Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | LUÍS COIMBRA | ||
Descritores: | MEDIDAS DE COAÇÃO PRISÃO PREVENTIVA | ||
Nº do Documento: | RP2023062197/23.5PDPRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/21/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO A RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO | ||
Indicações Eventuais: | 1. ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | No caso vertente, relativo à prática de crime de tráfico de estupefacientes, as medidas de coação de apresentações periódicas, proibição de frequentar locais conotados com o tráfico de estupefacientes (à exceção do bairro onde mora o arguido) e proibição de contactos com pessoas conotadas com o tráfico de estupefacientes (incluindo um coarguido), que levam a um controlo muito apertado por parte das autoridades policias, mostram-se adequadas e suficientes para afastar o perigo de continuação da atividade criminosa. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo nº 97/23.5PDPRT-A.P1 Comarca do Porto Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 5 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO 1. Nos autos de Inquérito com o nº 97/23.5PDPRT, que originaram o presente recurso em separado, na sequência do primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos, pela Sra. Juíza de Instrução Criminal (JIC), no dia 14.02.2023, foi proferido despacho impondo aos arguidos AA e BB, como medidas de coação, que ficassem “sujeitos às obrigações decorrentes do Termo de Identidade e Residência já prestado, bem como a apresentações de carácter trissemanal (o arguido AA, segundas, quartas e sábados) e diárias (o arguido BB), a efectuar entre as 08:00 e as 21:00 horas, no posto policial da área das respectivas áreas de residência; sujeitos ainda à proibição de frequentar locais desta Cidade conotados com o tráfico de estupefacientes (exceptuando os bairros em que residem), proibição de contactar pessoas conotadas com o tráfico e proibição de contactarem entre si – tudo conforme os artigos 191.º, 193.º, 196.º, 198.º, 200.º, n.º 1, al. d), e 204.º, al. c), todos do Código de Processo Penal.” 2. Inconformado com a decisão, na parte respeitante ao arguido BB[1], dela interpôs recurso o Ministério Público, finalizando a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição): “-Existem nos autos fortes indícios da prática pelo arguido BB do crime de Tráfico de Estupefacientes na previsão do artº 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22.1, com referência à Tabela I-B, anexa a tal diploma, punível, em abstrato, com pena de prisão de 4 a 12 anos. - Trata-se de crime de natureza dolosa e mostram-se, assim, sem qualquer dúvida, preenchidos os requisitos específicos para aplicação da prisão preventiva ao arguido, definidos no art. 202.º, n.º 1, als. a), b) e c], do CPP. - Com efeito a M.ma Juiz de Instrução Criminal, entendeu que "o crime em apreço é grave e gerador de forte alarme social bem como passível de proporcionar a angariação de quantias monetárias elevadas. No caso concreto, é elevado o perigo de continuação da actividade criminosa, dada a variedade deformas com que o ilícito pode ser facilmente realizado; ao lucro fácil decorrente desse ilícito; e ainda devido ao facto de os arguidos estarem desempregados ou possuírem trabalhos precários, sendo que o arguido BB possui antecedentes criminais (...)" - Porém, aplicou ao arguido a medida de coação de apresentações diárias à autoridade. - Esta medida que é, em face dos perigos existentes e da gravidade do ilícito, com o devido respeito, desadequada e insuficiente para a satisfação ou prevenção da apontada exigência cautelar, e não parece capaz de prevenir o aludido perigo. - Em desacordo com a decisão ora recorrida, pensamos que dentro do leque legal das medidas de coação, não se vislumbra nenhuma, para além da prisão preventiva, que seja capaz e adequada a fazer cessar a atividade criminosa do arguido. - Nos termos das alíneas a), b) e c) do n° 1, do artº 202°, do CPP, o JIC pode impor ao arguido a prisão preventiva, se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as outras medidas referidas nos artigos anteriores, e quando houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos e houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos. - Pelo que deve a prisão preventiva ser aplicada no caso da prática de crimes de especial gravidade e que pressupõem a inadequação ou insuficiência das restantes medidas de coação, reconhecida a sua influência nociva sobre os arguidos a ela sujeitos. À sua aplicação presidem princípios de necessidade, adequação, proporcionalidade, subsidariedade e precaridade, integralmente reproduzidos no art. 193º, do C.P.P., ditados pelo princípio da presunção da inocência do arguido até ao trânsito em julgado da condenação 3. - Como o deveria ter sido nos autos. - O despacho recorrido violou o disposto nos artºs. 