Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17592/19.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ASSÉDIO
VISÃO DE CONJUNTO DOS COMPORTAMENTOS
COMPORTAMENTO PERSISTENTE
HOSTIL
DESESTABILIZADOR E DIFERENCIADOR PARA COM O TRABALHADOR
JUSTA CAUSA PARA A RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RP2023103017592/19.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE. ALTERAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - Conforme Acórdão do STJ de 15.12.2022, www.dgsi.pt, “I- Sendo o assédio um processo continuado mais ou menos longo deve ser analisado no seu conjunto e sem segmentá-lo nos momentos que o integram já que o real sentido e gravidade dos mesmos só pode ser apreendido com essa visão de conjunto”.
II - Consubstancia assédio, e justa causa de resolução do contrato de trabalho, todo o conjunto de factos mencionados no texto do acórdão que denotam um comportamento, persistente durante um largo período (mais de dois anos), hostil e desestabilizador [als. iii), v), x), xi)] e diferenciado para com a A. em relação às suas colegas [als. ii), iv), vi), viii), ix), xiii)].
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 17592/19.3T8PRT.P1


Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1358)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Eugénia Pedro



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:


I. Relatório

AA intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra A..., EPE e BB, pedindo para:
a) Ser declarada a licitude da resolução, com justa causa, do contrato individual de trabalho da autora, por violação culposa de garantias legais ou convencionais da autora e ofensa à integridade moral, honra e dignidade da autora, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo réu A... e pela ré BB;
b) Em consequência ser o réu A... condenado a pagar à autora uma indemnização equivalente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades, pelo elevado grau de culpa e ilicitude dos atos praticados, nos termos do disposto no art. 396.º do CT, no valor de €43.131,31;
c) Ser réu A... condenado a pagar à autora o valor de €6.451,82 relativo aos créditos laborais devidos pela cessação do contrato individual de trabalho.
d) Mais devem os réus ser solidariamente condenados a pagar à autora a quantia de €10.416,87 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Alega, para tanto e em síntese, que:
Foi contratada pelo réu A... em 1/10/2003 para exercer as funções de nutricionista, sendo a ré BB sua superior hierárquica.
Por indicação médica, em 15/06/16 requereu a redução do período normal de trabalho de 40 para 32 horas e, desde então, a ré BB tem vindo a praticar atos de assédio moral que levaram a autora a proceder à resolução do contrato com justa causa.
Relativamente ao réu A... alega que deu o seu aval à atuação da ré, não tendo cumprido o por si determinado na política e procedimento para a prevenção e combate ao assédio ao trabalho, tendo, ainda, movido contra a autora um procedimento disciplinar por causa das queixas por si apresentadas.
Alega ter sofrido danos não patrimoniais com a atuação das rés.
Por outro lado, reclama do réu A... créditos laborais.

As rés contestaram, negando, em suma, a prática do invocado assédio moral. A ré BB invocou a sua ilegitimidade e a ineptidão da petição inicial.

A autora respondeu às exceções nos termos do requerimento de fls. 397.

Foi proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento dirigido à autora que esta cumpriu a fls. 407/408.

Foi proferido despacho saneador no qual foram julgadas improcedentes as exceções de ilegitimidade passiva e de ineptidão da petição inicial

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente o pedido formulado e, consequentemente:
I) Condeno o réu a pagar à autora as seguintes quantias:
a) Férias vencidas em 1/01/2019 e não gozadas (18 dias): €1.517,82
b) Proporcional de férias vencidas em 3/07/2019 (11 dias): €937,63
c) Proporcional Subsídio de férias: €937,45
d) Proporcional de Subsídio de Natal: €935,18
e) Formação profissional não ministrada (123 horas): €1.316,41
f) Horas em bolsa de horas que não foram pagas nem compensadas pela Autora com tempo de descanso (30.6h): €327,50
g) Retribuição relativa aos três dias de trabalho de Julho de 2019: €185,51
h) 24 horas de trabalho suplementar prestado até Março de 2017: €321,07; e
II) no mais absolvo os réus do pedido.
Custas, na proporção do decaimento, a cargo da autora e dos réus.”

Inconformada, a A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
………………….
…………………..
…………………..
Nestes termos, revogando a sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue a acção procedente, por provada, declarando verificada a justa causa e reconhecendo a validade da resolução do contrato de trabalho operada pela Apelante, condenando os Apelados no pagamento das indemnizações peticionadas,”

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso referindo, para além do mais, o seguinte:
1. Acompanhando a alegação e conclusões do recurso, entende-se que este deveria proceder.
A douta sentença em recurso faz exaustiva analise dos factos que poderiam consubstanciar a prática de assédio e que resultaram provados e que enumera.
Além disso, ainda, a própria sentença analisa o facto constante de www), por considerar “que se traduz numa violação culposa dos seus direitos”.
Mas há outros, que não foram considerados e merecem ser, nomeadamente os factos constantes dos pontos:
“OOOO) O Réu A... deu início a um inquérito prévio para instauração de procedimento disciplinar contra a Autora, com base uma reclamação da Ré BB, com base nas seguintes ocorrências:
- a referida em IIII), e
- em reunião de serviço de 7 de Dezembro de 2018, em que estiveram presentes a Ré BB, a Autora e as colegas Dras. CC, DD e EE, a Autora foi acusada de ter gravado o que foi dito na referida reunião.
PPPP) FF relatou à Ré BB que tinha sido ela a desligar o telemóvel referido em IIII), o que a Ré BB ignorou e reportou o mesmo ao Réu A... como tendo sido uma falha imputável à Autora.
QQQQ) Após ter realizado diligências no processo prévio de inquérito, o Réu A... decidiu instaurar contra a Autora processo disciplinar, tendo a autora sido notificada da Nota de Culpa proferida no âmbito do processo disciplinar em 28 de Fevereiro de 2019, não constando da mesma o episódio referido em IIII).
RRRR) A Autora respondeu à Nota de Culpa em 14 de Março de 2019, tendo requerido a inquirição de duas testemunhas, bem como a junção ao processo de documentação em poder do próprio Réu A....
SSSS) A inquirição de uma das testemunhas – a colaboradora Dra. FF – ocorreu em 27 de Março de 2019.
TTTT) Desde 27 de Março de 2019, não foi a Autora notificada de qualquer acto posterior.”
Fica-se, assim, sem se saber o resultado do processo disciplinar(?), o que tudo somado poderá consubstanciar a prática de assédio.
2. Como se refere no Ac. da RL de 14.09.2011, www.dgsi.pt. citado por Guilherme Dray, CT anotado, 13ª edição, Almedina, p. 147, que considerou que “Existe assédio moral ou mobbing quando há aspectos na conduta do empregador para com o trabalhador (através do respectivo superior hierárquico), que, apesar de, quando analisados isoladamente, não podem ser considerados ilícitos, quando globalmente considerados, no seu conjunto, dado o seu prolongamento no tempo (ao longo de vários anos), são aptos a criar no trabalhador um desconforto e mal-estar no trabalho que ferem a respectiva dignidade profissional, integridade moral e psíquica, a tal ponto que acabaram por ter reflexos não só na prestação laboral (com a desmotivação que causam) mas também na própria saúde, levando-o a entrar numa situação de acompanhamento psiquiátrico, a conselho da própria médica do trabalho.”
*
3. Pelo que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido de que deveria conceder-se provimento ao recurso.”
As partes não responderam ao mencionado parecer.

Por despacho da ora relatora foi determinada a baixa dos autos à 1ª instância para fixação do valor da causa, na sequência do que veio mesmo a ser fixado em €60.000,00.

Colheram-se os vistos legais [por virtude de jubilação do anterior 2º Adjunto, foram os autos à distribuição para sorteio de novo 2º Adjunto].
***

II. Objeto do recurso

Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, são as questões suscitadas são as seguintes:
- Nulidade da sentença;
- Impugnação da decisão da matéria de facto [nºs 71 e 74 a 77 dos factos não provados];
- Da existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho: por assédio ou, mesmo que assim se não entenda, por verificação de factos determinantes da mesma;
- Mesmo que não se verifique justa causa para resolução do contrato de trabalho, do direito de a A. ser “indemnizada em face da violação, por parte do Apelado A..., dos deveres que sobre si recaiam enquanto empregador e, em concreto, pela violação do dever boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações” “na sequência da violação do seu direito a ser tratada com respeito, urbanidade e probidade, bem como do direito a não ser alvo de actos discriminatórios, intimidatórios, hostis e humilhantes”.
***

III. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância

É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
“São os seguintes os factos provados:
A) A Autora foi estagiária do Réu A... entre Novembro de 2001 e Outubro de 2003.
B) Terminado o estágio, em 1 de Outubro de 2003, a Autora celebrou com o Réu A... um contrato individual de trabalho do sector da saúde, nos termos do qual exerceu a profissão de nutricionista no Serviço de Nutrição e Alimentação do referido Réu, com o número mecanográfico deste Instituto ... e a categoria profissional de Assistente, no âmbito da carreira de Técnico Superior de Saúde.
C) A Ré BB foi superior hierárquica da Autora quer durante o estágio, quer durante a relação laboral que lhe sucedeu.
D) Por carta datada de 1 de Julho de 2019, a Autora resolveu, com efeitos imediatos, o contrato individual de trabalho que a unia ao Réu A..., com os fundamentos da carta junta como Doc. 2 junto à petição inicial, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
E) Em 13 de Janeiro de 2011, a Autora foi considerada pela Ré BB como “(…) um elemento com potencial elevado e uma mais valia para o SNA do A...”, tendo ainda sido salientado que “(…) os materiais que tem vindo a desenvolver no sentido de optimizar o seu trabalho têm sido de grande utilidade e os desafios que lhe têm sido lançados, a nível de objectivos pessoais para a avaliação de desempenho, têm sido cumpridos e maioritariamente superados. (…)”.
F) Em 15 de Julho de 2016, por expressa indicação médica, a Autora requereu a redução do período normal de trabalho de 40 para 32 horas semanais, pelo período de 6 meses.
G) Após parecer da médica de medicina ocupacional nesse sentido e da não oposição da Ré BB, na sua qualidade de Directora do Serviço de Alimentação e Nutrição, o pedido de redução do período normal de trabalho foi deferido pelo Réu A... em 10 de Agosto de 2016, com efeitos a partir de 5 de Setembro de 2016, tendo a Autora, a partir de então, passado a trabalhar 4 dias por semana, com descanso semanal intercalado à quarta-feira, dia por si escolhido.
H) No decorrer do ano de 2016, foi realizada uma reunião com a presença de todas as nutricionistas do Serviço de Nutrição, a saber, Exmas. Senhoras Dras. DD, EE, CC, FF e a própria Autora, em que esteve igualmente presente a Exma. Senhora Dra. GG, gestora de risco do Réu A..., cujo tema foi a “Gestão de Risco no Ambiente de Trabalho”, tendo sido analisados os riscos específicos que poderiam ocorrer no Serviço de Nutrição.
I) Em Março de 2017 foi autorizada a prorrogação por mais 6 meses da redução do período normal de trabalho.
J) Em 9/07/17 foi realizada uma reunião em que estiveram presentes a Autora, a Ré BB, DD, EE e CC.
K) No decurso do ano de 2017, foi atribuída à Autora o acompanhamento duma estagiária, Exma. Senhora Dra. HH, que foi aprovada com distinção no final do estágio, tendo a Autora integrado o painel do júri como sua orientadora.
L) A Dra. II, estagiária orientada pela Autora, entre 3/04/17 a 3/10/17, viria também a ser aprovada com distinção.
M) De acordo com a redução do horário de trabalho, para além do referido em G), em Janeiro de 2017 foram retirados à Autora o serviço relativo ao Piso 9 e as consultas semanais de Radioterapia (sete em média) que esta realizava à 2ª feira, que passou a realizar de 3 em 3 semanas.
N) Ficou estabelecido que as consultas de Radioterapia seriam alternadas rotativamente entre a Autora, a Dra. EE e a Dra. CC, o que veio efectivamente a ocorrer no período entre Janeiro e Junho de 2017.
O) O trabalho da Autora era avaliado anualmente em função dos objectivos que lhe eram fixados, sendo o resultado da avaliação determinante para, entre outros aspectos, a progressão na carreira.
P) A Ré BB manteve intactos os objectivos da Autora no período em que esta gozou a redução de horário.
Q) A Autora deu conhecimento ao Réu A... através de carta datada de 9 de Abril de 2017 dirigida pela Autora ao Dr. JJ, administrador daquele Réu, do infra referido em WWW) solicitando, em suma, que fossem contabilizadas as referidas horas.
R) O Réu A... respondeu através da carta datada de 29 de Maio de 2017, referindo, além do mais, que “No caso em apreço, a autorização de tais prolongamentos encontra-se delegada na Directora de Serviço, Senhora Dra. BB, a quem compete, em face das circunstâncias e necessidades do serviço, avaliar casuisticamente a fundamentação apresentada para o efeito. Ora, sucede que, não tendo o pedido sido autorizado pela Dra. BB, nem tampouco estaria em condições de ser homologado posteriormente pelo Conselho de Administração.”.
S) O trabalho referido em WWW) não foi considerado pela Ré BB para o banco de horas.
T) As horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho pelas colegas da Autora foram consideradas para a bolsa de horas.
U) Dá-se aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o conteúdo das cartas remetida pela autora ao Réu A... em 24/11/17, 18/12/17 e 5/01/18, juntas à petição inicial como documentos nº 16, 17 e 18.
V) Dá-se aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o conteúdo da carta e email remetidos pelo Réu A... à autora em 15/01/18, 18/0118, juntas à petição inicial como documentos nº 19 e 20.
W) Em 24 de Novembro de 2017, a Autora requereu ao Réu A... a prorrogação do prazo de redução do período normal de trabalho inicialmente concedido, o que foi deferido.
X) Durante o mês de Janeiro de 2018, o período normal de trabalho da Autora foi de 40 horas semanais, tendo em Fevereiro reduzido para 32 horas semanais, distribuídas por 4 dias da semana-Segunda-Feira, Terça-Feira, Quinta-Feira e Sexta-Feira.
Y) Numa reunião que teve lugar em Janeiro de 2018, com a presença das restantes colegas de serviço, Dras. EE, CC, DD e FF, a Ré BB informou que não voltaria a falar a sós com a Autora e que apenas reuniria com esta na presença da Dra. EE.
Z) As reuniões de Serviço eram habitualmente convocadas pela Ré BB através de emails enviados à quinta-feira para a sexta-feira seguinte.
AA) Em reunião ocorrida em 26 de Fevereiro de 2018, na presença da trabalhadora EE, a Ré BB alertou a Autora de que não correspondia a boa prática o ter escrito num papel de rascunho “dieta mole ou cremosa (passado pela varinha mágica)” e ter entregue o mesmo a um doente de Radioterapia em regime de alojamento no Centro Hoteleiro de Apoio, o qual tinha pedido à Autora para saber qual seria a sua dieta, alertando a autora para não o fazer mais.
BB) A Autora actuou como descrito a pedido do doente que, por não conseguir falar, acabou por entregar aquele papel à Assistente Operacional.
CC) A Ré BB bloqueou as consultas da Autora de Radioterapia durante as férias, impedindo que quem a substituísse nas férias realizasse estas consultas.
DD) Em vários períodos, a Dra. DD tirou férias e as suas consultas de Radioterapia foram mantidas e asseguradas, na íntegra, pela sua estagiária.
EE) A Ré BB agendou uma reunião, que se realizou em 15 de Maio de 2018, com todas as colegas do Serviço de Nutrição presentes para obter destas “parecer” sobre a participação da Autora no Congresso de Nutrição Pediátrica do Hospital ..., em 25 de Maio de 2018.
FF) Na referida reunião, a Ré BB justificou a realização da mesma com a necessidade de saber a opinião das restantes colegas, uma vez que o trabalho iria implicar a redistribuição do serviço.
GG) A Ré BB enviou a todas as nutricionistas seniores do serviço um e-mail com a versão final do folheto sobre a obesidade (actividade desenvolvida pelas profissionais estagiárias), com excepção da Autora.
HH) A Ré BB havia dirigido à Autora um convite para participar no desenvolvimento dos conteúdos relativos ao dia nacional de Luta contra a Obesidade, em momento anterior ao envio da versão final do folheto.
II) No ano de 2018, a Autora tinha direito a 17 dias de férias não gozadas no ano de 2017, a serem gozados até 30 de Abril de 2018, acrescidos dos 22 dias de férias que se venceram em 1 de Janeiro de 2018.
JJ) Em 5 de Janeiro de 2018, a Autora marcou os dias 15 de Janeiro e 12 de Fevereiro desse mesmo ano, tendo reiterado tal pedido no dia 11 desse mesmo mês.
KK) A Ré BB não autorizou a marcação desses dias de férias.
LL) Nessa sequência, em 16 de Janeiro de 2018, a Autora alterou a sua marcação de férias tendo marcado o dia 22 de Janeiro (em substituição do dia 15) de 2018 e mantendo o pedido quanto ao dia 12 de Fevereiro do referido ano.
MM) Tal pedido mereceu a seguinte resposta por parte da Ré BB: “Conforme falado pessoalmente o que te referi foi que não poderias estar a solicitar dias de férias, isoladamente, sempre à 2ª feira, caso pretendas colocar férias no dia 22 (2ªF) a 2ªf de fevereiro que tinhas pedido na mesma ocasião não será autorizada. Sendo assim escolhe qual a 2ª feira pretendida (a de janeiro ou a de fevereiro) e quando retificares a situação valido pois não posso validar apenas um dos dias do teu pedido.”.
NN) A recusa de autorizar a Autora a tirar férias à segunda-feira tinha como fundamento o facto de esse ser o dia em que esta dava consultas.
OO) A Ré BB autorizou que a trabalhadora Dra. DD tirasse os dias 26 e 27 de Abril que são dois dias de consulta.
PP) Em Janeiro de 2018, a Autora procedera igualmente à marcação de parte dos 22 dias de férias vencidos nesse ano, para os dias 6 a 14 de Agosto de 2018.
QQ) O pedido de marcação de férias para Agosto foi recusado pela Ré BB, por se sobrepor ao de outra colega, Dra. CC.
RR) A Dra. CC tira sempre férias nesse período.
SS) Em Janeiro de 2018, a Autora marcou férias para os dias 27 e 28 de Dezembro de 2018.
TT) A Ré BB recusou a marcação de férias realizada pela Autora.
UU) Durante as férias da Autora, no mês de Agosto, o estado de saúde desta piorou e as férias foram interrompidas, por incapacidade temporária para o trabalho, tendo ficado por gozar 6 (seis) dias de férias dos inicialmente previstos.
VV) A Autora procedeu à marcação desses dias de férias para os dias 25, 26 e 29 de Outubro de 2018, e 23, 26 e 27 de Novembro de 2018.
WW) A Ré BB recusou as férias pretendidas pela Autora e agendou o período de férias desta para os dias 23 a 30 de Novembro de 2018.
XX) Nessa sequência, a Autora voltou a solicitar a alteração do período de férias para os dias 22, 23, 26 e 27 de Novembro e 13 e 14 de Dezembro (dado 17 de Dezembro já fazer parte do plano de férias inicial).
YY) O que foi, novamente, recusado tendo-se mantido o período de 23 a 30 de Novembro de 2018.
ZZ) O motivo para a recusa de férias foi o facto de se tratar de férias interpoladas e por curtos períodos.
AAA) A Ré BB autorizou os dias 15 de Fevereiro e 26 e 27 de Abril de 2018 à trabalhadora Dra. DD e autorizou os dias 22 de Fevereiro, 15 e 16 de Março, 18 de Maio, 1 de Junho e 26 de Novembro, todos de 2018 à trabalhadora Dra. EE.
BBB) Ao longo dos anos ao serviço do Réu A..., a Autora orientou vários estagiários do serviço, tendo dado formação e transmitido os conhecimentos necessários a que alguns deles fossem aprovados com distinção.
CCC) Em 19 de Janeiro de 2018, realizou-se uma reunião de serviço no decurso da qual a Ré BB informou as restantes colegas que a redução do período normal de trabalho concedida à Autora fora prorrogada por 12 meses.
DDD) Em 26 de Janeiro de 2018, foi realizada uma reunião entre a Autora, a Ré BB e a Exma. Senhora Dra. KK (Médica de Saúde de Trabalho), na qual foram abordados vários temas relacionados com a organização do trabalho decorrente da redução do período normal de trabalho concedida tendo a Autora questionado se lhe podia ser atribuído um estagiário à Ordem dos Nutricionistas para a auxiliar no trabalho a desenvolver, à imagem do que acontecera no passado e do que acontecia com todas as restantes colegas.
EEE) A Ré BB informou que considerava que o acompanhamento de estagiários implicava um dispêndio de tempo incompatível com a redução do seu período normal de trabalho, recusando tal atribuição à Autora.
FFF) A Autora tinha já sido orientadora de estágio durante o seu primeiro período de trabalho com redução do horário (anos de 2016 e 2017).
GGG) A Autora era única trabalhadora que não tinha afecta ao seu serviço um estagiário (excepção feita à colega FF e apenas desde Julho de 2018).
HHH) No início do estágio, um estagiário exige de quem o orienta um maior dispêndio de tempo; cerca de 3 meses depois, tornam-se mais autónomos e adquirem a capacidade de desenvolver actos que se traduzem numa significativa ajuda às nutricionistas efectivas.
III) No serviço da Autora as estagiárias substituem, muitas vezes e sozinhas, as restantes colegas e a própria Ré BB.
JJJ) No ano de 2018, a Ré BB excluiu a Autora dos e-mails de serviço relativamente à atribuição de estagiárias, tendo enviado a todas as colegas um pedido de aceitação de estagiárias, excluindo, unicamente a Autora.
KKK) Na reunião de 26 de Janeiro de 2018, a Autora manifestou interesse em participar numa palestra para funcionários do A... do Hospital de Dia, contra o que a Ré se insurgiu atenta a redução de horário concedida à autora.
LLL) Em 26 de Fevereiro de 2018, o Réu recusou à Autora a possibilidade de ministrar uma aula de Mestrado de Nutrição Clínica, para a qual fora convidada e na qual manifestou interesse mesmo sendo num Sábado, sendo que o fazia há vários anos (há pelo menos uma década).
MMM) O motivo da recusa foi, mais uma vez, o facto de se encontrar em redução de período normal de trabalho.
NNN) A prestação de trabalho para além dos limites normais de trabalho é uma necessidade recorrente das trabalhadoras do serviço de nutrição do réu A....
OOO) Em 29 de Agosto de 2018, a Ré BB anulou a bolsa de horas da Autora que registava, de anos anteriores, 30,6 horas de trabalho, o que justificou diversos pedidos da Autora ao Departamento de Recursos Humanos.
PPP) O mesmo nunca se verificou com todas as restantes trabalhadoras, as quais sempre mantiveram a sua bolsa de horas dos anos anteriores.
QQQ) A autora solicitou a correcção do referido registo o que a Ré BB não fez.
RRR) Apenas no final de Setembro de 2018, após insistência da Autora, a sua bolsa de horas foi reposta, com as 30,6 horas.
SSS) Em 2019 a Autora pediu à Ré BB para utilizar as horas da Bolsa de Horas para poder ir ao Congresso da Associação Portuguesa de Nutricionistas (APN).
TTT) Face à recusa da Ré BB em autorizar a Autora a utilizar as horas angariadas na sua bolsa de horas, esta pediu àquela para usufruir de um dos dias de Comissão Gratuita, mas a Ré BB negou também tal pedido desta vez com fundamento no facto de tal pedido ter sido apresentado “fora de prazo”, mas meses antes a Ré BB tinha aceite o pedido da trabalhadora EE, o qual não tinha respeitado o prazo indicado.
UUU) A bolsa de horas não pode ser utilizada para períodos de ausência superiores a meio dia, sendo que o Congresso referido tinha duração superior.
VVV) Segundo orientações do A..., as comissões gratuitas devem ser requeridas com 20 dias úteis de antecedência, sendo que o incumprindo desse prazo pode ser justificada pelo requerente, o que aconteceu com EE, tendo a Ré alertado o Conselho de Administração para o efeito, deixando a respectiva autorização a consideração superior.
WWW) A autora prestou as horas de trabalho descritas nos seguintes dias:
Em 2016: dia 17/08, qua, das 08:00-14:00,
Dia 22/08, Seg, das 08:00-16:30;
Dia 24/08, Qua, das 08:00-14:00;
Dia 30/08, Ter, das 08:00-16:30;
Dia 23/09, Sex, das 08:30-16:30;
Dia 26, Seg, das 08:30-16:30;
Dia 27, Ter, das 08:30-16:30;
Dia 4/10, Ter, das 08:30-16:30;
Dia 6/10, Qui, das 08:30-16:30;
Dia 7/10, Sex, das 08:30-16:30;
Dia 10/10, Seg, das 08:30-16:30;
Dia 17/10, Seg, das 08:30-16:30;
Dia 18/10, Ter, das 08:30-16:30;
Dia 25/10, Ter, das 08:30-16:30;
Dia 28/10, Sex, das 08:30-16:30;
Dia 31/10, Seg, das 08:30-16:30;
Em 2017:
dia 10/01, Ter, das 08:30-16:30;
Dia 16/01, Seg, das 08:30-16:30;
Dia 17/01, Ter, das 08:30-16:30;
Dia 20/01, Sex, das 08:30-16:30;
Dia 24/01, Ter, das 08:30-16:30;
Dia 30/01, Seg, das 08:30-16:30;
Dia 3/02, Sex, das 08:00-16:30;
Dia 24/02, Sex, 08:00-16:30;
Dia 27/02, Seg, das 08:00-16:30;
Dia 24/03, Sex, das 08:00 - 16:30;
Dia 27/03, Seg, 08:00-16:30.
XXX) No período de férias da Ré BB (de 3 a 9 de Julho 2018), em virtude de um erro, o horário que foi determinado à Autora foi das 08:00h às 16:30h (quando havia sido sempre das 08:30h às 17h), facto que levou a Autora a trabalhar das 8h às 17h.
YYY) Quando deu conhecimento à Ré BB, esta corrigiu o erro mudando o horário para o período anterior mas não contabilizou as 2:30 horas (30 minutos por cada dia) trabalhadas a mais.
ZZZ) Em Fevereiro de 2019 terminou o prazo de redução do período normal de trabalho, tendo a Autora passado a trabalhar no período normal de trabalho inicialmente acordado de 40 horas.
AAAA) Por e-mail de 10 de Abril de 2019, a Ré BB informou o departamento de gestão de agendas, com conhecimento de todas as trabalhadora que quem já tivesse consultas marcadas para dias de férias (o que iria acontecer já nesse mês de Abril) deveria reagendar as consultas ou criar dias extra de consulta.
BBBB) As trabalhadoras que tinham férias marcadas nessa altura eram a Autora, para os dias 15 a 19 de Abril e 22 a 26 de Abril, e a Dra. DD.
CCCC) A Autora solicitou que as 4 consultas que tinha agendadas para dia 22 de Abril de 2019 fossem redistribuídas pelas restantes colegas e realizadas a dia 24 desse mesmo mês ou que lhe fosse proposta uma alternativa que fosse adequada.
DDDD) Em resposta, a Autora foi informada pela Ré BB que, à semelhança da sua outra colega que teria o mesmo problema, a Autora deveria reagendar as consultas para dias próximos das férias ou para dia 29 (que estaria com vagas), sendo que se não fosse possível deveria abrir outro período de consultas que lhe fosse conveniente, o que a autora fez.
EEEE) Quatro das consultas da Dra. DD do dia 15 de Abril de 2019 foram mantidas, tendo em conta a especificidade dos doentes e foram realizadas pela estagiária da Ré BB, Dra. LL, pois esta estava contemporaneamente a realizar consultas de Nutrição-Radioterapia.
FFFF) No mesmo mês de Abril de 2019, a Ré BB voltou a recusar a integração das horas de trabalho que a Autora comunicou como tendo sido prestadas fora do período normal de trabalho na bolsa de horas.
GGGG) Nos primeiros meses, após ter regressado ao período normal de trabalho habitual (40 horas), a Ré BB recusou a integração da Autora na bolsa de horas porque, ao contrário das suas colegas, a Autora “não registava a justificação para a prestação de horas para além do horário normal de trabalho”, informação que lhe transmitiu em reunião de 12 de Abril de 2019.
HHHH) Sempre que as colegas da autora tinham necessidade de prolongar o seu horário de trabalho, contactavam a Directora de Serviço justificando a necessidade, ou solicitavam a sua colaboração para o evitar e apenas quando não era possível ultrapassar esta necessidade com recurso a auxílio de colegas, é que era autorizado o prolongamento do tempo de trabalho.
IIII) No decorrer de Outubro de 2018, a Ré BB apresentou queixa ao Conselho de Administração em virtude da Autora ter deixado o telemóvel de serviço no serviço de Nutrição numa quarta feira, tendo um médico ligado para aquele telefone com vista a dar alta a um doente e o telefone estar desligado.
JJJJ) Dá-se aqui como reproduzido para todos os efeitos legais, a “Política e Procedimento para a Prevenção e Combate ao Assédio no Trabalho” aprovada pelo Réu A..., junto a fls.133 a 139.
KKKK) A autora remeteu ao Réu A... carta datada de 13 de Novembro de 2018 junta a fls. 139 a 149, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e apresentou uma participação formal de assédio, junta a fls. 151-152, cujo conteúdo se dá aqui também como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
LLLL) O réu A... respondeu nos termos da carta junta a fls. 152, verso, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
MMMM) O Réu A... nunca convocou a Autora para uma reunião sobre a queixa apresentada, nem a encaminhou para qualquer serviço de acompanhamento, não instaurou procedimento disciplinar contra a Ré BB, nem ouviu testemunhas, tendo ouvido apenas a ré BB.
NNNN) A Autora remeteu ao Réu A... carta em 8 de Janeiro de 2019, junta a fls. 153, verso a 154, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, à qual o réu respondeu nos termos da carta junta a fls. 155.
OOOO) O Réu A... deu início a um inquérito prévio para instauração de procedimento disciplinar contra a Autora, com base uma reclamação da Ré BB, com base nas seguintes ocorrências:
- a referida em IIII), e
- em reunião de serviço de 7 de Dezembro de 2018, em que estiveram presentes a Ré BB, a Autora e as colegas Dras. CC, DD e EE, a Autora foi acusada de ter gravado o que foi dito na referida reunião.
PPPP) FF relatou à Ré BB que tinha sido ela a desligar o telemóvel referido em IIII), o que a Ré BB ignorou e reportou o mesmo ao Réu A... como tendo sido uma falha imputável à Autora.
QQQQ) Após ter realizado diligências no processo prévio de inquérito, o Réu A... decidiu instaurar contra a Autora processo disciplinar, tendo a autora sido notificada da Nota de Culpa proferida no âmbito do processo disciplinar em 28 de Fevereiro de 2019, não constando da mesma o episódio referido em IIII).
RRRR) A Autora respondeu à Nota de Culpa em 14 de Março de 2019, tendo requerido a inquirição de duas testemunhas, bem como a junção ao processo de documentação em poder do próprio Réu A....
SSSS) A inquirição de uma das testemunhas – a colaboradora Dra. FF – ocorreu em 27 de Março de 2019.
TTTT) Desde 27 de Março de 2019, não foi a Autora notificada de qualquer acto posterior.
UUUU) A Autora apresentou contra os Réus, em 18 de Março de 2019, procedimento cautelar de tutela da personalidade do trabalhador em que peticionou medidas destinadas a evitar a consumação de qualquer violação dos direitos de personalidade do trabalhador ou atenuar os efeitos da ofensa já praticada, conforme Doc. 68 junto à petição inicial.
VVVV) Os Réus A... e BB contestaram o referido procedimento.
WWWW) No ano de 2016 a autora esteve de "baixa médica" entre meados de Fevereiro e 15/07, tendo gozado 13 dias de férias.
XXXX) No ano de 2017 a autora esteve de "baixa médica" entre 12/06 e 20/12, tendo gozado 14 dias de férias e 3 de tolerância de ponto.
YYYY) No ano de 2018, a autora gozou 39 dias de férias, em 14 períodos diferentes, e, entre os dias 13 e 24 de Agosto de 2018, esteve de baixa médica.
ZZZZ) A Autora acumulava (há alguns anos) as suas funções no A... com a prestação de serviços numa clínica de hemodiálise.
AAAAA) Pelo menos desde 2015, a Autora foi sendo considerada pela Médica do trabalho, como "apta condicional" para o trabalho, tendo progressivamente deixando de realizar consultas externas de maior complexidade e morosidade, como são o caso das consultas de Nutrição Geral e Nutrição Endocrinologia.
BBBBB) Era prática corrente na Instituição anular o agendamento de consultas quando o profissional de saúde em causa se encontra ausente por férias e, caso fosse necessário, após aferição da Directora de Serviço, poderá a respectiva Nutricionista agendar um dia "extra" para assegurar o seguimento dos respectivos pacientes, sendo prática do Serviço, em caso de ausência programada, na hipótese de as colegas terem disponibilidade de horário de consulta para o efeito, ser considerado como medida necessária a abertura de período extra de consultas para a colega que se vai ausentar do serviço, para ser assegurado o acompanhamento dos pacientes por nutricionista do Serviço, sendo o agendamento em dias de consultas de outras colegas seja com estas combinado, o que a Autora não fez.
CCCCC) A autora, ao invés de criar um dia extra de consulta, ou caso não se justificasse, procurasse combinar com as suas colegas a melhor forma de "encaixar" os doentes por si seguidos na sua ausência, conforme instruções e prática de Serviço, de seu livre mote, agendou os seus pacientes, sem previamente avisar a colega em causa, para os dias de consulta da Dr.a DD.
DDDDD) Sempre que vários colegas solicitam o gozo de dias de férias, para os dias mais "concorridos", como sejam os que precedem ou sucedem a pontes ou feriados, a Ré autoriza-os, de acordo com um critério de não desfavorecer quem não beneficiou de tal possibilidade no passado.
EEEEE) A autora solicitou vários dias de férias às segundas feiras, que eram os seus dias de consulta de Nutrição-Radioterapia.
FFFFF) A autora não avisou a sua superior hierárquica da necessidade de se manter para além do horário de trabalho, nem solicitou qualquer colaboração que evitasse esse excesso.

