ou qualquer outrem”, “bem como, a factualidade referente ao facto de, desde a data do contrato de compra e venda – 14.02.2012 – o Embargante ter passado a usufruir daquela aquisição, passando a utilizá-la e a dela dispor como seu proprietário” – “posse essa de boa fé, pacífica, à vista de todos e sem oposição de ninguém” – e, acima de tudo, qual a data em que tomou conhecimento da existência da penhora, sendo que, diz ainda, «apenas com essa “enumeração” completa – dos factos provados e factos não provados - pode ser alcançada a certeza de que todos os factos alegados foram devidamente ponderados e decididos”, o que não sucede no caso, sem que o Tribunal tenha justificado por qualquer forma justificou a sua omissão, quando tais factos, oportunamente alegados e, a final, a serem provados, se revelavam de suma importância para a decisão em causa. Contrapõe a Apelada que não ocorrem as invocadas nulidades, referindo por sua vez designadamente: - Quanto à não inclusão da matéria de facto não provada, uma vez que a sentença recorrida se pronunciou apenas pela matéria de exceção de caducidade invocada e pelos factos a tanto atinentes, que se acham documentados nos autos, como era o bastante, sendo que, tendo sido dada antes oportunidade ao Embargante/recorrente, por despacho de 17/10/2022, para que “se pronuncie, desde já, sobre a matéria de exceção – caducidade - invocada pelo embargado sujeito ao regime previsto no art. 587.º do CPC.”, o que o mesmo fez, por ter entendido o Tribunal que o processo já reunia todos os elementos necessários para ser proferida decisão de mérito quanto à matéria da exceção de caducidade invocada, foi a mesma proferida de imediato, “ao abrigo da conjugação do disposto nos arts. 591º, nº 1, al. d), 593º, nº 1 e 595º, nº 1, al. b), todos do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi art. 1º n.º 2 al. a) do Código de Processo de Trabalho (CPT), bem como do dever de gestão processual plasmado no art. 27º do CPT, uma vez que as partes já haviam exercido o contraditório relativamente à matéria dessa exceção”. Apreciando, dizemos o seguinte: Como primeira abordagem, importa ter desde logo ter presente que, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, é através da sentença que o juiz dita o direito para o caso concreto – nesse sentido, já há muito Anselmo de Castro acentuava a importância da sentença, por representar “conceitual e historicamente o ato jurisdicional por excelência, aquele em que se traduz na sua forma mais característica a essência da jurisdictio: o ato de julgar.”[1] Sendo, pois, esse o objetivo perseguido pela sentença, pode no entanto estar essa viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito, assim por um lado nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC). No fundo, trata-se do sancionamento das normas prescritivas que disciplinam no mesmo Código o ato de elaboração da sentença, assim nos artigos 131.º, n.º 3, 2.ª parte, 154.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3 e 4, do CPC, respeitantes à clareza, especificação e coerência da fundamentação e, ainda, no caso do n.º 2 do artigo 608.º, em contraponto, o dever e a proibição de pronúncia, atentos o objeto do litígio e o princípio do dispositivo. Fazendo agora uma breve abordagem aos vícios invocados pelo Recorrente, pode dizer-se que a nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, como o tem afirmado a jurisprudência, só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito e não já, pois, quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada. Como se pode ler no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 2016[2] (citando), «tais vícios, radicando em erro de procedimento ou actividade (error in procedendo), revestem natureza formal ou processual, pelo que só afetam a existência, a perfectibilidade material ou a validade do ato decisório, na medida em que obstem à compreensão e reapreciação do seu mérito». No mesmo sentido, entre muitos outros, o Acórdão do mesmo Tribunal de 16 de Fevereiro de 2016[3], quando refere que «uma fundamentação mais sucinta, ou aligeirada (…), menos exaustiva ou não eivada de argumentos eruditos não basta para integrar o vício de limite em apreço, desde que as questões postas sejam abordadas e decididas». Também a doutrina aponta para o mesmo entendimento[4]. Por sua vez, quanto à omissão de pronúncia – alínea d): O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento –, trata-se de vício que tem a ver com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608.