Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12223/16.6T8PRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
PEDIDO E CAUSA DE PEDIR
CONTRATO DE COMPRA E VENDA COMERCIAL
FRUTOS NATURAIS PENDENTES
Nº do Documento: RP2023062612223/16.6T8PRT.P2
Data do Acordão: 06/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As causas de nulidade da sentença estão taxativamente previstas no artigo 615º do CPC.
II - Estando o tribunal limitado quanto aos seus poderes de pronúncia e decisão pelo objeto do processo delimitado pelo pedido e causa de pedir tal qual estes são configurados pelo autor, em respeito pelos princípios do dispositivo e do contraditório, apenas quando tais poderes sejam excedidos nomeadamente por condenação para além do que é pedido em desrespeito pelo previsto no artigo 609º do CPC se verifica o vício da nulidade da sentença por condenação ultra petitum a que se reporta o artigo 615º nº 1 al. e) do CPC.
III - Ao tribunal incumbe a integração e qualificação jurídica dos factos (vide artigo 5º nº 3 do CPC).
IV - O contrato de compra e venda comercial de frutos naturais pendentes, é regulado nos termos previstos nos artigos 2º, 13º, 230º e 463º do C. Com., e ex vi artigo 3º do mesmo código, artigos 212º nºs 1 e 2, 879º, 880º e 408º nº2 do CC (este quanto à transferência da propriedade).
V - Do despacho proferido sobre as reclamações ao despacho proferido nos termos do artigo 596º nº 1 do CPC, cabe impugnação no recurso da decisão final (nº 3 do mesmo artigo).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 12223/16.6T8PRT.P2
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta – Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta – Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca do Porto – Jz. Central Cível Do Porto
Apelantes/Apelados – “A..., Lda.” e “B..., S.A..”

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
“A..., Lda.” instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “B..., S.A.”; “C..., S.A.” e “D..., S.A.” (estas duas últimas com sede social em frança) peticionando que pela sua procedência seja(m):
a) declaradas nulas todas as arguidas clausulas, do contrato de sublicenciamento, da Ré D..., com a Autora (Doc 1)
As Rés condenadas:
b) - Todas as Rés, a verem resolvidos os seus contratos, por incumprimento que lhes é imputável – entre eles, o de sublicenciamento, celebrado com a Ré D....
E
c)- A Ré B... - e, solidariamente com esta, as restantes Rés – condenadas a pagarem à Autora, indemnização a liquidar em execução de sentença, pela diferença em falta, do preço devido, pela campanha de 2015, acrescida de juros à taxa legal, os vencidos e os vincendos desde a citação.”

Para tanto alegou em suma:
- “A Ré D... é declarada subconcessionária da licença de exploração exclusiva dos certificados de obtenções vegetais, no território europeu, com vista à reprodução, distribuição, comercialização e venda de plantas (também designadas de enxertos) de kiwi arguta, incluindo as variedades ... e ..., aos produtores agrícolas.
Assim como da licença não exclusiva dos mesmos certificados, com vista ao marketing e venda dos frutos provenientes desses enxertos, produzidos pelos sublicenciados produtores, sob a marca Nergy”;
- “Em 7/1/2013, em ..., a Autora, enquanto produtora, com exploração agrícola situada nessa freguesia, celebrou com a Ré “D...”, contrato de tal sublicenciamento”, tendo a A. ficado obrigada a vender os frutos a operadores comerciais, sublicenciados pela D..., no caso, a C... e depois, a B...;
- Em cumprimento deste contrato com a D..., em 15/5/2013, em ..., a Autora celebrou com a Ré C..., o contrato de fornecimento dos frutos, das variedades ... e ..., da sua produção e em Agosto de 2015, por contrato na forma verbal, a Autora vendeu à 1ª Ré, B... – na sequência de comunicação em vésperas da colheita de 2015 de que os direitos de comercialização da Ré C... da fruta dos agricultores portugueses, iriam passar a ser exercidos por uma entidade que viria a ser a Ré B... (autorizada pela D...) - 15.275 Kg.de fruta kiwi, das mesmas variedades, da campanha de 2015, que entregou e foi por esta recebida, nas instalações que esta disponibilizou, em ..., concelho de Guimarães;
- Tal venda e entrega foi feita no âmbito da execução continuada do contrato celebrado com a R. C... de fornecimento exclusivo da fruta a produzir pela autora, por imposição do contrato com a “D...” a que a autora aderiu;
- Depois de recebida dos produtores toda a fruta da campanha de 2015, pela Ré B..., foi indicado à Autora o preço final a faturar, em desrespeito pelo acordado com a R. C... quanto à paridade de preços a praticar em todo o território da UE, sem qualquer descriminação entre os produtores;
- A Ré B... indicou à Autora, para faturação, tal como aos outros produtores, o preço final, a ser-lhe pago, de 2,82 € kg, representando 29,5 % abaixo dos 4 € /kg, que, pelo menos, foram pagos aos agricultores franceses;
- As cláusulas 2.3.22 e 2.3.2.6, bem como 2.5, 2.8., 2.9, 2-10-4, 2.10.5 do contrato que a D... submeteu à adesão da autora são inválidas;
- As RR. C... e B... não cumprem o contrato desde o início no que respeita ao acordado preço da fruta;
Face ao que a A. comunicou a resolução contratual por reiterado incumprimento às RR..
Tal como comunicou à R. D... a resolução do contrato de sublicenciamento com ela celebrado;
- A total desresponsabilização da D... por todos os danos à mesma imputáveis constitui ilícita violação do sinalagma, essencial no objeto dos contratos bilaterais. (artigo 1102º do CC francês.). Tornando o objeto do negócio contrário à lei portuguesa, ferindo-o de nulidade (artigo 280º nº 1 do CC).
E violando também o artigo 18º c) do Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10.
A R. D... é, portanto solidariamente responsável também pelo cumprimento da obrigação do preço da venda da fruta;
- Atenta a cessão da posição contratual da C... à B..., esta ficou obrigada para com a Autora, nos mesmos termos do contrato celebrado com aquela.
Termos em que terminou formulando o pedido acima já enunciado.

Devidamente citadas as RR., contestaram excecionando a incompetência internacional do tribunal, impugnando parcialmente o alegado e deduzindo reconvenção. Tendo a final concluído nos seguintes termos:
“I. Deve ser considerada verificada a exceção da incompetência internacional em razão do território, e, em consequência, deve o presente tribunal declarar-se incompetente em favor do Tribunal de Grande Instância de Bordéus, em França, absolvendo as Rés da instância.
II. Caso assim não se entenda:
a) devem ser julgados improcedentes, por não provados, os pedidos formulados pela Autora.
b) Deve ser julgada procedente, por provada, a presente reconvenção, e, consequentemente:
i. Ser a Autora/Reconvinda condenada a pagar à Ré/Reconvinte D... o montante de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), acrescido do montante de € 70.500 (setenta mil e quinhentos euros), com fundamento nos artigos 2.11 e 2-3.2-2 do contrato e nos termos do artigo 1134 do Código Civil Francês em vigor à data da assinatura dos contratos;
ii. Ser a Autora/Reconvinda condenada a pagar à Ré/Reconvinte D... o montante de € 5.000,00 (cinco mil euros), por “resistência abusiva” (“résistance abusive”), nos termos do artigo 1147 do Código Civil Francês em vigor à data da assinatura dos contratos;”.
Replicou a A., tendo a final concluído:
DEVE julgar-se - já no despacho saneador:
a) – Improcedente a invocada exceção de incompetência do tribunal.
b)– Procedente a exceção dilatória da ilegitimidade ativa das Rés C... e B..., para a reconvenção – absolvendo-se a Autora da instância reconvencional, quanto a estas.
c) - Improcedente a reconvenção, absolvendo-se a Autora do respetivo pedido,
d) – E parcialmente procedente a ação, declarando-se a cessação do contrato de sublicenciamento, com a Ré D... - relegando-se a pedida indemnização para decisão final.”
Após convite para tanto, vieram as RR. responder à matéria de exceção invocada pela A. na sua resposta à reconvenção deduzida, pugnando pela sua improcedência.
Foi agendada audiência prévia.
A A. apresentou posteriormente articulado superveniente, terminando peticionando:
“DEVE ainda condenar-se as Rés, solidariamente, a pagar à Autora, indemnização a liquidar em execução de sentença, dos seguintes danos:
a) – Do valor da produção do referido pomar de kiwi, Arguta Nergy, da Autora, em cada uma das campanhas de 2018 e do corrente ano de 2019, cuja comercialização foi inviabilizada por ação das Rés.
b) – E de todos os gastos na construção do pomar da Autora, substituindo-o por outro pomar, de igual rentabilidade, e demais custos de instalação;
c) – E das perdas na produção do novo pomar, durante dois anos, a contar da conclusão da sua plantação, até à retoma do nível de rentabilidade, de valor equivalente àquele em que o pomar de Kiwi estava, em 2018.
Valores acrescidos de juros à taxa legal, desde a notificação deste articulado.”

Foi proferido despacho a admitir liminarmente o articulado superveniente deduzido.
As RR. respondem a este, terminando nos seguintes termos:
“I. Deve ser considerada verificada a exceção da incompetência internacional em razão do território, também para os pedidos formulados neste articulado superveniente, nos mesmos termos da contestação.
II. Caso assim não se entenda, devem ser julgados improcedentes, por não provados, os pedidos formulados pela Autora neste articulado superveniente.”