Factos não provados com relevância para a causa:
……………………………
……………………………
……………………………
***

IV. Fundamentação

1. Nulidade da sentença

Alega a Recorrente na conclusão A que “ Os factos provados nas alíneas D), E), F), G), I), K), L), O), P), Q), R), S), T), Y), GG), HH), BBB), DDD), EEE), FFF), GGG), HHH), III), JJJ), KKK), LLL), MMM), NNN), OOO), PPP), QQQ), RRR), XXX), YYY), JJJ), KKKK), MMMM), NNNN), OOOO), PPPP), QQQQ), RRRR), SSSS) e TTTT) da sentença recorrida estão em frontal contradição com a decisão proferida pelo Tribunal a quo na parte em que conclui que não se verifica a apontada justa causa de resolução do contrato [assédio moral] operada pela ora Apelante, não tendo esta, consequentemente, direito a receber a indemnização aludida no art.º 396º do C. Trabalho, e absolve os Apelados dos pedidos formulados pela Apelante nas alíneas a), b) e d) do petitório, pelo que deve a presente sentença ser declarada nula, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 615º, n.º 1, alínea c), e n.º 4, do CPC, nulidade essa que ora expressamente se argui com todas as devidas e legais consequências.”

Dispõe art. 615º, nº 1 al. c), do CPC/2013 que é nula a sentença quando: “c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”
As nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo Juiz na sentença.
Como dizem José Lebre de Freitas e outros, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2, Coimbra Editora, pág. 669, os casos das alíneas b) a c) do nº 1 respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíenas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíenas d) (omissão e excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum).
A nulidade invocada – oposição entre os fundamentos e a decisão - reporta-se a uma contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Ou, por outras palavras, quando existe uma quebra no raciocínio lógico, não retirando o juiz, das premissas de que parte, a conclusão lógica que se imporia no silogismo judiciário.
De referir que tais vícios, geradores de nulidade de sentença, não se confundem com eventual erro de julgamento, seja na decisão da matéria de facto (erro de facto), seja na aplicação do direito aos factos (erro de direito), em que o juiz, com base em determinada prova [ou falta dela] decide erradamente sobre determinado de facto e/ou em que, com base em determinada factualidade ou falta dela decide erradamente no sentido que juridicamente considera ser o correspondente ao direito aplicável. Nem se confunde com eventuais contradições na decisão da matéria de facto, estas sujeitas ao regime do art. 662º, nº 2, al. c), do CPC, e não ao regime do art. 615º, nº 1, al. c).
No caso, não ocorre qualquer contradição real entre os fundamentos e a decisão. ou seja, não existe qualquer quebra no raciocínio lógico por parte da 1ª instância, tendo esta, com base nas premissas de que parte, retirado a conclusão lógica que, com base no seu raciocínio, se imporia no silogismo judiciário, tendo considerado que, não obstante a factualidade provada e pelas razões que referiu, não se verificava a invocada situação de assédio e de justa causa para resolução do contrato de trabalho.
O que ocorre é que a Recorrente discorda do decidido, confundindo a mencionada nulidade de sentença com eventual erro de julgamento, o que são questões diferentes.
Assim e sem necessidade de considerações adicionais, improcede a invocada nulidade de sentença.

2. Da impugnação da decisão da matéria de facto

A Recorrente impugna os nºs 71 e 74 a 77 dos factos não provados, pretendendo que sejam dados como provados, o que sustenta no depoimento da testemunha MM e nas demais considerações que aduz, designadamente no sentido de que os depoimentos das testemunhas NN e KK, assim como os documentos de fls. 67vº, 376 e 381 a 383, pelas razões que refere, não afastam a prova dos factos que pretende dar como provados.
É o seguinte o teor de tais pontos, que a Recorrente pretende que sejam dados como provados:
“71) Os Réus, com a sua conduta, provocaram na Autora sentimentos de impotência, frustração, discriminação, vergonha, ansiedade e angústia.”
“74) Como consequência directa da actuação dos Réus e do que experienciava frequentemente no seu local de trabalho, a Autora ficou várias noites sem dormir.
75) Durante as insónias de que sofria, a Autora contactava familiares e amigos expondo a maneira como se sentia, a vergonha, a tristeza, a desolação.
76) Ao final do dia, no percurso para casa, a Autora ligava também a familiares e amigos para desabafar mais uma vez, em como se sentia triste e humilhada, solicitando conselhos e modos de agir e reagir perante as situações em que se via colocada.
77) Foram várias as vezes em que em jantares de família ou com amigos, a Autora chorou ao contar os episódios que iam ocorrendo, revelando-se profundamente abalada.”

A Recorrente deu cumprimento aos requisitos previstos no art. 640º, nº 1, als. a), b) e c), e 2, al. a), do CPC, pelo que nada obsta à reapreciação pretendida.
Procedeu-se à audição integral dos depoimentos das testemunhas MM (irmã da A.), NN e de KK.