º, n.º 2, do CPC[5], sendo que, a esse respeito continuam mais uma vez plenamente válidos, ainda hoje, os ensinamentos de Alberto dos Reis, quando sustentava que “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção”, sendo, na verdade, coisas diferentes “deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”[6] – no mesmo sentido, Lebre de Freitas[7] ao referir que “Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2014[8], o juiz “não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente”. Em traços breves, como no Acórdão desta Relação de 28 de outubro de 2021[9], diremos também que se pretende aqui sancionar, em respeito pelo princípio do pedido e do impulso processual associado ao princípio da contradição, consagrados desde logo no artigo 3.º do CPC, a violação do disposto no artigo 608.º n.º 2 do CPC, sendo assim “em função do objeto processual delineado pelo autor, conformado este pelo pedido e causa de pedir, bem como pelas questões / exceções ao mesmo opostas pelo réu que a atividade do tribunal se desenvolverá, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso” – «o mesmo é dizer que a pronúncia judicial deve recair “sobre a causa de pedir, o pedido, as exceções dilatórias e perentórias invocadas e os pressupostos processuais, se for controvertida a sua verificação”, sob pena de nulidade por omissão ou excesso de pronúncia». Ou seja, para que seja cumprido o dever aí estabelecido é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz[10]. De resto, tendo por base os argumentos a que apela o Arguente das nulidades, assim ao referir-se a factos alegados que diz não terem sido considerados na decisão, importa não confundir, por terem enquadramento diverso, o vício de nulidade da sentença que foi invocado e que aqui se analisa com a ocorrência de uma eventual nulidade a que se alude na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC – “(…) A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; (…)”.[11] Tendo então por base o mencionado enquadramento, importando descer ao caso, impõe-se desde já evidenciar, em face da natureza da decisão recorrida, bem como os argumentos invocados pelo Recorrente como fundamento das nulidades que invoca, que estamos afinal perante caso em que o Tribunal, findos os articulados, na fase de saneamento dos autos, por entender ser este o caso, invocando o disposto nos artigos 591.º, n.º 1, alínea d), 593.º, n.º 1 e 595.º, nº 1, alínea b), todos do CPC, e ainda “do dever de gestão processual” que disse plasmado no artigo 27.º do Código de Processo do Trabalho (CPT) – faculdade essa que, esclareça-se, se encontra também prevista expressamente no n.º 2 do artigo 61.º do CPT, quando nesse se dispõe, no que aqui importa, que, “se o processo já contiver os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir, pode o juiz, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, julgar logo procedente alguma exceção dilatória (…)” –, conheceu desde logo da exceção da caducidade que havia sido invocada, julgando-a procedente, afirmando de seguida que julgava “consequentemente improcedentes os embargos de terceiro deduzidos”. É que, sendo este, como se viu, o enquadramento da decisão recorrida, então, por decorrência, do que se trata é de saber se, afinal, os elementos existentes nos autos nesta fase, como se disse de saneamento dos autos, são ou não bastantes para que o Tribunal recorrido possa, sem necessidade do prosseguimento dos autos, em que se inclui a fase de instrução e julgamento, conhecer desde logo, como o fez, da aludida exceção da caducidade e, sendo esse o caso, qual a consequência que derivará dessa afirmada procedência para o destino dos embargos deduzidos. E, precisamente por ser essa a questão central e determinante a que somos chamados em termos de apreciação, do seu enquadramento, nos termos que antes mencionámos, o que se constata é que, afinal, o Tribunal recorrido não estava obrigado a pronunciar-se sobre todo e qualquer facto que tivesse sido alegado pelas partes e sim, diversamente, sobre aqueles que pudessem ter real e efetiva relevância para o conhecimento da exceção de que conheceu, sendo que, assim sendo, em face do que se fez constar da decisão como factos que se consideravam desde já provados, agora independentemente de saber se tal decisão foi ou não acertada – pois que neste âmbito estaremos já na apreciação de eventual erro de julgamento e que enquanto tal extravasa já a questão da análise do