Na agendada audiência prévia foi proferido despacho saneador.
No seu âmbito foi apreciada a arguida incompetência internacional – tanto por referência ao pedido formulado na p.i. como no articulado superveniente.
Neste despacho tendo entre o mais sido expresso o entendimento (quanto ao articulado superveniente) de que
“Não cuidando nesta fase de conhecer se é admissível ou não a apresentação do articulado superveniente e consequente ampliação do pedido, uma vez que o conhecimento da exceção da incompetência internacional implicará ficar prejudicado tal conhecimento, importa apenas realçar a este propósito que, tal articulado foi liminarmente admitido e nele não é alterada a causa de pedir tal como a própria Autora admite.”
A final tendo sido decidido: “este tribunal considera-se absolutamente incompetente, em razão da competência internacional, absolvendo-se as RR da instância, nos termos dos arts. 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.º 1 e 2 e 577.º, al. a) do CPC e art.º 27.º do Regulamento (CE) n.º 1215/2012.”

Do assim decidido foi interposto recurso, admitido como de apelação pela autora.
A decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.
E ainda na pendência dos autos neste TRP, após prolação do Acórdão, foi apresentada e homologada por sentença “a desistência do pedido formulada nos autos por A... Lª em relação à ré C..., SA, julgando em consequência extinto em relação a esta ré o direito que na presente ação se pretendida fazer valer quanto a esta ré.”

Interposto recurso do decidido pelo Acórdão do TRP para o STJ, foi por este tribunal decidido: “concede-se a revista em parte, revoga-se parcialmente o acórdão e declara-se o Tribunal da Comarca do Porto internacionalmente competente para o julgamento da ação relativamente aos pedidos formulados contra a Ré B..., mantendo-se a competência internacional dos tribunais franceses para os outros pedidos.”

Remetidos os autos à 1ª instância, foi em cumprimento do decidido agendada audiência prévia e nesta, realizada em 26/04/2021, proferido despacho saneador, no qual se fez constar como questão prévia:
“Em função do douto Acórdão proferido pelo STJ nestes autos, o tribunal apenas é competente para o julgamento da ação relativamente aos pedidos formulados contra a Ré B..., pelo que, no que diz respeito à petição inicial a ação prosseguirá apenas para julgamento parcial dos seguintes pedidos:
alínea b)-a ré B... ver resolvido o seu contrato, por incumprimento que lhe é imputável;
alínea c)- a ré B... condenada a pagar à Autora, indemnização a liquidar em execução de sentença, pela diferença em falta, do preço devido, pela campanha de 2015, acrescida de juros à taxa legal, os vencidos e vincendos desde a citação.
No que diz respeito ao articulado superveniente prosseguirão os autos para conhecimento dos pedidos aí formulados também apenas contra a Ré B...[1].
Em face da competência internacional dos tribunais franceses para os outros pedidos, que dizem respeito às RR D... e C..., também fica prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional apenas deduzido pela co-Ré D... para o caso deste tribunal vir a ser declarado internacionalmente competente, o que não aconteceu, tendo sido confirmada pelo tribunal superior a absolvição da instância daquelas RR.”
Após o que foi identificado o objeto do litígio - incluindo “se a comercialização da produção da autora foi inviabilizada por ação ilícita da Ré nas campanhas de 2018 e 2019 e prejuízo daí decorrentes” [questão atinente ao articulado superveniente].
E elencados os temas da prova - incluindo no ponto III – a “inviabilização, por ação ilícita da Ré da comercialização da produção da autora nas campanhas de 2018 e 2019 e prejuízo daí decorrentes”.

Notificadas as partes, apresentou a A. reclamação aos temas da prova (requerimento de 06/05/2021). E a R. “B...” apresentou reclamação, tendo por alvo o objeto do litígio e o tema de prova relativos à matéria alegada no articulado superveniente [atuação ilícita da R. nas campanhas de 2018 e 2019 e prejuízos daí decorrentes].
Mais defendendo que esta questão [convocada no articulado superveniente] apenas faz sentido por referência ao contrato celebrado com a anterior R. D... (vide artigo 13º da reclamação apresentada, entre o mais).
Motivo por que pugnou pela eliminação do objeto do litígio e dos temas da prova das questões relativas às campanhas de 2018 e 2019 e prejuízos daí decorrentes por alegada atuação ilícita da R..
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Em 08/09/2021 é proferida decisão dando parcial razão às reclamantes, em consequência reformulando o objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova, eliminando nomeadamente destes a matéria atinente ao articulado superveniente que anteriormente havia sido introduzida no despacho de 26/04/2021.

Quanto a esta parte da decisão, nada mais requereram então as partes.
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Após diversas diligências, foi agendada e realizada audiência de discussão e julgamento e após proferida sentença.
A final se decidindo:
“Pelo exposto, na procedência parcial da presente ação intentada pela autora A... Lda. contra a ré B..., S.A.:
− absolvo a ré do pedido de condenação na resolução do contrato celebrado com a autora;
− condeno a ré a pagar à autora a quantia correspondente à diferença entre o preço que a ré tenha pago à autora pela venda de 15.275 Kg de kiwis da colheita de 2015 e o preço devido (de € 4,00 por Kg), a liquidar em incidente ulterior, acrescido dos juros de mora à taxa legal (art. 559.º do Cód. Civil), calculados sobre a parte do preço em falta que se vier a liquidar, desde a data da citação da ré B..., S.A. para a presente ação e até integral pagamento.”
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Do assim decidido, apelaram A. e R., oferecendo alegações e formulando as respetivas conclusões.