191º, 193º, 202º, nº 1 als. a) e c), 204º, c), todos do CPP - Deverá ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que sujeite o arguido BB à medida de coação de prisão preventiva. Vªas Ex.ª Senhores Desembargadores melhor apreciando farão, JUSTIÇA” 3. O recurso foi admitido, por despacho proferido no dia 08.03.2023. 4. O arguido/recorrido BB respondeu ao recurso, concluindo no sentido de ao mesmo dever ser negado provimento. 5. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto sufragando a posição evidenciada pela magistrada do Ministério Público da 1ª instância, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. 6. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal[2], não foi apresentada resposta. 7. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respetiva motivação (artigo 412º, nº 1, in fine, do CPP), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. No caso vertente, vistas as conclusões do recurso, a questão trazida à apreciação deste tribunal reconduz-se à insuficiência e inadequação das medidas de coação aplicadas ao arguido/recorrido BB – obrigação de apresentações diárias a efetuar entre as 8 e as 21 horas, no posto policial da área da sua área de residência; proibição de frequentar locais desta cidade conotados com o tráfico de estupefacientes (excetuando o bairro em que reside); proibição de contactar pessoas conotadas com o tráfico e proibição de contactar com o coarguido AA – pugnando o recorrente pela aplicação da prisão preventiva. 2. Decisão recorrida Definida a questão a tratar, vejamos o teor da decisão recorrida (transcrição): “As detenções efectuadas, em flagrante delito e por crime público punido com pena de prisão, obedeceram aos requisitos legais e, como tal, declaro-as válidas - artigos 254.º e seguintes do Código de Processo Penal. * Do teor da respectiva participação e dos elementos de prova constantes dos autos, (nomeadamente a constante de fls. 46), resultam indícios da prática pelos arguidos, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21.º-1, do Dec.– Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.A aplicação de medidas de coacção está essencialmente dependente, como entende a maioria da doutrina, da verificação das circunstâncias previstas nas alíneas a) do artigo 204.º, do CPP. O crime em apreço é grave e gerador de forte alarme social, bem como passível de proporcionar a angariação de quantias monetárias elevadas. No caso concreto, é elevado o perigo de continuação da actividade criminosa, dada a variedade de formas com que o ilícito pode ser facilmente realizado; ao lucro fácil decorrente desse ilícito; e ainda devido ao facto de os arguidos estarem desempregados ou possuirem trabalhos precários, sendo que o arguido BB possui antecedentes criminais, embora não sejam pela prática de crimes de idêntica natureza. Estamos assim de acordo com as considerações expostas pela Digna Procuradora da República deste Tribunal, relativamente ao arguido AA, já não, com todo o respeito, no que respeita ao arguido BB. Com efeito, sendo absolutamente censurável e grave a sua conduta, entendemos que a sua implicação nos factos dos autos carece de ulterior investigação, sendo certo que na participação existe a referência a um tal CC, como sendo "quem opera nesta entrada". É dito na participação que o arguido BB estava a efetuar a "venda direta", mas não foi visto em nenhum ato concreto de venda, nem tal está descrito nos autos. Parece-nos assim que os dois arguidos assumem papéis algo similares num circuito de tráfico de droga, sendo que a persistência dos mesmos em tal atividade cessa, por ora, com a sua detenção e aplicação de estatuto coativo ainda não detentivo da liberdade, sendo que foram solenemente advertidos que o incumprimento de qualquer uma das medidas que lhes venham a ser imputadas nesta sede poderá resultar na privação da liberdade. Entendemos assim que, por ora, será suficiente para acautelar o perigo de continuação da actividade criminosa, e ainda proporcional e adequado, os arguidos aguardarem os ulteriores termos processuais em liberdade, sujeitos, às obrigações decorrentes do Termo de Identidade e Residência já prestado, bem como a apresentações de carácter trissemanal (o arguido AA, segundas, quartas e sábados) e diárias(o arguido BB), a efectuar entre as 08:00 e as 21:00 horas, no posto policial da área das respectivas áreas de residência; sujeitos ainda à proibição de frequentar locais desta Cidade conotados com o tráfico de estupefacientes (exceptuando os bairros em que residem), proibição de contactar pessoas conotadas com o tráfico e proibição de contactarem entre si – tudo conforme os artigos 191.