vício de nulidade nos termos antes ditos –, não temos dúvidas em concluir que ocorreu pronúncia sobre os factos que foram tidos como necessários ao conhecimento daquela exceção, única de que se estava, repete-se, a conhecer, fazendo-se constar ainda os fundamentos em que se alicerçou tal decisão, do que decorre, por consequência, chamando à discussão o que referimos anteriormente a respeito do enquadramento que a essas deve ser dado, que não ocorrem as invocadas nulidades. Em face do exposto, não se verificam as nulidades da sentença invocadas. Coisa diversa, que não se enquadra já no âmbito da análise das nulidades da sentença que foram invocadas, é a de saber se ocorreu, por um lado, errado julgamento dos factos, em que se inclui, no caso, ainda, a questão de saber se os autos contém desde já os necessários elementos para o conhecimento do mérito, e, por outro, uma inadequada aplicação do direito, questões essas que, se for esse o caso, conheceremos de seguida. * 2.2. Questão da suficiência ou não da matéria de facto2.1. Introito Em face das alegações e respetivas conclusões, percebe-se que o Recorrente, tecendo considerações e mostrando é certo discordância no âmbito da matéria de facto, excluindo-se agora a referência que faz à data que consta da alínea D) da factualidade provada – referindo nas alegações (sem nada dizer, diga-se nas conclusões) que deve notar-se “que, embora na alínea D) conste a data de 14.02.2022, tal assim sucede, por certo, por mero lapso, uma vez que, a data que consta do documento de suporte a tal facto – documento n.º 3 junto com a p.i. – é de 14.02.2012, o que, deverá ser levado em consideração para todos os devidos e legais efeitos” –, tal discordância assenta porém, se bem o percebemos, na invocação de que não teria ocorrido pronúncia por parte do Tribunal recorrido sobre factos que diz terem sido invocados, enquadrando tal omissão, aliás, no âmbito da ocorrência de eventual nulidade da sentença, o que justificou, nos termos que antes analisamos, a nossa pronúncia nesse âmbito, momento em que, não obstante termos concluído que as nulidades invocadas não se verificam, tivemos a oportunidade de esclarecer que já aí não se integrará a questão de saber se ocorreu, desde logo, errado julgamento dos factos, mas também, o saber se os autos contém, desde já, os necessários elementos para o conhecimento do mérito. Sendo assim, a questão não passa, afinal, por ter sido efetivamente dirigido o recurso à impugnação da matéria de facto – que, diga-se, a ser esse o caso, sequer poderia ser admitida, por clara falta de cumprimento dos ónus legais estabelecidos no artigo 640.º do CPC – e sim, diversamente, sobre a questão, de resto de conhecimento oficioso por parte deste Tribunal superior, de saber, como aliás o Recorrente o invoca, se a factualidade provada nesta fase é ou não suficiente para uma adequada apreciação, em termos de mérito, da exceção da caducidade, o que faremos assim de seguida. 2.2. Apreciação Sustenta o Recorrente que a factualidade provada é insuficiente para uma adequada apreciação, em termos de mérito, da exceção da caducidade, por existirem factos alegados nesta fase controvertidos para tal apreciação, assim designadamente, diz, a factualidade referente ao facto de, não estando pendente qualquer registo de penhora e/ou hipoteca a favor do Exequente e/ou outrem à data do contrato de compra e venda, desde essa data ter passado a usufruir daquela aquisição, passando a utilizá-la e a dela dispor como seu proprietário – posse essa de boa fé, pacífica, à vista de todos e sem oposição de ninguém – e de que, tendo logo solicitado o registo de aquisição, que veio a ser concretizado em março de 2014 pela sua advogada, não tomou porém conhecimento efetivo da existência de qualquer ónus, fosse ele hipoteca e/ou penhora, não resultando nomeadamente provado que tenha tido tal conhecimento, sendo que, tratando-se de matéria de exceção, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil (CC), tal prova competia aos Embargados / recorridos, por se tratar de facto extintivo do direito de embargar, sendo que nenhuma prova fizeram nesse sentido, não se podendo, diversamente do que consta da sentença, apenas com base na factualidade dada como provada, com base em conclusão meramente presuntiva, retirar que o conhecimento do aqui Recorrente relativamente à penhora em causa teve lugar no momento do registo da aquisição a seu favor (da factualidade provada sequer resulta tal matéria). Acompanhando o Apelado a decisão recorrida, bem como o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, vejamos, socorrendo-nos do regime legal que temos por aplicável, de que lado está a razão. Para o efeito, teremos como ponto de partida o teor da decisão proferida em 1.