Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | CARLOS GIL | ||
Descritores: | INJUNÇÃO ARRENDAMENTO DIFERIMENTO DO PAGAMENTO DAS RENDAS BOA FÉ CONTRATUAL NULIDADE DA DECISÃO | ||
Nº do Documento: | RP2023062622763/21.0YIPRT.P2 | ||
Data do Acordão: | 06/26/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Se a pretensão da recorrente de atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação por si interposto é totalmente infundamentada factualmente no que respeita à integração do requisito do prejuízo considerável, a mesma é insuscetível de sanação, mediante um convite ao aperfeiçoamento. II - Por força do artigo 8º da Lei nº 4-C/2020 de 04 de abril na sua primitiva redação, o arrendatário tem um direito de diferimento da obrigação de pagamento de certas rendas, direito com fonte legal que, nos termos gerais, pode ou não exercer. III - O senhorio só sabe se o arrendatário pretende exercer o direito de diferimento do pagamento das rendas se isso lhe for comunicado. IV - Se o arrendatário pretende exercer o direito que a lei lhe confere, atentas as exigências da boa-fé contratual (artigo 762º, nº 2, do Código Civil) e a natureza recetícia do direito que a lei lhe confere, tem que dar a conhecer ao senhorio esse propósito. V - Excetuando o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil), da existência de questão de conhecimento oficioso (artigos 608º, nº 2, 2ª parte e 663º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil), da alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do Código de Processo Civil) ou da mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil), os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo nº 22763/21.0YIPRT.P2 Sumário do acórdão proferido no processo nº 22763/21.0YIPRT.P2 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: ……………………… ……………………… ……………………… *** Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:* *** 1. Relatório Em 11 de março de 2021, no Balcão Nacional de Injunções, a Massa Insolvente de A..., S.A.[1] intentou procedimento de injunção contra B..., Lda. pedindo a notificação da requerida a fim de proceder ao pagamento da quantia de € 10.361,13, sendo € 8.908,74 de capital, € 900,39 de juros de mora, € 450,00 a título de outras quantias e € 102,00 a título de taxa de justiça por si paga. Para sustentar as suas pretensões, a Massa Insolvente de A..., S.A. alegou o seguinte: “1. Em 08 de dezembro de 2017, entre a sociedade comercial A..., SA, na qualidade de proprietária e locadora, e a sociedade comercial B... Lda., na qualidade de locatária, foi celebrado contrato de arrendamento comercial para o seguinte imóvel: fração autónoma designada pela letra “N” correspondente a um estabelecimento também identificado por Loja nº ..., bloco ..., com entrada pelos nsº ... e ... da Rua ..., do prédio sito na Rua ..., ... e Rua ..., no Porto, inscrito na matriz predial urbana sobre o artigo ... da união das freguesias ... e ..., e registado na 2ª Conservatória do Registo do Porto sob o nº ..., ..., com a licença de utilização nº ... emitida pela Câmara Municipal .... 2. A requerente e a requerida, celebraram o contrato referido no ponto anterior, na qualidade de pessoas coletivas que exercem uma atividade económica, no âmbito dessa mesma atividade económica, tendo, nesse seguimento, estabelecido, entre si, relações comerciais. 3. Foi estipulado o prazo de duração de 6 anos e a obrigação do pagamento de uma renda mensal de € 918,00, a pagar no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que respeitar, pela Requerida, face ao gozo do locado, sempre proporcionado pela Requerente. 4. Ficou ainda acordado que tal montante da renda seria anualmente aumentado, de acordo com os coeficientes de atualização legal. 5. No seguimento da celebração do referido contrato, cuja execução se inicia a 1 de janeiro de 2018, nos termos da cláusula terceira do mesmo, a sociedade locatária instalou-se no arrendado, passando a exercer aí a sua atividade comercial, ocupando-o e usufruindo do mesmo. 6. Em 14 de setembro de 2018, a sociedade locadora foi decretada insolvente, no âmbito do processo que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sob o nº 10455/16.6T8VNG-I, Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 6, sendo, atualmente, legal representante da mesma, o Senhor Administrador de Insolvência. 7. A 29 de novembro de 2018, o administrador de insolvência, nomeado nos autos do respetivo processo, procedeu à apreensão dos bens da insolvente, entre os quais o imóvel objeto do arrendamento acima referido. 8. Arrendamento esse que se manteve, designadamente, continuando a aqui requerida, enquanto locatária, a ter o pleno gozo do imóvel e a aí exercer a sua atividade comercial. 9. Nos termos do nº 7 do Art. 81º do CIRE, o administrador de insolvência, assume a representação do devedor para todos os efeitos de carater patrimonial que interessem à insolvência, tendo, por conseguinte e de acordo com o nº 1 do Art. 109º do mesmo código, o contrato de locação permanecido em vigor, para todos os legais efeitos. 10. Em julho de 2020, no âmbito da liquidação do ativo, o imóvel foi transmitido ao Banco 1... pelo que apenas nessa data, a Massa Insolvente deixou de ser locadora do mesmo. DO INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DAS RENDAS DEVIDAS PELA REQUERIDA: 11. À data da apreensão de bens pelo administrador de insolvência, a renda mensal em vigor, a ser paga no âmbito do contrato de arrendamento aqui em causa, era de € 928,56. 12. Pelo que, entre Dezembro de 2018 e Julho de 2020, a locatária que, como se disse, continuou com gozo do imóvel por força do contrato de arrendamento, tendo a Requerente cumprido integralmente todos os seus deveres contratuais, deveria ter pago o total de € 18.571,20 (20 meses com a renda mensal de € 928,56, a pagar no 1º dia útil do mês anterior a que diz respeito, portanto entre 2 de novembro de 2018 e 1 de Julho de 2020). 13. No entanto, e não obstante as sucessivas interpelações que o administrador de insolvência efetuou e as reiteradas promessas de pagamento integral, a locatária liquidou, do valor devido, apenas € 9.662.40, isto é, o valor de cerca de dez meses de renda, montante entregue mediante diversos pagamentos, mas que, em boa-fé, se considera ser pagamento dos valores devidos até setembro de 2019. 14. Tendo ficado por liquidar o montante de € 8.908,74, correspondente às rendas mensais devidas de outubro de 2019 a julho de 2020, qual acrescem ainda os devidos juros de mora à taxa legal em vigor aplicável, juros esses comerciais, até efetivo e integral pagamento. 15. Ao descrito valor em dívida acresce ainda a taxa de justiça paga nesta injunção, no valor de 102,00 euros e qualquer outro valor inerente à mesma e desta natureza. 16. O incumprimento da requerida determinou que a requerente tenha de suportar custos necessários com esta cobrança, de montante nunca inferior a 450,00 euros, devidos ao seu advogado, pelo que tem direito a exigir esta indemnização à requerida, nos termos do art.º 7º do DL 62/2013. 