2.1. Na motivação da decisão da matéria de facto a 1ª instância referiu o seguinte:
“Para além da matéria que foi aceite pelas partes nos articulados e confessada pela ré BB e pela autora na audiência de julgamento, a convicção do tribunal assentou na conjugação do depoimento das testemunhas com os documentos juntos aos autos.
Concretizando.
As testemunhas NN, médica psiquiatria que exerce funções no A... e KK, médica de medicina do trabalho no A... até outubro de 2019, relataram, de forma isenta e objectiva, o trabalho que fizeram com a autora, esclarecendo qual a sintomatologia que a autora apresentava e a percepção que têm sobre a razão para a autora a apresentar.
KK, que convocou a reunião aludida em DDD) entre a autora e a ré, descreveu a forma como a mesma aconteceu.
Ainda sobre a situação clínica da autora foram considerados os documentos de fls. 67, verso, 376 e 381-383, que não foram postos em causa pelas partes.
(…)
Diga-se que do conjunto da prova produzida, não restaram quaisquer dúvidas ao tribunal que o serviço de nutrição tinha, à data dos factos, “duas facções”, cujas diferenças se foram acentuando com o tempo: por um lado, a autora e a testemunha FF e, por outro, a ré BB, EE, CC e DD, sendo claro o desconforto e o mau clima ali instalado.
(…)
Importa, por último, concretizar quanto a alguns dos factos as razões para se ter entendido dar os mesmos como não provados, por não se poderem justificar apenas como acima referido.
Assim:
(…)
- relativamente aos danos sofridos pela autora na sequência da actuação dos réus, ficou o tribunal convencido que, de facto, a estabilidade mental da autora nos anos de 2016 e seguintes não se verificou. Assim o atestam os documentos de fls. 67, verso, 376 e 381-383 e os depoimentos das testemunhas médicas já referidas – NN e KK – e, bem assim, o depoimento da testemunha MM, irmã da autora que descreveu, de forma muito segura e calma, os sentimentos vivenciados pela autora que consigo desabafava.
Mas a verdade é que nenhuma destas testemunhas estabeleceu, de fora peremptória, uma relação directa com o comportamento dos réus.
As testemunhas NN e KK, relacionaram o seu estado com dificuldades de comunicação com colegas e chefia e a testemunha MM limitou-se a relatar o que a irmã lhe contou, acrescentando que a autora sofria desde jovem de bulimia e anorexia que estavam medicamente controlados e que era muito exigente consigo mesmo no trabalho.
Acresce que o burnout que a autora sofreu aconteceu em 2016, tendo sido a causa da redução do horário de trabalho (facto que a própria autora situa como sendo o início da situação de assédio de que foi vítima) – como resulta da documentação clínica junta aos autos – e não consequência da (posterior) actuação dos réus.
Considerando que a autora regressa ao trabalho depois de uma situação de “burnout” - donde resulta, como as regras da experiência comum nos dizem, uma situação de maior fragilidade e vulnerabilidade -, que é acompanhada em psiquiatria desde 2007, que as testemunhas não conseguiram estabelecer uma relação causa efeito entre o comportamento dos réus e a situação vivenciada pela autora e considerando a própria natureza dos factos que vem dados como provados, entendeu o tribunal dar como não provado que a autora tenha, em consequência do comportamento dos réus, vivido os descritos sentimentos.”

2.2. Os documentos de fls. 67 vº e 376 consubstanciam dois relatórios médicos, datados de 22.06.2016 e de 20.12.2017, de médica psiquiatra do Hospital Magalhães Lemos, onde se refere:
- no primeiro que: “(…). Tem conseguido manter atividade profissional com bom desempenho associado a cumprimento de medicação; nos últimos dois (2) anos), devido à sobrecarga de trabalho e maior exigência pessoal, não tem sido possível uma estabilização clínica eficaz; sugiro redução do horário laboral (temporária) a combinar na instituição tendo em vista uma estabilização clínica mais eficaz”;
- no segundo, que a A. “tem antecedentes de acompanhamento no Hospital desde 2007; ocorreu agravamento do quadro depressivo e ansioso, o que motivou a interrupção da atividade laboral sugerida pela Medicina do Trabalho em 12.06.2017; nesta data mantendo o tratamento, está melhor para retomar o trabalho; atendendo a que nos últimos três (3) anos ao retomar o serviço, por sobrecarga de trabalho e maior exigência pessoal, comprometeu a sua estabilização pessoal. Por essa razão continuo a sugerir que a doente volte ao trabalho com horários reduzidos”
Os documentos de fls. 381 e 382 são 2 fichas de aptidão para o trabalho, que em nada relevam e o documento de fls. 383 é um relatório médico de 22.06.2016 idêntico ao de fls. 67 v.
No seu depoimento, a testemunha NN, médica psiquiatra da Ré, referiu em síntese que: atendeu a A. em 5 a 10 consultas durante um ano e meio ou 2 anos; algumas das vezes em que isso ocorreu, mas poucas, foi na sequência de reuniões que a A. havia tido; que esta se encontrava em situação de crise emocional, e perturbada, achando que o grande problema tinha a ver com “dificuldades de comunicação” entre a A. e as colegas e a chefia; não se recorda se tal ocorreu antes ou após a redução do período de trabalho; a situação prendia-se com a necessidade que a A. sentia de mais tempo para observar os doentes e registos e a dificuldade do serviço lhe conceder mais tempo, com a “pressão” de fazer o serviço no tempo que tinha, não se recordando, contudo, se essa “pressão” adviria das próprias necessidades do serviço ou da parte de alguém.
KK, médica de Medicina do Trabalho e, à data, prestando serviços nesse âmbito para o Réu, salientou o dever de sigilo médico, pronunciando-se apenas sobre o que entendeu não violar tal sigilo; referiu em síntese que: atendeu a A. seguramente mais de 15 vezes, a solicitação da A. ou da testemunha; a redução do período de trabalho, a solicitação da A., foi atestada pela medicina do trabalho; em 2018 teve lugar uma reunião entre si, a A. e BB (chefia da A.) a solicitação da testemunha uma vez que aquelas estavam “desavindas por conflito laboral” e que a testemunha tentou sanar, não se recordando todavia dos detalhes; recorda-se apenas de terem sido tratadas matérias relativas a férias e de número de consultas versus tempo de trabalho; à pergunta sobre se o problema entre a A. e BB tinha a ver apenas com a situação clínica da A., respondeu que não, que “era multifactorial, não havia um único motivo, era um conflito laboral, há partes desavindas, não posso dizer que é só característica da trabalhadora ou daquilo que ela exerce”; que a A. reportava, “para além de características pessoais, características de equipa, das exigências laborais e da superiora hierárquica, é um grupo vastíssimo de condicionantes, de características, de aspetos que levam a fazer uma avaliação global”; não se recorda do que depois ocorreu após a reunião, não tendo, em 2019, acompanhado a situação.
Quanto ao depoimento de MM, irmã da A. e professora de Direito em ..., mas que ia a casa (...) aos fins de semana e contactava com a A. presencialmente (nessas ocasiões) e, nas demais, por telefone referiu em síntese que: a A. lhe contava diversos episódios que se passavam na Ré e o mau ambiente de trabalho, especialmente com a chefe, o que piorou após 2016, após a redução de serviço e, bem assim e o que também constatou presencialmente, que aquela estava emocionalmente muito perturbada, que chorava muito, que tinha um sentimento de injustiça, preocupada em não cometer erros, ansiosa, que não dormia, que tinha grandes insónias; a “justificação era sempre relacionada com o trabalho era, por um lado, nas fases em que estava de baixa a angústia de voltar e de voltar a um ambiente em que se sentia perseguida. E o sentimento muitas vezes de injustiça, mas também quando estava a trabalhar, pois era estar sempre preparado ou estar sempre alerta para não para não ser apanhada com qualquer erro, negligência mais ligeira que fosse”; que a A. falava também com os pais, mas que houve uma altura em que resolveram protege-los, “para evitar efetivamente que a angústia se acabasse espalhar na família, resolvi fazer uma espécie de contenção e, portanto, muitas das crises da AA de choro e angústia, de se colocar em posição fetal chorando, não percebendo o que é que lhe estava a acontecer, porque é que acontecia, o deixar de comer, etc., por aí fora, o não dormir. Lembro perfeitamente dela às voltas em casa às 04h00, às 05h00, às 06h00, etc. Efetivamente fizeram com que boa parte dos relatos me fossem feitos a mim e não tanto efetivamente aos meus pais, se bem que naturalmente falaria dos meus pais. Até porque os pais nós temos o hábito, minha família, de falar a telefonar todos os dias e, portanto, todos os dias haveria sempre um telefonema”; sobre se a A. lhe pedia conselhos referiu que: “Claro, não é? Sobretudo, quer em relação à relação laboral, quer em relação a ela própria e a forma de gerir uma série de emoções. E, portanto, portanto, como gerir, no fundo, todos os conflitos, os medos, as angústias, etc. Que vinham do foro laboral para casa e que entravam pela casa dentro e portanto, no fundo era tentar, quer dar conselhos no sentido de como é que ela devia comportar com as colegas, designadamente com a chefe, designadamente evitar conflito, diminuir as tensões, etc., por aí fora, como, por outro lado, tentar arranjar também estratégias para ela própria lidar com a angústia de ir trabalhar ou de estar efetivamente num ambiente que tinha sido agradável durante, não sei, 15 anos talvez, e depois se tornou uma espécie de inferno”; que a situação se foi mantendo ao logo de 3 anos, porque a A. porque gostava do seu trabalho, o trabalho “era a vida” dela, a A. era solteira, sem filhos e vivia sozinha; mas que depois se tornou insustentável; que em jantares de família o tema do A... estava sempre presente, estava “sempre na mesa”; à pergunta sobre que “tipo de sentimentos” que esse “conflito laboral” desencadearam na A., referiu que “Dor muito grande, muito, muito grande. Injustiça, angústia, desespero, alguma raiva (…). eu posso dizer que vê-la era… causava dor as pessoas, ou seja, quem estava ao pé dela. O sofrimento era de tal ordem que quem tivesse ao pé dela sentia aquele sofrimento. Aliás, fisicamente era visível, no sentido em que a própria postura, a cor da pele, o cabelo que caía tanto. Tudo se traduzia, e só não via quem não queria, no fundo, a dor era imensa, imensa. E sobretudo aliada a um sentimento de incompreensão e de injustiça muito, muito grande. E, portanto, isto causou, eu não sei, não lhe posso dizer… Eu sei que se a mim me causou dor, não é, e só ouvi indiretamente os relatos, não consigo imaginar o que terá causado ela, sobretudo conhecendo a personalidade dela, como ela leva a sério as suas funções, a sua preocupação com as relações humanas, etc. E, portanto, por isso também eu tentei proteger os meus pais, eu disso à bocado. A dor era demasiada e fazer com que isto passasse para os pais ia ser também um ónus demasiado grande, portanto tentou-se manter aqui na zona norte, não levar isto até ..., se bem que era inevitável nos jantares, nos telefonemas, etc., havia sempre a conversa”; a instâncias do mandatário da parte contrária, referiu que: “uma coisa são os problemas de saúde que a minha irmã teve: um, associados ao excesso de trabalho. Portanto, burn out que leva a que ela peça a redução, outra foram os problemas de saúde que resultam depois de todo o clima que foi gerado por essa redução de trabalho. Os problemas anteriores vêm da adolescência, não têm rigorosamente nada que ver com isto. Primeiro porque estavam extremamente contidos, eram questões relacionadas com distúrbios alimentares, que eram do conhecimento da chefia, do A..., das colegas. Nunca foi problema, nunca foi questão. (…). Até porque até 2016 isso nunca foi problema. E os problemas alimentares da minha irmã começaram aos 16 anos”; que o triénio 2016-2019 foi pior que o próprio burnout”.
Da referida prova, bem como aliás da matéria de facto provada, decorre que existia um conflito laboral entre a A. e a sua chefia, BB, aliás o que é reconhecido na sentença. Mais decorre do depoimento da testemunha MM que a A., na sequência da redução do período de trabalho e do mencionado conflito que se instalou, teve sentimentos de impotência, frustração, discriminação, ansiedade, angústia (já quanto à “vergonha”, embora possa ser um sentimento frequentemente associado aos demais, deles não resulta necessariamente, nem se nos afigura que tenha sido feita prova concludente), que ficou várias noites sem dormir, contactando a irmã (já quanto aos amigos e restantes membros da família, não se fez prova, não tendo sido corroborado pela mencionada testemunha) expondo o seu estado de espírito, designadamente de tristeza e desolação, mais a contactando para desabafar (mas não necessariamente no percurso para casa) para desabafar em como se sentia triste e humilhada, solicitando conselhos e modos de agir e reagir e, bem assim, que pelo menos em alguns jantares de família, falava do ambiente de trabalho no A... revelando-se abalada.
Da referida prova decorre que, não obstante a maior fragilidade emocional da A. decorrente do bornout que motivou a redução do período normal de trabalho, a situação emocional da mesma se agravou, no essencial nos termos descritos nos mencionados pontos da matéria de facto não provada, por virtude das situações que, constantes dos factos provados, a A. imputa a BB e ao Réu. E diga-se que não resultou minimamente que seja da prova produzida que os anteriores distúrbios alimentares de que a A. haja padecido na adolescência sejam a causa dos sentimentos referidos nos mencionados pontos da decisão da matéria de facto, distúrbios esses que, segundo a testemunha MM, estavam controlados.
E a isso não obstam os depoimentos das testemunhas NN e KK. Ainda que a primeira haja salientado os “problemas comunicacionais” da A. tal consubstancia uma formulação de tal modo ampla na qual tudo pode caber e, a segunda, reporta-se ao conflito laboral existente entre a A. e BB no período desde a redução do período de trabalho em diante (até 2018, segundo KK, sendo que, em 2019, deixou de acompanhar a situação), atribuindo-o a razões multifactoriais e não apenas às características da personalidade da A.
Assim, adita-se à matéria de facto provada as seguintes alíneas GGGGG) e HHHHH), com o seguinte teor:
GGGGG) Em consequência do referido nas als. O), P), Q), R), S). T),Y),CC), DD),GG), HH), JJ), KK), LL), MM), OO), VV), WW), XX), YY), ZZ), AAA), DDD), EEE), FFF), GGG), KKK), LLL), MMM), OOO) a RRR), SSS), TTT), YYY), FFFF), IIII) a MMMM), OOOO), PPPP), QQQQ) a TTTT) a A. sentiu-se impotente, frustrada, discriminada, ansiosa, angustiada, tendo ficado com insónias e algumas noites sem dormir.
HHHHH) Durante as insónias de que, em consequência do referido em GGGGG) padeceu, a A. contactava a irmã para desabafar em como se sentia triste e humilhada e pedir conselhos e modos de reagir perante as situações que considerava inadequadas, assim como chorava e, em alguns jantares de família, o conflito que considerava ter com o Réu era mencionado.

