Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3332/20.8T8AVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
DIREITO AO RECURSO
TRANSAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO
Nº do Documento: RP202306053332/20.8T8AVR-A.P1
Data do Acordão: 06/05/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - De acordo com as regras dos n.ºs 1 e 2, do art.º 574.º do CPC, se o exequente tinha fundamento para pôr em causa a afirmação da executada no art.º 6.º do seu articulado, ou seja, ter procedido à retenção dos valores que indica nos recibos, aplicando às taxas ali mencionadas, para efeitos de IRS, não lhe bastava dizer que “impugna[va] os documentos juntos pela executada na douta oposição à execução, quanto aos efeitos e consequente prova que com os mesmos pretenda fazer”, antes lhe cumprindo tomar posição definida.
II - O direito ao recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa, mas apenas permitir-lhe a discussão sobre determinados pontos concretos, que na perspectiva do recorrente foram incorrectamente mal julgados, para tanto sendo necessário que se indiquem os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, que lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida.
III - Ao celebrar a transação, as partes não podiam desconhecer, mormente o exequente, que os rendimentos obtidos pelo trabalho estão sujeitos a IRS, recaindo sobre a entidade empregadora a obrigação legal de proceder à sua retenção, aplicando as taxas previstas na lei, para subsequentemente proceder à sua entrega à administração fiscal.
IV - Se porventura o autor tinha em mente receber um valor líquido e a ali Ré aceitasse transigir nesses termos - o que significava que esta, para além daquele valor, teria que suportar os valores correspondentes ao IRS devidos pelo autor -, então deveria tal constar expressamente da transação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 3332/20.8T8AVR-A.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 Na execução com vista ao pagamento coercivo da quantia de €11.976,03, a que os presentes autos se encontram apensos, em que é exequente AA e executada A..., S.A., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 2, veio esta alegar que a transação lavrada nos autos declarativos, homologada por sentença, previa o pagamento a titulo de compensação global pela cessação do vínculo laboral do montante de €30.000,00, não se referindo ali que tal montante teria de ser liquido de contribuições e impostos.
Na medida do exposto as quantias pagas pela embargante/executada referentes a indemnizações fixadas em tribunal pelo incumprimento da legislação laboral decorrentes da extinção dos contratos de trabalho integra plenamente o conceito de rendimento de trabalho dependente previsto na alínea e) do n.º 3 do artigo 2º do CIRS. Como tal, a embargante está obrigada a reter o imposto que se mostre devido- ou seja sempre que a indemnização exceda o limite da isenção prevista no n.º 4 do artigo 2º do CIRS- face ao disposto no artigo 99º, n.º1, o qual na alínea a) não exceciona da obrigação de retenção deste tipo de rendimentos. Tal posição foi transmitida ao exequente. Todavia, o exequente, bem sabendo da falta de fundamento para litigar, optou por fazê-lo, pelo que deve ser condenado como litigante de má-fé em multa a fixar pelo Tribunal e ainda em indemnização à executada que compense os custos associados ao presente pleito, designadamente com honorários de mandatário, que fixa em €1.500,00.
Conclui pedindo que os embargos sejam julgados procedentes e o exequente seja condenado como litigante de má-fé, nos termos acima expostos.
Cumprido o disposto no artigo 732º, n.º2 do C.P.C., o embargado/exequente veio apresentar contestação, aduzindo que importa indagar da real vontade das partes. E se assim se proceder verificar-se-á que as partes estabeleceram o valor exacto de cada uma das prestações, sendo que a própria executada pagou ao exequente a primeira prestação, logo a 6.12.2021, no montante liquido de €5.000,00, o que reflecte, inequivocamente, que a vontade real das partes era a do exequente receber da executada a quantia liquida de €30.000,00.
Por fim, alega que não usou na execução qualquer facto que não correspondesse à verdade, não alterou conscientemente qualquer facto que soubesse ser verdadeiro, nem fez uso indevido do processo, pelo que não há qualquer fundamento para a sua condenação como litigante de má-fé.
Termina pedindo a improcedência da oposição à execução por embargos e do pedido da sua condenação como litigante de má-fé.
I.2 Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixada a matéria de facto assente considerada relevante para a decisão de mérito da causa, seguido da prolação desta, que se mostra concluída com o dispositivo seguinte:
Pelo exposto, decido :
a) Julgar a presente oposição, mediante embargos, deduzida pelo embargante/executada A..., S.A. procedente, por provada e, em consequência, determinar a extinção da execução, a que os presentes autos correm por apenso.
b) Julgar improcedente o pedido de condenação do embargado /exequente AA, como litigante de má-fé e, em consequência, absolver o mesmo de tal pedido.
Custas da presente oposição, mediante embargos pelo exequente/embargado e pela executada / embargante, na proporção de 98% para o primeiro e 2% para a segunda, atenta a improcedência do pedido de litigância de má-fé- cfr. artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Custas da execução pelo exequente /embargado.
Valor da oposição, mediante embargos - €11.976,68.
[..]».