17. Não obstante as interpelações efetuadas, o valor em causa ainda na presente data se encontra em dívida. Assim: 18. Os juros vencidos no lapso temporal em causa, à da taxa legal aplicável (7%) desde outubro de 2019 (inclusive), perfazem o montante de € 900,39, ao qual acrescerão os juros vincendos até integral e efetivo pagamento.” B..., Lda. notificada do requerimento de injunção veio deduzir oposição impugnando alguma da matéria alegada no requerimento de injunção, alegando que a requerente não cumpriu integralmente as suas obrigações de locadora, pois que, na sequência da declaração de insolvência da locadora em 2019, o arrendado foi apreendido para a massa insolvente da locadora, tendo sido colocados pinos junto às entradas para o arrendado nas Ruas ... e ..., impedindo o livre acesso ao arrendado, nomeadamente para cargas e descargas, determinando uma redução da faturação e/ou sobrecusto de produção de pelo menos 20%, assim desobrigando a requerida do pagamento das rendas; por força das regras decorrentes da Lei nº 17/2020 de 29 de maio, da Lei nº 75-A/2020 de 30 de dezembro, da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março e da Lei nº 4-C/2020, de 06 de abril a requerida apenas estaria obrigada ao pagamento das rendas de abril a julho de 2020 em 24 prestações mensais e sucessivas a partir de 01 de janeiro de 2022 e até 31 de dezembro de 2023; ainda que houvesse mora da requerida, a mora no pagamento das rendas de um contrato de arrendamento não confere ao senhorio o direito de exigir o pagamento de juros de mora à taxa supletiva para os créditos comerciais mas apenas à taxa supletiva para os créditos civis; a requerida requereu a suspensão da instância nestes autos com fundamento em pendência de causa prejudicial em virtude de ter sido instaurado contra si pelo atual dono do arrendado um procedimento para entrega judicial do arrendado; a título condicional, deduziu reconvenção contra a requerente pedindo a condenação desta ao pagamento de indemnização no montante de € 5.000,00 na parte já quantificável e bem assim em adequada compensação por todos os prejuízos que porventura venha a sofrer, ainda que sob condição e parcialmente a liquidar ulteriormente, devendo o tribunal reconhecer como compensado o valor que vier a ser reconhecido à requerente como seu crédito sobre a requerida, dando-o como compensado nas importâncias que porventura venham a ser reconhecidos como créditos da requerida sobre a requerente, devendo ainda o tribunal condenar a requerente ao pagamento de juros de mora contados à taxa legal, sobre o remanescente do crédito da requerida, após a declarada compensação, calculados desde a citação até integral e definitivo pagamento. O procedimento de injunção foi remetido à distribuição aos Juízos Locais Cíveis do Porto, Comarca do Porto. Após a distribuição, a requerente foi notificada para, querendo, se pronunciar sobre a defesa por exceção da requerida e bem assim sobre a reconvenção pela mesma deduzida. A requerente respondeu impugnando toda a matéria da oposição pugnando pela sua total improcedência. Em 01 de julho de 2021, a requerida ofereceu espontaneamente articulado pronunciando-se, alegadamente, sobre a matéria de exceção constante da resposta da requerente, reiterando a matéria vertida na sua oposição e pugnando pela admissibilidade legal da reconvenção por si deduzida na oposição. Proferiu-se despacho a não admitir o articulado oferecido pela requerida em 01 de julho de 2021, não se admitiu a reconvenção deduzida pela requerida e designou-se dia para realização da audiência final. Em 08 de outubro de 2021, a requerida veio suscitar a incompetência absoluta do tribunal recorrido em virtude de a presente causa dever seguir por apenso ao processo de insolvência da senhoria, pretensão que foi indeferida. A audiência final realizou-se numa sessão e em 15 de abril de 2022 foi proferida sentença[2] que terminou com o dispositivo que na parte pertinente ao conhecimento do objeto do recurso se reproduz de seguida: “Nestes termos, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência: - condeno a ré B..., Lda a pagar à autora Massa Insolvente A..., SA a quantia global de 8.357,04 euros (oito mil trezentos e cinquenta e sete euros e quatro cêntimos), correspondente às rendas dos meses de outubro/2019 a junho/2020, acrescida dos juros de mora contados desde a data de vencimento de cada uma das rendas contabilizados às sucessivas taxas legais estabelecidas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, até integral pagamento; - condeno a ré a ré B..., Lda a pagar à autora Massa Insolvente A..., SA a quantia de 40,00 euros, a título de indemnização pelas despesas de cobrança; - no mais, vai a ré absolvida do pedido.” Em 02 de junho de 2022, inconformada com o dispositivo da sentença que precede, B..., Lda. interpôs recurso de apelação, requerendo inicialmente, além do mais, que seja admitido no efeito meramente devolutivo e terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “A. Antes de mais, entende a Recorrente ser pertinente sindicar a decisão recorrida tendo em vista a alteração da matéria de facto dada como provada, posto que, ressalvado o devido respeito por diversa opinião, resultou provado nos autos matéria essencial cujo sentido deve ser diametralmente oposto àquele fixado pelo Tribunal a quo. B. Tendo em conta aquele que é o objeto do litígio e os temas de prova, é essencial que, melhor apreciando os elementos de prova dos autos (documental e testemunhal) seja antes de mais alterado o elenco dos factos não provados no sentido de ser dado como provado o facto 1 do elenco dos factos não provados. C. Sendo que, no entender da Recorrente, devem também ser dados como provados outros factos não considerados pelo Tribunal a quo. D. Antes de mais, entendem as Recorrentes que deverá ser expurgada da matéria de facto assente aquela resultante do ponto 6 da matéria assente, por a mesma não resultar nem alegada pela Autora nem provada pela documentação junta aos autos. E. Ressalvado o devido respeito, atenta a pouco clara alegação por parte da Autora não permitira que se concluísse pela demonstração dos factos assim alegados. F. Deveria também ter sido dado como provados pelo Tribunal a quo dois factos, que poderia ser o facto 8., pois que faria sentido na sequência do facto 7. já dado como assente, com a seguinte redação: 8. Os carregamentos através de camião dos materiais comercializados pela Ré eram feitos através de um acesso próprio com um pino de metal amovível próprio para permitir o acesso de viaturas automóveis à entrada da loja em causa nos autos; 9. Há pelo menos 4 anos este acesso foi vedado, tendo sido substituído o aludido pino de metal amovível por um pilarete fixo de cimento, tendo ficado inviabilizado o acesso de viaturas à entrada da loja em causa nos autos. G. O Tribunal deu como não provado o facto 1 dado como não assente respeitante à quebra de faturação da Ré durante o período de confinamento imposto pela pandemia por COVID-19. H. Assim, ressalvado o devido respeito, antes de mais, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado um facto, ao qual poderia corresponder o número 11, pois que na sequência da alteração requerida supra o atual facto 8. Passaria a ser o 10. com a seguinte redação: 11. Durante o período de pandemia causado pelo COVID-19 a Ré teve quebras de faturação de pelo menos 50% em relação ao período homologo. I. E assim, para a pretendida alteração da seleção da matéria de facto assente e não assente, haverá este Digníssimo Tribunal superior que apreciar e reavaliar os seguintes elementos de prova: O depoimento das testemunhas melhor transcritos supra Sem prescindir, J. O Tribunal a quo deu como provado que a Ré esteve encerrada por impositivo legal de Março a Maio de 2020 (facto 8 da matéria assente). K. Nesta baliza temporal, vigorava a Lei n.º 4-C/2020, de 06 de abril - Regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID-19. Diário da República. - Série I - n.º 68 - 3.º Suplemento (06-04-2020), p. 35-(15) a 35-(19). L. Na sua versão inicial, quanto aos arrendamentos não habitacionais, este diploma previa o seu âmbito de aplicação, no artigo 7.