3. Aditamento oficioso à decisão da matéria de facto provada:

A A./Recorrente não cuidou, na p.i., em alegar, de forma expressa, a retribuição mensal que auferia à data da resolução do contrato de trabalho, assim como a sentença recorrida também não o referiu nos factos provados.
Não obstante, a A. alegou e reclamou, no art. 379º da p.i., créditos laborais, designadamente “a) Férias vencidas em 01.01.2019 e não gozadas (18dias): €1.517,82” e “b) Proporcional de férias vencidas em 03.07.2019 (11 dias): €937,63” e remeteu para o recibo de retribuição que consta do documento nº 72 junto com a pi., de onde consta que a A. auferia a retribuição base mensal de €1.855,11 (nele não são referidas diuturnidades), o que, bem como tal documento, não foi objeto de impugnação pelas RR., tendo aliás a sentença recorrida condenado o Réu A... nos mencionados créditos, o que não foi objeto de recurso por parte destes.
Ou seja, serve o referido para concluir que se encontra assente, por acordo das partes nos articulados e por prova documental, que a A. auferia, à data da resolução do contrato de trabalho, a retribuição base mensal de €1.855,11.
Assim, e ao abrigo do disposto no art. 607º, nº 4, do CPC, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, do CPC, adita-se à matéria de facto provada a al. IIIII) com a seguinte redação:
IIIII) A A., à data da resolução do contrato de trabalho a que se reporta a al. D) dos factos provados, auferia a retribuição base mensal de €1.855,11.

4. Em conclusão, são os seguintes os factos que se aditam à matéria de facto provada:
GGGGG) Em consequência do referido nas als. O), P), Q), R), S). T),Y),CC), DD),GG), HH), JJ), KK), LL), MM), OO), VV), WW), XX), YY), ZZ), AAA), DDD), EEE), FFF), GGG), KKK), LLL), MMM), OOO) a RRR), SSS), TTT), YYY), FFFF), IIII) a MMMM), OOOO), PPPP), QQQQ) a TTTT) a A. sentiu-se impotente, frustrada, discriminada, ansiosa, angustiada, tendo ficado com insónias e algumas noites sem dormir.
HHHHH) Durante as insónias de que, em consequência do referido em GGGGG) padeceu, a A. contactava a irmã para desabafar em como se sentia triste e humilhada e pedir conselhos e modos de reagir perante as situações que considerava inadequadas, assim como chorava e, em alguns jantares de família, o conflito que considerava ter com o Réu era mencionado.
IIIII) A A., à data da resolução do contrato de trabalho a que se reporta a al. D) dos factos provados, auferia a retribuição base mensal de €1.855,11.

5. Da existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho

Na sentença recorrida, após considerações jurídicas sobre o assédio moral, referiu-se o seguinte:
“Ora, desta factualidade - que denota um claro conflito entre a autora e a ré BB e uma visão diferente das partes quanto a determinadas questões -, no entender do tribunal, não resulta uma conduta persecutória da ré BB reiterada e prolongada de desgaste da resistência física e psíquica da autora, mesmo conjugando todos os factos ora em causa.
Não ressalta desta factualidade uma atitude prepotente da ré BB, mas um claro conflito de personalidades.
De resto vários dos comportamentos acima descritos não se me afiguram sequer como violadores dos direitos e garantias da autora, como seja:
- a manutenção dos objectivos da Autora no período em que esta gozou a redução de horário é inócua se desacompanhada de alguma consequência efectiva dessa manutenção, nomeadamente no que à avaliação concerne;
- o facto de a Ré BB ter informou que não voltaria a falar a sós com a Autora e que apenas reuniria com esta na presença da Dra. EE, o que compreende em face da situação de conflito latente entre ambas;
- o alerta dado pela ré à autora referido no ponto AA) que se afigura uma comum chamada de atenção na sequência da situação de hierarquia e não um tratamento humilhante;
- a recusa da ré na atribuição de uma estagiária à autora, tendo em conta desde logo que o estágio é feito no interesse do estagiário e não de quem dá o estágio e, por outro lado, que aquela recusa não foi arbitrária, tendo sim um fundamento - a redução de serviço da autora;
- a recusou do Réu à Autora de ministrar uma aula de Mestrado de Nutrição Clínica, para a qual fora convidada e na qual manifestou interesse mesmo sendo num Sábado, sendo que o fazia há vários anos (há pelo menos uma década), também foi fundamentada, em concreto, com base na redução de serviço da autora;
- a recusa de utilização das horas da bolsa de horas da autora para participar em congressos já que a bolsa de horas não pode ser utilizada para períodos de ausência superiores a meio dia, sendo que o Congresso referido tinha duração superior;
- a apresentação de queixa por parte da ré ao Conselho de Administração referida em IIII) configura também uma manifestação regular do poder hierárquico.
O mesmo se diga quanto à questão das férias, que não foram pura e simplesmente recusadas, constando dos factos provados a justificação para a sua recusa – cfr. pontos DDDDD) e EEEEE).
É certo que a ré não contabilizou na bolsa de horas o trabalho que a autora prestou e que vem referido em WWW), ao contrário do que fez com as demais colegas da autora, o que se traduz numa violação culposa dos seus direitos, mas a verdade é que importa não esquecer que a justa causa da resolução do contrato, como acima se disse, não se basta com a violação de um direito ou garantia do trabalhador, sendo ainda essencial que dessa violação resulte a impossibilidade definitiva da subsistência do contrato de trabalho, o que claramente não é que resulta daquele comportamento por si só.
Conclui-se, assim, que não se verifica a apontada justa causa da resolução do contrato operada pela autora, não tendo esta, consequentemente, direito a receber a indemnização aludida no artigo 396º do C. Trabalho.”
Discordando, sustenta a A/Recorrente a existência de justa causa para resolução do contrato de trabalho invocando ter sido vítima de assédio ou, subsidiariamente, mesmo que se entendesse não se verificar o alegado assédio, que sempre existiria a mencionada justa causa.

5.1. Dispõe o CT/2009, sobre a justa causa de resolução do contrato de trabalho, que:
Artigo 394º [1]
Justa causa de resolução
1 – Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2 – Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.
3 - Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;
b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
d) Transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 285.º, com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A.
4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.
5 - Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
Artigo
Artigo 396º
Indemnização devida ao trabalhador
1. Em caso de resolução do contrato com fundamento no facto previsto no nº 2 do artigo 394º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
2 - No caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.
3 - O valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado.
(…)

Verificando-se, tanto na situação do nº 2, como do nº 3, do art. 394º, justa causa de resolução do contrato de trabalho, o trabalhador poderá proceder à imediata resolução do contrato, sem necessidade da concessão do aviso prévio a que se reporta o art. 400º do CT/2009.
Só que as situações previstas no nº 2 reportam-se aos casos em que a justa causa provém de comportamento culposo do empregador, consagrando o que se designa de justa causa subjetiva para a resolução do contrato de trabalho, enquanto que o nº 3, se reporta às situações em que não provêm de comportamento culposo do empregador, consagrando o que se designa de justa causa objetiva para essa resolução.
E, nos termos do citado art. 396º, nº1, apenas a primeira das situações conferirá o direito ao pagamento da indemnização nela prevista.
Como se tem entendido, para que ocorra justa causa para resolução do contrato de trabalho, seja a subjetiva, seja a objetiva, não basta a verificação da existência de alguma das situações previstas (a título exemplificativo) no nº 2 do art. 394º ou no nº 3 do mesmo. Embora com as devidas adaptações, a justa causa para a resolução deverá, grosso modo, reconduzir-se à impossibilidade/inexigibilidade de o trabalhador manter a relação laboral e ser apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º [2], preceito que dispõe que «Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e o seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.» . Para o preenchimento valorativo da cláusula geral da resolução pelo trabalhador ínsita no nº 1 do art. 394º do Código do Trabalho, não basta pois a verificação material de qualquer dos comportamentos descritos no nº 2 ou no nº 3, sendo ainda necessário que desse comportamento resultem efeitos suficientemente graves, em si ou nas suas consequências, que tornem inexigível ao trabalhador a continuação da sua atividade em benefício do empregador.
A verificação de justa causa subjetiva pressupõe, deste modo e como refere Ricardo Nascimento, Da Cessação do Contrato de Trabalho, em Especial Por Iniciativa do Trabalhador, Coimbra Editora, págs.185/186, a ocorrência dos seguintes requisitos:
a) um de natureza objetiva - o facto material integrador de algum dos comportamentos referidos nas alíneas do n.º 2 do art. 394º do Código de Trabalho (ou outro igualmente violador dos direitos e garantias do trabalhador);
b) outro de carácter subjetivo - a existência de nexo de imputação desse comportamento, por ação ou omissão, a culpa exclusiva da entidade patronal;
c) outro de natureza causal - que o comportamento da entidade patronal gere uma situação de imediata impossibilidade[3] de subsistência da relação laboral, tornando inexigível, em concreto e de acordo com as regras de boa fé, que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo.
(Na verificação da justa causa objetiva não é exigido o elemento subjetivo, ou seja, não é exigido que ela provenha de um comportamento culposo do empregador)
Mas, na apreciação da inexigibilidade do trabalhador manter a relação laboral como requisito da justa causa subjetiva de resolução do contrato de trabalho, nunca poderá ser esquecido que, enquanto o empregador dispõe de sanções intermédias para censurar um determinado comportamento, o trabalhador lesado nos seus direitos não tem modos de reação alternativos à resolução (ou executa o contrato ou resolve-o). Neste contexto, o (maior) rigor que se impõe na apreciação da justa causa invocada pelo empregador não pode ser o mesmo com que se aprecia a justa causa invocada pelo trabalhador, sendo certo que, naquele, se tutela a garantia do emprego, por um lado, e que, nesta, não tem o trabalhador, à semelhança do que ocorre com o empregador (que detém um leque variado de sanções disciplinares), outros meios de reação ao comportamento infrator do empregador.
Como refere Júlio Manuel Vieira Gomes [Direito do Trabalho, I, 1044], «… poder-se-á pensar que a noção de justa causa deveria ser aqui simétrica à do n.º1 do artigo 396.º (Código do Trabalho 2003); no entanto, é duvidoso que assim seja já que, enquanto que o empregador dispõe de outras sanções disciplinares e deve recorrer aos meios ou sanções conservatórias, a não ser em casos extremos em que se justifica o recurso ao despedimento, de tal possibilidade não beneficia, obviamente, o trabalhador que pode, quando muito, advertir o empregador para que este, por exemplo, deixe de violar direitos contratualmente acordados ou lançar mão em certos casos da auto-tutela (designadamente, da excepção de não cumprimento do contrato). Contudo, se a violação desses direitos, por exemplo, persistir, o trabalhador pouco mais poderá fazer do que optar entre tolerar a violação ou resolver o contrato. Além disso, e em segundo lugar, ao decidir da justeza e da oportunidade de um despedimento disciplinar promovido pelo empregador tem-se em conta, não apenas factores individuais – como o grau de culpa, em concreto, daquele trabalhador ou o seu processo disciplinar – mas também as consequências do comportamento do trabalhador na organização em que normalmente está inserido, a perturbação da “paz da empresa”, e inclusive, até certo ponto, considerações de igualdade ou proporcionalidade de tratamento.
Daí que, para nós, seja defensável que, nesta situação, o limiar da gravidade do incumprimento do empregador possa situar-se abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador que justifica do despedimento».
Também João Leal Amado [“Salários em Atraso – Rescisão e Suspensão do Contrato, Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02 de Maio de 1991, RMP, n.º 51, 1992, 161], salienta que a conceção bilateral e recíproca de justa causa foi completamente aniquilada pela CRP, a qual, acentuando a estabilidade do emprego no que toca ao despedimento e a liberdade de trabalho no que toca à rescisão, tornou nítido que os valores em presença diferem profundamente, consoante o contrato cesse por iniciativa de uma ou de outra das partes.
Ou seja, ínsita na justa causa da resolução por iniciativa do trabalhador está também uma ideia de inexigibilidade da continuação da relação; todavia, tal inexigibilidade não se deve aferir exatamente pelos mesmos critérios e com o mesmo rigor da inexigibilidade presente na justa causa para despedimento [vide AC TRP de 20.04.2009 e do STJ de 25.03.2009, ambos in www.dgsi.pt].
Importa também dizer que a relação laboral acarreta deveres não apenas para o trabalhador, mas também para o empregador, os quais constam dos artigos 126.º e 127.º, do Código do Trabalho[4], donde resulta a obrigação de atuação de acordo com a boa-fé e a colaboração “na promoção humana, profissional e social do trabalhador” mas, mais concretamente, no que aqui diz respeito, «o empregador deve, nomeadamente: a) Respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade” c) Proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral».
Importa também ter presente que, nos termos do art. 15º do CT/2009, “O empregador, incluindo pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral”, direito este com consagração no art. 25º, nº 1, da CRP e no art. 70º, nº 1, do Cód. Civil.
Refere Maria Regina Redinha, Da protecção da personalidade no Código do Trabalho, in Para Jorge Leite, Escritos jurídico-Laborais, Coimbra Editora, págs. 820/821, que:
«III. O objecto da protecção da personalidade é aqui a integridade física, entendida como integridade físico-psíquica, “o direito a não ser lesado na integridade físico-psíquica, tal como se possuiria se não se verificasse a lesão” (…), e a integridade moral. A integridade moral, por seu turno, é um bem da personalidade humana mais próximo da honra e dignidade da pessoa do que da existência incólume do ser físico e psíquico.
Com esta protecção relaciona-se o dever do empregador proporcionar ao trabalhador boas condições, tanto do ponto de vista físico como moral – art. 127º, nº 1, al. c), e o dever de prevenção de riscos, doenças e acidentes de trabalho – art. 127º, nº 1, al. g)”.
Em síntese, no contrato de trabalho, o empregador está investido de um poder de “autoridade” que lhe advém do poder diretivo e conformativo da prestação laboral, devendo este, contudo, ser exercido dentro dos limites decorrentes dos referidos princípios e normas legais, mormente com observância dos deveres de respeito e urbanidade, e com respeito pela dignidade do trabalhador e pela sua integridade física e moral, das garantias legais do mesmo e dos deveres que sobre ele, empregador, impendem.

