Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1803/09.6TMPRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
AVÓS
DIREITO DE VISITA
INTERESSE DO MENOR
Nº do Documento: RP202306151803/09.6TMPRT-D.P1
Data do Acordão: 06/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 1887.º- A do Código Civil veio consagrar um direito autónomo da criança ao relacionamento com os avós e com os irmãos, que pode designar-se como um amplo direito de visita e que não pode ser, de modo infundamentado, afastado pelos pais, devendo ainda ser entendido como um direito recíproco de visitas de avós e netos ou um direito de avós e netos às relações pessoais recíprocas.
II - Presumindo a lei que a ligação entre os avós e o menor é benéfica para este, incumbirá aos pais - ou ao progenitor sobrevivo ou quem ficou a deter o poder paternal - a prova de que, no caso concreto, esse relacionamento ser-lhe-á prejudicial.
III - No confronto do interesse do menor com o interesse dos avós, prevalecerá sempre o do primeiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1803/09.6TMPRT-D.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Família e Menores de Matosinhos – Juiz 1



Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO
AA, residente na Rua ..., ..., ..., Traseiras, ..., ... Maia intentou acção tutelar comum, sendo requerida BB, residente na Praceta ..., ... ....
Alega, para o efeito, ser avó paterna dos menores CC e DD, sendo a requerida a avó materna e com quem as crianças residem, e que se acha impedida, de forma injustificada, pela requerida de conviver com os seus netos, que tentou ver, por várias vezes, pelo que requer que seja fixado um regime de visitas.
Determinou-se a apensação dos autos aos de inibição das responsabilidades parentais e de promoção e proteção (autos principais) e a citação da requerida.
A requerida pronunciou-se quanto à pretensão da requerente, opondo-se à mesma, alegando que não existe qualquer vínculo afectivo entre a requerente e os menores, que estão a residir com a requerida há cerca de dez anos sem qualquer contacto com a avó paterna; alega ainda que o facto de a avó paterna residir com os progenitores das crianças pode reactivar os contactos com os pais, que não são desejáveis para os menores e que nos primeiros anos de vida os progenitores e menores residiam no agregado da ora requerente tendo as crianças sido vítimas de grave negligência e maus tratos por parte dos progenitores (motivo pelo qual foram judicialmente inibidos do exercício das responsabilidades parentais) sem que a requerente os tenha protegido e que os menores estão ainda em processo de recuperação psicológica da situação que viveram.
Foi designada e realizada conferência entre requerente e requerida, não tendo sido possível obter qualquer entendimento, pelo que as partes foram encaminhadas para audição técnica especializada, na qual não foi igualmente possível qualquer entendimento
As partes foram notificadas para apresentarem alegações e prova, o que apenas a requerida veio fazer, e foi solicitada a elaboração de inquérito social às actuais condições de vida dos menores e sua disponibilidade para terem convívios com a avó paterna.
Foi designada e realizada audiência de julgamento, tendo-se procedido à audição dos menores (apenas na presença de Juiz, Ministério Público e técnico do ISS), nos termos do artigo 5.º n.º 1 a 5 do RGPTC.
Seguidamente, foi proferida sentença que julgou improcedente a pretensão da requerente.
Por não se conformar com tal decisão, dela interpôs a requerente recurso de apelação para este Tribunal da Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
i.
A lei estabelece uma presunção juris tantum que a relação da criança com os avós é benéfica. Assim sendo, não foi considerada factualidade relevante para se decidir como se decidiu e proibir a Recorrente de ver, conhecer, conforme o Tribunal viesse a entender melhor, os menores, seus netos.
ii.
No caso concreto, não são os pais que injustificadamente proíbem os filhos de convívio com os avós, mas sim a avó materna que proíbe os netos de conhecerem a outra avó.
iii.
O Tribunal a quo não conseguiu concretizar quais seriam os motivos graves, sérios, concretos, honestos, que por si só ou conjugados, impedissem e demonstrassem que no futuro, um simples encontro com a avó paterna comprometesse a segurança, a formação moral e a saúde da CC e do DD.
iv.
A reapreciação da prova gravada, nomeadamente dos excertos acima transcritos, na faixa 202205091458838_15796325_2871539, que se requer, relativa às declarações da requerida, demonstrando-se que devem ser dados como não provados existirem receios legítimos manifestados pela avó materna que obstem a aproximação da Recorrente com os seus netos CC e o DD.
v.
A reapreciação da prova gravada, nomeadamente dos excertos acima transcritos, na faixa 20220606110406_1579325_2871539, que se requer, relativa às declarações da testemunha Dr. EE, demonstra que deve ser dado como provado o facto, adicionando-se à matéria de facto dada como provada o facto: “A CC apesar de mais frágil, encontra-se bem (...) o DD tem um desenvolvimento normal para uma criança de 12 anos (...) Relativamente à introdução da avó paterna na vida dos menores, será sem dúvida benéfica, ressalvando-se, a forma como se deve fazer.”
vi.
A reapreciação da prova gravada, nomeadamente dos excertos acima transcritos, na faixa 20220606100010_1579325_2871539, que se requer, relativa às declarações da testemunha Dra. FF, demonstra que deve ser dado como provado o facto, adicionando-se à matéria de facto dada como provada o facto: “Eu acompanho a CC desde 2018”. A Dra FF não é a Psicóloga do DD conforme fundamentado na sentença recorrida.
vii.
Não resulta da matéria de facto dada como provada que a CC fala explicitamente da figura da avó paterna e que para ela simboliza medo, dúvida, e uma perspetiva intimidante.
viii.
Não fundamenta a douta Sentença por que razão a aproximação da avó paterna pode causar danos ao DD e à CC, sem fundamentar a quais danos se refere, tendo em conta que o Tribunal não requereu a realização de quaisquer perícias imparciais e com garantias de competência aos menores.
ix.
O Tribunal a quo decidiu ouvir os menores, em privado e sem assegurar o princípio do contraditório. Sem prescindir, que os ouviu nessa qualidade porque a Recorrente requereu para ata a sua audição. O Tribunal não podia ter concluído que fora melhor ouvir os menores em privado, sem contraditório, por que o litígio podia ser agressivo e conflitual, pois o Tribunal a quo deu à requerida um excelente pretexto para o exercício de inqualificáveis pressões sobre os menores, recompensadas com a atitude abstencionista do Tribunal.
x.
O Tribunal a quo violou os direitos processuais dos menores, nomeadamente, o direito de serem informados e o direito de participarem nos assuntos que lhes dizem respeito e de conhecerem a avó, sendo um direito dos menores conhecerem a sua família biológica.
xi.