º, 193.º, 196.º, 198.º, 200.º, n.º 1, al. d), e 204.º, al. c), todos do Código de Processo Penal. Restitua os arguidos à liberdade. Comunique à autoridade policial competente. Cumpra o disposto no artigo 194.º, n.º 9 do Código de Processo Penal. Devolva os autos aos Serviços do M.º P.º.” (…)” 3. Apreciando Com a apresentação do presente recurso, pretende o Ministério Público/recorrente que ao arguido BB seja aplicada a medida de coação de prisão preventiva, por considerar insuficientes e inadequadas as medidas de coação que haviam sido aplicadas ao este arguido, a saber: obrigação de apresentações diárias a efetuar entre as 8 e as 21 horas, no posto policial da área das sua área de residência; proibição de frequentar locais desta cidade conotados com o tráfico de estupefacientes (excetuando o bairro em que reside); proibição de contactar pessoas conotadas com o tráfico e proibição de contactar com o coarguido AA. Vejamos, então. Consabido é que o estado de liberdade é o estado natural de todo o ser humano, Simas Santos e Leal-Henriques em “Código de Processo Penal Anotado”, vol. I, Rei dos Livros, 2ª ed., pág. 993, em anotação ao artigo 202º afirmam “A liberdade individual é, a seguir à vida, um dos mais relevantes bens do Homem”, e é, por isso, que o direito à liberdade vem consagrado como um direito fundamental no artigo 27º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, definindo logo o texto constitucional as exceções a esse direito entre as quais (cfr. nº 3, alínea b), do citado preceito) a possibilidade de prisão preventiva por fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos, pelo tempo e nas condições que a lei determinar. Para que ficasse bem vincada a excecionalidade da prisão preventiva, o artigo 28º, nº 2, do texto constitucional assim o consagra expressamente, mais estipulando que não pode ser decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei. Assim, da Constituição da República Portuguesa logo decorrem os princípios fundamentais a observar em matéria de aplicação de medidas de coação e, particularmente, no que concerne à privação da liberdade, a sua natureza excecional e, portanto, residual e subsidiária relativamente a outras medidas de coação. Também está, por demais assente, quer na doutrina quer na jurisprudência, que a prisão preventiva é a medida de coação mais gravosa, uma vez que é aquela que mais afeta o direito à liberdade, pelo que é restringida aos crimes de maior gravidade e danosidade social e, mesmo em relação a esses crimes, só deve ser aplicada quando nenhuma das outras medidas de coação for, em concreto, suficiente e adequada às exigências cautelares que o caso requer [art.202.º n.º 1 do CPP]. A aplicação da medida de prisão preventiva tem de obedecer a determinados pressupostos, sendo uns de caráter geral [art. 204.º nº 1 do CPP] e outros de caráter específico [art. 202.º, n.º 1, al. a) a f), do mesmo diploma legal]. São pressupostos de caráter geral, não cumulativos: - Fuga ou perigo de fuga; - Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou - Perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da atividade criminosa. Quanto aos pressupostos de caráter específico, que são cumulativos, temos: 1- a existência de fortes indícios da prática de crime doloso; 2- que o crime indiciado seja punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos [art.202.º nº 1 al.a)] ou corresponda a criminalidade violenta [art.202.º nº 1 al. b)], ou a terrorismo ou a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos [art.202.º nº 1 al.c)], ou ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, recetação, falsificação ou contrafação de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos [art.202.º nº 1 al. d)] ou a crime de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão superior a 3 anos [art.202.