Recurso da Autora:
Conclusões
1ª - Como se diz na douta sentença, o contrato celebrado com a Ré vem “na sequência da comunicação efetuada pelo representante da C... de que passaria a ser a ré a adquirir e comercializar a fruta que, até então era, no âmbito e em execução/cumprimento do acordo escrito referido em 4 – factos provados − vendida à sociedade C....”
2ª – Conforme também admitido na douta sentença, a Ré “manifestou que não quer cumprir e que não cumprirá” (nas campanhas que se seguiam).
3ª – Vigorando o contrato até 2022, é inaplicável o artigo 886º. do CC.
4ª - Nos contratos de execução continuada, como o de fornecimento, a eficácia da resolução é para o futuro.
5ª - Da continuação do contrato resultariam elevados danos para a Autora.
6ª - Assiste à Autora o direito de resolução do contrato, por incumprimento da Ré. (artºs 798º e 801º nº 2 do CC)
7ª – O despacho de 9 de setembro de 2021, viola o caso julgado formal, por trânsito em julgado do despacho de 26 de abril de 2021, admitindo o articulado superveniente e incluindo matéria de facto deste, no aí inscrito tema III da prova.
8ª – O articulado superveniente fundamenta-se no incumprimento do contrato, pela Ré, e nos danos agravados, que do incumprimento da Ré, resultaram para a Autora.
Assim se respeitando a identidade da causa de pedir. (artº 265º nº 1 do CPC).
9ª - O pedido é ampliação da já peticionada quantia a liquidar, constante do pedido inicial – respeitando-se o artº 265º nº 2 do CPC.
Julgada procedente a apelação – DEVE:
a)- Revogar-se, em parte, a douta sentença, condenando-se a Ré a ver resolvido o contrato celebrado, com a Autora, de fornecimento de fruta para comercialização. E
b) – Revogar-se o despacho de 9/9/2021, mandando ampliar a matéria de facto, com o tema III da prova, constante do despacho de 26 de abril de 2021 e o artº 23º da petição.
Para tal ampliação da matéria de facto, deve ser mandado que os autos baixem à 1ª instância, para repetição do julgamento, com limitação a esta matéria.”
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Recurso da ré:
Conclusões
1. Pelos motivos acima expostos mais desenvolvidamente, deve ser alterada a resposta à matéria de facto nos pontos seguintes do elenco de Factos Provados:
a. No Facto Provado 4, à sua atual redação deve ser aditado o restante teor da Cláusula 8.ª do contrato melhor identificado no Facto Provado 4, passando, portanto, a constar, no final, a expressão “(…) do mercado as quais não podem ser definidas no momento da compra”;
b. No Facto Provado 6, a expressão “o preço que previam vir a ser praticado pela ré (a constituir) seria de € 4,00/kg pela colheita de 2015” deverá ser substituída pela expressão “o preço que previam vir a ser praticado pela ré (a constituir) pela colheita de 2015 seria aproximadamente o preço da colheita de 2014”;
c. No Facto Provado 9, a sua atual redação deve ser substituída pela seguinte, ou semelhante: “Em cumprimento do regime constante do Artigo 8 do contrato melhor descrito no ponto 4 – factos provados –, o preço concreto final a suportar pela ré seria apurado depois de concluída a comercialização de toda a fruta”;
d. O Facto Provado 10 deve ser eliminado do respetivo elenco;
e. No Facto Provado 12, à sua atual redação deve ser aditada a seguinte especificação:
“(…), sendo que aos agricultores portugueses foi paga a totalidade dos quilogramas entregues, sem quaisquer perdas, enquanto aos agricultores franceses foram pagos apenas os quilogramas comercializados, pelo que o preço pago aos agricultores franceses por quilograma entregue foi menor”.
f. Caso se entenda mais adequado, poder-se-á manter a redação atual do Facto Provado 12, aditando-se um novo Facto Provado com teor semelhante ao acima proposto, a saber:
“Aos agricultores portugueses foi paga a totalidade dos quilogramas entregues, sem quaisquer perdas, enquanto aos agricultores franceses foram pagos apenas os quilogramas comercializados, pelo que o preço pago aos agricultores franceses por quilograma entregue foi menor do que os preços especificados no ponto 12 – factos provados”.
2. Sem prescindir do precedentemente exposto, mesmo que não seja alterada a decisão relativamente à matéria de facto – o que se concebe unicamente a título de hipótese académica –, a sentença contém em si mesma uma grave contradição entre os seus fundamentos e o pedido formulado pela Recorrida
3. A Recorrida faz um pedido de condenação num montante indemnizatório, decorrente da violação de suposta obrigação de paridade no pagamento a agricultores portugueses e franceses – a qual, aliás, que não se mostra provada – e a sentença condena no cumprimento de uma suposta obrigação contratual de pagamento de um preço acordado.
4. Consequentemente, a sentença é nula, por violação do n.º 1 do artigo 609.º do Código de Processo Civil, na parte em que “condeno[a] a ré a pagar à autora a quantia correspondente à diferença entre o preço que a ré tenha pago à autora pela venda de 15.275 Kg de kiwis da colheita de 2015 e o preço devido (de € 4,00 por Kg), a liquidar em incidente ulterior, acrescido dos juros de mora à taxa legal (art. 559.º do Cód. Civil), calculados sobre a parte do preço em falta que se vier a liquidar, desde a data da citação da ré B..., S.A. para a presente ação e até integral pagamento”.
5. Sem prescindir do alegado nos números imediatamente anteriores, operadas as alterações à matéria de facto mais acima requeridas, resulta que a Recorrente cumpriu o acordado nos seus estritos termos, porquanto a Recorrente adquiriu a colheita de 2105 da Recorrida nos termos e condições constantes do contrato melhor descrito no Facto Provado 4, celebrado entre a Recorrida e a sociedade C... em maio de 2013, conforme se havia comprometido.
Termos em que, revogando-se a decisão do Tribunal de 1.ª Instância e proferindo nova em conformidade com o supra alegado, alterando os factos dados como não provados e, em consequência, julgando a ação como totalmente improcedente, se fará, como habitualmente é timbre deste Tribunal da Relação, inteira e sã JUSTIÇA!”
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Apresentou a R. contra-alegações ao recurso interposto pela autora, em suma tendo pugnado pela improcedência do recurso, face ao bem decidido pelo tribunal a quo.
Apresentou a A. contra-alegações ao recurso interposto pela R., em suma tendo pugnado pela improcedência do recurso, face ao bem decidido pelo tribunal a quo tanto em sede de decisão de facto como de direito, sem prejuízo do pugnado no recurso por si interposto.
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Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Tendo ainda o tribunal a quo emitido pronúncia sobre a pela R. arguida nulidade por condenação em objeto diverso do pedido, no seu entender não verificada.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTUALIDADE PROVADA.
O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade:
1 – A autora dedica-se à exploração agrícola, produzindo, designadamente, kiwi das variedades ... e ....
2 – Com data de 8 de janeiro de 2013 foi celebrado entre a autora e a sociedade D... S.A. o contrato escrito denominado «Convention D... S.A. Actinidia Arguta HORTGEM Producteur Version française greffons» e com data de 7 de janeiro de 2014 o contrato escrito denominado «Convention D... S.A. Actinidia Arguta HORTGEM Producteur sans OP désignée Version Portuguese vierge greffons», cujas cópias se encontra juntas, respetivamente, a fls.15 a 33 e a fls. 34 a 52 do anexo documental.
3 – Além do mais que dos referidos contratos consta, foi acordado entre as referidas partes:
a) que a sociedade D..., na aí declarada qualidade de detentora dos certificados de obtenções vegetais SCAP KIWI FRUIT DE FRANCE (Licenciado), pretendendo promover as variedades Hortgen ..., Hortgen ..., Hortgen ... e Hortgen ..., concedia uma sublicença dos referidos certificados de obtenção vegetal à aqui autora (aí outorgante na qualidade de Produtor), ficando esta autorizada à exploração das ditas sementes e à primeira comercialização dos frutos provenientes das variedades certificadas e revestidas da Marca NERGI, para o aprovisionamento e exclusivo dos distribuidores que beneficiem de uma licença de Marca para a distribuição nacional e internacional dos frutos;
b) que a sociedade D... vendia à autora 650 enxertos, ao preço de saída do viveiro de 3 € a semente, com vista à exploração da sub-licença de certificados de obtenção vegetal concedida à autora, obrigando-se esta a respeitar o caderno de encargos acordado;
c) que a autora se obrigava a produzir e vender os frutos derivados dos enxertos com acondicionamento da marca NERGI e apenas a operadores comerciais que beneficiem da licença da marca;
d) como compensação da sub-licença de exploração dos certificados de obtenção vegetal concedida pelo Licenciado ao Produtor, a fim de que este possa explorar os enxertos cedidos, o Produtor pagava ao Licenciado na data da outorga do contrato uma taxa fixa, não reembolsável, de € 1.000,00 S/IVA por hectare, acrescida de uma taxa proporcional de exploração igual a 10% do volume de negócios sem IVA gerado a partir da comercialização dos furtos ou 0,30 € S/IVA por quilograma de frutos comercializados derivados dos enxertos.
4 – Na sequência do contrato supra referido, foi celebrado entre a autora (na aí declarada qualidade de 'O Vendedor') e a Société Anonyme Simplifiée C..., sociedade constituída de acordo com o direito francês com sede em França (na aí declarada qualidade de 'O Comprador'), com data de 15 de maio de 2013, o contrato escrito denominado "Contrato de venda de frutos Actinidia Variedades Hortgen Nergi", cuja cópia em língua francesa se encontra junta a fls.53 a 64 do anexo documental (Tradução em língua portuguesa junta a fls.218 a 232), nos termos do qual, além do mais que do mesmo consta, as partes, declarando que "o contrato se inscreve exclusivamente no quadro do sistema de distribuição dos Frutos provenientes das variedades certificadas no âmbito da marca comunitária NERGI ou qualquer outra marca que seja depositada pela D...", acordaram nos seguintes termos:
«(…) Artigo 1.º: Objeto do contrato
O presente contrato refere-se à venda dos Frutos (…)
O Vendedor compromete-se a assegurar ao Comprador o fornecimento da integralidade da sua colheita em Frutos nas condições especificadas nos termos deste contrato.
O Vendedor garante ao Comprador a exclusividade da comercialização dos seus frutos.
Artigo 2.º: Designação – Características dos Frutos
O presente contrato refere-se os Frutos frescos de baby kiwi Arguta Actinidia das Variedades Hortgem.
(…)
Artigo 3: Quantidade
3.1: Quantidade prevista
O presente contrato refere-se à totalidade da colheita.
3.2. Quantidade real após colheita
A quantidade real, após colheita, é determinada da seguinte forma:
(…)
A quantidade real será fixada após as operações de embalagem, as quais serão realizadas nos locais designados pelo Comprador, à medida das necessidades de comercialização.
O Vendedor pode participar nas operações de embalagem, a pedido do Comprador.
(…)
Artigo 4: Colheita
A colheita é da responsabilidade integral do Vendedor (…)
Artigo 5: Carregamento e transporte
O carregamento do camião é efetuado pelo Vendedor ou pelos seus funcionários, sob a sua inteira responsabilidade. Quaisquer danos ocorridos até à tomada de posse pelo Comprador das embalagens de recolha de que o Comprador é proprietário, as quais o Vendedor mantém à sua guarda, serão suportadas pelo Vendedor.
O Vendedor será o único responsável pelo encaminhamento dos Frutos e poderá recorrer a qualquer transportador de sua escolha. O Vendedor organizará, sendo responsável pelos respetivos custos, as operações de entrega dos frutos ao Comprador em todos os locais previamente designados pelo Comprador.
(…)
Artigo 6: Receção
A classificação de qualidade será efetuada em cada entrega de acordo com as Especificações dos Produtos NERGI.
O Vendedor poderá participar nas operações de classificação a pedido do Comprador.
(…)
Art. 7: Transferência de propriedade
A transferência de propriedade e dos respetivos riscos ocorre no momento em que o Comprador ou os seus funcionários tomem posse dos Frutos.
Artigo 8: Preço
O Comprador garante ao Vendedor um preço mínimo de 0,30 por quilo embalado, sem impostos, sendo o preço liquidado nas seguintes condições:
0,15 por quilo entregue, oito (8) dias após a entrega (…)
0,15 por quilo entregue a 15 de setembro (…)
Um saldo do preço sobre os quilos comercializados em 31 de dezembro.
Um saldo do preço poderá ser transferido para o Vendedor em função das condições.
(…)
Artigo 13: Duração e resolução
O presente contrato entra em vigor a partir da data da assinatura e é aplicável até 31 de dezembro de 2022 data em que poderá ser renovado por períodos de acordo tácito de Cinco (5) anos.
Cada uma das Partes poderá rescindir cumprindo a obrigação de informar a outra Parte da sua decisão por correio registado com aviso de receção pelo menos Dois (2) anos antes do período inicial ou Seis (6) meses antes do final do período de renovação.
(…)
Artigo 15: Resolução
As Partes poderão resolver o presente contrato, sem aviso prévio nem indemnização em caso de não cumprimento culposo das suas obrigações por uma ou outra das Partes após notificação formal de execução remetida por correio registado com aviso de receção de não ter sido bem sucedida por um período de trinta dias.
(…)».
5 – Em meados do ano de 2015, em vésperas do início da colheita de 2015, foi comunicado pelo AA, na qualidade de representante da C..., que passaria a ser a sociedade ré a adquirir e comercializar a fruta que até então era vendida à C....
6 – Em 30 de Junho de 2015, AA informou a autora e outros produtores que estiveram presentes numa reunião ocorrida nessa data que, em princípio, se não houvesse situações anormais, o preço que previam vir a ser praticado pela ré (a constituir) seria de € 4,00/kg pela colheita de 2015, sem diferenciação entre fruta standard e premium.
7 – No dia 3 de agosto de 2015, foi constituída a ré, dedicando-se à compra e venda de frutas e legumes, conforme documento junto a fls. 66 a 78 do anexo documental, que aqui se dá por transcrito, sendo AA nomeado vogal do conselho de administração da B..., S.A. no título constitutivo.
8 – Em agosto de 2015, a autora, verbalmente, declarou vender à B..., declarando esta comprar, 15.275 Kg.de kiwi das variedades ... e ..., da campanha de 2015, frutos que entregou à ré e que foram por esta recebida.
9 – Declararam as partes acordar que o preço concreto final a suportar pela ré seria apurado depois de concluída a comercialização de toda a fruta.
10 – Ao emitirem as declarações referidas no ponto 8 – factos provados –, as partes tiveram em vista o preço referido no ponto 5 – factos provados.
11 – Depois de recebida toda a fruta da campanha de 2015, a B... indicou à autora o preço concreto final de € 2,82/kg.
12 – Na campanha de 2015, aos agricultores franceses foi pago pela primitiva ré C... um preço de € 4,00/kg por frutos das mesmas variedades ... e ... relativamente a frutos de qualidade premium, e de € 3,00 relativamente a frutos de qualidade standard.
13 – Em 23 de maio de 2016, a autora remeteu à ré a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 99 do anexo documental, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito, “por reiterado incumprimento do contrato, vem declarar a V. Ex.ia que considera resolvidos os contratos que celebrou com a B... e (…)”.