A reapreciação da prova gravada, nomeadamente dos excertos acima transcritos, na faixa requerida demonstra que deve ser dado como não provado a existência de razoes graves para que possam impedir o convívio dos menores com a avó paterna e ainda ser dado como provado que os menores foram abordados duma forma agressiva e errada sobre o assunto.
xii.
Da gravação do depoimento da requerida, que foi extenso, conclui-se que confrontou os menores com a possibilidade de conhecerem a avó de forma errada, nomeadamente, incutindo-lhes medos e receios desnecessários.
xiii.
Tudo considerado, devem os referidos normativos ser interpretados no sentido de tornar possível a convivência entre os menores e a sua avó paterna.
xiv.
A Sentença recorrida violou assim o artigo 1887-A, do CC, os artigos 4º, nº 1 e 5º, ambos do RGPTC, os artigos 2º, 3º, 6º, 12º, da Convenção da ONU, artigo 12º, da Convenção sobre os Direitos da Criança.
xv.
Não se pode aceitar que o Tribunal a quo, impeça o direito que os menores têm de se relacionarem com a avó paterna, nem com outros membros da família, sine die e reiteradamente.
xvi.
O Tribunal a quo, decidindo como decidiu, com considerações vagas implícitas nos depoimentos da requerida, tendo-se requerido supra a referida reapreciação da prova, postergou o direito fundamental ao equilíbrio presente e futuro, sendo que os mesmo constituem o património familiar, genético e espiritual da CC e do DD.
xvii.
Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 14/01/2014, disponível em www.dgsi.pt, ‘se é certo que o amor e a criação de laços afectivos não pode ser imposta pelo tribunal, não é menos certo que sem o conhecimento e o contacto entre as pessoas (que ao tribunal, em caso de conflito, cabe promover) esses sentimentos não poderão desenvolver-se, havendo que criar oportunidades e deixar que os relacionamentos sigam o seu destino’.
xviii.
Talqualmente no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 17/02/2004, disponível para consulta em www.dgsi.pt, ‘a todos, incluindo os menores, é reconhecido o direito constitucional ao desenvolvimento da personalidade – art.º 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Como titulares deste direito os menores podem relacionar-se e conviver com quem entenderem, nomeadamente, com os irmãos e ascendentes (…)’
xix.
A testemunha Dra. FF não conhece o DD, assim a fundamentação da matéria de facto provada, com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, carecem de clareza e objetividade, neste sentido, requer-se a reapreciação da prova gravada, nomeadamente dos excertos acima transcritos, na faixa 20220606100010_1579325_2871539.
xx.
Requerer-se, também, por ambiguidade a reapreciação do depoimento, dia 06/06/2022, na faixa 20220606110406_1579325_2871539, relativa às declarações da testemunha, Dr. EE, que são contrárias à fundamentação da sentença recorrida.
xxi.
O tribunal a quo tomou uma decisão errada por que considerou provado vários factos que foram fundamentados em provas inexistentes, provas erradas, provas ambíguas, provas inacessíveis à recorrente, prescindindo do imprescindível exame crítico das provas.
Nestes termos e nos melhores do Direito, que doutamente serão supridos, concedendo provimento ao presente recurso, seja revogada a douta Sentença proferida e substituída por Acórdão que permita estabelecer o direito de visitas entre a Recorrente e os menores.
O Ministério Público e a recorrida contra-alegaram, defendendo a manutenção do decidido.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- se existe erro na apreciação da matéria de facto;
- se deve ser fixado um regime de visitas em relação à requerente, avó paterna dos menores.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Em primeira instância foram dados como provados os seguintes factos:
- DD nasceu a ... de 2009 e foi registado como filho de GG e HH – cf. certidão de nascimento junta a fls. 125 do processo principal (promoção e proteção).
- CC nasceu a .../.../2008 e foi registada como filha de GG e HH – Cf. certidão de nascimento junta a fls.29 do processo principal (promoção e proteção).
- A requerente é avó paterna dos menores, sendo a requerida a avó materna e não mantêm qualquer relação entre si.
- O relacionamento entre os familiares paternos e maternos dos menores foi sempre pautado por elevada conflitualidade.
- Os menores residiram com os seus progenitores em casa da avó paterna desde o seu nascimento até junho de 2010, altura em que os progenitores passaram a residir com os filhos em Vila Nova de Gaia
- Após uma separação dos progenitores ocorrida em finais de julho/inicio de agosto de 2010 a progenitora foi com os filhos para casa da sua mãe, onde permaneceu cerca de um mês, tendo-se reconciliado posteriormente e voltado para junto do companheiro em Vila Nova de Gaia.
- Nesta altura, considerando que os menores não estavam bem (a CC quase não falava; o DD apresentava uma marca nas costas de estar sempre no carrinho; evidenciavam carências alimentares e afetivas) a avó materna não permitiu que a progenitora os levasse, tendo posteriormente sido aplicada medida de apoio junto desta avó pelo tribunal em sede de promoção e proteção.
- Os dois menores vivem no agregado da avó materna com caráter de estabilidade desde agosto de 2010.
- A partir de janeiro de 2011 os progenitores regressaram para casa da avó paterna onde permaneceram, pelo menos, até meados de 2017 (altura em que findou o processo de promoção e proteção).
- Entre novembro de 2010 e 21 de janeiro de 2011 os progenitores tiveram convívios com os filhos em instalações do ISS e supervisionadas por técnicos, que foram suspensos por atitude de violência do progenitor relativamente à avó materna.
- Entre 01 de junho de 2012 e meados de agosto de 2012 os menores passaram fins-de-semana com os progenitores no agregado da avó paterna, tendo tais convívios cessado por suspeitas de abuso do pai relativamente aos filhos.
- A avó paterna teve intervenção no processo de promoção e proteção reclamando convívios com os netos a 08 de novembro de 2010 (pretensão que foi indeferida);
- Posteriormente, a 18 de fevereiro de 2015 (pretensão que foi novamente indeferida).
- Por sentença proferida a 30-03-2017 foi decretada a inibição total e bilateral do exercício das responsabilidades parentais relativamente a ambos os progenitores dos menores, com proibição de convívios.
- Atualmente os dois menores frequentam a escola básica 2/3 de ..., beneficiando de apoio de ATL.
- Em termos de acompanhamento de saúde ambos necessitam de apoio psicoterapêutico e de pedopsiquiatria.
- A CC tem sessões quinzenais de psicologia e revela dificuldades cognitivas e de aprendizagem, tendo anteriormente necessitado de terapia da fala, bem como dificuldades de gestão emocional, o que implica que facilmente se “desregula”
- A CC não conhece nem tem memórias da avó paterna, mas fala explicitamente de tal figura que, para ela, simboliza medo, dúvida, insegurança e que perspetiva como intimidante.