5.2. No que toca ao assédio moral, já no âmbito do CT/2003, nos termos do art. 18º , quer o empregador, quer o trabalhador gozavam do direito à respetiva integridade física e moral, proibindo os arts. 23º e 24º a discriminação, direta ou indireta (baseada nomeadamente em algum dos fatores indicados no nº 1 do art. 23º), bem como o assédio (forma de discriminação), do trabalhador e preceituando o nº 2 deste último preceito que “entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factos indicados no nº 1 do artigo anterior, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de afetar a dignididade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.
A quem alegava a discriminação cabia fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos fatores indicados no nº 1- art. 23º, nº 3.
Com esta matéria se poderia, também, relacionar, a garantia consagrada no art. 122º, al. c), nos termos da qual era proibido ao empregador “exercer pressão sobre o trabalhador para que atue no sentido de influir desfavoravelmente nas condições de trabalho dele ou de companheiro”.
No âmbito do referido Código, as práticas de assédio psicológico, tal como previsto no art. 24º, estavam relacionadas com algum dos fatores previstos no nº 1 do art. 23º. No entanto, a proibição do mobbing, como forma de pressão do trabalhador, designadamente no sentido de o levar à resolução do contrato de trabalho ou à alteração das condições de trabalho, encontrava acolhimento quer no art. 18º, quer na garantia consagrada no art. 122º, al. c).
Já no domínio do CT/2009 (o aplicável ao caso), a matéria em questão continua a ter consagração legal, agora nos arts. 15º, 24º, 25º, 29º [5] e 129º, nº 1, al. c), em termos essencialmente similares, ressalvando-se embora uma diferença, qual seja a maior amplitude, relativamente ao conceito de assédio, que decorre da diferente redação do art. 29º, nº 1, nos termos do qual “Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado (…)”. [sublinhado nosso].
Ou seja, ao contrário do que sucedia com o art. 24º, nº 2, do CT/2003, que associava o conceito de assédio à verificação de um fator de discriminação (estes previstos no art. 23º, nº 1), o atual art. 29º, ao introduzir a expressão “nomeadamente”, veio “descolar” a, até então, associação entre o assédio e os fatores discriminatórios, podendo agora o assédio verificar-se em situação em que tais fatores não estejam presentes.
O mobbing constitui fenómeno que tem vindo a vulgarizar-se e que, por isso, tem merecido atenção crescente, designadamente a nível doutrinal e jurisprudencial.
Tal figura, a que poderão estar subjacentes diferentes razões ou propósitos, poderá manifestar-se por variadas formas ou práticas, designadamente através de comportamentos que, isoladamente, até poderão ser lícitos e parecer insignificantes, mas que poderão ganhar um relevo muito distinto quando inseridos num determinado procedimento e reiterados ao longo do tempo, consistindo o seu principal mérito na ampliação da tutela da vítima, ligando entre si factos e circunstâncias que, isoladamente considerados, pareceriam de pouca monta, mas que devem ser reconduzidos a uma unidade, a um projeto ou procedimento, sendo que a eventual intenção do agressor pode relevar para explicar a fundamental unidade de um comportamento persecutório. De referir, ainda, que a existência de consequências danosas a nível da saúde, física ou psíquica, do trabalhador, não sendo embora indispensável à integração de tal figura, é, no entanto, fator de relevo na indiciação da sua existência – cfr. Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, pág. 425 e segs. (concretamente pag. 426, 437 e 438).
Várias situações poderão estar subjacentes ao recurso ao mobbing, designadamente o propósito de levar o trabalhador à resolução, por sua iniciativa, do contrato de trabalho ou, tão-só, como mera forma de “retaliação” por algum comportamento daquele.
E, como tem sido assinalado pela doutrina, as fórmulas mais frequentes do mobbing consistem na marginalização do trabalhador, no esvaziamento das suas funções ou, ao contrário, sobrecarga de trabalho impossível ou de cumprimento muito difícil, desautorização, marginalização, tratamento diferenciado em situações similares, ataques à sua reputação, entre outras.
Tendo-se embora presente a dificuldade da sua prova, é preciso, no entanto, usar da cautela necessária na apreciação do concreto circunstancialismo de cada caso, sendo certo que nem todas as situações de exercício arbitrário do poder de direção se reconduzem a tal figura.
Sobre o mobbing pronunciou-se, entre outros, o STJ no seu Acórdão de 03.12.2014, in www.dgsi.pt, Processo 712/12.6TTPRT.P1.S1, no qual se refere, para além do mais, o seguinte [omitimos as notas de rodapé]:
“16. De acordo com o entendimento perfilhado pela generalidade da doutrina, pode dizer--se, numa formulação sintética, que o assédio moral implica comportamentos (em regra oriundos do empregador ou de superiores hierárquicos do visado) real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador[8], aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências.
Ora, é patente que uma abordagem do art. 29.º, n.º 1, do CT, apenas assente no seu elemento literal, se revela demasiado abrangente, pelo que se impõe um esforço adicional para adequadamente delimitar a sua esfera de proteção.
Com efeito, como enfatiza Monteiro Fernandes, “a definição do art. 29º não parece constituir o instrumento de diferenciação que é necessário”, uma vez que “nela cabem, praticamente, todas as situações que o mau relacionamento entre chefes e empregados pode gerar”[9].
E, como realça Júlio Manuel Vieira Gomes[10], “importa (…) advertir que nem todos os conflitos no local de trabalho são, obviamente, um “mobbing”, sendo (…) importante evitar que a expressão assédio se banalize. Nem sequer todas as modalidades de exercício arbitrário do poder de direção são necessariamente um “mobbing”, quer porque lhes pode faltar um carácter repetitivo e assediante, quer porque não são realizados com tal intenção”.
17. Ensaiando uma interpretação “capaz de servir as finalidades operatórias” do conceito de assédio, diz-nos Monteiro Fernandes[11]:
“Entrando em conta com o texto da lei e os contributos da jurisprudência, parece possível identificar os seguintes traços estruturais da noção de assédio no trabalho:
a) Um comportamento (não um ato isolado) indesejado, por representar incómodo injusto ou mesmo prejuízo para a vítima (…);
b) Uma intenção imediata de, com esse comportamento, exercer pressão moral sobre o outro (…);
c) Um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, consistente na obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (…).
A definição do art. 29.º parece, por exemplo, prescindir do elemento intencional que parece essencial à diferenciação da hipótese de assédio, face a outros tipos de comportamento incorreto, abusivo ou prepotente do empregador ou dos superiores hierárquicos do trabalhador. A interpretação do preceito deve, pois, ser feita no sentido indicado.”
18. A propósito da dimensão volitiva/final do conceito de assédio, a doutrina sempre se mostrou dividida, pois, “enquanto para alguns o mobbing pressupõe uma intenção persecutória ou de chicana (ainda que não necessariamente a intenção de expulsar a vítima da empresa), para outros, o essencial não são tanto as intenções, mas antes o significado objetivo das práticas reiteradas”.[12]
Neste âmbito, havendo que reconhecer a necessidade de uma interpretação prudente da sobredita disposição legal, também importa ter presente que não pode ser considerado pelo intérprete um “pensamento legislativo” que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas – art. 9.º, n.ºs 2 e 3, C. Civil.
Incontornavelmente, a lei estipula que no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”.
No entanto, quanto aos precisos contornos desta exigência, duas observações se impõem.
Em primeiro lugar, uma vez que a esfera de proteção da norma se circunscreve, como vimos, a comportamentos que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos, não pode deixar de notar-se que é dificilmente configurável a existência de (verdadeiras) situações de assédio moral que - no plano da vontade do agente - não imponham concluir que ele, pelo menos, representou as consequências imediatas da sua conduta, conformando-se com elas.
Por outro lado, para referir que a circunstância de o legislador ter prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento não obsta à afirmação de que o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra[13] associado um objetivo final “ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável” (v.g. a discriminação, a marginalização/estigmatização ou neutralização do trabalhador, atingir a sua auto-estima ou, no tocante ao “assédio estratégico”, os objetivos específicos supra expostos).
(…)”.
Relevante é, também, o recente Acórdão do STJ de 15.12.2022, Proc. 252/19.2T8OAZ.P1, in www.dgsi.pt, de cujo sumário consta que “I- Sendo o assédio um processo continuado mais ou menos longo deve ser analisado no seu conjunto e sem segmentá-lo nos momentos que o integram já que o real sentido e gravidade dos mesmos só pode ser apreendido com essa visão de conjunto” e, no seu texto:
“(…)
A nossa lei define o assédio como “o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador” (n.º 2 do artigo 29.º do CT). Sublinhe-se que resulta da noção legal e da disjuntiva (“com o objetivo ou o efeito”) que o assédio pode bastar-se com a criação da situação referida, mesmo sem que haja ou tenha sido provada a intenção assediante, como poderá suceder em certas situações designadas, por vezes, de assédio organizacional. Mas no caso vertente não há necessidade de discutir a questão porquanto da matéria de facto dada como provada nas instâncias consta em alguns episódios como provada a intenção de humilhar o trabalhador (facto n.º 159-A).
Falamos em alguns episódios, porquanto o Acórdão recorrido se refere a episódios (onze no total…), mas o interesse da figura do assédio é o de permitir uma visão de conjunto e não fragmentada. O assédio é um procedimento normalmente continuado no tempo – ainda que a lei não exija uma duração mínima – cujo sentido só se apreende na totalidade com uma visão integrada do que sucedeu. Certas condutas isoladas podem não parecer graves ou até carecer de relevância, mas ganham um outro significado com uma visão que as trata como um conjunto, um todo em que as várias partes componentes se completam e potenciam o seu sentido. E daí não irmos proceder a uma análise segmento a segmento da conduta do empregador no caso dos autos.
Verifica-se, da matéria dada como provada, que o trabalhador soube, por vezes, por terceiros de modificações organizacionais da empresa que o afetavam diretamente, mas das quais não houve sequer o cuidado de o informar previamente (facto 55). Um outro trabalhador é contratado para o desempenho de uma função que constituía o essencial da sua atividade (factos 101 a 103). Na sequência da morte súbita de um colaborador próximo passa a ter um significativo acréscimo de trabalho, mas apesar das suas queixas mantêm-lhe essa carga acrescida de trabalho (facto 40). A pedido de outro diretor, pedido este com caráter de urgência, toma medidas para contratar um técnico e propõe um nome sabendo da existência de uma política da empresa de não contratar, em princípio, trabalhadores de fornecedores, tendo o cuidado de informar a administração dessa circunstância (facto 113), mas já em férias é instado a explicar-se. Convocam-se almoços de direção para os quais sem qualquer explicação não é convidado (facto 140). Em reuniões com os seus pares é publicamente acusado de “má fé” e de ego muito elevado (factos 157 e 159). E na matéria de facto dada como provada consta inequivocamente que algumas das afirmações feitas por um dos diretores executivos tiveram o propósito de humilhar o Autor (facto 159-A).
Tais condutas ultrapassam em muito a frontalidade, traduzindo-se em violações graves do dever de respeito e urbanidade que também o empregador deve ter para com os trabalhadores (artigo 127.º, n.º 1, alínea a) do CT) e da boa fé que deve presidir à execução do contrato de trabalho (artigo 126.º n.º 1 do CT) e repercutiram-se em graves danos à saúde do trabalhador, também eles comprovados.
Sublinhe-se que sendo o assédio um facto continuado que se pode prolongar por muitos meses (ou até anos) a caducidade só se deve contar a partir do último facto que o integra.
(…)”.
E remete-se também para o que já acima se disse quanto aos arts. 15º do CT/2009, art. 25º, nº 1, da CRP e no art. 70º, nº 1, do Cód. Civil e demais considerações que se teceram no âmbito do conceito de justa causa de resolução.
Segundo Guilherme Dray, em anotação ao art. 18º do CT/2003 [similar ao actual art. 15º], in Código do Trabalho Anotado, 4ª edição, 2005, Almedina, pág. 18, “II. O preceito em anotação, nomeadamente quando conjugado com o art. 24º do presente diploma, proscreve a prática de actos vexatórios, hostis, humilhantes ou degradantes para a contraparte, que afectem a sua dignidade, enquanto cidadão e a respectiva honorabilidade. Sendo certo que o direito em causa pode ser invocado por qualquer das partes em presença, não deixa igualmente de ser verdade que a sua consagração teve em vista no essencial a protecção do contraente mais débil – o trabalhador – contra potenciais investidas do empregador”.
E como diz Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado do Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 4ª Edição, Almedina, pág. 390, “4. Os limites imanentes dos direitos fundamentais e dos direitos de personalidade do trabalhador são os que decorrem do princípio geral segundo o qual as situações jurídicas devem ser exercidas dentro dos parâmetros de adequação funcional ou de admissibilidade para que foram conferidas. (…)
Importa também chamar à colação o art. 127º, nº 1, al. c), do CT/2009[6], no termos do qual o empregador deve tratar o trabalhador com urbanidade e probidade e proporcionar ao trabalhador boas condições de trabalho do ponto de vista físico e moral, bem como as als. a) e g), de acordo com as quais o empregador deve respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade e garantir a segurança e saúde no trabalho do mesmo. E, ainda, o art. 126º, de harmonia com o qual o empregador e trabalhador devem proceder de boa-fé nos exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações, devendo as partes, designadamente o empregador, colaborar na obtenção da promoção humana, profissional e social do trabalhador.