I.3 Inconformada com a decisão, o exequente/autor apresentou recurso de apelação. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
A. O recorrente impugna a douta sentença proferida sobre a matéria de facto, sendo que o único ponto de facto que considera incorrectamente julgado é o seguinte:
Dos factos provados:
Ponto 4: “As quantias pagas em 2022 reportam-se à quantia ilíquida de €5.139,50, tendo sido descontados, em cada um dos meses, os montantes de €2.402,40; €2.629,40; €2.317,40; €2.983,40; e €2.756,40, respectivamente, a titulo de retenção de IRS.
B. Para julgar como provado esse ponto 4 dos factos provados, o tribunal a quo valorou “(…) os documentos de folhas 5- 7 verso, apresentados com os presentes embargos, que correspondem aos recibos de vencimento emitidos pela embargante em nome do embargado, após a transação”.
C. Salvo melhor opinião e salvo o devido respeito, entendemos que deve ser julgado como não provado esse ponto 4 dos factos provados. Isto porque, os recibos de vencimento juntos pela executada na oposição à execução, são recibos provisórios (conforme consta dos mesmos: “r. provisório”) e a executada nem sequer fez prova do pagamento das alegadas retenções.
D. Pelo que, salvo o devido respeito e salvo melhor opinião, tendo o exequente impugnado esses documentos e alegado na sua contestação que a executada não fez prova do pagamento das alegadas retenções, o tribunal a quo não podia dar como provado, com base nesses documentos, que a executada descontou aquelas quantias “(..) a título de retenção de IRS” [cfr. artigos 1.º, 2.º e 20.º da contestação dos embargos e pág. 3 da douta sentença].
E. A executada tinha de provar, e (salvo melhor opinião) não provou, nem depois de ter sido notificada da contestação deduzida pelo executado (o que podia ter feito nos termos do art.º 423.º, n.º 2, do CPC), que descontou aquelas quantias a título de retenção de IRS e que procedeu ao pagamento das respectivas retenções.
F. Nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do CC, essa prova competia à executada, pois no requerimento executivo o exequente reclamou que se encontrava em falta a quantia de € 11.491,50 [cfr. artigos 1.º a 8.º do requerimento executivo].
G. Assim, tanto as razões de Direito, como as provas, que acima invocamos, impõem decisão diversa da recorrida, razão pela qual deve ser julgado como não provado o seguinte facto (ponto 4):
As quantias pagas em 2022 reportam-se à quantia ilíquida de €5.139,50, tendo sido descontados, em cada um dos meses, os montantes de €2.402,40; €2.629,40; €2.317,40; €2.983,40; e €2.756,40, respectivamente, a titulo de retenção de IRS.
H. Pelo exposto: o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 342.º, n.º 2, do CC, bem como o disposto no artigo 607.º, n. ºs 4 e 5, do CPC, razão pela qual deve ser revogada a douta sentença recorrida e, consequentemente, ser julgada improcedente a oposição à execução por embargos.
2.ª questão: [É subsidiária da anterior]
I. Caso Vossas Excelências, Venerandos(as) Juízes Desembargadores(as), decidam julgar improcedente a impugnação da matéria de facto supra, o que só por mera hipótese académica se admite, sempre se dirá que, por não constar da transacção dos autos declarativos que o montante de € 30.000,00 é líquido de contribuições e impostos, não se pode, de per si, concluir-se que é ilíquido, conforme decidiu o tribunal a quo.
J. Nestes autos, por transação datada de 26/11/2021, a executada obrigou-se a pagar ao exequente a quantia de € 30.000,00 da seguinte forma:
A ré, reconhece ser devedora da quantia supra mencionada e obriga-se a pagar a referida quantia ao autor em seis (6) prestações iguais, mensais e sucessivas, no valor de cinco mil euros (€ 5.000,00), vencendo-se a primeira no próximo dia 8 de Dezembro e as restantes em igual dia dos meses imediatamente subsequentes.” [cfr. ponto 1 dos factos provados].
K. E a executada, efectivamente, pagou ao exequente a 1.ª prestação, logo em 06/12/2021, no montante de € 5.000,00 líquido [cfr. ponto 4 dos factos provados].
L. O que reflecte, salvo o devido respeito e salvo melhor opinião, inequivocamente, a vontade real das partes, que era a de o exequente receber da executada a quantia de € 30.000,00 líquida, “(…) em seis (6) prestações iguais, mensais e sucessivas, no valor de cinco mil euros (€ 5.000,00)”, conforme consta do acordo [cfr. ponto 1 dos factos provados].
M. Melhor dizendo, se a vontade real das partes fosse sujeitar a descontos a quantia de € 30.000,00, seguramente que a executada teria efectuado a retenção logo na 1.ª prestação e não teria pago ao exequente a quantia de € 5.000,00 líquida.
N. Sucede ainda que, ficou provado que a partir da 2.ª prestação e até à última (6.ª), a executada passou ao exequente os seguintes montantes, que não constam da cláusula 2.ª da transação homologada por douta sentença nos autos declarativos [cfr. ponto 4 dos factos provados]:
€ 2.917,10 em Janeiro de 2022;
€ 2.690,10 em Fevereiro de 2022;
€ 3.002,10 em Março de 2022;
€ 2.336,10 em Abril de 2022;
€ 2.563,10 em Maio de 2022.