- A CC sofre de enurese e ataques de ansiedade.
- O DD beneficia igualmente de acompanhamento psicológico, diligenciado pela avó materna por dificuldades de aprendizagem e de relacionamento com os pares.
- Relativamente à figura da avó paterna o DD não tem recordação, revela curiosidade, mas também receio pois perspetiva “perigo” uma vez que sabe que residiu com esta avó e com os pais nos primeiros anos de vida
- De acordo com a informação clínica junta a fls. 32 pelas psicólogas que acompanham o DD e a CC
“ O DD e a CC, numa fase precoce de vida e em total dependência dos seus progenitores, foram sujeitos a privação e comportamento negligente por parte destes, quer na ausência de garantia da satisfação das suas necessidades mais elementares, de cuidados básicos e nutrição, quer na ausência de estimulação sensorial e afetiva.
Perante a exposição precoce ao risco e sujeição a adversidades tão graves, ambas as crianças acabaram por sofrer sequelas estruturais, neuropsicológicas, e físicas, exigindo que fossem (e sejam) seguidas em consultas de especialidade médica (em meio hospitalar), em consulta de Terapia da Fala e de apoio a Dificuldades de Aprendizagem, assim como na valência de Psicologia Clínica e da Saúde.
Esse período das suas vidas (de grande sofrimento relacional, em que foram negligenciados/ abandonados e sofreram maus-tratos), está diretamente relacionado com o desenvolvimento de um quadro de perturbações psicológicas profundas que se tem traduzido essencialmente em problemas ao nível do comportamento. As manifestações apresentadas foram sendo polimórficas: instabilidade (ambos), agressividade (sobretudo o DD), inibição frequente (sobretudo a CC), angústia de separação ou mesmo de abandono (esta última em franca remissão em ambas as crianças).
Pela sua singularidade e individualidade, cada um deles desenvolveu, em resposta à situação acima descrita, estratégias de adaptação e mecanismos de defesa psíquicos por forma a adaptarem-se à realidade externa e às exigências emocionais internas de cada um.
Apesar dos francos avanços no decurso de ambos os processos psicoterapêuticos, persiste um fundo depressivo, de fragilidade ao nível do Eu e do sentimento de Si (baixa autoestima, sentimentos de inferioridade e desvalorização), bem como uma desadequação relacional que afecta, por exemplo, os momentos de socialização e de convivência com os pares.
Atualmente, estes dois irmãos continuam em apoio psicoterapêutico individual. Em momento algum, durante o período em que foram sujeitas aos maus tratos descritos, estas duas crianças tiveram outros elementos do agregado familiar a manifestar empatia com o seu sofrimento. Ninguém da família alargada se assumiu como figura de substituição ou compensatória, numa função de proteção e reparação (maternal), ou no mínimo se dispôs a sinalizar o risco em que estas crianças estavam. A interrupção deste risco continuado e atentatório à sobrevivência das crianças, somente foi assegurado e salvaguardado após retirada das mesmas por deliberação de Tribunal.
Quer o DD, quer a CC conhecem a sua história de vida, as pessoas, os contornos e as circunstâncias que levaram ao desfecho da Guarda atribuída à avó materna.”
As referidas profissionais concluem “Enquanto profissionais que os seguem em contexto clínico, e como “fieis depositárias” da sua confiança e dos seus conteúdos emocionais e afetivos, não é de forma tranquila que imaginamos este cenário de “visitas” e por uma questão muito específica: não temos, por impossibilidade divinatória, como antever o tipo específico de impacto emocional que esta alteração terá nas suas vidas. Impacto terá de certeza, instabilidade provocará certamente. Mas o quanto poderá reavivar angústias e perturbar o equilíbrio e bem-estar deles, o seu dia a dia, esta sua fase de escolaridade e desenvolvimento psicoafectivo, é algo que não conseguimos antever, e que nos inquieta como profissionais, e até como seres humanos (…) “
- A avó materna, coadjuvada pelas tias-avós maternas têm vindo a prestar aos menores todos os cuidados e acompanhamentos de que estes necessitam a vários níveis, revelando preocupação pelo seu bem-estar e implicação no seu processo educativo e desenvolvimental.

IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Reapreciação da matéria de facto.
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, estabelecendo o seu nº 2:
A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
De acordo com o n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Como refere A. Abrantes Geraldes[1], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.
Importa notar que a sindicância cometida à Relação quanto ao julgamento da matéria de facto efectuado na primeira instância não poderá pôr em causa regras basilares do ordenamento jurídico português, como o princípio da livre apreciação da prova[2] e o princípio da imediação, tendo sempre presente que o tribunal de 1ª instância encontra-se em situação privilegiada para apreciar e avaliar os depoimentos prestados em audiência. O registo da prova, pelo menos nos moldes em que é processado actualmente nos nossos tribunais – mero registo fonográfico –, “não garante a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e dos quais é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”[3].
Também é certo que, como em qualquer actividade humana, sempre a actuação jurisdicional comportará uma certa margem de incerteza e aleatoriedade no que concerne à decisão sobre a matéria de facto. Mas o que importa é que se minimize tanto quanto possível tal margem de erro, porquanto nesta apreciação livre o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, os princípios da lógica, ou as regras científicas[4].
De todo o modo, a construção da realidade fáctica submetida à discussão não se poderá efectuar de forma parcelar e desconexa, atendendo apenas a determinado meio de prova, ou a parte dele, e ignorando todos os demais, ainda que expressem realidade distinta, a menos que razões de credibilidade desacreditem estes.
Ou seja: nessa tarefa não pode o julgador conformar-se com a análise parcelar e parcial transmitida pelos litigantes, mas antes submetê-la a uma ponderação dialéctica, avaliando a força probatória do conjunto dos meios de prova destinados à demonstração da realidade submetida a debate.
Assinale-se que a construção – ou, melhor dizendo, a reconstrução, pois que é dela que se deve falar quando, como no caso, se procede à ponderação dos factos que por outros foram apreendidos e transmitidos com o filtro da interpretação própria de quem processa essa apreensão – da realidade fáctica não pode efectuar-se de forma parcelar e desconexa, antes reclamando o contributo conjunto de todos os elementos que a integram.
Quer isto dizer que a realidade surge de um conjunto coeso de factos, entre si ligados por elos de interdependência lógica e de coerência.
A realidade não se constrói apenas a partir de um depoimento isolado ou de um conjunto disperso de documentos, ainda que confirmadores de uma determinada versão factual, antes se deve conformar com um património fáctico consolidado de forma sólida, coerente, transmitido por elementos probatórios com idoneidade e aptidão suficientes a conferir-lhe indiscutível credibilidade.