5.3. No situação em apreço, tendo presente o mencionado Acórdão do STJ de 15.12.2022 e a visão global, e não fragmentada [mas sem prejuízo do que adiante se dirá quanto às als. i), ii) e xv)], do caso, resulta da decisão da matéria de facto provada que, na sequência de uma redução do horário de trabalho da A. de 40 para 32 horas semanais ocorrida em julho de 2016, objeto de prorrogações e, em janeiro de 2018, prorrogada por 12 meses (tendo a redução terminado em fevereiro de 2019):
i) O trabalho da Autora era avaliado anualmente em função dos objetivos que lhe eram fixados, sendo o resultado da avaliação determinante para, entre outros aspetos, a progressão na carreira, sendo que a Ré BB manteve intactos os objetivos da Autora no período em que esta gozou a redução de horário [als. O) e P)];
ii) O Réu e a Ré não autorizaram os prolongamentos de horas de trabalho efetuadas pela A., não tendo sido considerado para o banco de horas, sendo que as horas prestadas para além do período normal de trabalho pelas colegadas da A. foram consideradas para o banco de horas [als. Q) a T)];
iii) Numa reunião que teve lugar em Janeiro de 2018, com a presença das restantes colegas de serviço, Dras. EE, CC, DD e FF, a Ré BB informou que não voltaria a falar a sós com a Autora e que apenas reuniria com esta na presença da Dra. EE.
iv) A Ré BB bloqueou as consultas da Autora de Radioterapia durante as férias, impedindo que quem a substituísse nas férias realizasse estas consultas, sendo que em vários períodos, a Dra. DD tirou férias e as suas consultas de Radioterapia foram mantidas e asseguradas, na íntegra, pela sua estagiária [als. CC) e DD)];
v) A Ré BB enviou a todas as nutricionistas seniores do serviço um e-mail com a versão final do folheto sobre a obesidade (actividade desenvolvida pelas profissionais estagiárias), com excepção da Autora, sendo que aquela havia dirigido à Autora um convite para participar no desenvolvimento dos conteúdos relativos ao dia nacional de Luta contra a Obesidade, em momento anterior ao envio da versão final do folheto [als. GG) e HH);
vi) A A. solicitou o gozo de férias nos dias 15/01/2018 e 12/02/2018, o que, não foi autorizado por BB, tendo a A., nessa sequência, substituído o dia 15 pelo dia 22, o que não foi também autorizado, uma vez que era o dia em que a A. dava consultas mas, não obstante, a referida BB autorizou que a trabalhadora Dra. DD tirasse os dias 26 e 27 de Abril que são dois dias de consulta [als. JJ) a OO)];
vii) Em janeiro de 2019 a Autora marcou férias para os dias 27 e 28 de Dezembro de 2018, tendo a Ré BB recusado essa marcação de férias (als. SS) e TT);
viii) Durante as férias da Autora, no mês de Agosto, o estado de saúde desta piorou e as férias foram interrompidas, por incapacidade temporária para o trabalho, tendo ficado por gozar 6 (seis) dias de férias dos inicialmente previstos; a Autora procedeu à marcação desses dias de férias para os dias 25, 26 e 29 de Outubro de 2018, e 23, 26 e 27 de Novembro de 2018; a Ré BB recusou as férias pretendidas pela Autora e agendou o período de férias desta para os dias 23 a 30 de Novembro de 2018; nessa sequência, a Autora voltou a solicitar a alteração do período de férias para os dias 22, 23, 26 e 27 de Novembro e 13 e 14 de Dezembro (dado 17 de Dezembro já fazer parte do plano de férias inicial), o que foi, novamente, recusado tendo-se mantido o período de 23 a 30 de Novembro de 2018 e havendo o motivo para a recusa de férias sido o facto de se tratar de férias interpoladas e por curtos períodos. Não obstante, a Ré BB autorizou os dias 15 de Fevereiro e 26 e 27 de Abril de 2018 à trabalhadora Dra. DD e autorizou os dias 22 de Fevereiro, 15 e 16 de Março, 18 de Maio, 1 de Junho e 26 de Novembro, todos de 2018 à trabalhadora Dra. EE [als. UU) a AAA)];
ix) Ao longo dos anos ao serviço do Réu A..., a Autora orientou vários estagiários do serviço, tendo dado formação e transmitido os conhecimentos necessários a que alguns deles fossem aprovados com distinção; mas, em reunião de 16 de janeiro de 2018, a A. solicitou a atribuição de uma estagiária para a ajudar no trabalho a desenvolver, à semelhança do que acontecera no passado e do que acontecia com as restantes colegas, o que foi recusado por BB alegando que considerava que o acompanhamento de estagiários implicava um dispêndio de tempo incompatível com a redução do seu período normal de trabalho, recusando tal atribuição à Autora; não obstante, a Autora tinha já sido orientadora de estágio durante o seu primeiro período de trabalho com redução do horário (anos de 2016 e 2017), sendo a única trabalhadora que não tinha afeta ao seu serviço um estagiário (excepção feita à colega FF e apenas desde Julho de 2018); no início do estágio, um estagiário exige de quem o orienta um maior dispêndio de tempo; cerca de 3 meses depois, tornam-se mais autónomos e adquirem a capacidade de desenvolver atos que se traduzem numa significativa ajuda às nutricionistas efetivas; no serviço da Autora as estagiárias substituem, muitas vezes e sozinhas, as restantes colegas e a própria Ré BB; no ano de 2018, a Ré BB excluiu a Autora dos e-mails de serviço relativamente à atribuição de estagiárias, tendo enviado a todas as colegas um pedido de aceitação de estagiárias, excluindo, unicamente a Autora [als. DDD) a JJJ)];
x) Na reunião de 26 de Janeiro de 2018, a Autora manifestou interesse em participar numa palestra para funcionários do A... do Hospital de Dia, contra o que a Ré se insurgiu atenta a redução de horário concedida à autora [al. KKK)];
xi) Em 26 de Fevereiro de 2018, o Réu recusou à Autora a possibilidade de ministrar uma aula de Mestrado de Nutrição Clínica, para a qual fora convidada e na qual manifestou interesse mesmo sendo num Sábado, sendo que o fazia há vários anos (há pelo menos uma década), para o que foi invocado o facto de se encontrar em redução de período normal de trabalho [als. LLL) e MMM)];
xii) Em 29 de Agosto de 2018, a Ré BB anulou a bolsa de horas da Autora que registava, de anos anteriores, 30,6 horas de trabalho, o que justificou diversos pedidos da Autora ao Departamento de Recursos Humanos, situação que não se verificou com as restantes trabalhadoras, as quais sempre mantiveram a sua bolsa de horas dos anos anteriores, tendo a A. solicitado a correcção do referido registo à Ré BB, que apenas veio a ser reposta no final de Setembro de 2018, após insistência da Autora [als. OOO) a RRR)];
xiii) Em 2019 a Autora pediu à Ré BB para utilizar as horas da Bolsa de Horas para poder ir ao Congresso da Associação Portuguesa de Nutricionistas (APN), o que foi recusado por BB, na sequência do que a A. pediu àquela para usufruir de um dos dias de Comissão Gratuita, o que foi pela mesma negado com fundamento no facto de tal pedido ter sido apresentado “fora de prazo”, mas meses antes a Ré BB tinha aceite o pedido da trabalhadora EE, o qual não tinha respeitado o prazo indicado [als. SSS) e TTT)] [sendo que a bolsa de horas não pode ser utilizada para períodos de ausência superiores a meio dia, sendo que o Congresso referido tinha duração superior e, segundo orientações do A..., as comissões gratuitas devem ser requeridas com 20 dias úteis de antecedência, sendo que o incumprindo desse prazo pode ser justificada pelo requerente, o que aconteceu com EE, tendo a Ré alertado o Conselho de Administração para o efeito, deixando a respectiva autorização a consideração superior [als. UUU) a VVV)];
xiv) No período de férias da Ré BB (de 3 a 9 de Julho 2018), em virtude de um erro, o horário que foi determinado à Autora foi das 08:00h às 16:30h (quando havia sido sempre das 08:30h às 17h), facto que levou a Autora a trabalhar das 8h às 17h; e quando deu conhecimento à Ré BB, esta corrigiu o erro mudando o horário para o período anterior mas não contabilizou as 2:30 horas (30 minutos por cada dia) trabalhadas a mais [als. XXX) e YYY)];
xv) Por e-mail de 10 de Abril de 2019, a Ré BB informou o departamento de gestão de agendas, com conhecimento de todas as trabalhadora que quem já tivesse consultas marcadas para dias de férias (o que iria acontecer já nesse mês de Abril) deveria reagendar as consultas ou criar dias extra de consulta; as trabalhadoras que tinham férias marcadas nessa altura eram a Autora, para os dias 15 a 19 de Abril e 22 a 26 de Abril, e a Dra. DD; a A. solicitou que as 4 consultas que tinha agendadas para dia 22 de Abril de 2019 fossem redistribuídas pelas restantes colegas e realizadas a dia 24 desse mesmo mês ou que lhe fosse proposta uma alternativa que fosse adequada, ao que BB informou que a A. deveria reagendar as consultas para dias próximos das férias ou para dia 29 (que estaria com vagas), sendo que se não fosse possível deveria abrir outro período de consultas que lhe fosse conveniente, o que a autora fez; não obstante, em relação a 4 das consultas da Dra. DD do dia 15 de Abril de 2019 foram mantidas, tendo em conta a especificidade dos doentes e foram realizadas pela estagiária da Ré BB, Dra. LL, pois esta estava contemporaneamente a realizar consultas de Nutrição-Radioterapia. (als. AAAA) a EEEE)]
xvi) No decorrer de Outubro de 2018, a Ré BB apresentou queixa ao Conselho de Administração em virtude da Autora ter deixado o telemóvel de serviço no serviço de Nutrição numa quarta feira, tendo um médico ligado para aquele telefone com vista a dar alta a um doente e o telefone estar desligado [al. IIII)]; O Réu A... deu início a um inquérito prévio para instauração de procedimento disciplinar contra a Autora, com base uma reclamação da Ré BB, com base nas seguintes ocorrências: - a referida em IIII), e - em reunião de serviço de 7 de Dezembro de 2018, em que estiveram presentes a Ré BB, a Autora e as colegas Dras. CC, DD e EE, a Autora foi acusada de ter gravado o que foi dito na referida reunião; [al. OOOO)]; FF relatou à Ré BB que tinha sido ela a desligar o telemóvel referido em IIII), o que a Ré BB ignorou e reportou o mesmo ao Réu A... como tendo sido uma falha imputável à Autora [PPPP)];
xvii) Após ter realizado diligências no processo prévio de inquérito, o Réu A... decidiu instaurar contra a Autora processo disciplinar, tendo a autora sido notificada da Nota de Culpa proferida no âmbito do processo disciplinar em 28 de Fevereiro de 2019, não constando da mesma o episódio referido em IIII); a Autora respondeu à Nota de Culpa em 14 de Março de 2019, tendo requerido a inquirição de duas testemunhas, bem como a junção ao processo de documentação em poder do próprio Réu A...; a inquirição de uma das testemunhas – a colaboradora Dra. FF – ocorreu em 27 de Março de 2019 e desde esta data não foi a Autora notificada de qualquer acto posterior [als. QQQQ), RRRR), SSSS) e TTTT)];
xviii) A A. remeteu ao Réu carta datada de 13 de Novembro de 2018 e apresentou uma participação formal de assédio (documentos 57, 58), à qual o Réu respondeu (doc. 59) referindo ter recebido a participação, que mereceu atenção e cujo conteúdo analisou mais referindo que “Confirmando que lamentamos desatender qualquer dos sentidos apresentados, seja quanto à apresentação de factos seja quanto às conclusões e sentido pretendido retirar”, nunca tendo o Réu convocado a Autora para uma reunião sobre a queixa apresentada, nem a encaminhou para qualquer serviço de acompanhamento, não instaurou procedimento disciplinar contra a Ré BB, nem ouviu testemunhas, tendo ouvido apenas a ré BB [als. KKKK), LLLL), MMMM);