O. Pelo que, a actuação da executada vai mesmo contra o texto exarado na transacção homologada por douta sentença.
P. O montante que consta da cláusula 2.ª do acordo celebrado entre as partes é de € 5.000,00 e só se poderá concluir que é líquido, pois: 1) é esse montante que o exequente reclama nestes autos a título de prestação mensal; e 2) a executada pagou-o ao exequente logo na 1.ª prestação.
Q. E sendo as “(…) seis (6) prestações iguais (…)”, outra interpretação não se pode retirar da transacção (salvo melhor opinião), que não a de a ré ter de efectuar o pagamento das restantes cinco prestações no montante em falta, até perfazer € 5.000,00 líquidos, em cada uma delas [cfr. ponto 1 dos factos provados].
R. Em suma: o tribunal a quo violou o disposto no artigo 238.º do CC, bem como o disposto no artigo 607.º, n. os 4 e 5, do CPC, razão pela qual deve ser revogada a douta sentença recorrida e, consequentemente, ser julgada improcedente a oposição à execução por embargos.
Termos em que:
Deve este recurso ser julgado procedente, modificando-se e revogando-se a douta sentença recorrida nos termos peticionados nas conclusões que antecedem. Contudo, Vossas Excelências, Venerandos/as Desembargadores/as, como quer que decidam farão seguramente Justiça!
I.4 A Recorrida apresentou contra alegações, que sintetizou nas conclusões seguintes:
A – O recorrente inverte o ónus de prova para tentar obter por via do presente recurso o ganho de causa que não logrou obter na execução.
B - A execução funda-se no facto de uma parcela do montante de 30.000 euros de compensação global pela cessação do vínculo laboral não ter sido entregue ao trabalhador.
C - Competia ao exequente dizer e demonstrar que, não só lhe não foi entregue tal montante, como também não foi entregue à administração fiscal a título de contribuições de IRS.
D - O objeto da execução funda-se no único argumento segundo o qual o acordo alcançado tinha como real previsão o pagamento do montante de 30.000 euros líquidos ao trabalhador, conforme resulta claramente da contestação aos embargos apresentada.
E - Daquela contestação ressalta a linha de argumentação centrada na discussão da liquidez ou não do valor acordado, sendo que, a final, se alega, à cautela, que além do mais não prova a embargante que tenha liquidado o valor retido junto da A.F.
F - Sucede que, não é objeto do processo indagar se a quantia retida pela embargante foi efetivamente entregue à A.F. ou não, sendo essa matéria da esfera da relação jurídica da embargante com a dita A.F., sendo o embargado alheio a esse facto.
G - Conforme resulta no andamento normal da relação laboral, ao trabalhador são pagos os seus créditos, com retenção dos respetivos montantes de impostos e segurança social, cuja obrigação de entrega pertence à entidade empregadora, e não ao trabalhador, pelo que acaso se verifique esse incumprimento é a entidade empregadora que é chamada à pedra por esse facto.
H - Quanto à questão do montante acordado dever ser pago de forma líquida ou ilíquida, a sentença recorrida já resolveu a questão, de forma aprofundada, e recorrendo à jurisprudência sobre a matéria, na esteira do que aliás já tinha sido esgrimido em sede de oposição à execução, pelo que não se vislumbra qualquer reparo à decisão aqui posta em causa.
Termos em que, confirmando integralmente a sentença, e indeferindo o recurso interposto, se fará a costumada Justiça!
I.5 O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-seno sentido de que deverá confirmar-se a sentença recorrida, negando-se provimento ao recurso, na consideração do seguinte:
-«[..]
2. Quanto à matéria de facto entende-se que deveria o Recorrente cumprir com o determinado pelo art.º 640º do CPC, ou seja indicar os concretos pontos de facto que considera mal julgados, os meios de prova que determinavam julgamento diferente e o sentido em que deveriam ter sido julgados.
Embora indique o ponto que considera mal julgado, não vem indicado diferente meio ou meios de prova que impunham decisão diversa e o sentido em que deveriam ser julgados.
3. A questão da entrega das quantias retidas à Administração Tributária não sendo relevante, também, não está demonstrado que as não tenha entregue.
Mas não entregando a Recorrente as quantias retidas à Administração Tributária, então seria responsabilizado por isso, poderia mesmo cometer um crime.
Para além de que sendo estas quantias provenientes de créditos laborais, referentes ao trabalho do autor, então o IRS é devido, devendo tal facto ser acautelado no momento da transação, pois a regra é a de pagar imposto.
Com a instauração da presente acção, o autor, agora exequente/embargado, pretendia ver reconhecidos créditos laborais, relativos a acréscimos remuneratórios em dias de folga, a descanso compensatório não concedido e 12 dias de férias não gozadas , nos períodos de 1 de Janeiro a 30 de Setembro de 2017, de 1 de Outubro a 31 de Dezembro de 2017; ao ano de 2018; de 1 de Janeiro a 30 de Junho de 2019 e de 1 de Julho a 4 de Novembro de 2019, ou seja, em relação às quais é obrigatório o pagamento de IRS.