Julgou ainda o tribunal a quo não provado o seguinte facto:
14 – Em 30 de Junho de 2015, AA havia informado a autora que o preço concreto final a pagar pela colheita de 2015 seria igual ao pago aos produtores franceses pela primitiva ré C....”

III- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta serem as seguintes as questões a apreciar:

- Do recurso da autora
a) se assiste o direito à autora da resolução do contrato entre esta e a R. celebrado (vide conclusões 1ª a 6ª);
b) se a decisão de 8/09/2021[2] violou caso julgado formal por referência ao decidido em 26/04/2021 que admitiu o articulado superveniente da lide e, consequentemente, se deverá ser revogada a decisão para ampliação da matéria de facto atinente ao alegado em tal articulado superveniente (vide conclusões 7ª a 9ª).
- Do recurso da R.
a) nulidade da decisão por contradição entre os fundamentos e o pedido [vide conclusões 2 a 4];
b) erro na decisão de facto – em causa os factos provados 4, 6, 9, 10 e 12 [vide conclusões 1 als. a) f)];
c) se a R. cumpriu o contrato [vide conclusão 5].
*
Apreciando.
Por força do disposto no artigo 608º ex vi artigo 663º nº 2 do CPC, considerando a precedência lógica das questões suscitadas no recurso da R. recorrente perante as questões da recorrente autora, será apreciado em primeiro lugar o objeto do recurso da recorrente R., no que respeita às nulidades invocadas e erro na decisão de facto.

Recurso da R..
Nulidade da decisão por contradição entre os fundamentos e o pedido [vide conclusões 2 a 4].
Do corpo alegatório retira-se ter a recorrente alegado para o efeito:
- que a A. no pedido formulado sob a al. c) peticionou um pagamento a título de indemnização, sustentando o direito a receber tal indemnização no seu direito à resolução do contrato nos termos da al. b) do pedido.
Tendo a sentença recorrida absolvido a recorrente do pedido de resolução formulado na al. b), falece a causa de pedir alegada pela autora para o pedido indemnizatório da al. c).
Pelo que a recorrente deveria ter sido absolvida do pedido formulado sob a al. c).
- na própria sentença foi notado que o pedido da al. c) se funda não num pedido indemnizatório, mas antes no cumprimento integral da obrigação emergente da relação contratual que existiu entre as partes.
Assim, concluindo que a sentença violou o previsto no artigo 609º nº 1 do CPC, proferindo condenação em objeto diverso do que foi pedido.
Implicando a nulidade da sentença por violação do disposto no artigo 609º nº 1 do CPC.

Analisemos a argumentação da recorrente à luz das causas de nulidade da sentença, previstas de forma taxativa no artigo 615º nº 1 do CPC, o qual assim dispõe:
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”

De realçar que nestas causas de nulidade se não incluem quer os erros de julgamento da matéria de facto ou omissão da mesma, a serem reapreciados nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedentes e pertinentes; quer o erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito [cfr. sobre a distinção entre nulidade da sentença e erro de julgamento Ac. STJ de 30/05/2013, nº de processo 660/1999.P1.S1, in www.dgsi.pt/jstj e Ac. TRG de 03/05/2018, nº de processo 2108/17.4T8GMR.G1 in www.dgsi.pt/jtrg].

Estando o tribunal limitado quanto aos seus poderes de pronúncia e decisão pelo objeto do processo delimitado pelo pedido e causa de pedir tal qual estes são configurados pelo autor, em respeito pelos princípios do dispositivo e do contraditório, apenas quando tais poderes sejam excedidos nomeadamente por condenação para além do que é pedido em desrespeito pelo previsto no artigo 609º do CPC se verifica o vício da nulidade da sentença por condenação ultra petitum a que se reporta o artigo 615º nº 1 al. e) do CPC.