º, sob a epígrafe «Quebra de rendimentos dos arrendatários não habitacionais»: «O presente capítulo aplica-se: a) Aos estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respetivas atividades suspensas ao abrigo do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, ou por determinação legislativa ou administrativa, nos termos previstos no DecretoLei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, ou ao abrigo da Lei de Bases da Proteção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual, da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, ou de outras disposições destinadas à execução do estado de emergência, incluindo nos casos em que estes mantenham a prestação de atividades de comércio eletrónico, ou de prestação de serviços à distância ou através de plataforma eletrónica; b) Aos estabelecimentos de restauração e similares, incluindo nos casos em que estes mantenham atividade para efeitos exclusivos de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio, nos termos previstos no Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, ou em qualquer outra disposição que o permita.» M. O Tribunal a quo, não obstante reporta-se (e aplica) ao artigo 6º da Lei 4-C/2020 para justificar a necessidade de prévia comunicação ao Senhorio para beneficiar de deferimento de rendas. N. Sucede apenas que a aludida disposição legal se insere no capítulo II da Lei respeitante ao arrendamento habitacional. O. E nos autos está em causa arrendamento não habitacional, para o qual a lei não impunha prévia comunicação, bastando-se com a imposição legal de encerramento (como sucedeu no caso dos autos e foi dado como provado pelo Tribunal a quo. P. Pelo que não serão devidas (pelo menos para este efeito) as rendas de Março, Abril, Maio de 2020. Ademais, Q. Invocou também a Ré exceção de não cumprimento do contrato fruto da alteração verificada no condomínio onde se insere o locado que obstou, como visto supra ao regular procedimento de cargas e descargas das mercadorias da Ré. R. Mas seja tal decisão da Ré ou do condomínio, o certo é que tal consubstancia alteração das circunstâncias contratuais que presidiram à celebração do contrato de arrendamento com a Ré – contrato que pressupunha, como ficou provado pelo depoimento das testemunhas arroladas nos autos, a possibilidade de acesso à loja para cargas e descargas através de pino de metal amovível. S. Independentemente de saber quem decidiu a alteração – se a Autora, se o condomínio – o certo é que esta alteração consubstancia verdadeira mudança na base do negócio, verdadeira alteração de circunstâncias, que, tendo sido invocada, caberia ao Tribunal a quo, data vénia, apreciar. T. O que não fez. U. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou, por errada aplicação ou interpretação, o disposto nos artigos: 6º, 7º da Lei 4-C/2020; 8-A da Lei 75-A/2020 e 437º do Código Civil”. Após as conclusões da apelação e o pedido de revogação da sentença recorrida, porventura esquecida de que no requerimento de interposição do recurso requerera a atribuição de efeito meramente devolutivo, B..., Lda. formulou o seguinte requerimento: “III - Do pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso, nos termos nomeadamente do artigo 647 nº 4 do CPC O presente recurso para ter eficácia e produzir efeitos deve ter efeito suspensivo sob pena de, a tal não acontecer, causar grave prejuízo á parte Ré, recorrente. Com efeito, Não atribuir efeito suspensivo ao presente recurso potenciaria até a prática de atos inúteis no presente processo, uma vez que a Autora poderia promover competente execução, colocando em causa o património da Ré, mesmo antes de definitivamente transitada em julgado a decisão recorrida. O que redundaria num significativo prejuízo para a Recorrente. A Requerente vem, assim, requerer a V.Exa. que se digne fixar sempre, nos termos do artigo 647 nº 4 do CPC, efeito suspensivo ao presente recurso. Porquanto, como bem se compreende, o prosseguimento dos autos na sequência da decisão recorrida pode causar sérios prejuízos à Ré. A requerida, recorrente, pretende e requer seja atribuído sempre o efeito suspensivo ao presente recurso. Protestando, para o efeito, oferecer caução, nomeadamente nos termos do artigo 647 nº 4 do CPC. Caução que a requerente, recorrente pretende efetivamente prestar e desde já oferece A caução a prestar deve cobrir/ garantir quaisquer prejuízos que possam resultar da não execução imediata da decisão. É um prejuízo praticamente inexistente, visto que o recurso, em termos médios, será decidido, no máximo em 6 meses. Teremos assim que o valor a caucionar não deverá exceder os 6.000 Euros. Em todo o caso, a requerente protesta prestar caução, no valor sempre superior a 10 000 Euros, através de penhor ou mesmo garantia bancária, consoante venha a ser mais adequado em face do valor que se determine deva ser caucionado. A requerente, por requerimento autónomo vem, nos termos da Lei, proceder ao oferecimento da invocada caução através de penhor sobre o seguinte bem móvel: - obra gráfica/ fotográfica de grande dimensão e formato no valor de pelo menos 10.000€ A referida caução é oferecida pelo penhor daquele bem nos termos das disposições aplicáveis, v.g., artigo 981º e ss do Código de Processo Civil, em especial os artigos 988º e 999º do mesmo Código e artigos 669º e ss do Cód. Civil. O penhor deve produzir os seus efeitos através da emissão de documento em que o respetivo proprietário confira exclusiva disponibilidade da coisa ao credor ou a terceiro, nos termos do artigo 669º, n.º 1, última parte, do Cód. Civil. Desde já, a Recorrente protesta apresentar a juízo a competente declaração em prazo que seja para o efeito indicado, deferida que seja a prestação de caução na forma proposta. Mais se requer, assim, que, deferido o pedido de prestação de caução, seja concedido prazo à Ré Recorrente, não inferior a 10 dias, para juntar a declaração sobre o referido móvel ou, se se entender mais adequado, proceder à referida entrega.” A Massa Insolvente de A..., S.A. respondeu ao recurso pugnando pela sua total improcedência. Em 27 de setembro de 2022, o recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo, indeferindo-se a prestação de caução e a atribuição de efeito suspensivo ao recurso[3]. Em 21 de outubro de 2022, inconformada com a decisão que indeferiu a prestação de caução e a atribuição de efeito suspensivo ao recurso por si interposto em 02 de junho de 2022, B..., Lda. interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “I. No seu requerimento de interposição de recurso a Recorrente requereu ao Tribunal a quo a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, mediante prestação de caução, a efetivar após notificação para o efeito pelo próprio Tribunal (como dispõe o número 4 do artigo 647º do CPC). II. Sendo também relevante referir que a caução oferecida foi por valor em excesso, dado que o valor da condenação é muito inferior. III. O Tribunal a quo considerou não estarem alegados factos suficientes para justificar o prejuízo sério decorrente para a Ré da imediata execução da sentença. IV. Bom, num primeiro momento, diga-se, que a Recorrente, de facto, alegou um conjunto de factos relevantes passíveis de substanciar a sua pretensão, se não vejamos, alegou a Recorrente no seu requerimento de atribuição de efeito suspensivo ao recurso: V. Trata-se de resto de factologia até notória. VI. A sociedade aqui em causa, de resto, como resultou provado em audiência de discussão e julgamento, dedica-se à produção de grandes formatos de obras de arte, a integrar e utilizar especialmente em exposições artísticas ou para clientes ligados ao ramo hoteleiro. VII. Setores que estiveram, também eles, completamente parados durante praticamente dois anos. VIII. A Recorrente vê-se pois, desde 2020 até ao presente, em significativos constrangimentos para honrar os seus