Por isso compreende-se que se dê como provado que as quantias pagas em 2022 reportam-se à quantia ilíquida de €5.139,50, tendo sido descontados, em cada um dos meses, os montantes de €2.402,40; €2.629,40; €2.317,40; €2.983,40; e €2.756,40, respectivamente, a titulo de retenção de IRS.
A regra, nestes casos, como referido, é a de pagar IRS.
[..]».
I.6 Colhidos os vistos legais, determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas para apreciação pela recorrente consistem em saber se o Tribunal a quo errou quanto ao seguinte:
i) Na decisão sobre matéria de facto, ao considerar provado o que consta no ponto 4;
ii) Subsidiariamente, se errou na interpretação da transacção homologada por sentença.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte:
1.No âmbito do processo comum, a que estes autos e a execução se encontram apensos, no dia agendado para a audiência final, as partes outorgaram transação com o seguinte teor:
- «1ª O autor reduz o pedido à quantia trinta mil euros (€ 30.000,00), que a ré se obriga a pagar-lhe, a título de compensação pecuniária, de natureza global, pela cessação do contrato de trabalho, declarando nada mais ter a receber da aqui ré.
2.ª A ré, reconhece ser devedora da quantia supra mencionada e obriga-se a pagar a referida quantia ao autor em seis (6) prestações iguais, mensais e sucessivas, no valor de cinco mil euros (€ 5.000,00), vencendo-se a primeira no próximo dia 8 de Dezembro e as restantes em igual dia dos meses imediatamente subsequentes.
3.ª O pagamento das referidas prestações será efetuado pela ré, mediante transferência bancária, para conta titulada pelo autor, cujo IBAN é do seu conhecimento por ser aquele onde lhe liquidava os salários.
4.ª As custas serão pagas em partes iguais, pelo autor e pela ré, prescindindo ambos de custas de parte».
2. Com a instauração da presente acção, o ali autor, agora exequente/embargado, pretendia ver reconhecidos créditos laborais, relativos a acréscimos remuneratórios em dias de folga, a descanso compensatório não concedido e 12 dias de férias não gozadas, nos períodos de 1 de Janeiro a 30 de Setembro de 2017, de 1 de Outubro a 31 de Dezembro de 2017; ao ano de 2018; de 1 de Janeiro a 30 de Junho de 2019 e de 1 de Julho a 4 de Novembro de 2019.
3. Na contestação a ali ré, agora executada /embargante não aceitou serem devidos os créditos referidos em 2.
4. No cumprimento do acordo alcançado a embargante /executada pagou ao embargado/exequente as seguintes quantias:
- €5.000,00 em Dezembro de 2021;
- €2.917,10 em Janeiro de 2022;
- €2.690,10 em Fevereiro de 2022;
- €3.002,10 em Março de 2022;
- €2.336,10 em Abril de 2022;
- €2.563,10 em Maio de 2022, conforme recibos de folhas 5-7 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4.As quantias pagas em 2022 reportam-se à quantia ilíquida de €5.139,50, tendo sido descontados, em cada um dos meses, os montantes de €2.402,40; €2.629,40; €2.317,40; €2.983,40; e €2.756,40, respectivamente, a título de retenção de IRS.
*
Factos não provados:
Para além dos factos acima elencados, nada mais se provou.
II.2 Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
O recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, por no seu entender o Tribunal a quo ter errado ao considerar provado o ponto 4, onde consta o seguinte:
- “As quantias pagas em 2022 reportam-se à quantia ilíquida de €5.139,50, tendo sido descontados, em cada um dos meses, os montantes de €2.402,40; €2.629,40; €2.317,40; €2.983,40; e €2.756,40, respectivamente, a titulo de retenção de IRS.
Pretende que se considere não provado o aludido ponto.
Como sabido, pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
No que concerne ao que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
Atentos esses princípios, constata-se que o recorrente cumpriu os ónus de impugnação que no caso lhe cabia cumprir, assinalando-se, face à questão suscitada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, que tal como decorre logo das conclusões, os meios de prova invocados pelo recorrente são os recibos que o Tribunal a quo valorou.
Nada obsta, pois, à reapreciação.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, abrangendo esse facto, o Tribunal a quo refere o seguinte:
Foram, ainda, valorados os documentos de folhas 5- 7 verso, apresentados com os presentes embargos, que correspondem aos recibos de vencimento emitidos pela embargante em nome do embargado, após a transação».
Para sustentar a impugnação, o recorrente alega, no essencial, que tendo impugnado os documentos referidos pelo Tribunal a quo e alegado na sua contestação que a executada não fez prova do pagamento das alegadas retenções, não podia ser dar como provado, com base nesses documentos, que a executada descontou aquelas quantias “(..) a título de retenção de IRS”. A executada tinha de provar, nos termos do art.º 342.º1, CC, e não provou, que descontou aquelas quantias a título de retenção de IRS e que procedeu ao pagamento das respectivas retenções. Alega, ainda, que os recibos são “provisórios”.