Conforme resulta das alegações de recurso da recorrente a mesma sustenta a arguida nulidade, de um lado, no que considera precisamente ser um erro de julgamento, pois que no seu entendimento a improcedência do pedido formulado sob a al. b) implicaria necessariamente a improcedência/absolvição do pedido formulado em c), por do primeiro ser dependente.
Claramente a argumentação neste ponto aduzido respeita a uma errada aplicação do direito, a ser apreciada em sede própria e, em tal medida, não é fundamento de nulidade da sentença, nos termos acima já assinalados.
Em segundo lugar argumenta a recorrente que o tribunal condenou em objeto diverso do que foi pedido, em violação do disposto no artigo 609º nº 1 do CPC.
Deste normativo resulta, não só, a imposição para o tribunal de conhecer das questões que lhe foram apresentadas pelas partes – de cuja violação decorre a nulidade prevista na al. d) do nº 1 do artigo 615º do CPC; mas também a proibição de condenar em quantidade ou objeto diverso do pedido – de cuja violação decorre a nulidade prevista na al. e) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
“Como sustenta, Teixeira de Sousa, in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, página 362, “um limite máximo ao conhecimento do tribunal é estabelecido pela proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso (art. 660°, n° 2, 2.ª parte), e pela impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (art. 661°, n.° 1). A violação deste limite determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 668°, n° 1, al. d) 2.ª parte) ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado (art. 668°, n° 1, al. e))”, e no mesmo sentido, “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”, Salvador da Costa, in, Os incidentes da instância, Almedina, página 296.
A nulidade do acórdão quando o Tribunal condene em objeto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio dispositivo que atribui às partes, a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor.
A decisão que ultrapassa o pedido formulado, sem modificação objetiva da instância, passando a abranger matéria distinta, está eivada de nulidade prevista na consignada alínea e) do art.º 615º do Código de Processo Civil, pois, o acórdão não pode conhecer de objeto diverso do pedido, o que significa que o Tribunal não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes, não podendo ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido, sendo que não havendo coincidência entre o decidido e o pedido, estar-se-á face a uma extra petição, vício que produz nulidade do aresto.”[3]
Tendo presentes estes considerandos e confrontado o pedido formulado sob a al. c) e a decisão condenatória ao mesmo reportado verifica-se inexistir a invocada condenação para além do pedido.
Como é sabido, o tribunal não está vinculado à qualificação jurídica dos factos que a si cabe interpretar e aplicar, tal como resulta do previsto no artigo 5º nº 3 do CPC.
Liberdade de qualificação jurídica que aliás foi convocada pelo STJ no Ac. proferido em 17/12/2020 para concluir pela competência internacional do Tribunal da Comarca do Porto para o julgamento da ação relativamente aos pedidos formulados contra a Ré B....
E foi precisamente com base em tal liberdade que o tribunal a quo decidiu condenar a R. “a pagar a quantia correspondente à diferença entre o preço que a R. tenha pago à autora pela venda de 15.275 kg de kiwis da colheita de 2015 e o preço devido (...)”.
Ou seja, respeitando na integra o que fora pedido sob a al. c) do pedido da autora, ainda que sob um diverso enquadramento jurídico, legítimo ao abrigo do já citado artigo 5º do CPC.
Termos em que se conclui pela total improcedência da arguida nulidade da sentença proferida.
*
2) Em segundo lugar cumpre apreciar do imputado erro de julgamento na decisão de facto.
Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662ºdo CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
Tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.ºs 341º a 396º do Código Civil (C.C.) e 607º, n.ºs 4 e 5 e ainda 466º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.
Fazendo ainda[4]:
- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide artigo 349º do CC), sem prejuízo do disposto no artigo 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;
- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no artigo 607º n.º 4 última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objeto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);
- levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no artigo 607º n.º 4 do CPC (norma que define as regras de elaboração da sentença) ex vi artigo 663º do CPC (norma que define as regras de elaboração do Acórdão e que para o disposto nos artigos 607º a 612º do CPC remete, na parte aplicável).
Finalmente releva realçar ser ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.
Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado artigo 640º do CPC.
Motivo por que e tal como refere António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, já supra citado, em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 238 “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recuso. Assim o determina o princípio do dispositivo (…)”.
Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai, portanto, o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso.
*
Tendo presentes os considerandos supra vertidos quanto à reapreciação da matéria de facto e revertendo ao caso concreto, é possível extrair das alegações de recurso da R. recorrente e respetivas conclusões quer os pontos da decisão de facto quanto aos quais se insurge, quer quanto à redação pela mesma proposta e ainda os concretos meios de prova que a seu ver exigem alteração da decisão (ou uma alegada inexistência dos mesmos), tendo igualmente observado o ónus indicação das passagens da gravação com transcrições parciais dos depoimentos gravados, em obediência ao disposto no artigo 640º nº 2 al. a) do CPC.
Conclui-se, portanto, terem sido observados os ónus de impugnação e especificação que sobre a recorrente recaíam, pelo que cumpre proceder à pretendida reapreciação.
Consigna-se que para o efeito se procedeu à audição integral dos depoimentos prestados e gravados.
*
Insurge-se a recorrente em primeiro lugar quanto à redação dada ao ponto 4 dos factos provados.
Alega que neste ponto o tribunal a quo transcreveu parte do teor do contrato celebrado entre a A. e a inicial co-R. “C...” , cuja tradução para português se encontra junta a fls. 218 a 232 dos autos. Transcrição que quanto à sua cláusula 8ª, por não integral torna o seu conteúdo ininteligível.
Fazendo-se notar que quanto ao teor da tradução oferecida aos autos as partes, oportunamente, nenhuma questão suscitaram quanto à correção dessa mesma tradução, pelo que se tem a mesma como boa – entende-se ser de deferir a alteração pretendida pela recorrente na medida em que de forma mais completa identifica o teor do clausulado acordado entre as partes que em parte foi reproduzido neste ponto factual 4.
Assim passará este ponto factual 4 a ter a seguinte redação:
“4 – Na sequência do contrato supra referido, foi celebrado entre a autora (na aí declarada qualidade de 'O Vendedor') e a Société Anonyme Simplifiée C..., sociedade constituída de acordo com o direito francês com sede em França (na aí declarada qualidade de 'O Comprador'), com data de 15 de maio de 2013, o contrato escrito denominado "Contrato de venda de frutos Actinidia Variedades Hortgen Nergi", cuja cópia em língua francesa se encontra junta a fls.53 a 64 do anexo documental (Tradução em língua portuguesa junta a fls.218 a 232), nos termos do qual, além do mais que do mesmo consta, as partes, declarando que "o contrato se inscreve exclusivamente no quadro do sistema de distribuição dos Frutos provenientes das variedades certificadas no âmbito da marca comunitária NERGI ou qualquer outra marca que seja depositada pela D...", acordaram nos seguintes termos:
«(…) Artigo 1.º: Objeto do contrato
O presente contrato refere-se à venda dos Frutos (…)
O Vendedor compromete-se a assegurar ao Comprador o fornecimento da integralidade da sua colheita em Frutos nas condições especificadas nos termos deste contrato.
O Vendedor garante ao Comprador a exclusividade da comercialização dos seus frutos.
Artigo 2.º: Designação – Características dos Frutos
O presente contrato refere-se os Frutos frescos de baby kiwi Arguta Actinidia das Variedades Hortgem.
(…)
Artigo 3: Quantidade
3.1: Quantidade prevista
O presente contrato refere-se à totalidade da colheita.
3.2. Quantidade real após colheita
A quantidade real, após colheita, é determinada da seguinte forma:
(…)
A quantidade real será fixada após as operações de embalagem, as quais serão realizadas nos locais designados pelo Comprador, à medida das necessidades de comercialização.
O Vendedor pode participar nas operações de embalagem, a pedido do Comprador.
(…)
Artigo 4: Colheita
A colheita é da responsabilidade integral do Vendedor (…)
Artigo 5: Carregamento e transporte
O carregamento do camião é efetuado pelo Vendedor ou pelos seus funcionários, sob a sua inteira responsabilidade. Quaisquer danos ocorridos até à tomada de posse pelo Comprador das embalagens de recolha de que o Comprador é proprietário, as quais o Vendedor mantém à sua guarda, serão suportadas pelo Vendedor.
O Vendedor será o único responsável pelo encaminhamento dos Frutos e poderá recorrer a qualquer transportador de sua escolha. O Vendedor organizará, sendo responsável pelos respetivos custos, as operações de entrega dos frutos ao Comprador em todos os locais previamente designados pelo Comprador.
(…)
Artigo 6: Receção
A classificação de qualidade será efetuada em cada entrega de acordo com as Especificações dos Produtos NERGI.
O Vendedor poderá participar nas operações de classificação a pedido do Comprador.
(…)
Art. 7: Transferência de propriedade
A transferência de propriedade e dos respetivos riscos ocorre no momento em que o Comprador ou os seus funcionários tomem posse dos Frutos.
Artigo 8: Preço
O Comprador garante ao Vendedor um preço mínimo de 0,30 por quilo embalado, sem impostos, sendo o preço liquidado nas seguintes condições:
0,15 por quilo entregue, oito (8) dias após a entrega (desde que a taxa de classificação na receção seja superior a 75%. Caso contrário, serão considerados os quilos comercializáveis de acordo com a classificação)
0,15 por quilo entregue a 15 de setembro (desde que a taxa de classificação na receção seja superior a 75%. Caso contrário, serão considerados os quilos comercializáveis de acordo com a classificação).
Um saldo do preço sobre os quilos comercializados em 31 de dezembro.
Um saldo do preço poderá ser transferido para o Vendedor em função das condições do mercado as quais não podem ser definidas no momento da compra.
(…)
Artigo 13: Duração e resolução
O presente contrato entra em vigor a partir da data da assinatura e é aplicável até 31 de dezembro de 2022 data em que poderá ser renovado por períodos de acordo tácito de Cinco (5) anos.
Cada uma das Partes poderá rescindir cumprindo a obrigação de informar a outra Parte da sua decisão por correio registado com aviso de receção pelo menos Dois (2) anos antes do período inicial ou Seis (6) meses antes do final do período de renovação.
(…)
Artigo 15: Resolução
As Partes poderão resolver o presente contrato, sem aviso prévio nem indemnização em caso de não cumprimento culposo das suas obrigações por uma ou outra das Partes após notificação formal de execução remetida por correio registado com aviso de receção de não ter sido bem sucedida por um período de trinta dias.
(…)».

Em segundo lugar pugna a recorrente pela alteração da redação dada ao ponto 6 dos factos provados.
O tribunal a quo julgou provado sobre este ponto:
6 – Em 30 de Junho de 2015, AA informou a autora e outros produtores que estiveram presentes numa reunião ocorrida nessa data que, em princípio, se não houvesse situações anormais, o preço que previam vir a ser praticado pela ré (a constituir) seria de € 4,00/kg pela colheita de 2015, sem diferenciação entre fruta standard e premium.”
Convocando o depoimento das testemunhas BB e CC pugna a recorrente pela alteração do último segmento deste ponto factual por forma a do mesmo passar a constar:
“o preço que previam vir a ser praticado pela ré (a constituir) pela colheita de 2015 seria aproximadamente o preço da colheita de 2014”.
O tribunal a quo fundamentou a sua convicção quanto a este ponto factual (como ademais dos pontos 5 e 10), nos seguintes termos:
“No que concerne à demais matéria de facto considerada provada sob os n.ºs 5 – factos provados −, 6 – factos provados − e 10 – factos provados −, a decisão do tribunal fundou-se na apreciação conjugada e crítica dos depoimentos das testemunhas BB e CC (também eles produtores/representantes de sociedades produtoras como a sociedade autora, com idênticos contratos celebrados com a D... e com a C...) com o depoimento/declarações de parte de AA, sendo tais meios de prova, no essencial, coincidentes no sentido considerado nos factos provados, tendo as testemunhas BB e CC conhecimento direto e presencial do que foi falado/comunicado nessa reunião com o AA, que teve lugar em 30 de junho de 2015, por nela terem participado. A divergência existente entre o depoimento de AA e o das testemunhas prendeu-se com a (in)existência de distinção de preço na colheita de 2015 entre a qualidade premium e a standard. No confronto de tais meios de prova, os depoimentos das referidas duas testemunhas mostraram-se mais assertivos, tendo relatado de forma segura e credível que foi dito, nessa reunião, efetuada para falarem também da questão do embalamento da fruta que, como esse era o primeiro ano que iam trabalhar com fruta embalada pelo produtor e dada a qualidade da fruta portuguesa, não ia haver diferenciação de preço de acordo com qualidade standard e premium. A testemunha CC apresentou justificação plausível para tal situação (disse que, sendo um dos parâmetros de distinção entre as categorias premium e standard os diferentes tamanhos do fruto, o facto de o trabalho manual de escolha dos frutos para terem o mesmo tamanho ser muito difícil justificou a não diferenciação, nesse ano).
Resultou confirmado por estes meios de prova, incluindo as declarações / depoimento de parte, que no ano anterior (colheita/campanha de 2014) a fruta tinha sido paga a € 4,00 quilo, a granel. As testemunhas BB e CC confirmaram o depoimento/declarações de parte quanto à inexistência de uma promessa de pagamento do preço mínimo de 4 €: o que transmitiram é que o que foi transmitido na referia reunião foi que, se não ocorressem situações anormais, contavam pagar o mesmo preço da colheita do ano anterior. Também o depoimento da testemunha DD, que também esteve nessa reunião, foi prestado no mesmo sentido.
Face a tais meios de prova assim produzidos e valorados, ficou o tribunal convencido de que na data da declaração de venda da fruta a expectativa das partes era o aludido preço igual ao do ano anterior: € 4,00/quilo.”
A justificação do tribunal a quo para a redação dada ao ponto factual em análise encontra total correspondência no teor das declarações das testemunhas BB e CC convocados pela recorrente. Testemunhas cujos depoimentos mereceram justificada credibilidade e reportaram os valores por si indicados ao que fora o pagamento na anterior colheita ao abrigo do contrato que então se mantinha com a C..., não evidenciando o julgamento do tribunal a quo qualquer erro na apreciação da prova produzida que como tal não merece censura. Assim se mantendo a redação dada a este ponto factual 6.