ª instância, constando dessa, no que aqui importa, o seguinte (transcrição): «(…) Os embargos de terceiro constituem um incidente de oposição de penhora, ou de qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão de bens, ofensivo da posse ou de qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, artigo 342 do CPC. É claro que apenas podem ser deduzidos embargos de terceiro em relação a esse primeiro ato ofensivo da posse, pois afetaria a intenção de obter a segurança jurídica que está ínsita no estabelecimento de um prazo de caducidade, manter em aberto a possibilidade de embargar qualquer ato consequente do ato ofensivo, a título preventivo. Só faz sentido a dedução de embargos de terceiro em relação ao primeiro ato ofensivo do direito do embargante que chega ao seu conhecimento. Ora no caso dos autos, cremos que o ato ofensivo do pretenso direito do embargante será a penhora e não a notificação que lhe foi dirigida pelo Tribunal a 14.6.2022. Será, assim, por referência à penhora ou do seu conhecimento que se conta o prazo do art. 344º do CPC, ou seja, nos 30 dias subsequentes. Refere o embargante ter adquirido o veículo em causa a 14.2.2012 e que aquando da aquisição nenhum ónus impendia sobre o veículo. Sucede porém que, quando efetua o registo em 6.3.2014 da aquisição do veículo já se encontrava registada a penhora em causa nos autos, pelo que será esse o primeiro momento em que tem conhecimento de um ato ofensivo do seu pretenso ou não o podendo ignorar. Sendo assim, teria de ter o embargante conhecimento da existência da penhora realizada nestes autos, pelo menos, em março de 2014, não sendo tal compatível com o alegado pelo embargante de que apenas em 20.6.2022 é que tenha tido conhecimento da penhora, pelo que terá de se considerar procedente a exceção perentória da caducidade invocada.» Cumprindo-nos pronúncia, tendo então em vista essa intenção, como abordagem inicial, começaremos por dizer que, possibilitando é certo o n.º 2 do artigo 61.º, do CPT[12], o conhecimento do mérito na fase do saneador – “Se o processo já contiver os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir, pode o juiz, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer, ou decidir do mérito da causa” –, consideramos, porém, que para a aplicação do regime aí estabelecido não basta que os elementos existentes (provados) permitam esse conhecimento segundo uma das soluções plausíveis e sim, noutros termos, que aqueles permitam esse conhecimento de acordo com as várias soluções plausíveis para a aplicação do direito. Dito de outro modo, não se deve passar desde logo ao conhecimento do mérito, com base no citado normativo, se esse conhecimento apenas tiver na base alguns dos elementos alegados, com omissão, porém, da discussão da causa de factos, também alegados, nessa fase ainda controvertidos, indispensáveis para a apreciação domérito, ponderando as diferentes soluções plausíveis de direito. Nesse considerando, tendo presente a fundamentação antes citada, em que diga-se não encontramos afinal propriamente explicitados com a devida clareza os fundamentos jurídicos que estiveram na base da solução a que se chegou, como na nossa ótica se justificaria a melhor prática – em particular, nomeadamente, a respeito da consideração de que deva ser o momento em que se efetua o registo da aquisição do veículo (6.3.2014), por já se encontrar registada a penhora em causa nos autos, como aquele em que o Embargante / aqui recorrente tem conhecimento de um ato ofensivo do seu pretenso direito ou de que não o poderia ignorar e, por essa razão, dado esse conhecimento (“pelo menos, em março de 2014”), porque razão tal não é, como se diz, “compatível com o alegado pelo embargante de que apenas em 20.6.2022 é que tenha tido conhecimento da penhora” –, desde já adiantamos, com a natural salvaguarda do respeito devido, que não acompanhamos, em face dos elementos existentes nos autos nesta fase, a solução a que se chegou, de conhecimento da exceção, pelas razões que seguidamente explicaremos. Desde logo, importa esclarecer que a questão a decidir passa afinal por saber, pois que é essa que releva para efeitos do conhecimento da exceção da caducidade que foi afirmada em 1.