º nº 1 al.e)] ou ainda se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra o qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão [art.202.º nº 1 al.f)]. 3- que as demais medidas de coação previstas no CPP sejam inadequadas ou insuficientes. Deste modo, só quando se verificarem os requisitos específicos previstos no art. 202.º do CPP e algum ou alguns dos requisitos gerais do nº 1 do art. 204.º do CPP é que pode ser aplicada a prisão preventiva. No caso em apreço há fortes indícios da prática pelo arguido BB de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/1, com pena de prisão de 4 a 12 anos. No que se reporta aos requisitos de caráter geral para aplicação das medidas de coação, o tribunal a quo invocou o perigo de continuação da atividade criminosa – art.204.º, nº 1 alínea c), do CPP. E considerou existir tal perigo de continuação da atividade criminosa, desde logo em face da natureza do crime fortemente indiciado que, associado aos elevados proventos que é suscetível de gerar, poderá traduzir uma forte tentação para continuar nessa atividade ilícita, tanto mais que teve em conta que o arguido BB está desempregado ou com trabalho precário. Acresce que este arguido, conforme resulta do seu do seu CRC, cuja certidão consta a fls. 19 a 21 destes autos de recurso em separado, já tem um (e não vários como parece ser referido na decisão recorrida), antecedente criminal (concretamente, uma condenação em pena de multa por crime de detenção de arma proibida), o que não o terá afastado de adotar a conduta ilícita ora indiciada. Conclui-se, deste modo, que está preenchido o requisito previsto no art. 204.º nº 1 al. c) do CPP. Assente que se mostra fortemente indiciada a prática de um crime de tráfico de estupefacientes e que existe perigo de continuação da atividade criminosa, a questão que ora se coloca é da inadequação e insuficiência das medidas de coação aplicadas, conforme sustenta o recorrente. As medidas de coação limitam a liberdade pessoal do arguido com vista assegurar a eficácia da administração da justiça penal. Na escolha das medidas de coação, o juiz tem de atender aos critérios que decorrem dos princípios da legalidade [art. 191.º nº 1 do CPP], da necessidade, adequação e proporcionalidade [art. 193.º do CPP]. Concretizando, estipula o artigo 191º, nº 1, do Código de Processo Penal que “A liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei.” – princípio da legalidade das medidas de coação. Consiste este princípio em que só pode ser aplicada medida de coação ou de garantia patrimonial prevista na lei e para os fins de natureza cautelar nela previstos. Por sua vez, o nº 2 do artigo 192º estabelece que “Nenhuma medida de coação (…) é aplicada quando houver fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal.” – princípio da necessidade na aplicação de medidas de coação, que consiste em que o fim visado pela concreta medida de coação decretada não pode ser obtido por outro meio menos oneroso para os direitos do arguido. O artigo 193º, nº 1 dispõe que “As medidas de coação (…) a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.” – princípios da adequação e proporcionalidade na aplicação das medidas de coação. Destes princípios decorre, por um lado, que as medidas de coação devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e, por outro, proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas ao arguido. O nº 2 do referido artigo 193º, determina que a prisão preventiva bem como a permanência na habitação só podem ser decretadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação – princípio da subsidiariedade na aplicação da medida de coação privativa da liberdade, a que alguns autores se referem como critério de última ratio. Em conformidade com estes princípios, dentro do elenco das medidas de coação previstas na lei, o juiz deve escolher, em cada caso concreto, a medida de coação adequada e proporcional à salvaguarda das exigências cautelares que o caso requer. No caso em apreço, e salvo o devido respeito por diferente opinião, as medidas de coação aplicadas – as apresentações períódicas, a proibição de frequentar locais conotados com o tráfico de estupefacientes (com exceção do bairro onde reside) e, bem assim, a proibição de contactar pessoas conotadas com o tráfico e a proibição de contactar com o coarguido AA - mostram-se adequadas e suficientes para afastar o perigo de continuação da atividade criminosa, pois