Como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 21.12.2012[5], “…a verdade judicial traduz-se na correspondência entre as afirmações de facto controvertidas, relevantes e pertinentes, aduzidas pelas partes no processo e a realidade empírica, extraprocessual, que tais afirmações contemplam, revelada pelos meios de prova produzidos, de forma a lograr uma decisão oportuna do litígio. Sobre as doutrinas da verdade judicial como mera coerência persuasiva ou como correspondência com a realidade empírica, vide Michele Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, pag. 26-29. Quanto à configuração do objecto da prova e a sua relação com o thema probandum, vide Eduardo Gambi, A Prova Civil – Admissibilidade e relevância, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, Brasil, 2006, pag. 295 e seguintes; LLuís Muñoz Sabaté, Fundamentos de Prueba Judicial Civil L.E.C. 1/2000, J. M. Bosch Editor, Barcelona, 2001, pag. 101 e seguintes.
Por isso mesmo, a “reconstrução” cognitiva da verdade, por via judicial, não tem, nem jamais poderia ter, a finalidade exclusiva de obter uma explicação exaustiva e porventura quase irrefragável do acontecido, como sucede, de certo modo, nos domínios da verdade história ou da verdade científica, muito menos pode repousar sobre uma crença inabalável na intuição pessoal e íntima do julgador. Diversamente, tem como objectivo conseguir uma compreensão altamente provável da realidade em causa, nos limites de tempo e condições humanamente possíveis, que satisfaça a resolução justa e legítima do caso (…)”.
Esclarece a recorrente que o recurso que interpõe tem por objecto “A Impugnação da decisão, errada, proferida sobre a matéria de facto declarada provada e não provada, nos moldes do art. 640º, do CPC, estando em causa a reapreciação da prova gravada”.
Nas conclusões com que remata as sua alegações de recurso, sendo aquelas que delimitam o objecto do recurso, reclama a recorrente:
- iv - A reapreciação da prova gravada, nomeadamente dos excertos acima transcritos, na faixa 202205091458838_15796325_2871539, que se requer, relativa às declarações da requerida, demonstrando-se que devem ser dados como não provados existirem receios legítimos manifestados pela avó materna que obstem a aproximação da Recorrente com os seus netos CC e o DD.
v. A reapreciação da prova gravada, nomeadamente dos excertos acima transcritos, na faixa 20220606110406_1579325_2871539, que se requer, relativa às declarações da testemunha Dr. EE, demonstra que deve ser dado como provado o facto, adicionando-se à matéria de facto dada como provada o facto: “A CC apesar de mais frágil, encontra-se bem (...) o DD tem um desenvolvimento normal para uma criança de 12 anos (...) Relativamente à introdução da avó paterna na vida dos menores, será sem dúvida benéfica, ressalvando-se, a forma como se deve fazer.”
vi. A reapreciação da prova gravada, nomeadamente dos excertos acima transcritos, na faixa 20220606100010_1579325_2871539, que se requer, relativa às declarações da testemunha Dra. FF, demonstra que deve ser dado como provado o facto, adicionando-se à matéria de facto dada como provada o facto: “Eu acompanho a CC desde 2018”. A Dra FF não é a Psicóloga do DD conforme fundamentado na sentença recorrida.
vii. Não resulta da matéria de facto dada como provada que a CC fala explicitamente da figura da avó paterna e que para ela simboliza medo, dúvida, e uma perspetiva intimidante.
[...]
xix. A testemunha Dra. FF não conhece o DD, assim a fundamentação da matéria de facto provada, com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, carecem de clareza e objetividade, neste sentido, requer-se a reapreciação da prova gravada, nomeadamente dos excertos acima transcritos, na faixa 20220606100010_1579325_2871539.
xx. Requerer-se, também, por ambiguidade a reapreciação do depoimento, dia 06/06/2022, na faixa 20220606110406_1579325_2871539, relativa às declarações da testemunha, Dr. EE, que são contrárias à fundamentação da sentença recorrida.
À Relação compete, como já se disse, escrutinar o julgamento da matéria de facto efectuado em primeira instância, ponderando, de forma autónoma, os meios de prova que constem do processo, e, mediante o juízo deles extraído, manter ou modificar a respectiva decisão.
A faculdade legalmente concedida às partes de impugnarem a decisão relativa à matéria de facto circunscreve-se ao julgamento da matéria de factos, intuindo-se daqui, naturalmente, que deva incidir apenas sobre factos. Daí a exigência contida no artigo 640.º, n.º 1, a) do Código de Processo Civil, onerando o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto de, sob pena de rejeição do recurso, indicar, de forma explícita “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados”.
A recorrente, que reclama insistentemente ao longo das suas alegações de recurso a “reapreciação da prova gravada”, fá-lo não com o fito de impugnar a decisão sobre a matéria de facto – à execpção da alínea vii) das conclusões, onde efectivamente põe em causa matéria dada como provada na sentença e que, na sua perspectiva, deve considerar-se não provada -, mas antes para criticar os próprios fundamentos da sentença e as conclusões nela formuladas a partir da análise e interpretação da factualidade assente, ou, pior que isso, para que sejam introduzidas algumas das afirmações produzidas em audiência por quem nela depôs, sendo certo que os depoimentos não são em si mesmo factos, mas antes um meio, coadjuvado com outros meios probatórios, de confirmação ou infirmação dos factos que transmitem.
Neste contexto, importa apenas reponderar a decisão na parte em que julga provado que “A CC não conhece nem tem memórias da avó paterna, mas fala explicitamente de tal figura que, para ela, simboliza medo, dúvida, insegurança e que perspetiva como intimidante”, na medida em que o recurso se limita a este segmento decisório
Tal factualidade encontra suporte probatório no documento constante dos autos designado por “Informação Clínica”, elaborado pelas Psicólogas Clínica e da Saúde, Dr.ª II e JJ, que “que asseguram o apoio psicoterapêutico individual do DD (desde 2016) e da CC (desde 2018)”, cuja autoria as mesmas confirmaram em audiência, bem como nos depoimentos por ambas prestados na mesma sede, cuja gravação foi ouvida, não sendo infirmada por qualquer outro meio de prova.
Como tal, mantem-se inalterada a decisão relativa à matéria de facto.
2. Da aplicação do Direito aos factos.
Segundo o n.º 1 do artigo 1878.º do Código Civil, “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”.
Deste preceito decorre que as responsabilidades parentais devem ser exercidas na prossecução do “interesse dos filhos”, e nos casos em que é demandada a intervenção do poder judicial, este deve decidir assegurando igualmente o interesse do menor, ainda que o faça em prejuízo dos pais ou de terceiros[6].