compromissos, manter os seus postos de trabalho e até sobreviver enquanto sociedade. IX. Qualquer precoce bloqueio das respetivas contas bancárias ou da sua atividade será (seria) pois suficiente para rapidamente ditar o fim da sociedade Requerente, que assim ficaria (ficará) destituída dos parcos recursos que lhe restam para ir mantendo a respetiva atividade e pagar aos seus trabalhadores. X. Isto, pelo menos, até que a sua atividade retome plenamente. XI. Acresce que os bens móveis que a Recorrente mantém nas suas instalações, atenta aquela que é a sua atividade, são essencialmente obras de arte, propriedade de terceiros, que a Recorrente se encontra a elaborar ou concluir para entrega aos seus clientes. XII. Qualquer penhora de bens móveis no interior das instalações da Recorrente é pois passível de conduzir à apreensão e eventual remoção de artigos de terceiros, o que além de ser um potenciador de desmultiplicação do presente litígio (abrindo a porta à apresentação de diversos embargos de terceiro), é passível ainda de criar uma gravíssima (e até irreversível) mácula na imagem comercial da Recorrente. XIII. Que assim ficará impedida de entregar os aludidos trabalhos aos seu legítimos proprietários (seus clientes), vendo-se ainda na obrigação de se justificar perante estes pela respetiva perda (ou apreensão). XIV. Obrigando-a ainda, no limite, a suportar a expensas suas a respetiva reposição (quando possível) tudo contribuindo para a estrangulação e eventual extinção (pura e simplesmente) da atividade da Recorrente e até desta própria enquanto entidade (sociedade comercial). XV. Estes factos são até notórios tendo em vista o conhecimento que o Tribunal a quo tinha e tem da atividade da Recorrente, que resultou provada em audiência de discussão e julgamento, e do impacto que o período de pandemia teve na respetiva atividade. XVI. O Tribunal a quo entendeu, não obstante, não estarem suficientemente alegados estes factos. XVII. Não obstante, tendo assim entendido, deveria, crê-se, pelo menos e antes de julgar pura e simplesmente improcedente o requerimento para prestação de caução apresentado pela Recorrente, convidar a Recorrente ao seu aperfeiçoamento. XVIII. Por maioria de razão quando o Tribunal a quo se serviu das pretensas apontadas insuficiências precisamente para proferir a decisão recorrida no sentido em que o fez, isto é, retirou das referidas pretensas omissões as conclusões que fundamentam a decisão de indeferimento. XIX. Omitido o convite ao aperfeiçoamento, é nula a sentença recorrida pois que a mesma se sustenta exclusivamente na pretensa omissão de alegação de factos consubstanciadores de sério prejuízo pela Recorrente XX. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou, por erro de aplicação ou interpretação, além do mais, o disposto nos artigos 5º, 590º, 615º, 647º, 909º, 913º, 915º do CPC e artigo 627º e segts. do Código Civil.” Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação sem determinação judicial, sem que tivesse expirado o prazo para contra-alegações ao segundo recurso interposto pela requerida e sem que houvesse qualquer despacho sobre este segundo recurso, sendo em 29 de outubro de 2022 proferido despacho do Sr. Juiz Desembargador Relator a determinar o termo dos autos de recurso, em virtude de ainda não se acharem preparados e a consequente baixa dos autos a fim de ser proferido oportunamente despacho sobre o segundo recurso de apelação, após o que com nova remessa dos autos ao Tribunal da Relação serão os autos de recurso sujeitos a nova distribuição. Após baixa dos autos ao tribunal recorrido, a Massa Insolvente de A..., S.A. respondeu ao segundo recurso de apelação interposto pela requerida, pugnando pela sua inadmissibilidade legal. Em 17 de janeiro de 2023 foi proferido despacho a admitir o recurso interposto em 21 de outubro de 2022 como de apelação, a subir nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo, indeferindo-se as nulidades da decisão recorrida arguidas pela recorrente. Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir. 2. Questões a decidir tendo em conta o objeto dos recursos delimitados pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil 2.1 Da ilegalidade do indeferimento liminar do oferecimento da recorrente para prestação de caução seja por terem sido alegados os factos suficientes para integrar o invocado prejuízo considerável seja porque a não se entender assim, sempre a recorrente deveria ter sido convidada a aperfeiçoar o seu requerimento de oferecimento para prestação de caução (segundo recurso de apelação); 2.2 Da reapreciação do ponto 1 dos factos não provados, da ampliação da decisão da matéria de facto e da exclusão do ponto 6 da factualidade provada (primeiro recurso de apelação); 2.3 Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso (primeiro recurso de apelação); 2.4 Da desnecessidade de comunicação ao senhorio para beneficiar do diferimento do pagamento de rendas (primeiro recurso de apelação); 2.5 Da alteração das circunstâncias (primeiro recurso de apelação). 3. Fundamentos 3.1 Da ilegalidade do indeferimento liminar do oferecimento da recorrente para prestação de caução seja por terem sido alegados os factos suficientes para integrar o invocado prejuízo considerável seja porque a não se entender assim, sempre a recorrente deveria ter sido convidada a aperfeiçoar o seu requerimento de oferecimento para prestação de caução A recorrente pugna pela revogação do despacho proferido em 27 de setembro de 2022, na parte em que indeferiu a prestação de caução, sustentando a recorrente ter alegado factos suficientes para integrar prejuízo considerável para si com a execução imediata da decisão recorrida e, ainda que assim não se entendesse, sempre a recorrente deveria ter sido convidada a aperfeiçoar o seu requerimento para oferecimento de prestação de caução. Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do disposto no nº 4 do artigo 647º do Código de Processo Civil, fora dos casos em que por determinação da lei o efeito do recurso de apelação é suspensivo (nº 3 do artigo 647º do Código de Processo Civil), ao interpor o recurso, o recorrente pode requerer que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão recorrida lhe causa prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal. No caso dos autos, a ora recorrente ao requerer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso por si interposto, limitou-se a referir que a execução da decisão recorrida lhe iria causar graves prejuízos, significativos prejuízos e sérios prejuízos, abstendo-se de alegar factos concretos que depois de valorados e juridicamente qualificados se pudessem reconduzir ao prejuízo considerável legalmente exigido. Estas referências valorativas da ora recorrente ao prejuízo decorrente da imediata execução da decisão recorrida, por falta de um mínimo substrato factual, têm grande similitude com a situação da petição inicial inepta por falta de indicação da causa de pedir e, a nosso ver, como esta última patologia[4], são insuscetíveis de sanação. De facto, com os aludidos juízos de valor está inviabilizada a aferição do concreto prejuízo que a recorrente pretende evitar com o requerimento para prestação de caução. Por outro lado, se se pode afirmar que a nossa lei adjetiva privilegia as soluções processuais que permitam tanto quanto possível o aproveitamento dos atos praticados, isso implica que se verifique um mínimo no ato praticado para que possa ser aproveitado. A não existir um tal mínimo, não se tratará de um aperfeiçoamento de um ato, de um completamento ou concretização de um ato já praticado, mas sim de uma nova oportunidade para a prática de um ato. Ora, no caso em apreço, a recorrente limitou-se a emitir diversos juízos de valor que nem sequer correspondem ao juízo de valor legal para sustentar a sua pretensão de atribuição de efeito suspensivo ao recurso por si interposto, omitindo uma qualquer referência factual, ainda que mínima, que mesmo remotamente se possa reconduzir a um prejuízo considerável para a recorrente em consequência da imediata execução da decisão recorrida. Por isso, a pretensão da recorrente de atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação por si interposto em 02 de junho de 2022 é totalmente infundamentada factualmente e, por isso mesmo, é insuscetível de sanação, mediante um convite ao aperfeiçoamento. Pelo exposto, conclui-se pela improcedência deste recurso, assim se confirmando a decisão recorrida proferida em 27 de setembro de 2022, no segmento impugnado. As custas deste recurso são da responsabilidade da recorrente, já que decaiu totalmente na sua pretensão recursória (artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil). 