o arguido/recorrido estará sujeito a um controlo muito apertado por parte da autoridade policial, face à obrigação de apresentações diárias e à proibição de frequência de determinados locais conotados com o tráfico de estupefacientes, a que acresce que a proibição de contactos também constituirá factor obstativo do prossegimento da atividade criminosa. Concordamos, por isso, de um modo geral, com o teor do despacho recorrido, já supra reproduzido, que enveredou por não aplicar a medida de coação de prisão preventiva, cumprindo-nos, ainda, referir o seguinte: Não há dúvidas que o crime de tráfico de estupefacientes de que o arguido/recorrido também está indiciado reveste grande gravidade e é suscetível de geral forte alarme social. Porém, pelo que os autos nos dão conta, e como é salientado pela Sra JIC, o inquérito ainda se encontrará numa fase embrionária de carecerá de maior investigação, mormente quanto à concreta actuação do arguido BB no âmbito do crime de que está fortemente indiciado (repare-se que, a dado passo da participação, é feita alusão a um tal “CC” como sendo esse “que opera nesta entrada” e que o “suspeito/DD estava a efectuar venda directa”, sendo que, segundo decorre dos autos, aquando da apresentação dos arguidos para interrogatório judicial, ainda não tinham sido inquiridos, como testemunhas, eventuais consumidores/adquirentes de estupefacientes, quer pela aquisição naquele Bairro ... - local esse onde o OPC centrou a sua investigação do tráfico de estupefacientes - quer em qualquer outro local). Por outro lado, embora esteja em causa aquele concreto despacho proferido no dia 14.02.2023, também não é despiciendo dizer que, por via do acesso eletrónico que tivemos aos autos principais, desde aquela data até à prolação do presente aresto já decorreram mais de 4 meses (mais concretamente, quatro meses e sete dias), sem que, não obstante esse período de tempo entretanto decorrido, tivesse sido deduzida qualquer acusação contra o ora recorrido. Ou seja, a própria atualidade do requisito da necessidade que está imanente à aplicação de uma qualquer das medidas de coação – ainda por cima quando é pretendida a aplicação da mais gravosa de todas – surge nesta altura esbatida devido ao largo período de tempo entretanto decorrido, ainda por cima sem que haja conhecimento de que tenha sido deduzida qualquer acusação. Analisados, pois, todos estes factos e elementos circunstanciais à luz dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade exigidos pelo artigo 193° do CPP, somos levados a concluir que a prisão preventiva, tal como considerado na decisão recorrida, seria uma medida demasiado pesada e grave para salvaguardar os interesses em causa e colmatar o receio da continuação da atividade criminosa. Ademais, importa não olvidar que vigora no nosso Direito Constitucional o princípio da presunção da inocência – artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa – e o princípio do direito à liberdade, de todo o cidadão – artigo 27°, nº 1, também da Constituição da República Portuguesa. Embora este último princípio seja excecionado pelo nº 3, alínea b) desse mesmo art. 27º, da Constituição da República Portuguesa, no que respeita à possibilidade de prisão preventiva por fortes indícios da prática de crime doloso, pelas razões já apontadas não nos parece necessário recorrer a esta medida mais drástica e grave para assegurar a funcionalidade do processo. Não se evidencia, pois, que as medidas que foram impostas ao recorrido BB não sejam adequadas e suficientes e que a não aplicação da medida promovida pelo Ministério Público tenha constituído uma recusa infundada. Destarte, por não merecer censura a decisão recorrida, impor-se-á negar provimento ao recurso. III. DISPOSITIVO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, manter a decisão recorrida. Sem custas, por delas estar isento o recorrente (artigo 522º do Código de Processo Penal). * Porto, 21 de Junho de 2023(Texto elaborado pelo primeiro signatário como relator, e revisto integralmente pelos subscritores - artigo 94º, n.º 2, do CPP – sendo que as assinaturas eletrónicas apostas na 1.ª página do presente acórdão encontram-se certificadas) Luís Coimbra Raul Esteves Maria Joana Grácio ___________ [1] Doravante, e apenas por facilidade de exposição, podendo ser designado apenas por BB ou por BB. [2] Diploma a que se reportarão as demais disposições citadas sem menção de origem ou apenas com a sigla CPP. |