Conceitos e expressões como “poder paternal”[7] foram banidos com a Lei n.º 61/2008, que introduziu importantes alterações ao Código Civil, para serem substituídos pela expressão “responsabilidade parentais”[8], que melhor se adequa ao ordenamento jurídico que encara a criança como verdadeiro sujeito de direitos e destaca a natureza funcional deste instituto, concebido como conjunto de poderes-deveres, de exercício vinculado no interesse do filho.
Outros países europeus substituíram nas respectivas ordens jurídicas internas expressões equivalentes ao “poder paternal” por expressões próximas da terminologia adoptada pela ordem jurídica portuguesa, fazendo notar Jean Carbonnier[9] que não se tratou de uma simples mudança de palavras, passando a autoridade a ser exercida para protecção dos interesses da criança, sendo igualmente exercida pelo pai e pela mãe.
As responsabilidades parentais constituem uma resposta, a dar por quem está mais próximo da criança e por isso também melhor habilitado a conhecer as suas necessidades, a uma situação de imaturidade (física, emocional, psíquica) decorrente da menoridade.
Cabe, assim, aos pais, em primeira linha, desempenhar esse papel protectivo, exercendo os poderes funcionais que integram as responsabilidades parentais, zelando pelo desenvolvimento integral da criança, proporcionando-lhe alimentação, afecto, condições de saúde, de educação, de segurança, promovendo a sua autonomia e independência.
Quando as responsabilidades parentais não são exercidas no interesse dos filhos, porque os pais não querem, ou são incapazes de fazê-lo, deve o poder judicial intervir de forma activa, tomando as medidas adequadas à tutela do interesse da criança. Como se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra 03.05.2006[10], “quando os pais não cumprem com tais deveres fundamentais, a ordem jurídica confere às crianças, enquanto sujeitas de direito, mecanismos de protecção, podendo os filhos deles serem separados, como determina o n.º 6 do art.36 da CRP”.
Podendo mesmo, em último caso, ser inibidos do exercício das responsabilidade parentais, acrescentamos.
E foi o que, no caso concreto, ocorreu em relação aos dois menores, CC e DD, cujos progenitores adoptaram condutas que puseram em causa a integridade física e psicológica dos filhos. E por isso, por sentença proferida a 30.03.2017, foi decretada a inibição total e bilateral do exercício das responsabilidades parentais relativamente a ambos os progenitores dos menores, com proibição de convívios.
Resulta dos autos que após uma separação dos progenitores, ocorrida em finais de Julho/início de Agosto de 2010, a progenitora foi com os filhos para casa da sua mãe, onde permaneceu cerca de um mês, tendo-se reconciliado posteriormente e voltado para junto do companheiro em Vila Nova de Gaia.
Nessa altura, considerando que os menores não estavam bem (a CC quase não falava; o DD apresentava uma marca nas costas de estar sempre no carrinho; evidenciavam carências alimentares e afectivas) a avó materna não permitiu que a progenitora os levasse, tendo posteriormente sido aplicada medida de apoio junto desta avó pelo tribunal em sede de promoção e proteção.
Os dois menores vivem no agregado da avó materna com caráter de estabilidade desde Agosto de 2010.
A avó paterna teve intervenção no processo de promoção e proteção, reclamando convívios com os netos a 08 de Novembro de 2010 e 18 de Fevereiro de 2015, pretensão que de ambas as vezes foi indeferida.
Através do procedimento tutelar cível agora instaurado vem novamente reclamar convívio com os netos, requerendo a fixação de um regime de visitas, pretensão em relação à qual a avó materna, a quem os menores se acham confiados e com ela residentes desde, pelo menos, Agosto de 2010, manifesta relutância por temer as consequências nefastas que dela possam advir para os netos, receando, nomeadamente, que a mesma possa permitir contactos dos progenitores com ambos os menores.
Dispõe o artigo 1887.º-A do Código Civil, aditado pela Lei n.º 84/95, de 31 de Agosto: “Os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes”.
O referido normativo veio consagrar um direito autónomo da criança ao relacionamento com os avós e com os irmãos, que pode designar-se como um amplo direito de visita e que não pode ser, de modo infundamentado, afastado pelos pais, devendo ainda ser entendido como um direito recíproco de visitas de avós e netos ou um direito de avós e netos às relações pessoais recíprocas[11].
Como esclarece o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.03.1998[12], “Subjacente ao normativo em apreço, está a presunção de que o convívio com os avós é não só positivo, salutar e enriquecedor para o menor, como necessário para o equilibrado e são desenvolvimento da sua personalidade.
Ora, presumindo a lei que a ligação, entre os avós e o menor é benéfica para este, incumbirá aos pais - ou ao progenitor sobrevivo ou que ficou a deter o poder paternal - a prova de que, no caso concreto, esse relacionamento ser-lhe-á prejudicial.
De todo o modo, no confronto do interesse do menor com o interesse dos avós, prevalecerá sempre o do primeiro.
O que significa que o interesse do menor condiciona "o direito de visita" dos avós, podendo conduzir à sua limitação ou mesmo supressão, quando seja susceptível de lhe acarretar prejuízos ou de o afectar negativamente”.
Faz parte das responsabilidades parentais a criação de condições, ou o não impedimento das que já existem, que permitam o exercício do direito de a criança poder conviver, com naturalidade, com os seus irmãos e ascendentes, assegurando, no pressuposto de que a existência de irmãos e de ascendentes faz concorrer, no interesse da criança, a necessidade do respectivo convívio, de forma a assegurar à criança um desenvolvimento psico-afectivo harmonioso e equilibrado.
O fim primário prosseguido pelo mencionado artigo 1887-A é o de assegurar o direito ao desenvolvimento da personalidade da criança, concretizado através das relações com outras pessoas, partindo do pressuposto que a relação que se estabelece entre avós e netos contribui para a formação moral e para o desenvolvimento dos últimos, atento o seu cariz afectivo e a contribuição que aqueles prestam para a satisfação da necessidade emocional da criança.
Segundo o acórdão da Relação de Lisboa de 10.04.2018[13], “Trata-se de um direito consagrado em nome das relações afetivas existentes entre certos membros da família e do auxílio entre gerações (no caso dos avós/netos), presumindo o legislador que «o convívio da criança com os ascendentes e irmãos é positivo para a criança e necessário para o desenvolvimento da personalidade deste.»[...]
O acento tónico, a nosso ver, reside na consagração de um direito concedido às crianças de manter regularmente relações pessoais e contatos diretos entre irmãos e entre netos e avós.
Numa perspetiva mais teórica quando estão em causa as relações pessoais e sócio-afetivas entre avós e netos, discute-se se estamos perante um direito dos avós, dos netos ou de ambos.[...]
Todavia, sem descurar que o direito de conviver só é plenamente eficaz se for exercido de forma recíproca, tem o mesmo de ser sempre ponderado em função do critério prevalecente do superior interesse da criança.