3.2 Da reapreciação do ponto 1 dos factos não provados, da ampliação da decisão da matéria de facto e da exclusão do ponto 6 da factualidade provada (primeiro recurso de apelação) A recorrente requer a reapreciação do ponto 1 dos factos não provados[5], a ampliação da decisão da matéria de facto com dois pontos que indica[6] e a exclusão do ponto 6 dos factos provados. O ponto 1 dos factos não provados, atendendo aos artigos da oposição para que remete, tem o seguinte conteúdo: - Na contabilidade da requerida esta deveria originariamente apenas à requerente, a título de rendas, a quantia de € 7.990,74 (artigo 4 da oposição). - Em 29.11.2018, o prédio de que faz parte a fração arrendada à requerida foi genericamente apreendido para a “Massa Insolvente A..., SA” , que mandou colocar pinos junto às entradas da fração arrendada, quer no acesso pela Rua ..., quer no acesso pela Rua ... (artigo 6 da oposição). - Estes pinos passaram a impedir, como impedem, o acesso livre à fração objeto do dito arrendamento, nomeadamente para cargas e descargas (artigo 7 da oposição). - A dificuldade de acesso às instalações da requerida impediram esta de exercer a sua normal atividade, originando uma redução de faturação e/ou sobrecusto de produção de pelo menos 20% (artigo 10 da oposição). - De 19.03.2020 a 2.05.2020, a requerida sofreu uma grave afetação da sua atividade (redução de muito mais de 50% da sua faturação) (artigo 25 da oposição). Os dois pontos que a recorrente pretende que sejam aditados aos factos provados são os seguintes: - Os carregamentos através de camiões de materiais comercializados pela ré eram feitos através de um acesso próprio com um pino de metal amovível próprio para permitir o acesso de viaturas automóveis à entrada da loja em causa nos autos; - Há pelo menos quatro anos este acesso foi vedado, tendo sido substituído o aludido pino de metal amovível por um pilarete fixo de cimento, tendo ficado inviabilizado o acesso de viatura à entrada da loja em causa nos autos. O ponto 6 dos factos provados tem o seguinte conteúdo: - A ré não liquidou as rendas devidas pelos meses de outubro/2019 a junho/2020. As razões que a recorrente indica para sustentar a sua pretensão de reapreciação do ponto 1 dos factos não provados, de ampliação da factualidade provada e de supressão de um facto provado são, em síntese, as seguintes: Para supressão do ponto 6 dos factos provados, a recorrente refere que essa matéria não foi alegada pela recorrida e, por outro lado, nunca essa matéria poderia ser dada como provada atento o que a recorrente alegou nos artigos 5 a 14 da sua oposição, matéria que afirma ter sido confirmada pelas suas testemunhas e pelas próprias testemunhas da recorrida, transcrevendo e localizando na gravação segmentos dos depoimentos prestados pelas testemunhas AA e BB e que também servem de suporte aos dois pontos dos factos provados que pretende sejam aditados à factualidade provada e que, como se viu anteriormente, correspondem, em parte, ao ponto 1 dos factos não provados, servindo esta prova testemunhal também para sustentar a reapreciação deste último ponto. O tribunal recorrido motivou a factualidade impugnada da forma que segue: “O facto descrito no ponto 6 dos factos provados viu a sua prova suportar-se nos documentos - emails trocados entre as partes – juntos pela autora no início da audiência de julgamento, no documento de transmissão da propriedade emitido pelo AI, datado de junho/2020, o que permitiu concluir que a autora já não poderia peticionar a renda do mês de julho e, bem assim, na ausência de demonstração pela ré do pagamento das demais rendas reclamadas. Na verdade, a prova do facto negativo a que corresponde o ponto 6 dos factos provados alicerçou-se nas regras de repartição do ónus da prova, já que cabia à ré provar o pagamento das rendas cuja não liquidação é afirmada pela autora. É que o direito invocado, ou seja, o direito à resolução do arrendamento, assenta no incumprimento do réu, face ao não pagamento das rendas. Logo, invocado tal tipo de incumprimento, será ao devedor que incumbe a prova do pagamento, destruindo os fundamentos do direito invocado e extinguindo este – cfr. art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil. E a razão é simples. A prova de um facto negativo, muito em especial no caso do pagamento, é extremamente problemática. Com efeito, como provar que determinada circunstância não ocorreu? Ao invés, torna-se fácil ao devedor a prova do pagamento, bastando para tal exibir o respetivo recibo. Existem situações em que a prova de um facto negativo se pode fazer pela prova de outros factos mas estes positivos. Contudo, existem igualmente situações em que a prova de facto negativo se resume pura e simplesmente à prova de uma negação. O caso do não pagamento é o mais sintomático. Provar que o devedor não pagou não tem outro conteúdo que não seja o provar que determinado facto não aconteceu, sem que tal prova possa ser feita através da concorrência de outros factos que conduzam inelutavelmente a tal conclusão. É essa diferença que faz com que, por vezes, o ónus probatório incumba a quem invoca um facto negativo. No âmbito do arrendamento, por exemplo, é ao senhorio que invoque a falta de residência permanente do inquilino que incumbe a respetiva prova. Mas aqui, tal prova pode ser feita mediante factos positivos. No não pagamento não é assim. Como o afirmam Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado I vol., pág. 222, “o significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar como deve o tribunal decidir no caso de se não fazer prova do facto”. (…) Quanto aos factos considerados como não provados e alegados na oposição a sua não prova ficou a dever-se ao depoimento da testemunha CC, administrador do condomínio onde se insere o imóvel arrendado há cerca de 4/5 anos, o qual, de forma coerente, escorreita e direta, que esclareceu ter sido o condomínio quem decidiu pela colocação dos pilaretes que impedem que os automóveis subam o passeio, sendo que a autora nada ordenou e, ainda, que em frente à loja da ré existe um lugar de estacionamento que permite a realização de cargas e descargas, sem necessidade ocupação do espaço de passeio, que não é um local de descargas. Mais afirmou que no alinhamento da loja há um café que nunca teve problemas com cargas e descargas, existindo um pilarete em inox amovível que é do conhecimento de todos os lojistas. Também os depoimentos das testemunhas AA e BB em nada contribuíram para a demonstração dos factos em questão, sendo certo que desconheciam ao certo qual a percentagem de diminuição da faturação: “Esteve fechada durante os confinamentos ficando só com 25, 30% do que faturava antes”; perderam “para aí 50%” na faturação.” Cumpre apreciar e decidir. Antes de mais, debrucemo-nos sobre a pretensão da recorrente de eliminação do ponto 6 dos factos provados em virtude de, alegadamente, não ter sido alegado pela recorrida. Recorde-se que no ponto 6 dos factos provados ficou a constar o seguinte: - A ré não liquidou as rendas devidas pelos meses de outubro/2019 a junho/2020. Ora, em sede de requerimento de injunção, a recorrida alegou nos artigos 11 a 14 do requerimento de injunção o seguinte: “11. À data da apreensão de bens pelo administrador de insolvência, a renda mensal em vigor, a ser paga no âmbito do contrato de arrendamento aqui em causa, era de € 928,56. 