ª instância, em que momento, se os elementos já existentes nos autos nesta fase o permitirem (ou seja se não existirem elementos controvertidos relevantes para essa decisão ponderando as diferentes soluções plausíveis de direito), ocorreu o conhecimento por parte do Embargante / aqui recorrente do ato de penhora do veículo e não já, diga-se, porque essa será questão que está para além dessa apreciação, pois que porventura apenas justificada a sua apreciação no caso de não ocorrer a afirmada caducidade do direito de apresentação dos embargos, qualquer factualidade que esteja eventualmente controvertida relacionada com não estar pendente, como se invoca nas conclusões do presente recurso, qualquer registo de penhora e/ou hipoteca a favor do Exequente e/ou outrem à data do contrato de compra e venda e que desde essa data teria passado a usufruir daquela aquisição, passando a utilizá-la e a dela dispor como seu proprietário (posse essa que diz de boa fé, pacífica, à vista de todos e sem oposição de ninguém). Melhor se explicando, a eventual relevância de tais questões passa já pelo conhecimento do mérito dos embargos, caso não ocorra a afirmada caducidade. Ora, não se questionando, como o sustenta o Recorrente, sendo de resto jurisprudência que temos como pacífica, que o prazo para deduzir embargos de terceiro é um prazo de caducidade – ao invocar que o mesmo foi ultrapassado o exequente / embargado invoca assim, efetivamente, um facto extintivo / impeditivo do direito do executado / embargante, recaindo sobre ele o ónus da prova, nos termos gerais do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil –, do que decorre, no que ao caso importa, que será ao Exequente / embargado que cabe provar a respetiva intempestividade, ou seja, provar que o embargante teve conhecimento, no que aqui importa, do ato de penhora realizado nos autos e que apesar desse conhecimento não deduziu em tempo os embargos (artigo 343º, nº 2 do CC), no entanto, importa tê-lo presente, considerou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Novembro e 2022[13], o que releva para a questão da aferição da tempestividade, que não é um qualquer suposto conhecimento mas o conhecimento efetivo, citando-se nesse Acórdão, sendo que tal tem afinal relevância para o caso que apreciamos, o que se escreve no Código de Processo Civil anotado de Abrantes Geraldes e outros[14], assim que «“o conhecimento da ofensa que constitui o termo inicial do prazo para dedução dos embargos reporta-se a um conhecimento efetivo e não à mera cognoscibilidade da ofensa decorrente designadamente da inscrição da penhora no registro, da publicidade da penhora em editais ou anúncios ou da apreensão do veículo penhorado” (assim, Salvador da Costa, ob. cit, págs. 173 e 174, que remete para o Ac. STJ de 30.11.2006, no proc. 4244/06).». Mais se afirma no mesmo Acórdão, com real relevância para o caso, citando-se, que “Não colheria, pois, o argumento do acórdão de que o embargante não podia deixar de saber que o prédio estava arrestado, a partir do registo (dada a publicidade) ou, se assim não se entendesse, de que teria tomado conhecimento com o registo da aquisição da propriedade (…)”. Em face do regime antes mencionado, voltando-se então ao caso, não nos merecendo reserva acompanharmos a decisão recorrida quando se refere que será por referência ao conhecimento da penhora que se conta o prazo do artigo 344.º do CPC, ou seja, nos 30 dias subsequentes, no entanto, porém, já essa decisão, com base nos elementos em que se baseou, contende diretamente com o entendimento antes mencionado, assim quando na decisão se afirma de seguida que “quando efetua o registo em 6.3.2014 da aquisição do veículo já se encontrava registada a penhora em causa nos autos, pelo que será esse o primeiro momento em que tem conhecimento de um ato ofensivo do seu pretenso ou não o podendo ignorar”, como, ainda, que “teria de ter o embargante conhecimento da existência da penhora realizada nestes autos, pelo menos, em março de 2014, não sendo tal compatível com o alegado pelo embargante de que apenas em 20.6.2022 é que tenha tido conhecimento da penhora, pelo que terá de se considerar procedente a exceção perentória da caducidade invocada”. É que, afinal, tendo sido apenas com base na existência do registo da penhora no momento em que se realizou o registo da aquisição que se concluiu, melhor dizendo, se presumiu, que teria de ter existido conhecimento daquela penhora, valem aqui as considerações constantes do Acórdão que antes