Na prática o que acaba por vingar é a perspetiva da criança enquanto sujeito de direitos fundamentais, dotada de capacidade natural de autodeterminação de acordo com a sua maturidade.
A criança passou a ter na sua esfera jurídica um direito autónomo ao relacionamento com os seus avós, que é mais do que visitar ou ser visitado pelos avós, traduz-se, antes, num direito de convívio entre avós e netos.
É de acentuar que se vem entendendo que os avós não são titulares de um direito subjetivo ao relacionamento com os netos. O que está em causa é uma situação jurídica funcional ao serviço do interesse da criança, ou, dito de outro modo, um direito-dever ou função que visa a realização do interesse da criança e que apenas tem tutela jurídica nos casos em que promova esse interesse.[...] Daí que não interfere (não pode interferir) na relação da criança com os pais nem com os poderes-deveres destes, caraterísticos das responsabilidades parentais (cfr. artigo 36.º, n.º 5 da CRP, artigos 1877.º, 1878.º, 1879.º e 1885.º, do Código Civil).
Todavia, o convívio com os avós permite uma integração numa família mais alargada, promove a formação e transmissão da memória familiar e do sentido de pertença, fortalece recíprocos laços de afetividade, correspondendo, presumidamente, a um benefício em termos de desenvolvimento e formação da personalidade das crianças, direito que se encontra consagrado constitucionalmente (cfr. artigos 26.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, da CRP)”.
O convívio entre avós e netos deve ser promovido não em função dos desejos e do interesse – ainda que legítimos – dos primeiros, mas antes, em exclusivo, no interesse da criança, devendo o mesmo ser negado sempre que esse convívio comprometa o interesse desta, pondo em risco, designadamente, a sua estabilidade emocional.
É dado incontroverso que a criança é hoje reconhecida como um verdadeiro sujeito de direitos, pelo que todas as decisões que a envolvam devem sempre ser norteadas em ordem à satisfação do seu interesse.
Tal entendimento ancora-se, além do mais, no artigo 3.º, n.º 1 da Convenção Sobre o Direito da Criança, de 1989, quando determina que “todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança”, além do artigo 24º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Para Filipa Daniela Ramos de Carvalho[14], “o interesse do menor, embora se consubstancie numa dificuldade prática acrescida, resultante da indeterminação do critério, absorve ou deve absorver todas as orientações vertidas no Código Civil, nomeadamente os artigos 1878º (segurança, saúde, sustento e autonomia do menor), 1885º, nº1 (desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos), 1878º, nº2 (opinião dos filhos). Outrossim, a natureza dos processos de regulação das responsabilidades parentais como processos de jurisdição voluntária atribuem ao juiz um papel fundamental na adequação, in casu, das orientações legais sobre o conteúdo do exercício das responsabilidades parentais e o critério do interesse do menor”, que, assim, conclui: “Deste modo, é da intercepção entre as orientações legais e das orientações jurisprudenciais que se alcança, paulatinamente, um conteúdo do conceito indeterminado em questão”.
Refere o Acórdão da Relação do Porto, de 06.03.2012,[15] que “o interesse da criança ou jovem deve ser realizado na medida do possível no seio do seu grupo familiar. Porém, em caso de colisão, sempre sobrelevará o interesse em se alcançar a plena maturidade física e intelectual da criança/jovem, ainda que, o interesse de manter a criança/jovem no agregado familiar seja postergado (…).
O tribunal deve assumir a defesa do interesse superior da criança e do jovem, tal como lho confia o artigo 4º, a), LPCJP, fazendo-o prevalecer sobre quaisquer outros interesses envolvidos, atendendo “prioritariamente aos interesses da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto”.
Assim, em caso de conflito entre os pais (ou quem assuma, em sua substituição, idêntica posição quanto ao exercício das responsabilidades parentais) e os avós do menor, o interesse deste último será o critério decisivo a atender para que a estes seja concedido ou denegado o "direito de visita"[16].
Retornando à concreta situação debatida nos autos:
Como resulta da informação clínica vertida para os autos, “O DD e a CC, numa fase precoce de vida e em total dependência dos seus progenitores, foram sujeitos a privação e comportamento negligente por parte destes, quer na ausência de garantia da satisfação das suas necessidades mais elementares, de cuidados básicos e nutrição, quer na ausência de estimulação sensorial e afetiva.
Perante a exposição precoce ao risco e sujeição a adversidades tão graves, ambas as crianças acabaram por sofrer sequelas estruturais, neuropsicológicas, e físicas, exigindo que fossem (e sejam) seguidas em consultas de especialidade médica (em meio hospitalar), em consulta de Terapia da Fala e de apoio a Dificuldades de Aprendizagem, assim como na valência de Psicologia Clínica e da Saúde.
Esse período das suas vidas (de grande sofrimento relacional, em que foram negligenciados/ abandonados e sofreram maus-tratos), está diretamente relacionado com o desenvolvimento de um quadro de perturbações psicológicas profundas que se tem traduzido essencialmente em problemas ao nível do comportamento. As manifestações apresentadas foram sendo polimórficas: instabilidade (ambos), agressividade (sobretudo o DD), inibição frequente (sobretudo a CC), angústia de separação ou mesmo de abandono (esta última em franca remissão em ambas as crianças).
Pela sua singularidade e individualidade, cada um deles desenvolveu, em resposta à situação acima descrita, estratégias de adaptação e mecanismos de defesa psíquicos por forma a adaptarem-se à realidade externa e às exigências emocionais internas de cada um.
Apesar dos francos avanços no decurso de ambos os processos psicoterapêuticos, persiste um fundo depressivo, de fragilidade ao nível do Eu e do sentimento de Si (baixa autoestima, sentimentos de inferioridade e desvalorização), bem como uma desadequação relacional que afecta, por exemplo, os momentos de socialização e de convivência com os pares.
Atualmente, estes dois irmãos continuam em apoio psicoterapêutico individual. Em momento algum, durante o período em que foram sujeitas aos maus tratos descritos, estas duas crianças tiveram outros elementos do agregado familiar a manifestar empatia com o seu sofrimento. Ninguém da família alargada se assumiu como figura de substituição ou compensatória, numa função de proteção e reparação (maternal), ou no mínimo se dispôs a sinalizar o risco em que estas crianças estavam. A interrupção deste risco continuado e atentatório à sobrevivência das crianças, somente foi assegurado e salvaguardado após retirada das mesmas por deliberação de Tribunal.
Quer o DD, quer a CC conhecem a sua história de vida, as pessoas, os contornos e as circunstâncias que levaram ao desfecho da Guarda atribuída à avó materna.”