Em terceiro lugar pugnou a recorrente pela alteração da redação dada ao ponto 9 dos factos provados.
Tendo o tribunal a quo julgado provado em 9 dos factos provados que
9 – Declararam as partes acordar que o preço concreto final a suportar pela ré seria apurado depois de concluída a comercialização de toda a fruta.”, pugna a recorrente que este ponto factual passe a ter a seguinte redação:
“9- Em cumprimento do regime constante do Artigo 8 do contrato melhor descrito no ponto 4 – factos provados –, o preço concreto final a suportar pela ré seria apurado depois de concluída a comercialização de toda a fruta”.
Para tanto alega inexistir nos autos prova de que tal acordo haja sido estabelecido entre as partes – ou seja entre A. e R. – para a colheita de 2015.
Sendo a solução em questão a que resulta da cláusula 8ª do contrato celebrado entre A. e C... mencionado em 4 dos factos provados. Já que a recorrente (R.) se limitou a adquirir a fruta nos exatos termos em que a C... o vinha fazendo.
Como se depreende da justificação da R. quanto à alteração por si pugnada, o que está em causa não é o acordo das partes quanto ao concreto modo de pagamento do preço final a suportar pela R., mas antes uma pretensão de ver consagrado que o preço a pagar seria o estabelecido em anterior contrato cujas condições assim se manteriam exatamente as mesmas.
É o que alega a recorrente neste segmento das alegações que aqui se reproduz, para clareza da sua intenção e argumentação:
“É falso, portanto, o trecho da sentença (a páginas 10) em que se afirma que “não existe nenhum contrato escrito que defina essa relação contratual de fornecimento de kiwis pela autora à ré e aquisição, por parte desta, de tais kiwis para subsequente venda/comercialização”. Não existe nenhum contrato assinado entre as partes a regular o seu relacionamento recíproco para o futuro, mas existe um contrato escrito com termos que vigoravam anteriormente com outra sociedade do grupo da Recorrente (a C...) e que as partes cumpriram na colheita de 2015, no sentido de que todas as condições de compra e venda para o referido ano de 2015 seriam exatamente as mesmas que vigorariam para a contraente C....”
Ora o que precisamente resultou da prova produzida foi que A. e R. não assinaram qualquer contrato relativo ao negócio de aquisição da fruta em causa.
Mais, resulta provado que em meados de junho de 2015, em vésperas do início da colheita de 2015 AA na qualidade de representante da C... comunica ser a R. quem passará a adquirir e a comercializar a fruta que até aí era por si comercializada (fp 5 não impugnado).
E nessa sequência em 30/07/2015 o mesmo informa a A., e outros, dos termos em que seria paga a colheita de 2015, por referência à colheita de 2014 – vide facto provado 6 cuja redação se manteve nos termos já supra analisados - tendo como base o que fora pago na colheita de 2014 e nos termos que então vigoravam.
Neste contexto o que resulta como certo é que as partes, na sequência do que foi comunicado em 5 e 6 dos factos provados, aceitaram que o pagamento da colheita seria feito nos mesmos termos da anterior colheita, salvo se ocorressem situações anormais. Sendo assim coerente a implícita aceitação de que o preço concreto final a suportar pela ré seria apurado depois de concluída a comercialização de toda a fruta. Já não que esta aceitação resultaria num cumprimento do estipulado na cláusula 8ª do contrato celebrado com entidade diversa da R..
Entende-se, perante o exposto e por maior rigor perante a prova produzida que o ponto 9 dos factos provados passe a ter a seguinte redação:
9 – Aceitaram as partes que o preço concreto final a suportar pela ré seria apurado depois de concluída a comercialização de toda a fruta.”.

Em quarto lugar pugnou a recorrente pela eliminação do ponto 10 dos factos provados, cujo teor aqui se reproduz:
10 – Ao emitirem as declarações referidas no ponto 8 – factos provados –, as partes tiveram em vista o preço referido no ponto 5 – factos provados.”

Defende a recorrente a eliminação deste ponto 10 - o qual contém um manifesto lapso de escrita como bem nota a recorrente, já que o preço a que se reporta consta do ponto 6 e não 5 dos factos provados. Lapso que aqui se deixa desde já corrigido, atenta a sua evidência manifesta.
Alega a recorrente a total ausência de prova do mesmo.
O tribunal a quo justificou em termos cabais e que acima já deixámos reproduzidos a sua convicção quanto ao facto provado 10.
Justificação devidamente sustentada na prova então analisada.
O ponto 8 dos factos provados não vem impugnado.
E a declaração de venda decorreu no contexto prévio descrito em 5 e 6 dos factos provados.
Nenhuma censura há, pois, a apontar a este ponto 10 dos factos provados.
Cuja redação se mantém na integra.