12. Pelo que, entre Dezembro de 2018 e Julho de 2020, a locatária que, como se disse, continuou com gozo do imóvel por força do contrato de arrendamento, tendo a Requerente cumprido integralmente todos os seus deveres contratuais, deveria ter pago o total de € 18.571,20 (20 meses com a renda mensal de € 928,56, a pagar no 1º dia útil do mês anterior a que diz respeito, portanto entre 2 de novembro de 2018 e 1 de Julho de 2020). 13. No entanto, e não obstante as sucessivas interpelações que o administrador de insolvência efetuou e as reiteradas promessas de pagamento integral, a locatária liquidou, do valor devido, apenas € 9.662.40, isto é, o valor de cerca de dez meses de renda, montante entregue mediante diversos pagamentos, mas que, em boa-fé, se considera ser pagamento dos valores devidos até setembro de 2019. 14. Tendo ficado por liquidar o montante de € 8.908,74, correspondente às rendas mensais devidas de outubro de 2019 a julho de 2020, qual acrescem ainda os devidos juros de mora à taxa legal em vigor aplicável, juros esses comerciais, até efetivo e integral pagamento.” Como se vê da transcrição que precede, a matéria de facto dada como provada consta, no essencial, no artigo 14 do requerimento de injunção, havendo apenas uma restrição no termo final da renda em dívida e que o tribunal fixou em junho de 2020 porque face ao título de transmissão junto aos autos pela própria recorrente, a transmissão da propriedade do arrendado ocorreu em 29 de junho de 2020. É certo que a ora recorrente impugnou os artigos 13 e 14 do requerimento de injunção (artigo 3º da oposição), mas não negou achar-se em dívida, apenas afastando a sua obrigação de pagamento da renda com um alegado incumprimento contratual da recorrida e ainda por força do benefício do diferimento do pagamento das rendas decorrente do regime especial instituído pelo legislador no período da pandemia COVID19. Esta defesa não constitui um facto extintivo da obrigação de pagamento da renda mas antes factos modificativo dessa obrigação pois, a procederem, determinam ou a suspensão da obrigação de pagamento da renda ou a alteração do prazo de pagamento da renda e bem assim do seu montante. Ora, a nosso ver, provados os factos constitutivos da obrigação de pagamento da renda, cumpria à ora recorrente, nos termos gerais, provar o pagamento, já que se trata de um facto extintivo da obrigação de pagamento da renda (artigo 342º, nº 2, do Código Civil). Não tendo sido feita essa prova, bem andou o tribunal em dar como provada a matéria vertida no ponto 6 dos factos provados que não só se contém dentro do que foi alegado pela recorrida no artigo 14 do requerimento de injunção, como também releva a data em que se operou a transmissão do direito de propriedade do arrendado da esfera jurídica da recorrida para outra pessoa coletiva. Sublinhe-se ainda que a matéria dada como provada no ponto 6 não contende com a possibilidade de a recorrente comprovar a factualidade que integra a sua defesa por exceção perentória, na modalidade de factos modificativos do crédito acionado. Ao invés do que se motivou na decisão recorrida, não está em causa a prova de um facto negativo, como seria o caso se a pretensão da recorrente fosse a de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, mas sim a prova do pagamento da renda pelo obrigado a isso e que é facto extintivo daquela obrigação. Deste modo, improcede a pretensão da recorrente de supressão do ponto 6 dos factos provados. Uma vez que a recorrente observa suficientemente os ónus que impendem sobre quem impugna a decisão da matéria de facto pretendendo a sua reapreciação, procedeu-se ao exame crítico da prova documental junta aos autos pertinente para a pretendida reapreciação, nomeadamente, documento nº 1[7], oferecido pela ora recorrente, documentos oferecidos pela recorrida com o seu requerimento probatório de 07 de outubro de 2021[8] e à audição da prova pessoal produzida na única sessão da audiência final. Não obstante a falta de qualidade da gravação do depoimento de CC, administrador do condomínio em que se integra o arrendado à ré desde 2015, percebeu-se que declarou que as condições de acesso à loja não sofreram alteração, apenas tendo sido substituídos pinos em inox que estavam degradados por pilaretes em granito; para comprovar que as condições de acessibilidade não sofreram alteração relevante referiu que um estabelecimento de café que também funciona naquele condomínio continuou a fazer as cargas e descargas como sempre fez; os pilaretes delimitam uma zona de passeio e nunca receberam qualquer queixa da ré por causa de dificuldades de acesso; declarou que numa certa zona existe um pilarete em inox amovível para facilitar o acesso às lojas; sublinhou que a substituição dos pilaretes não derivou de qualquer decisão da autora mas sim do condomínio. AA, reformado, sócio da ré até há cerca de três anos, declarou acompanhar a atividade da ré mesmo após a sua aposentação, deslocando-se às instalações da ré duas a três vezes por semana; referiu que a ré na sua atividade de impressão tipográfica trabalha com formatos grandes, sendo necessário o transporte de placas com três metros de comprimento por um metro e meio de largura; referiu que até há cerca de quatro anos o acesso à loja da ré se fazia por uma passadeira para uma zona de passeio em que havia um pilarete metálico amovível, pilarete que foi substituído por um pilarete em granito, tendo sido inclusivamente colocado um pilarete de granito a meio da passadeira, junto ao passeio; afirmou que nessa altura a ré deu conta à autora da sua insatisfação com a alteração das condições de acesso; a loja da ré esteve fechada por ocasião da pandemia do COVID 19 de março de 2020 a junho do mesmo ano, segundo crê, tendo um abaixamento das vendas de cerca de 50%; a instâncias da Sra. Advogada da autora referiu que os veículos sempre passaram por cima do passeio agora delimitado com pilaretes de granito e que havia uma outra entrada mais acima mas cujo acesso era mais difícil por causa do trânsito. BB, administrativa por conta da ré desde maio de 2015 referiu que no início do arrendamento o acesso à loja era mais fácil do que é atualmente em virtude de terem sido substituídos pinos amovíveis por pilaretes de granito fixos; declarou que tal substituição ocorreu ainda antes da pandemia do COVID; declarou que a ré trabalha com quadros de grandes dimensões; tem impressão que chegaram a falar com a autora por causa das dificuldades de acesso à loja; por causa da pandemia a loja fechou um mês e meio a dois meses, tendo quebras de 50 %; a instâncias da Sra. Advogada da autora declarou que há rendas por liquidar e que os clientes entram na loja; inquirida pela Sra. Juíza que presidiu à audiência final, declarou desconhecer quem decidiu colocar ali os pilaretes. Atenta a prova pessoal produzida na audiência final e tendo em conta o que resulta da prova documental de cujo conteúdo se deu anteriormente conta, debrucemo-nos agora mais especificamente sobre a pretensão de reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pela recorrente, especificamente no que respeita à alteração das condições de acessibilidade à loja da recorrente. O depoimento do Sr. Administrador do condomínio em que se integra o arrendado foi claramente no sentido de que não houve qualquer colocação inovatória de pinos, como sustenta a recorrente, mas sim e apenas a renovação e substituição de pilaretes em inox já existentes pelo condomínio, obstáculos físicos que visavam o isolamento da zona de passeio para os peões da via propriamente dita e destinada à circulação de veículos, frisando que dessa operação não resultou qualquer alteração nas condições de acessibilidade à loja da recorrente. Ao invés, os depoimentos das testemunhas arroladas pela ora recorrente confortam de certo modo a posição da recorrente pois ambas se referiram a uma alteração das condições de acessibilidade à loja desta. Porém, os depoimentos destas testemunhas não têm qualquer corroboração documental, como seria natural que existisse se de facto ocorresse uma alteração tão relevante no que respeita às condições de exploração da loja pela recorrida. Acresce que a versão dos factos alegada pela recorrida se apresenta pouco verosímil na medida em que de acordo com a sua perspetiva, o acesso à sua loja far-se-ia pela zona de passeio envolvente do condomínio, zona que, como se sabe, está afetada à circulação pedestre e que em condições normais, não tem a necessária compactação para poder suportar o peso de veículos, sejam eles ligeiros ou pesados. Depois, enquanto o depoimento da testemunha arrolada pela recorrida provém de uma pessoa sem qualquer interesse na causa e sem qualquer ligação ou dependência face à recorrida, os depoimentos das testemunhas arroladas pela recorrente provêm de pessoas que têm ainda alguma ligação à recorrida, tendo pelo menos interesse indireto na causa. Finalmente, mesmo que por hipótese tivesse ocorrido uma alteração das condições lícitas de acessibilidade à loja da recorrente, tal alteração não seria imputável à recorrida mas sim a uma terceira entidade. Assim, tudo sopesado, a nossa convicção probatória converge com a do tribunal a quo, ainda que com base em razões não totalmente coincidentes com as que foram enunciadas pelo tribunal recorrido, pelo que se deve manter não provada a matéria alegada nos artigos 6, 7 e 10 da oposição, inexistindo prova pessoal e documental que suporte a pretensão da recorrente de que seja aditada ao factos provados a matéria que indica. Finalmente, debrucemo-nos sobre a pretendida reapreciação do artigo 25 da oposição e que a recorrente pretende seja julgado provado. Sobre esta matéria apenas foram produzidos os depoimentos das duas testemunhas oferecidas pela ora recorrente. No entanto, estes depoimentos que nem sequer provêm de pessoas que tenham revelado um conhecimento da contabilidade da recorrente, não se mostram minimamente corroborados por prova documental ou pericial. Ora, a nosso ver, estando em causa uma alegada redução de faturação, importava provar qual era a faturação da recorrente antes da suspensão da sua atividade e qual foi esse volume neste último período mediante o oferecimento das contas da recorrente e, se necessário, mediante uma perícia contabilística a tais contas. Não tendo sido produzida uma tal prova, os aludidos depoimentos testemunhais não passam de alvitres sem a necessária força persuasiva para permitir a formação de uma convicção positiva deste tribunal da Relação relativamente à realidade dos factos vertidos no artigo 25º da oposição da ora recorrente. Por isso, também nesta vertente fáctica improcede a reapreciação da decisão da matéria de facto, mantendo-se a mesma intocada, tanto mais que não se divisa qualquer fundamento de conhecimento oficioso deste tribunal que determine a alteração de tal decisão. 3.2 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida e que se mantêm por ter improcedido a reapreciação da decisão da matéria de facto e ainda porque não se divisam razões para a sua alteração oficiosa 3.2.1 Factos provados 3.2.1.1 A sociedade A..., SA, em 8/12/2017 declarou dar de arrendamento e a ré declarou tomar de arrendamento a “fração autónoma designada pela letra “N”, correspondente a um estabelecimento comercial também identificado por Loja n.º ..., bloco ..., com entrada pelos n.ºs ... e ... da Rua ... (…)”, no Porto, destinada ao “comércio da atividade do objeto da sociedade locatária, a exercer diretamente pela mesma”, pelo período de 6 anos, com início em 1/1/2018, prorrogável por períodos de 3 anos, mediante a entrega da quantia mensal de 918,00 euros a “pagar no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que respeitar”, sendo que “o montante da renda será anualmente aumentado de acordo com os coeficientes de atualização definidos nos termos legais”.3.2.1.2 A sociedade A..., SA foi declarada insolvente, em 14/9/2018, no processo n.º 10455/16.6T8VNG que corre termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, perante o Juiz 6.3.2.1.3 O imóvel descrito em 1. [3.2.1.1], foi apreendido a favor da massa insolvente em novembro de 2018 e, no âmbito da liquidação do ativo, em 29/6/2020, foi emitido o título de transmissão a favor da Banco 1....3.2.1.4 A ré manteve-se como arrendatária do imóvel.3.2.1.5 Fruto das sucessivas atualizações, em 2018, o valor mensal devido ascendia ao montante de 928,56 euros.3.2.1.6 A ré não liquidou as rendas devidas pelos meses de outubro/2019 a junho/2020.3.2.1.7 Os bens e produtos comercializados pela ré são genericamente de grandes dimensões e facilmente deterioráveis.3.2.1.8 A ré, por força das medidas impostas pelo Governo para contenção da pandemia provocada pela doença Covid-19, teve de encerrar de 19/3 a 2/5 de 2020.3.2.2 Factos não provados 3.2.2.1 Na contabilidade da requerida esta deveria originariamente apenas à requerente, a título de rendas, a quantia de € 7.990,74.3.2.2.2 Em 29.11.2018, o prédio de que faz parte a fração arrendada à requerida foi genericamente apreendido para a “Massa Insolvente A..., SA” , que mandou colocar pinos junto às entradas da fração arrendada, quer no acesso pela Rua ..., quer no acesso pela Rua ....3.2.2.3 Estes pinos passaram a impedir, como impedem, o acesso livre à fração objeto do dito arrendamento, nomeadamente para cargas e descargas.3.2.2.4 A dificuldade de acesso às instalações da requerida impediram esta de exercer a sua normal atividade, originando uma redução de faturação e/ou sobrecusto de produção de pelo menos 20%.3.2.2.5 De 19.03.2020 a 2.05.2020, a requerida sofreu uma grave afetação da sua atividade (redução de muito mais de 50% da sua faturação).3.2.2.6 Os carregamentos através de camiões de materiais comercializados pela ré eram feitos através de um acesso próprio com um pino de metal amovível próprio para permitir o acesso de viaturas automóveis à entrada da loja em causa nos autos.3.2.2.7 Há pelo menos quatro anos este acesso foi vedado, tendo sido substituído o aludido pino de metal amovível por um pilarete fixo de cimento, tendo ficado inviabilizado o acesso de viatura à entrada da loja em causa nos autos.3.2.2.8 A autora despendeu o montante de 450,00 euros em custos com a cobrança da quantia ora reclamada.4. Fundamentos de direito 4.1 Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida em consequência da procedência da alteração da decisão da matéria de facto por que pugnou. Cumpre apreciar e decidir. Uma vez que improcedeu totalmente a pretensão da recorrente de reapreciação da decisão da matéria de facto, improcede esta pretensão recursória de revogação da decisão recorrida em consequência da pretendida alteração da factualidade provada e não provada. 