O DD e a CC, nascidos, respectivamente, a .../.../2009 e .../.../2008, viveram com os progenitores, na casa da avó paterna, desde o seu nascimento até Junho de 2010.
Os mesmos vivem no agregado da avó materna com caráter de estabilidade desde Agosto de 2010.
A avó paterna e a avó materna dos menores não mantêm qualquer relação entre si, sendo que o relacionamento entre os familiares paternos e os familiares maternos dos mesmos sempre se caracterizou por elevada conflitualidade.
Em termos de acompanhamento de saúde, os dois irmãos necessitam de apoio psicoterapêutico e de pedopsiquiatria.
A CC tem sessões quinzenais de psicologia e revela dificuldades cognitivas e de aprendizagem, tendo anteriormente necessitado de terapia da fala, bem como dificuldades de gestão emocional, o que implica que facilmente se “desregula”.
Sofre de enurese e ataques de ansiedade.
O DD beneficia igualmente de acompanhamento psicológico, diligenciado pela avó materna, por dificuldades de aprendizagem e de relacionamento com os pares.
Nenhum dos menores tem memórias da avó paterna, não tendo com a mesma qualquer ligação afectiva.
Não lhe associam uma imagem securizante, encarando-a, pelo contrário, como uma figura que lhes suscita dúvida, insegurança e temor.
Sendo crianças profundamente marcadas por um passado de negligência, abandono e maus tratos, cujas marcas traumáticas ainda hoje perduram, a imposição de convívios ou a fixação de um regime de visitas a favor da avó paterna, que claramente ambos enjeitam, seria certamente um factor de desestabilização emocional, podendo provocar um retrocesso no processo da recuperação das feridas psicológicas que ainda não cicatrizaram.
Como sagazmente refere a sentença recorrida, “a CC e o DD são crianças “especiais” cujo inicio de vida foi marcado por experiências traumáticas, cujas consequências ainda hoje perduram, não obstante os esforços na sua recuperação que têm vindo a ser feitos pela avó materna e especialistas que os acompanham.
Ainda hoje o DD e a CC, apesar de recuperados fisicamente, necessitam de acompanhamentos psicológicos e pedopsiquiátricos com vista a gerir emoções, controlar inseguranças e conseguir algum equilíbrio emocional.
Qualquer alteração impactante nas suas vidas será suscetível de os desregular, reavivar sentimentos negativos e destabilizar.
Temos como absolutamente legítimos os receios manifestados pela avó materna e pelos profissionais que acompanham os menores no sentido de considerar que a (re)aproximação da avó paterna nas suas vidas poderá causar muito mais danos do que benefícios e, o DD e a CC são meninos relativamente aos quais não se nos afigura legitimo “fazer experiências”; experimentar para ver no que dá”.
A circunstância de não existirem laços afectivos que os liguem à avó paterna e que importe preservar, tendo a mesma lhes sonegado a protecção de que tanto os netos careciam, estando ela, porque compartilhavam então o mesmo espaço ou estavam fisicamente próximos, em condições de lhes proporcionar tal protecção, porque um regime de visitas ou de convívio com a avó paterna sempre implicaria perigo de os progenitores poderem vir a ter contactos pessoais com os menores, são razões bastantes para desaconselharem a fixação do pretendido regime de visitas pelos riscos de desestabilização emocional que a sua execução poderia desencadear na CC e no DD.
Como adianta a sentença recorrida, “Relativamente a estas particulares, únicas e irrepetíveis crianças, temos como certo que a única atuação possível é no sentido de preservar os progressos já alcançados e garantir a consistência possível na sua estabilidade emocional.
Não havendo uma relação afetiva a preservar e correndo-se sérios riscos de causar grave retrocesso no caminho já percorrido com vista à recuperação destas crianças, cremos ser manifesto que a pretensão da requerente deverá improceder por assim ditar o superior interesse destes menores”.
A sentença recorrida fundamenta devidamente, com base em elucidativos elementos de prova, as razões pelas quais conclui que um regime de visitas a favor da requerente, avó paterna dos menores, não acautela suficientemente os interesses destes, constituindo antes um factor de risco para o processo da sua recuperação psicológica.
Quanto à circunstância de se ter procedido à audição de ambos os menores sem a presença física das partes e seus mandatários importa salientar:
Sob a epígrafe “princípios orientadores”, rege o artigo 4.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro:
1 - Os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes:
a) Simplificação instrutória e oralidade - a instrução do processo recorre preferencialmente a formas e a atos processuais simplificados, nomeadamente, no que concerne à audição da criança que deve decorrer de forma compreensível, ao depoimento dos pais, familiares ou outras pessoas de especial referência afetiva para a criança, e às declarações da assessoria técnica, prestados oralmente e documentados em auto;
b) Consensualização - os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação, e, excecionalmente, relatados por escrito;
c) Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.
2 - Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica”.
Por seu turno, o artigo 5.º do mesmo diploma, sob a epígrafe “audição da criança”, dispõe:
1- A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz promove a audição da criança, a qual pode ter lugar em diligência judicial especialmente agendada para o efeito.
3 - A audição da criança é precedida da prestação de informação clara sobre o significado e alcance da mesma.
4 - A audição da criança respeita a sua específica condição, garantindo-se, em qualquer caso, a existência de condições adequadas para o efeito, designadamente:
a) A não sujeição da criança a espaço ou ambiente intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais;
b) A intervenção de operadores judiciários com formação adequada.
5 - Tendo em vista o cumprimento do disposto no número anterior, privilegia-se a não utilização de traje profissional aquando da audição da criança.
6 - Sempre que o interesse da criança o justificar, o tribunal, a requerimento ou oficiosamente, pode proceder à audição da criança, em qualquer fase do processo, a fim de que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório nos atos processuais posteriores, incluindo o julgamento.
7 - A tomada de declarações obedece às seguintes regras:
a) A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a criança ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito;
b) A inquirição é feita pelo juiz, podendo o Ministério Público e os advogados formular perguntas adicionais;
c) As declarações da criança são gravadas mediante registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas quando aqueles meios não estiverem disponíveis e dando-se preferência, em qualquer caso, à gravação audiovisual sempre que a natureza do assunto a decidir ou o interesse da criança assim o exigirem;
d) Quando em processo-crime a criança tenha prestado declarações para memória futura, podem estas ser consideradas como meio probatório no processo tutelar cível;
e) Quando em processo de natureza cível a criança tenha prestado declarações perante o juiz ou Ministério Público, com observância do princípio do contraditório, podem estas ser consideradas como meio probatório no processo tutelar cível;
f) A tomada de declarações nos termos das alíneas anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela deva ser possível e não puser em causa a saúde física e psíquica e o desenvolvimento integral da criança;
g) Em tudo o que não contrarie este preceito, aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime processual civil previsto para a prova antecipada.