transcrevemos, que aplicadas ao caso, permitem defender e sustentar que não colhe o argumento de que o Embargante não podia deixar de saber que o veículo estava penhorado, a partir do registo (dada a publicidade) ou, se assim não se entendesse, de que teria tomado conhecimento com o registo da aquisição da propriedade, pois que, como antes afirmado, relevando, para aferir da tempestividade, como dito no Acórdão, não um qualquer suposto conhecimento mas o conhecimento efetivo, quanto a este último, afinal, em face dos elementos que já resultam dos autos, estes não o permitem afirmar, estando antes controvertidos, nesta fase, os factos que, para o efeito, poderão ter relevância, como o sustenta a Recorrente. Deste modo, chamando à aplicação o regime que afirmámos inicialmente a respeito da possibilidade, prevista no n.º 2 do artigo 61.º, do CPT, de conhecimento do mérito na fase do saneador, assim de que tal possibilidade, porém, não se basta com a circunstância de os elementos existentes (provados) permitirem esse conhecimento segundo uma das soluções plausíveis e sim, noutros termos, que aqueles permitam esse conhecimento de acordo com as várias soluções plausíveis para a aplicação do direito, basta ter presente o entendimento antes mencionado, para se concluir que os autos não contém, nesta fase, os elementos necessários e indispensáveis, por existirem outros que se encontram controvertidos, para a apreciação do mérito da exceção que se analisa, ponderando as diferentes soluções plausíveis de direito. Em face do exposto, ocorre fundamento, nos termos estabelecidos na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, para a anulação da decisão proferida, por se considerar indispensável a ampliação da matéria de facto, o que passará, dada a fase em que se encontram os autos, por determinar que estes sigam os seus termos subsequentes, incluindo, se outra razão não existir que o impeça, a realização da instrução e julgamento, para conhecimento dos factos alegados e nesta fase ainda controvertidos. Procede, em conformidade, o presente recurso. Decaindo na oposição que deduziu no recurso, a responsabilidade pelas custas impende sobre o Apelado – artigo 527.º do CPC. * Sumário, da responsabilidade exclusiva do relator:……………………………… ……………………………… ……………………………… IV. Decisão: Face ao antes exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência do recurso, em anular a decisão recorrida, determinando-se que os embargos prossigam os termos subsequentes, incluindo, salvo se outra razão o vier a obstar, a realização da instrução e audiência de discussão e julgamento, para depois, então sim, ser proferida decisão. Custas do recurso pela Apelada/ré. Porto, 5 de junho de 2023 (acórdão assinado digitalmente) Nelson Fernandes Rita Romeira Teresa Sá Lopes _____________ [1] Cf. Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 92/93 [2] In www.dgsi.pt [3] In www.dgsi.pt [4] Assim, de entre outros: José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2001, pág. 669, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume 5.º, pág. 140, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Ver. e act., pág. 687/688, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em processo civil, 9.ª edição, Almedina, pág. 55/56. [5] “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” Também na instância recursiva, nesse caso por referência às conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal. [6] Código de Processo Civil Anotado, cit., 5º, pág. 143. [7] No mesmo sentido, Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil” de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320, e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Alm. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143 [8] In www.dgsi.pt. [9] Processo 257/19.3T8STS.P1, Relatora Desembargadora Fátima Andrade, in www.dgsi.pt. [10] Ac. do STJ, de 20/10/2015, Processo 372/10: Sumários, 2015, pág. 55 [11] Entre todos, refere-se no sumário do Ac. STJ de 22 de março de 2018, revista 290/12.6TCFUN.L1.S1, Relator Conselheiro Manuel Tomé Soares Gomes, in www.dgsi.pt., “O vício de insuficiência da decisão de facto é equacionável com base no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, do CPC, sendo de conhecimento oficioso e suscetível de implicar a ampliação daquela decisão (…)”. [12] Ainda, artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do NCPC. [13] Relator Conselheiro António Magalhães, in www.dgsi.pt. [14] vol. I, 2018, a págs 400 e 401 |