Contrapõe a recorrida que o recorrente inverte o ónus de prova para tentar obter por via do presente recurso o ganho de causa que não logrou obter na execução. A execução funda-se no facto de uma parcela do montante de 30.000 euros de compensação global pela cessação do vínculo laboral não lhe ter sido entregue, pelo que lhe competia alegar e demonstrar que não só lhe não foi entregue tal montante, como também não foi entregue à administração fiscal a título de contribuições de IRS. Mais refere que não é objeto do processo indagar se a quantia retida pela embargante foi efetivamente entregue à A.F. ou não, sendo essa matéria da esfera da relação jurídica da embargante com a dita A.F. Sobre si recai a obrigação de retenção dos respetivos montantes de impostos e segurança social sobre créditos laborais e a obrigação de entrega.
Passando à apreciação, diremos desde já que não assiste razão ao recorrente.
Na oposição a executada alegou o seguinte:
3.º As quantias pagas pela A... decorrentes de indemnizações fixadas em tribunal pelo incumprimento da legislação laboral decorrentes da extinção dos contratos de trabalho integra plenamente o conceito de rendimento de trabalho dependente previsto na alínea e) do n.º 3 do artigo 2º do CIRS, o qual inclui na referida Categoria: “Quaisquer indemnizações resultantes da constituição, extinção ou modificação de relação jurídica que origine rendimentos do trabalho dependente, incluindo as que respeitem ao incumprimento das condições contratuais ou sejam devidas pela mudança de local de trabalho, sem prejuízo do disposto no número seguinte e na alínea f) do n.º 1 do artigo seguinte”.
Assim sendo, a A... está obrigada a reter o imposto que se mostre devido – ou seja sempre que a indemnização exceda o limite da isenção prevista no n.º 4 do artigo 2º do CIRS – face ao disposto no artigo 99º, n.º 1, o qual na alínea a) não exceciona da obrigação de retenção este tipo de rendimentos.
[..]
6º Esta posição foi transmitida ao exequente, demonstrando os fundamentos que presidiram à retenção de IRS, ilustrada nos recibos que ora se juntam sob Docs. 1 a 6. Ainda assim,
[..]».
Nos recibos em causa, como refere o Tribunal a quo, constam os valores pagos pela executada embargante ao exequente, verificando-se que aquela deles fez constar, nos respeitantes aos meses de Janeiro de 2022, Fevereiro de 2022, Março de 2022, Abril de 2022 e Maio de 2022, ter procedido a retenção na fonte de determinadas quantias, calculadas às taxas que indica.
Na contestação ao requerimento de oposição à execução, o exequente pronunciou-se sobre esses documentos como segue:
«02. O exequente impugna os documentos juntos pela executada na douta oposição à execução, quanto aos efeitos e consequente prova que com os mesmos pretenda fazer».
Conforme estabelece o n.º2, do art.º 732.º do CPC, “Se forem recebidos os embargos, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo”.
Daí resulta que à contestação aplicam-se as regras do art.º 574.º do CPC, no que aqui releva, os n.ºs 1 e 2, onde se dispõe:
1 - Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor.
2 - Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior.
Vale isto por dizer que se o exequente tinha fundamento para pôr em causa a afirmação da executada no art.º 6.º do seu articulado, ou seja, (que lhe transmitiu) ter procedido à retenção dos valores que indica nos recibos, aplicando às taxas ali mencionadas, para efeitos de IRS, não lhe bastava dizer que “impugna[va] os documentos juntos pela executada na douta oposição à execução, quanto aos efeitos e consequente prova que com os mesmos pretenda fazer”, antes lhe cumprindo tomar posição definida. Desde logo, se porventura entende que tal tem alguma relevância, o facto de nos recibos constar manuscrita a indicação “provisório”.
Sucede que a sua alegação sobre os aludidos documentos se limitou ao que consta transcrito. Tudo o mais que alegou visou defender a sua interpretação sobre o sentido e alcance dos termos da transação homologada por sentença.
Por conseguinte, não vimos que haja razão válida para obstar a que o tribunal a quo, na sua livre convicção [art.º 607.º 5, do CPC], considerasse provado o que consta no ponto 4, cabendo deixar assinalado, para repor o rigor das coisas, que nele não se afirma que a executada entregou aquelas quantias na administração fiscal, mas antes que descontou os montantes ali mencionados “a titulo de retenção de IRS.”, que é coisa bem diferente.
Por último, importa sublinhar, não está aqui em causa apurar se a executada efectivamente entregou à administração fiscal as quantias retidas com aquela justificação, mas antes interpretar os termos da transação celebrada entre o exequente e aquela e homologada por sentença na acção declarativa, ou seja, como o próprio exequente afirmou na contestação ao requerimento de oposição à execução “[03] A questão que se discute nestes autos é a de saber se a quantia de 30.000,00 €, acordada a título de compensação pecuniária de natureza global a favor do trabalhador, é líquida (posição do exequente) ou ilíquida (posição da executada)”.
Daí que, contrariamente ao entendido pelo exequente, não recaía sobre a executada o ónus de alegação e prova de ter procedido à entrega na administração fiscal dos valores que não lhe pagou e reteve para efeitos de IRS do exequente. A jusante, se porventura a exequente não entregou à autoridade fiscal a quantia retida para efeitos de IRS, na devida sede, poderá o recorrente suscitar a questão para que sejam retirados os efeitos do incumprimento dessa obrigação pela executada.