Os artigos 4.º e 5.º do RGPTC referem-se a duas modalidades de audição da criança de acordo com a finalidade a que se destinam: uma para exprimir a sua opinião relativamente à questão em apreciação (artigo 5.º, n.ºs 1 a 4); outra para tomada de declarações como meio de prova (artigo 5º., n.ºs 6 e 7). Estas duas situações não se confundem.
Refere, com efeito, o acórdão da Relação de Lisboa de 6.06.2019 (Des. Gabriela Marques):
I.– A audição da criança para ser ouvida com vista a emitir a sua opinião (art. 5.º, n.ºs 1 e 2) não se confunde, com a audição para tomada de declarações para efeitos probatórios (art. 5.º, n.º.6 e 7).
II.– A audição da criança para livremente exprimir a sua opinião (n.º 1, do art. 5.º), não está sujeita às regras enunciadas no n.º 6 e 7, do mesmo art. 5.º, do RGPTC, designadamente, a uma inquirição - pelo Juiz, com perguntas adicionais pelo Ministério Público e advogados – gravada mediante registo áudio ou áudio visual.
O parecer da Ordem dos Advogados de 11.10.2018[17], depois de se fazer alusão à distinção entre “audição da criança” e “tomada de declarações à criança”, defende que os advogados dos progenitores não deverão estar presentes na audição da criança a realizar nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 5,º, n.ºs 1 a 5 do RGPTC, mas que, ao invés, essa presença já se impõe quando a tomada de declarações à criança se destina a ser considerada como meio probatório em consonância com o preceituado nos n.ºs 6 e 7 daquele mesmo preceito.
Como consta da respectiva acta, na audiência de julgamento realizada a 6 de Junho de 2022 foi proferido o seguinte despacho:
Dos depoimentos prestados pelas testemunhas, psicólogas e pedopsiquiatra, resulta claramente que ambos os menores têm maturidade e capacidades de compreensão para se pronunciarem relativamente às questões que lhes dizem respeito.
Sendo um direito das crianças, o de serem ouvidas e participantes nos processos judiciais que lhe dizem directamente respeito e resultando agora claro que ambos têm maturidade para tal, será obviamente garantido a cada um dos menores a possibilidade de serem ouvidos e participarem no processo e darem a sua opinião.
Tal direito no entanto será exercido, apenas e só nos termos do nº 1 a 5 do artº 5º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, ou seja as declarações dos menores não serão usadas como meio de prova e os menores serão ouvidos, sem gravação audio, e só e unicamente na presença de mim própria, da Srª Procuradora do Ministério Público e da Técnica do ISS que deverá ser convocada para a data que ora se designa para o dia 08 de Junho de 2022, pelas 15:30 horas”.
Desse despacho foram notificados todos os presentes, como também consta da mencionada acta, incluindo a patrona da requerente, que nenhuma irregularidade ou invalidade processual arguiu quanto ao facto de se haver determinado a audição dos menores sem a presença física imediata das advogadas que representam a requerente e a requerida.
E tendo estas sido informadas, por súmula, das opiniões emitidas por ambos os menores, ouvidos na sessão de julgamento de 8.06.2022, nada foi então requerido ou arguido, conforme consta da acta de julgamento de 13.06.2022.
Assim, se vício houvesse pelo facto de os menores terem sido ouvidos na ausência física da patrona da requerente e da mandatária da requerida – e não houve, porquanto a sua audição se efectuou “apenas e só nos termos do nº 1 a 5 do artº 5º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível”, não tendo as suas declarações sido usadas como meio de prova -, esse vício achar-se-ia sanado por não ter sido arguido em tempo.
Não merecendo censura a sentença recorrida, é de confirmar o decidido, assim improcedendo o recurso da requerente.
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Síntese conclusiva:
…………………….
…………………….
…………………….
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Nestes termos, acordam os juízes desta Relação, na improcedência do recurso interposto por AA, em confirmar a sentença recorrida.

As custas da apelação são da responsabilidade da recorrente, levando-se em conta o apoio judiciário de que beneficie.


Porto, 15.06.2023

[Acórdão elaborado pela primeira signatária com recurso a meios informáticos]

Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
__________________
[1] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[2] Artigos 396º do C.C. e 607º, nº5 do Novo Código de Processo Civil.
[3] Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, 1997, pág. 258. Cfr. ainda, o Acódão Relação de Coimbra de 11.03.2003, C.J., Ano XXVIII, T.V., pág. 63 e o Ac. do STJ de 20.09.2005, proferido no processo 05A2007, www.dgsi.pt, podendo extrair-se deste último: “De salientar a este propósito, como se faz no acórdão recorrido, que o controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (sobre a comunicação interpessoal, RICCI BOTTI/BRUNA ZANI, A Comunicação como Processo Social, Editorial Estampa, Lisboa, 1997)”.
[4] Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil”, Vol. 3º, pág. 173 e L. Freitas, “Introdução ao Processo Civil”, 1ª Ed., pág. 15 7.ve
[5] Processo nº 5797/04.2TVLSB.L1-7, l1-7, www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, 19.04.88, C.J., tomo II, pág. 68.
[7] Que, desde há muito, vinha suscitando várias críticas por lhe estar associada uma ideia de posse, de sujeição, de ascendência dos pais em relação aos filhos, tendo já em 1977 se discutido a possibilidade de alteração dessa designação.
[8] Com o que Portugal passou a estar em conformidade com a Recomendação nº R (84) 4, e com a Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança (1996).
[9] “Droit Civil, La Famille, L´Enfant Le Couple”, 20ª ed., Presses Universitaires de France, 1999, pág. 93.
[10] Processo nº 681/06, www.dgsi.pt.
[11] – cf. Rosa Martins e Paula Távora Vítor, O direito dos avós às relações pessoais com os netos na jurisprudência recente”, págs. 64-65.; cfr. ainda, no mesmo sentido, Helena Bolieiro e Paulo Guerra, “A Criança e a Família”, Coimbra Editora, 2009, pág. 201.
[12] Processo n.º 98A058, www.dgsi.pt.
[13] Processo n.º 3382/11.5TBVFX-A.L1-1, www.dgsi.pt.
[14] “A (Síndrome de) Alienação Parental e o Exercício das Responsabilidades Parentais: Algumas Considerações”, Coimbra Editora, págs.
[15] Processo nº 43/09.9TBCPV-A.P1, www.dgsi.pt.
[16] Cfr. citado acórdão do STJ de 3.03.1998.
[17] Da autoria de Rui Alves Pereira, disponível no “portal.oa.pt”.