Importa deixar esclarecido que, no que se reporta ao referido nas als. i), ii) e xv) acima referidas, que as não tomaremos em conta na avaliação que se fará porquanto:
- quanto à al. i) [não alteração dos objetivos fixados pese embora a redução do tempo de trabalho], decorre da al. M) dos factos provados que, em janeiro de 2017, foram retirados à A. o serviço relativo ao piso 9 e as consultas semanais de radioterapia (sete em média) que esta realizava à 2ª feira, e que passou a realizar de 3 em 3 semanas, pelo que não se encontra demonstrado que os objetivos fixados, ainda que não alterados, não fossem possíveis de atingir ou que apenas o fossem com dificuldade acrescida e/ou em tempo incompatível com a redução do período de trabalho da A.;
- quanto à al. ii) [não contabilização dos prolongamentos no banco de horas, pese embora o tenham sido pelas colegas da A.], tendo em conta o referido na al. FFFFF) dos factos provados, nos termos do qual a A. não avisou a sua superiora hierárquica da necessidade de se manter para além do horário de trabalho, nem solicitou qualquer colaboração que evitasse esse excesso, nem decorrendo dos factos provados que as colegas a quem as horas foram consideradas no banco de horas também o não fizessem.
- quanto à al. xv) [reagendamento de consultas] tendo em conta que o não reagendamento das 4 consultas da Drª DD [que, assim, foram mantidas e efetuadas por outra pessoa que não aquela] se deveu à especificidade das mesmas.

Da matéria de facto provada é patente a existência de um mau relacionamento laboral mormente entre a A. e a Ré BB.
Consubstanciará, todavia, tal quadro factual uma situação de assédio moral por parte desta e pelo Réu como alega a Recorrente?
Afigura-se-nos que a resposta é afirmativa tendo em conta todo o mencionado conjunto de factos (à exceção dos acima mencionados) que denotam um comportamento, persistente durante um largo período (mais de dois anos), hostil e desestabilizador [als. iii), v), x), xi)] e diferenciado para com a A. em relação às suas colegas [als. ii), iv), vi), viii), ix), xiii)], realçando-se: a não atribuição de um estagiário quando a A. sempre o tinha tido anteriormente (mesmo numa altura em que estava já com horário reduzido) e que, após algum tempo, representa uma significativa ajuda às nutricionistas, que substituíam muitas vezes e sozinhas as colegas, bem como a própria BB, e quando todas as colegas o tinham; tratamento diferente em relação a férias e agendamento de consultas por virtude de férias relativamente ao adotado em relação a outras colegas; não permissão da participação da A. numa palestra no A...; não permissão de a A. ministrar uma aula de mestrado para a qual havia sido convidada e que ocorreria num sábado e sendo que a A. já o fazia há vários anos; não permissão da ida da A. ao Congresso da Associação de Nutricionistas ainda que a solicitação para a utilização dos dias da “comissão gratuita” tivesse ocorrido com atraso; anulação do banco de horas e sua reposição apenas após insistência da A.; exclusão apenas da A. no envio de folheto sobre obesidade; apresentação de queixa, por BB, ao Conselho de Administração por facto de que já havia sido informada que não era da responsabilidade da A. mas de uma sua colega (quanto ao facto de o telemóvel estar desligado); instauração de procedimento disciplinar contra a A., que esteve desde 27 de março 2019 a 1 de julho de 2019 (data em que a A. resolveu o contrato de trabalho), sem tramitação conhecida ou, pelo menos, sem que a A., nesse período, tivesse sido notificada de qualquer ato; e não audição, sequer, da A. no âmbito da queixa por assédio que esta apresentou ao Réu.
Os mencionados comportamentos, que se sucederam ao longo do tempo, excedem os limites de um mero conflito laboral sendo, independentemente da motivação a eles subjacentes, suscetíveis de perturbar o ambiente de trabalho no que à A. respeita, criando-lhe um ambiente discriminatório, hostil, desestabilizador e afetando a A. na sua dignidade, como aliás afetou, dele decorrendo que a mesma se sentiu frustrada, discriminada, ansiosa, angustiada, tendo ficado com insónias e algumas noites sem dormir.
Entendemos pois que a A. foi vítima de assédio moral por parte de BB, sua superiora hierárquica, bem como pelo Réu, que não cuidou que tal não acontecesse, obrigação que sobre ele impendia e que aliás para ela contribuiu ao ter recusado que a A. ministrasse uma aula de mestrado, mais tendo “desprezado” as queixas que a A. lhe apresentou relativas ao assédio moral de que se considerava alvo [para além da referida na al. KKKK), a A. já havia enviado, aos 24.11.2017, a carta que consta do documento 16 junto com a p.i., em que aludia ao mesmo – al. U) dos factos provados] e, bem assim, com a morosidade do procedimento disciplinar após 27 de março de 2019, data esta, desde a qual e até à resolução do contrato e trabalho operada pela A. por carta de 01.07.2019, nada lhe comunicou.
Com tal comportamento violou o Réu os deveres de respeito e urbanidade e de proporcionar boas condições de trabalho do ponto de vista moral (art. 127º, als. a) e c) do CT), bem como a proibição de assédio (art. 29º, nº 1, do mesmo), comportamento esse que, nos termos do art. 394º, nºs 1 e 2, al. b), do CT, consubstancia justa causa de resolução do contrato de trabalho pela A., não lhe sendo exigível a manutenção da relação laboral.

6. Em consequência da resolução do contrato de trabalho com justa causa a A. pediu que fosse o Réu A... condenado a pagar-lhe a indemnização a graduar em 45 dias de retribuição por cada ano de antiguidade e, bem assim, que fossem ambos os RR, A... e BB, condenados solidariamente a pagar-lhe a quantia de €10.416,87 a título de danos não patrimoniais
Em consequência da resolução do contrato de trabalho com justa causa tem a A. direito, nos termos do art. 396º, nºs 1 e 2, do CT/2009, a “1.(…) a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades. 2 - No caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.”.
Importa, também, ter em conta o nº 3 do mesmo nos termos do qual “3. O valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado”, donde decorre que na fixação do valor da indemnização haverá que ter, também, em conta o valor dos danos não patrimoniais, a menos que os mesmos sejam de montante mais elevado do que aquele que resulta do nº 1 do preceito. Como se refere no já citado Acórdão do STJ de 15.12.2022, Proc. 252/19.2T8OAZ.P1.S1 (in www.dgsi.pt) “(…). Acresce que também assim se terá em conta na justa medida o dano não patrimonial sofrido pelo Autor. Com efeito, e embora na lei portuguesa normalmente se distinga a indemnização pelos danos não patrimoniais e a compensação pelos danos morais, nesta norma – referimo-nos ao artigo 396.º – o legislador parece ter seguido caminho diferente, como resulta do n.º 3 do referido preceito que refere que “o valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado”. Resulta daqui que a indemnização prevista no n-º 1 tem em conta tanto os danos patrimoniais, como os não patrimoniais – e nesse sentido já se pronunciou esta Secção do Supremo Tribunal de Justiça mormente nos seus Acórdãos de 08/10/2014, proferido no processo n.º 1113/12 (Relator Conselheiro Pinto Hespanhol) e de 26/05/2015, processo n.º 2717/13 (Relator Conselheiro Mário Belo Morgado). (…)”.
Nos termos do art. 483º do Cód. Civil que “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação” e, o art. 496º do mesmo diploma que “1- Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
São quatro os requisitos da tutela dos danos não patrimomniais: (a) comportamento ilícito e culposo do agente; (b) existência de danos; (c) que esses danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito; (d) que se verifique um nexo causal entre aquele comportamento e o dano, por forma a que este seja daquele consequência.
O critério do valor da retribuição é no sentido inverso ao da sua grandeza, pelo que, no caso, o valor mediano da retribuição da A., de €1.855,11, aponta no sentido da fixação da indemnização por valor próximo do meio, ou seja, 30 dias.
No que concerne ao grau de ilicitude, afigura-se-nos que o mesmo, na medida em que consubstancia assédio laboral, assume gravidade suficiente a justificar a fixação da indemnização em montante superior em relação a situação de gravidade mediana, embora, relativamente aos comportamentos integrantes do mesmo que eram imputados pela A., parte não se tenha provado.
Por fim, tendo ainda em conta os danos não patrimoniais sofridos pela A., constantes das als. GGGGG) e HHHHH) dos factos provados, tudo ponderado, entende-se ser de fixar a indemnização em 35 dias por cada ano completo de antiguidade, sendo a fração calculada proporcionalmente.
Tendo em conta que a A. foi admitida ao serviço do Réu A... aos 01.10.2003 [al. B) dos factos provados] e tendo o contrato de trabalho cessado aos 01.07.2019 [al. D) dos factos provados, sendo que, destes não constando a data da receção da comunicação pela Ré, àquela se atenderá], sendo, assim, de 15 anos e 9 meses a sua antiguidade, tem a A. direito à indemnização de €29.217,98, por cujo pagamento é responsável o Réu A..., indemnização esta que já inclui a indemnização pelos danos não patrimoniais que, para além da indemnização por justa causa de resolução do contrato de trabalho, havia também sido peticionada pela A.
No que toca à Ré BB verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no art. 483º do CC, acima referidos, devendo a indemnização ser fixada, nos termos do art. 494º, nº 3, do Cód. Civil, equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º, quais sejam, nos termos deste preceito, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Na situação em apreço, tendo em conta a gravidade do seu comportamento, integrante de assédio moral, traduzido na conjugação dos comportamentos, que lhe são imputáveis, referidos nos pontos iii), iv), v), vi), vii), viii), ix), x), xii), xiii), xiv), xvi), mas não com a extensão de factos que lhe havia imputado, bem como a culpabilidade da mesma e os danos sofridos pela A., afigura-se-nos adequado fixar a indemnização pelos danos não patrimoniais em €4.000,00, por cujo pagamento é responsável, apenas, a mencionada Ré, e não já, solidariamente, o Réu A... uma vez que a responsabilidade deste é a prevista no citado art. 396º, nº 1, do CT.

Em face do decidido ficam prejudicadas as demais questões suscitadas no recurso pela Recorrente.
***

V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso parcialmente procedente, em consequência do que se revoga a sentença recorrida que é substituída pelo presente acórdão em que se decide:
A. Reconhecer a existência de justa causa de resolução, pela Autora, do contrato de trabalho.
B. Condenar o Réu, A..., EPE, a pagar à Autora, AA, a quantia de €29.217,98 (vinte e nove mil duzentos e dezassete euros e noventa e oito cêntimos) a título de indemnização (por danos patrimoniais e não patrimoniais) decorrente da justa causa de resolução do contrato de trabalho.
C. Condenar a Ré, BB, a pagar à Autora, AA, a quantia de €4.000,00 (quatro mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrente de assédio moral.

Custas, em ambas as instâncias, pela A/Recorrente e pelos RR/Recorridos, na proporção dos respetivos decaimentos.


Porto, 30.10.2023
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Eugénia Pedro
____________
[1] Com as alterações introduzidas pela Lei 14/2018, de 19.03, sendo que, à data da resolução do contrato de trabalho (01.07.2019) não havia sido, ainda, publicada a Lei 93/2019, de 04.09.
[2] Cfr., designadamente, Acórdãos do STJ de 05.02.2009, Proc. 08S2311 e de 18.04.2007, Proc. 06S4282., ambos in www.dgsi.pt; e Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª Edição, Principia, pág.540.
[3] Essa impossibilidade prática, por não se tratar de impossibilidade física ou legal, remete-nos, necessariamente, para o campo da inexigibilidade, a determinar através do balanço, em concreto, dos interesses em presença.
[4] Na redação em vigor à data da resolução.
[5] Este preceito foi objeto de alteração introduzida pela Lei 73/2017, de 16.08, mas sem relevância para o caso.
[6] Como já referido, na redação da Lei 14/2018, a que estava em vigor à data dos factos.