Por conseguinte, atendendo a este quadro, não vimos que haja fundamento válido para imputar ao Tribunal a quo o alegado erro ao considerar provado o que consta ponto 4.
Improcede, pois, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.3 MOTIVAÇÃO de DIREITO
Insurge-se o recorrente contra a decisão por alegado erro na aplicação do direito, quanto à interpretação da transação celebrada entre as partes na acção declarativa e homologada por sentença - reproduzida no ponto provado 1 -, como seguinte teor:
- “1ª O autor reduz o pedido à quantia trinta mil euros (€ 30.000,00), que a ré se obriga a pagar-lhe, a título de compensação pecuniária, de natureza global, pela cessação do contrato de trabalho, declarando nada mais ter a receber da aqui ré.
2.ª A ré, reconhece ser devedora da quantia supra mencionada e obriga-se a pagar a referida quantia ao autor em seis (6) prestações iguais, mensais e sucessivas, no valor de cinco mil euros (€ 5.000,00), vencendo-se a primeira no próximo dia 8 de Dezembro e as restantes em igual dia dos meses imediatamente subsequentes.
3.ª O pagamento das referidas prestações será efetuado pela ré, mediante transferência bancária, para conta titulada pelo autor, cujo IBAN é do seu conhecimento por ser aquele onde lhe liquidava os salários.
4.ª As custas serão pagas em partes iguais, pelo autor e pela ré, prescindindo ambos de custas de parte.
O Tribunal a quo pronunciou-se conforme segue:
A questão a dirimir neste incidente de oposição, mediante embargos, traduz-se, como acima já se referiu, em saber se as partes acordaram no pagamento de uma quantia liquida ou ilíquida a titulo de compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho, mais concretamente se tal compensação estava ou não sujeita a IRS e à sua retenção da fonte.
Do acervo factual dado como provado, decorre que no âmbito da acção declarativa as partes acordaram na redução do pedido para a quantia de trinta mil euros (€ 30.000,00), a título de compensação pecuniária, de natureza global, pela cessação do contrato de trabalho, não discriminando que parte ou partes do pedido esse montante se destinava a ressarcir, nem esclarecendo se o mesmo era liquido ou ilíquido. Quanto ao modo e prazo de pagamento, as partes acordaram, ainda, que a referida quantia seria paga pela ré ao autor em seis (6) prestações iguais, mensais e sucessivas, no valor de cinco mil euros (€ 5.000,00), vencendo-se a primeira no próximo dia 8 de Dezembro e as restantes em igual dia dos meses imediatamente subsequentes.
Nos termos do artigo 1248º, do Código Civil “1. A transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litigio mediante reciprocas concessões.
2. As concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.”
A transação judicial constitui uma espécie desse tipo contratual, que se caracteriza pelo facto de ocorrer no âmbito de um processo pendente no tribunal, estando sujeita a homologação judicial e conduzindo, quando válida, à extinção da causa, nos precisos termos em que se efectua – cfr. artigos 277º, al. d); 283º, n.º2; 284º; 289º, n.º1; e 290º, todos do Código de Processo Civil.
A transação e a decisão que a homologa devem ser interpretadas à luz dos princípios e das regras gerais da interpretação das declarações negociais, desde logo a prevista no artigo 236º, n.º1 do Código Civil, nos termos do qual “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não poder razoavelmente contar com ele.” Sendo que, como estabelece o n.º 2 do mesmo preceito legal “sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”
Todavia, caso se trate de um negócio formal- isto é, sujeito por força da lei a forma especial-, como acontece com a transação judicial, haverá ainda que ter em conta o disposto no artigo 238º do Código Civil, segundo o qual “Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tem um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.”, exceto se esse sentido corresponder à real vontade das partes e à sua validade se não opuserem as razões determinantes da forma do negócio, como resulta do n.º 2 do artigo em referência.
Seguindo o entendimento de Antunes Varela, no percurso a efectuar em sede de interpretação das declarações negociais, importará atender, em primeiro lugar ao critério previsto no n.º 2 do artigo 236º, ou seja, à vontade real das partes, de tal modo que “(..) a declaração não vale de harmonia com a vontade real do declarante, sempre que esta seja conhecida do declaratário. Mesmo que a declaração negocial seja equívoca e aponte até, de preferência, para um outro sentido, quando objectivamente considerada, é de acordo com a vontade real do declarante que ela valerá, sempre que o declaratário a conheça, ou devesse conhecê-la, agindo com a diligência requerida. Só assim não poderá ser, no âmbito dos negócios formais, quando no caso proceda a ressalva consagrada no artigo 238º. O segundo critério é o fixado no n.º1 deste artigo 236º: Não conhecendo o declaratário nem devendo razoavelmente conhecer, a vontade real do declarante, a declaração vale com o sentido (objectivo) que um declaratário normal (medianamente arguto e diligente), colocado na situação do declaratário real( tendo por conseguinte à mão, para a interpretação do negócio, todos os elementos informativos de que dispõe) puder deduzir do comportamento do declarante. Só assim não será, nos termos da parte final do preceito, se o declarante não pudesse, mesmo procedendo com a diligência exigível, contar com esse sentido acessível ao declaratário” (na Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 116, pág. 190).