Por último defende a recorrente a alteração da redação dada ao ponto 12 dos factos provados.
O tribunal a quo julgou provado em 12 dos factos provados que:
12 – Na campanha de 2015, aos agricultores franceses foi pago pela primitiva ré C... um preço de € 4,00/kg por frutos das mesmas variedades ... e ... relativamente a frutos de qualidade premium, e de € 3,00 relativamente a frutos de qualidade standard.”
O que justificou nos seguintes termos:
“Relativamente à matéria de facto constante do n.º 12 – factos provados −, a decisão fundou-se no depoimento prestado por AA, conjugado com o teor dos documentos juntos a fls. 872 a 882 do anexo documental.”
A fundamentação encontra apoio efetivamente nos documentos convocados, bem como no depoimento da testemunha AA.
A questão que a recorrente suscita é outra – relacionada com a qualidade do produto entregue e assim com as perdas, tal como o evidencia a alteração proposta / ou aditamento de novo facto, que peticiona nos seguintes termos:
“deverá ser acrescentado, no final, ao teor do Facto Provado 12, a seguinte especificação: “(…), sendo que aos agricultores portugueses foi paga a totalidade dos quilogramas entregues, sem quaisquer perdas, enquanto aos agricultores franceses foram pagos apenas os quilogramas comercializados, pelo que o preço pago aos agricultores franceses por quilograma entregue foi menor”.
Caso se entenda mais adequado, poder-se-á manter a redação atual do Facto Provado 12, aditando-se um novo Facto Provado com teor semelhante ao acima proposto, a saber: “Aos agricultores portugueses foi paga a totalidade dos quilogramas entregues, sem quaisquer perdas, enquanto aos agricultores franceses foram pagos apenas os quilogramas comercializados, pelo que o preço pago aos agricultores franceses por quilograma entregue foi menor do que os preços especificados no ponto 12 – factos provados”.
Ora, a mercadoria entregue pelos produtores franceses, de acordo com o depoimento da testemunha AA, teve perdas que implicaram redução no preço final pago – por deduzidas tais perdas, ou seja, não foi pago o valor das perdas.
Ao contrário, a produção entregue pelos portugueses e nomeadamente pela autora, certamente porque foi logo embalada e selecionada não sofreu perdas, o que foi confirmado pela testemunha EE que por tal justificou ter sido pago tudo o que foi entregue pelos produtores portugueses e assim nomeadamente pela A..
O mesmo é dizer, no que releva, que o valor kg pago é o que consta em 12 dos factos provados aos agricultores franceses. Que receberam em função da mercadoria efetivamente aceite e comercializada. Não tendo sido pago o que foi rejeitado. Mas o produto que estava nas condições exigidas foi pago e ao valor apurado, como o demonstram os documentos juntos aos autos.
Em suma, este ponto factual tão pouco merece censura.
Não se justificando o aditamento do novo facto pugnado pela recorrente por para a decisão do mérito não ter relevo.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a impugnação deduzida.
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Apreciadas as questões da nulidade e do erro na apreciação da prova suscitadas pela recorrente R., será apreciada agora em conjunto a errada subsunção jurídica dos factos ao direito invocada por ambas as recorrentes – A. e R..
A final (por uma questão de precedência lógica) sendo ainda apreciada a questão da violação do caso julgado quanto ao decidido sobre o articulado superveniente.
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3) Do erro na aplicação do direito.
Tal como resulta do relatório supra, na sequência do decidido pelo Ac. do STJ proferido em 17/12/2020 prosseguiram os presentes autos apenas contra a R. “B...” e para a apreciação do pedido deduzido pela autora contra esta mesma R., fundado em contrato verbal entre ambas celebrado – contrato de venda comercial de frutos naturais pendentes.
A propósito do conhecimento da exceção da incompetência absoluta / competência internacional dos tribunais portugueses para a presente ação em razão da nacionalidade, justificou o STJ o por si decidido clarificando incumbir ao tribunal qualificar juridicamente os factos alegados e daí retirar as necessárias ilações. Nessa atividade tendo concluído inexistir – de acordo com o alegado - uma qualquer transmissão da C... para a B... do pacto atributivo de jurisdição por via de uma qualquer cessão da posição contratual. Motivo por que para o pedido relacionado com o contrato, aliás verbal, celebrado entre a autora e a R. B... decidiu ser o tribunal português internacionalmente competente.
Os autos prosseguiram, portanto, para apreciação do pedido formulado pela autora contra a R. tendo por referência um alegado contrato comercial verbal celebrado entre A. e R., tendo por objeto a venda de frutos naturais pendentes.
Contrato este regulado nos termos previstos nos artigos 2º, 13º, 230º e 463º do C. Com., e ex vi artigo 3º do mesmo código, artigos 212º nºs 1 e 2, 879º, 880º e 408º nº2 do CC (este quanto à transferência da propriedade).
Os termos em que as partes regularam a sua relação comercial, são os que se extraem dos pontos 5 e 6, 8 e 10 dos factos provados.
Destes resulta que embora as partes tenham tido presente um valor de referência para o preço a pagar pelo kg de fruta, o mesmo ficou de ser definido a final, após concluída a comercialização de toda a fruta.
Nessa altura a R. indicou à A. o valor de € 2,82 kg como preço final.
Valor do qual a A. discordou, atendendo ao que fora referido e mencionado em 6 dos factos provados – ou seja de que e salvo circunstâncias anormais, o preço a praticar seria o de € 4,00/kg.
Circunstâncias anormais que a R. não alegou existirem.
Tendo aliás sido esse o valor pago aos produtores franceses – vide facto provado 12.
Valor que assim se entende, de acordo com o previsto no artigo 883º do CC e perante o quadro factual apurado ser o devido à A., tal como o tribunal a quo o justificou.
Valor que aliás a A. não questiona no seu recurso.
A R. recorrente questiona esta decisão na perspetiva de que o pedido formulado foi um pedido indemnizatório e não de cumprimento contratual.
Convocando uma vez mais o já citado princípio de que ao tribunal incumbe a integração e qualificação jurídica dos factos (vide artigo 5º nº 3 do CPC), resulta claro que o pedido formulado pela autora contra a R. era o do pagamento por si entendido como devido pela venda dos seus frutos.
E como tal de um verdadeiro pedido de cumprimento contratual se trata, ainda que a autora o tenha qualificado como pedido indemnizatório.
Nenhuma censura merece, pois, a nosso ver, o assim decidido pelo tribunal a quo que se conteve dentro do objeto processual. Inexistindo qualquer alteração do pedido ou causa de pedir delineados pela autora na petição e oportunamente interpretados e qualificados juridicamente, no seguimento do decidido aliás pelo STJ no Acórdão já citado.
Note-se, ainda a propósito da argumentação da recorrente R., que a pretensão da autora foi apreciada ao abrigo de um contrato verbal celebrado entre A. e R., cujos termos apurados são os que constam nos factos provados 5, 6, 8 a 10. Não sendo pertinente a invocação do clausulado existente entre a anterior C... e a A. (vide facto provado 4), porquanto perante uma já anteriormente afirmada inexistente cessão de posição contratual da C... para a B... [vide o já citado Ac. do STJ], a A. não está vinculada perante a R. por qualquer do clausulado do anterior contrato.
Por outro lado, nos autos está provado o valor indicado pela R. à A. como preço concreto final a pagar (vide facto provado 11), mas não que este valor foi efetivamente já pago. O que justifica a decisão do tribunal a quo em remeter para ulterior liquidação o valor em concreto a pagar.
Em suma improcede a argumentação da R. recorrente e na totalidade o recurso pela mesma interposto.

No que respeita ao recurso da A., no que à resolução contratual concerne – em causa o contrato verbal de venda da colheita de 2015 e apenas esse foi celebrado entre A. e R. – tão pouco lhe assiste qualquer razão.
A A. por via desta ação e nos termos que deixámos já analisados peticionou o cumprimento do contrato, ou seja, a condenação da R. ao pagamento do valor a que se obrigara nos termos contratuais. Tal direito foi-lhe reconhecido. E como tal inexiste fundamento para uma alegada resolução contratual.
A qual aliás seria contrária ao previsto no artigo 886º do CC como bem notou o tribunal a quo.

Resta a apreciação da questão relacionada com o articulado superveniente e uma alegada violação do caso julgado.
Tendo o tribunal a quo em 26/04/2021 e na sequência do decidido pelo STJ declarado ser este tribunal competente para apreciar os pedidos formulados contra a R. C... que identificou nos seguintes moldes:
“alínea b)-a ré B... ver resolvido o seu contrato, por incumprimento que lhe é imputável;
alínea c)- a ré B... condenada a pagar à Autora, indemnização a liquidar em execução de sentença, pela diferença em falta, do preço devido, pela campanha de 2015, acrescida de juros à taxa legal, os vencidos e vincendos desde a citação.
No que diz respeito ao articulado superveniente prosseguirão os autos para conhecimento dos pedidos aí formulados também apenas contra a Ré B....”,
[articulado superveniente que havia já sido admitido liminarmente em 06/03/2019, anteriormente ao recurso que restringiu o objeto do litígio na sequência do decidido pelo STJ] elaborou ainda despacho saneador onde identificou como objeto do litígio:
“apurar se foi valida e eficazmente resolvido pela Autora o contrato de compra e venda celebrado com a Ré B... devido a incumprimento por parte da Ré da obrigação de pagamento do preço devido pelos frutos produzidos pela Autora na campanha de 2015 e, se a comercialização da produção da Autora foi inviabilizada por ação ilícita da Ré nas campanhas de 2018 e 2019 e, prejuízos daí decorrentes.”
E como temas da prova:
I)---Incumprimento por parte da Ré do contrato de compra e venda da fruta produzida pela Autora, quanto ao preço acordado, relativo à campanha de 2015;
II)---Validade e eficácia da resolução do contrato por parte da Autora por reiterado incumprimento do contrato pela Ré;
III)--- Inviabilização, por ação ilícita da Ré, da comercialização da produção da Autora, nas campanhas de 2018 e 2019 e, prejuízos daí decorrentes.”

Foram apresentadas reclamações aos temas da prova pela A. e ao objeto do litígio e temas da prova pela R..
Na reclamação da R. esta reclama da segunda parte dos temas da prova relativos às campanhas de 2018 e 2019 e prejuízos daí decorrentes – sustentando-se no facto de os autos prosseguirem agora e apenas para apreciação de um único contrato de compra e venda celebrado entre A. e R. e relativo à colheita de 2015. Igualmente reclama dos temas da prova referentes, no que ora releva, à inviabilização das ditas campanhas de 2018 e 2019 por parte da R., com base em suma nos mesmos argumentos.
O tribunal a quo em 08/09/2021 aprecia as reclamações e dando nota que os autos prosseguem:
“(...) para apreciação:
a) do pedido de condenação da ré B... a ver resolvido o contrato celebrado com a autora, por incumprimento culposo (insatisfação do preço devido);
b) do pedido de condenação da ré B... a pagar à autora uma indemnização a liquidar em incidente subsequente, correspondente à diferença entre o preço devido pela campanha de 2015 e o efetivamente pago, acrescida de juros.”
E conclui assistir parcial razão nas reclamações apresentadas, decidindo assim
“reformular a indicação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova, nos termos que se seguem. Nenhum facto do, assim apelidado, articulado superveniente é considerado, pois não passa ele de uma inadmissível e encapotada invocação de uma nova e diferente causa de pedir, para fundamentação de um novo e diferente pedido (que se vem somar aos anteriores)”
Na nova reformulação não incluindo, em conformidade, nenhum dos factos relativos ao articulado superveniente.
É desta decisão, no confronto com o que antes fora decidido que a recorrente A. invoca existir violação do caso julgado.
Tal como resulta do disposto no artigo 620º do CPC, as sentenças e despachos que recaiam sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo (com a salvaguarda das situações previstas no artigo 630º).
E havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar – vide 625º nº 1 do CPC~.
Sendo aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual – nº 2 do mesmo artigo 625º do CPC.
É ao abrigo destes normativos que a recorrente invoca a violação de caso julgado. Alegando ainda que da admissibilidade do articulado superveniente cabia recurso autónomo não interposto, para justificar a trânsito da decisão que o admitiu, com a consequente necessidade de incluir a factualidade no mesmo incluída, tal como o tribunal a quo o fizera no despacho de 26/04/2021.