Subsidiariamente, para os casos em que subsistam dúvidas, não resolúveis mediante recurso aos critérios previstos no artigo 236º, n.º1 e 2- ou seja, não sendo conhecida pelo declaratário a vontade real do declarante (nem tendo este possibilidade de a conhecer, nos termos do artigo 236º), sendo duvidoso o sentido da declaração acessível ao declaratário normal, colocado no seu lugar, ou questionável se o declarante podia ou não razoavelmente contar com o sentido acessível ao declaratário, divergente da sua vontade real- tem aplicação o critério supletivo previsto no artigo 237º do Código Civil, segundo o qual “ Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações” (nesse sentido, Antunes Varela, ob. cit. pág. 190).
Reportando-nos ao caso dos presentes autos, as partes acordaram no pagamento de determinada quantia e não estipularam que a mesma fosse liquida.
É certo que estabeleceram que o montante global seria pago em 6 prestações de €5.000,00 cada, e que a executada pagou a primeira prestação por esse valor e as demais por valor inferior, na medida em que procedeu à retenção de IRS, conforme melhor resulta dos recibos.
Considerando a data da transação importa verificar o que dizem as disposições legais do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS).
Assim, nos termos do artigo 2º, n.º1, al. a) deste diploma legal “consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de: (..)Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado; (..)”
Por sua vez, o n.º3, alínea e) considera, ainda, rendimentos do trabalho “(..) Quaisquer indemnizações resultantes da constituição, extinção ou modificação de relação jurídica que origine rendimentos do trabalho dependente, incluindo as que respeitem ao incumprimento das condições contratuais ou sejam devidas pela mudança de local de trabalho, sem prejuízo do disposto no número seguinte e na alínea f) do n.º 1 do artigo seguinte;(..)”.
E o n.º 4 , alínea b) deste preceito legal ( artigo 2º) estabelece que “ Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, mas sem prejuízo do disposto na alínea d) do mesmo número, quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista, ou se verifique a cessação das funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente, as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação(..) Na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos, salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade.(..)”
Finalmente preceitua o artigo 99º, n.º1, al. a) que “São obrigadas a reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos respetivos titulares as entidades devedoras(..) De rendimentos de trabalho dependente, com exceção dos rendimentos em espécie e dos previstos na alínea g) do n.º 3 do artigo 2.º;(..)” “Das referidas normas decorre, como principio geral, a sujeição a IRS dos rendimentos do trabalho dependente e a necessidade de as entidades devedoras desses rendimentos cumprirem as obrigações fiscais, no caso através da retenção do imposto.” (cfr. Acórdão do STJ de 25.02.2009, disponível em www.dgsi.pt).
Não há dúvidas que, regra geral, quando as partes acordam o pagamento de uma quantia a titulo de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contato pretendem o recebimento de uma quantia liquida. E assim sucederia desde que o valor acordado se encontrasse dentro dos limites de isenção fiscal concedida a esse propósito. Nesta medida, no caso dos autos, tendo as partes acordado no pagamento de determinada quantia e não tendo estipulado que a mesma fosse liquida, não pode a executada /embargante deixar de cumprir com os seus deveres fiscais, atento o teor dos preceitos legais acima transcritos, sob pena de incorrer em ilícito fiscal.
Deste modo, nada tendo as partes referido quanto à natureza, liquida ou ilíquida, da quantia acordada, deve-se entender, de acordo com os princípios e regras gerais da interpretação, que a quantia em causa é ilíquida, já que se queriam que a mesma fosse liquida deveriam tê-lo referido expressamente. Com efeito, não tendo as partes se acautelado que o valor era líquido, nem que se encontrava a coberto de isenção fiscal, não pode a executada/embargante deixar de proceder ao pagamento das suas obrigações fiscais.
A defender idêntico entendimento, para além do Acórdão anteriormente referido, cita-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 27.11.2020 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 23.03.2022 (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt). Neste último pode ler-se no sumário o seguinte “nada tendo as partes mencionado quanto à natureza, liquida ou bruta, de uma compensação pecuniária global acordada a favor da trabalhadora, deve entender-se que a quantia é bruta, pois se as partes quisessem que fosse liquida haviam de o fazer constar expressamente, tanto mais que, de todo o modo, a devedora sempre terá de cumprir as obrigações fiscais que ao caso couberem atento o valor acordado”
Assim, sendo omissa a transação quanto à natureza da quantia acordada, a titulo de compensação pecuniária de natureza global, e encontrando-se na sua origem créditos de natureza laboral, outra alternativa não restava à executada /embargante do que proceder à retenção do imposto, como fez. É certo que só começou a fazer a retenção do imposto aquando do pagamento da segunda prestação, mas dai não decorre que as partes acordaram que a quantia a pagar pela executada/embargante é liquida.
À luz do exposto terá de proceder a oposição à execução, mediante embargos».