Das vicissitudes processuais que acima já deixámos elencadas, resulta não assistir razão à recorrente no que à violação do caso julgado respeita.
O articulado superveniente foi admitido liminarmente em momento processual anterior à apreciação da exceção da incompetência absoluta.
Na sequência do que posteriormente foi decidido pelo STJ quanto à competência internacional dos tribunais portugueses, os autos prosseguiram apenas contra a R. “B...” e para apreciação do pedido que contra a mesma fora deduzido tendo por referência um contrato de compra e venda celebrado em 2015 nos termos acima já analisados.
A ser assim, tudo o demais ficou excluído do objeto processual por força do decidido em tal Ac. do STJ.
Quando os autos são remetidos ao tribunal a quo para prossecução, é proferido despacho saneador, elencado o objeto do litígio e identificados os temas de prova – incluindo a matéria atinente ao articulado superveniente.
A R. apresenta tempestiva reclamação que é atendida e na sequência da qual é eliminada a matéria atinente ao articulado superveniente por estar a matéria nele contida excluída do contrato de 2015 celebrado entre A. e R. que permitiu a prossecução dos autos.
Este despacho apenas pode ser impugnado em sede de recurso interposto da decisão final – vide artigo 596º nº 3 do CPC.
O momento próprio para atacar tal despacho que apreciou as reclamações era, portanto no recurso interposto da decisão final, ora em apreciação.
A nosso ver a recorrente não ataca de forma adequada a decisão proferida. Pois que o fundamento para a pretensão por si formulada é o da violação do caso julgado que, pelos fundamentos que acima expusemos não procede.
Todavia e a entender-se que na sua pretensão está contida a impugnação da decisão de 08/09/2021, resulta não assistir razão à recorrente na crítica apontada, pelos motivos que acima já expusemos.
Perante a restrição do objeto processual decorrente do decidido no Ac. do STJ de 17/12/2020, a matéria alegada no articulado superveniente e referente à atuação de 2018 e 2019 nunca poderia estar relacionada com o contrato – único – celebrado entre A. e R. em 2015 e referente à colheita de 2015. Para apreciação do qual os autos prosseguiram.
A pretensão da autora recorrente quanto a este ponto – de revogação do despacho de 09/09/2021 e ampliação da matéria de facto para apreciação da matéria alegada no articulado superveniente é como tal totalmente improcedente.
Termos em que se julga o recurso da autora totalmente improcedente.
Em suma, nenhuma censura merece o decidido.
***
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos por A. e R., consequentemente confirmando a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.

Porto, 2023-06-26.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
_________________
[1] Realce nosso.
[2] A decisão é de 08/09/2021 e não 09/09/2021, como certamente por lapso, que aqui se deixa corrigido, foi invocado.
[3] Vide Ac. STJ de 21/03/2019, nº de processo 2827/14.7T8LSB.L1.S1 in www.dgsi.pt
[4] vide António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. 2014, anotação ao artigo 662º do CPC, págs. 229 e segs. que aqui seguimos como referência.
[5] No citado Ac. do STJ, e sobre os pedidos da autora (recorrente) de resolução dos contratos [vide al. b) do pedido] justificou em concreto este superior tribunal:
“Alega a recorrente que não existe o denominado contrato de sublicenciamento, insinuado no artigo 2 do contrato com a Ré D..., motivo pelo qual não é possível a sua resolução.
Porém, existe um contrato (independentemente da denominação) mediante o qual a autora ficou obrigada a vender os frutos a operadores comerciais, esses sim sublicenciados pela D..., no caso a C... e, depois, a B....
Por outro lado, existe um pedido de resolução desse contrato que, obviamente, o tribunal não pode obliterar. E que está corporizado em documento junto, onde se lê que "a D... se tomou tacitamente garante do pagamento do preço de tais vendas, como decorre do princípio da boa fé na formação do contrato - apesar de esta se ter desonerado de toda a responsabilidade por violação contratual, desses seus sublicenciados operadores comerciais autorizados ". Não obstante, a autora arguiu a invalidade dessa cláusula 2.5 de desoneração (art. 13 da petição) e pediu a condenação solidária da ré, com as outras e com a ré B..., no pagamento da diferença em falta do preço devido pela campanha de 2015. E não se diga que a causa de pedir do pedido de resolução por incumprimento do contrato, não pode ser a nulidade do contrato, por, nesse caso, haver ineptidão, por contradição com o pedido (art. 1860 n" 2, al. b) do CPC). É que não se pode confundir a cumulação do pedido da nulidade das cláusulas do contrato com a D... que a autora identifica e a resolução do contrato no seu todo, com a cumulação do pedido de nulidade do contrato (que não foi feito) e o da sua resolução. O contrato pode subsistir apesar da nulidade de várias cláusulas (ver nulidade parcial cláusula 2-19).
Não existe, pois, qualquer erro ou lapso que o Tribunal deva retificar. O Tribunal não pode deixar de levar em conta o efeito prático-jurídico pretendido da resolução, que é manifesta, para efeitos de determinação da competência internacional; nem limitar os pedidos de resolução dos contratos apenas ao celebrado com a Ré B.... Se existe fundamento ou não que justifique a resolução dos contratos é questão que já não importará para efeitos de determinação daquela competência: a determinação do tribunal competente para conhecer de determinada pretensão deduzida em juízo deve partir do teor da pretensão e dos fundamentos que lhe estão subjacentes, independentemente do juízo de prognose que possa ser feito acerca da sua viabilidade (vide, Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, pág. 91).
Detém-se a autora/recorrente, ainda, na diferença entre o contrato (de fornecimento) com a C... e o contrato de compra e venda verbal com a B..., para sublinhar que o segundo nunca pode ser execução continuada do primeiro (pois de continuidade existe apenas a exclusividade). Ou seja, para a autora existem dois contratos, autónomos, sendo que com a Ré B... não foi convencionada qualquer cláusula de atribuição de jurisdição.
É certo que a autora alegou no art. 5 da petição: "Na cidade do Porto, o senhor AA comunicou à Autora que os direitos de comercialização da Ré C..., referidos em 3-a), da fruta dos agricultores portugueses, iriam passar a ser exercidos por uma entidade que viria a ser a Ré B... - à qual foram cedidos pela Ré C..., autorizada pela D.... Tal aconteceu em vésperas da colheita de 2015, quando os produtores já não dispunham de tempo para eventual alternativa."; e que alegou no art, 6: "cessão que a Ré D... voltou a confirmar, por carta de ... - com instrução para que os royalties, com ela convencionados, fossem entregues à Ré B..., por dedução do preço da fruta, devido por esta Ré. (Doe 3).0 mesmo aconteceu com mais de uma dezena de agricultores do Norte do Pais, que com ela tinham contratado."
Porém, se bem se repara, não existem (não foram alegados) os factos jurídicos necessários que permitam configurar a existência de um contrato de cessão da posição contratual celebrado entre a C... e a B... (apesar de a autora assim o configurar de direito no art. 41 da petição). O que se verifica nos autos apenas é que a primeira sociedade constituiu a segunda para os mesmos objetivos de operadora comercial sublicenciada pela ré D.... Do alegado e dos documentos não resulta, assim, que tenha havido qualquer cessão da posição contratual escrita da C... para a B... nos termos dos art. 424º a 427º do Código Civil (com o consentimento da autora), relativamente ao contrato verbal referido no art. 3°, al. b), da petição, celebrado em agosto de 20 15 (diretamente com a B...).
Parece, assim, que não se pode figurar uma transmissão da cláusula atributiva da jurisdição que consta do contrato da autora com a C... (francesa) para a B..., sediada em Portugal (operadora comercial autorizada), com autorização do cedido (ou seja, da autora).
É verdade que a competência deve ser aferida em função dos termos em que a ação é proposta. Isso não significa, no entanto (não pode significar) que o tribunal esteja vinculado à qualificação jurídica errada (se tiver elementos para tanto) (art. 5). Ora, na versão dos factos dada pela autora, não é possível concluir que o pacto atributivo de jurisdição se transmitiu da C... para a B... por via de uma qualquer cessão da posição contratual (cfr. Ac. STJ de 30.1.2013; proc. 17005/08.3TBVNO.C1.S1, em www.dgsi.pt)
Donde, não havendo pacto atributivo de jurisdição aos tribunais franceses no contrato, aliás, verbal, celebrado entre a autora e a B..., verifica-se que o tribunal português é internacionalmente competente, para conhecer dos litígios emergentes desse contrato nos termos do art. 4 do Regulamento (CE) n." 121512012, de acordo com o qual a ação deve ser proposta nos tribunais do País onde se encontra domiciliada a pessoa demandada, a não ser que, segundo o art. 5°, outras regras especiais ou exclusivas resultem do mesmo diploma (especialmente as constantes do artigo 7.°)”
Após o que decidiu o STJ ser o Tribunal da Comarca do Porto internacionalmente competente, para o julgamento da ação relativamente aos pedidos formulados contra a Ré B..., mantendo-se a competência internacional dos tribunais o Tribunal da Comarca do Porto internacionalmente competente, para o julgamento da ação relativamente aos pedidos formulados contra a Ré B..., mantendo-se a competência internacional dos tribunais franceses para os outros pedidos.”