Para sustentar a sua discordância, defende o recorrente, no essencial, o seguinte:
-A executada pagou ao exequente a 1.ª prestação, logo em 06/12/2021, no montante de € 5.000,00 líquido, o que reflecte inequivocamente a vontade real das partes, que era a de o exequente receber da executada a quantia de € 30.000,00 líquida; se a vontade real das partes fosse sujeitar a descontos a quantia de € 30.000,00, a executada teria efectuado a retenção logo na 1.ª prestação e não lhe teria pago a quantia de € 5.000,00 líquida.
- O montante que consta da cláusula 2.ª do acordo celebrado entre as partes é de € 5.000,00, e sendo as “(…) seis (6) prestações iguais (…)”, outra interpretação não se pode retirar da (..) transacção, que não a de a ré ter de efectuar o pagamento das restantes cinco prestações no montante em falta, até perfazer € 5.000,00 líquidos».
Contrapõe a recorrida a sentença recorrida já resolveu a questão, de forma aprofundada, e recorrendo à jurisprudência sobre a matéria, na esteira do que já tinha sido por si esgrimido em sede de oposição à execução, pelo que não vislumbra qualquer reparo à decisão.
Pois bem, diremos de antemão que concordamos com a decisão recorrida que, como referido pela recorrida, apreciou aprofundadamente a questão e alicerçou o entendimento afirmado na doutrina e jurisprudência de que faz criteriosa invocação e citação.
Deve deixar-se devidamente assinalado, de resto como se retira da leitura da decisão, que o Tribunal a quo cuidou de dar resposta clara e assertiva às questões suscitadas pelo recorrente na contestação à oposição, entre elas que agora vem aqui reiterar. Visto noutra perspectiva, vale isto por dizer que o recorrente nem tão pouco traz qualquer argumento jurídico para pôr em causa a fundamentação na parte em se pronunciou sobre estes argumentos, ou seja, os agora simplesmente reiterados no recurso, limitando-se a manifestar a sua discordância com o decidido.
Com o devido respeito, afirma-se a discordância – que é legítima – mas não se aduzem argumentos válidos para a sustentar, como era necessário.
Ora, o direito ao recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa, mas apenas permitir-lhe a discussão sobre determinados pontos concretos, que na perspectiva do recorrente foram incorrectamente mal julgados, para tanto sendo necessário que se indiquem os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, que lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida. Em poucas palavras, o recorrente deve expor ao tribunal ad quem as razões da sua discordância, procurando convencer da sua pertinência, a fim de que este tribunal se debruce sobre elas e decida se procedem ou não.
Concordando-se com a fundamentação do Tribunal a quo, entendendo-se que esta dá cabal resposta às questões suscitadas pelo recorrente e, como se disse, não trazendo este aqui qualquer argumento novo, máxime jurídico, nem servindo o recurso para um segundo julgamento da causa, diremos apenas algo mais para evidenciar a desrazão do recorrente,
O que está em causa é a interpretação das declarações de vontade das partes ao celebrarem a transacção, à luz da regra estabelecida no n.º1, do art.º 236.º do CC, entendendo-se que “o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante”.
Não esqueçamos que as partes estavam necessariamente patrocinadas por mandatários forenses, bem assim que a transação foi celebrada antes do julgamento, ou seja, perante o juiz, que em seguida a homologou por sentença.
As partes não podiam desconhecer, mormente o exequente, que os rendimentos obtidos pelo trabalho estão sujeitos a IRS, recaindo sobre a entidade empregadora a obrigação legal de proceder à sua retenção, aplicando as taxas previstas na lei, para subsequentemente proceder à sua entrega à administração fiscal.
Como se retira do facto 2, na acção declarativa o autor reclamou um conjunto de créditos laborais, que caso a acção prosseguisse e lhe fossem reconhecidos estariam necessariamente sujeitos a IRS.
Transigindo, o ali autor acordou reduzir “[..] o pedido à quantia trinta mil euros (€ 30.000,00), que a ré se obriga a pagar-lhe, a título de compensação pecuniária, de natureza global, pela cessação do contrato de trabalho, declarando nada mais ter a receber da aqui ré”.
Se porventura o autor tinha em mente receber esse valor líquido e a ali Ré aceitasse transigir nesses termos - o que significava que esta, para além daquele valor, teria que suportar os valores correspondentes ao IRS devidos pelo autor -, então deveria tal constar expressamente da transação. Nada constando, só pode entender-se que as partes não quiseram acordar coisa diferente do que normalmente decorreria daquela cláusula, ou seja, a Ré aceitar pagar 30 000,00 €, em 6 prestações de € 5 000,00, mas cumprindo necessariamente o dever de reter os valores que nos termos do CIRS fossem devidos.
Neste quadro, como refere o Tribunal a quo “É certo que [a executada] só começou a fazer a retenção do imposto aquando do pagamento da segunda prestação, mas dai não decorre que as partes acordaram que a quantia a pagar pela executada/embargante é liquida”.
Por conseguinte, improcede o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso nos termos seguintes:
i) Improcedente a impugnação da matéria de facto;
ii) Improcedente na vertente de impugnação por alegado erro de direito, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas do recurso a cargo do recorrente (art.º 527.º n.º2, CPC).

Porto, 5 de Junho de 2023
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Teresa Sá Lopes