4.2 Da desnecessidade de comunicação ao senhorio para beneficiar do diferimento do pagamento de rendas A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida argumentando que a disposição legal invocada pelo tribunal recorrido para impor à recorrente o ónus de comunicação ao senhorio para poder de beneficiar do diferimento do pagamento de rendas não é aplicável ao arrendamento não habitacional, não sendo por isso devidas as rendas de março, abril e maio de 2020. Na decisão recorrida, relativamente a esta questão escreveu-se o seguinte: “Por último, sempre se dirá que a previsão do deferimento do pagamento das rendas prevista na Lei n.º 4-C/2020, de 6/4, quer na redação originária quer na redação introduzida pela Lei n.º 75-A/2020, de 30/12 não é aplicável desde logo porque a ré assume nunca ter informado a autora dessa sua intenção, como o impunha os art.ºs 6.º e 8.º-B, n.º 4, respetivamente, desses diplomas.” Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do disposto no artigo 8º da Lei nº 4-C/2020 de 04 de abril[9], o “arrendatário que preencha o disposto no artigo anterior pode diferir o pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, para os 12 meses posteriores ao término desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda do mês em causa.” O artigo 6º da Lei nº 4-C/2020 é apenas aplicável aos arrendamentos habitacionais como inequivocamente se conclui pela sua inserção no capítulo II da Lei nº 4-C/2020 de 04 de abril que respeita exclusivamente a tais arrendamentos. Por outro lado, o artigo 8º-A da mesma Lei introduzido pela Lei nº 45/2020 de 20 de agosto é inaplicável ao caso dos autos porque esta última lei apenas entrou em vigor em 21 de agosto de 2020, em momento posterior àquele em que se venceram as rendas em causa nestes autos, não havendo qualquer previsão legal de aplicação retroativa de tal normativo. Significa isto que o arrendatário não habitacional que pretende beneficiar do diferimento da obrigação de pagamento das rendas ao abrigo da primitiva versão da Lei nº 4-C/2020 de 04 de abril não tem que comunicar ao senhorio a intenção de exercer esse direito? Por força do artigo 8º da Lei nº 4-C/2020 de 04 de abril antes transcrito, o arrendatário tem um direito de diferimento da obrigação de pagamento de certas rendas, direito com fonte legal que, nos termos gerais, pode ou não exercer. Na verdade, a lei não determina o diferimento automático do pagamento das rendas antes deixa ao arbítrio do arrendatário prevalecer-se ou não desse benefício legal. Em tal contexto normativo, o senhorio só sabe se o arrendatário pretende exercer o direito de diferimento do pagamento das rendas que a lei lhe confere se isso lhe for comunicado. Dito de outro modo, o senhorio apenas sabe que o pagamento das rendas vai ser diferido se o seu titular, o arrendatário, lhe comunicar que pretende exercer esse direito. A nosso ver, se o arrendatário pretende exercer o direito que a lei lhe confere, atentas as exigências da boa-fé contratual (artigo 762º, nº 2, do Código Civil) e a natureza recetícia do direito que a lei lhe confere, tem que dar a conhecer ao senhorio esse propósito. Por isso, ainda que com fundamentação distinta da usada pelo tribunal recorrido, esta questão recursória improcede. 4.3 Da alteração das circunstâncias A recorrente pugna ainda pela revogação da decisão recorrida porque se verificou uma alteração das circunstâncias contratuais que presidiram à celebração do contrato de arrendamento com a ré, decorra ou não essa alteração de ação da recorrida, não tendo o tribunal recorrido apreciado tal questão. Cumpre apreciar e decidir. Embora a recorrente refira que o tribunal recorrido não apreciou a alteração anormal das circunstâncias, não suscita a nulidade da sentença sob censura por omissão de pronúncia. A nosso ver, esta colocação do problema por parte da recorrente não é inocente na medida em que a mesma não suscitou perante o tribunal recorrido a questão da alteração anormal das circunstâncias, nem formulou qualquer pedido contra a recorrida de resolução ou modificação contratual como é facultado pelo referido instituto. Atente-se que a exceção de não cumprimento do contrato, na melhor das hipóteses para o arrendatário, apenas determina a suspensão da obrigação do pagamento da renda, embora na generalidade dos casos determine apenas uma redução da renda proporcional à redução do gozo do arrendado e enquanto essa redução se verificar. Em todo o caso, a exceção de não cumprimento, sendo uma exceção de direito material, tem natureza dilatória, enquanto a alteração anormal de circunstâncias se configura como uma verdadeira exceção perentória de natureza definitiva. Por isso, a defesa mediante a invocação da exceção de não cumprimento do contrato não se reconduz ou sobrepõe à defesa mediante a invocação de uma alteração anormal das circunstâncias, pois que as consequências jurídicas de uma e outra defesa são bem distintas. Ora, excetuando o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil), da existência de questão de conhecimento oficioso (artigos 608º, nº 2, 2ª parte e 663º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil), da alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do Código de Processo Civil) ou da mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil), os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas[10]. Por isso, no que respeita este segmento das conclusões do recurso da recorrente, por constituir uma questão nova, este tribunal abstém-se de conhecer este fundamento do recurso. Pelo exposto, os recursos improcedem totalmente, sendo as custas dos recursos da responsabilidade da recorrente pois que as suas pretensões recursórias decaíram integralmente (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). 5. Dispositivo Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedentes os recursos de apelação interpostos por B..., Lda. e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida proferida em 15 de abril de 2022 e bem assim a proferida em 27 de setembro de 2022, nos segmentos impugnados. Custas dos recursos a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, às taxas de justiça dos recursos. *** O presente acórdão compõe-se de vinte e sete páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.Porto, 26 de junho de 2023 Carlos Gil Mendes Coelho Joaquim Moura _____________ [1] Na realidade, fazendo fé no contrato de arrendamento junto aos autos a firma completa da sociedade insolvente era A..., S.A.. [2] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 19 de abril de 2022. [3] Decisão notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 28 de setembro de 2022. O conteúdo deste despacho é o seguinte: “Da atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto. Veio a ré nos termos do art.º 647.º, n.º 4 do Código de Processo Civil requerer que seja atribuído efeito suspensivo ao recurso por si interposto, oferecendo-se para prestar caução, através de penhor sobre uma “obra gráfica/ fotográfica de grande dimensão e formato no valor de pelo menos 10.000€.”. Fundamentou a sua pretensão alegando que: -“Com efeito, Não atribuir efeito suspensivo ao presente recurso potenciaria até a prática de atos inúteis no presente processo, uma vez que a Autora poderia promover competente execução, colocando em causa o património da Ré, mesmo antes de definitivamente transitada em julgado a decisão recorrida. O que redundaria num significativo prejuízo para a Recorrente.” - “o prosseguimento dos autos na sequência da decisão recorrida pode causar sérios prejuízos à Ré.”. A autora opôs-se. Apreciando. Diz o art.º 647.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que “A apelação tem efeito meramente devolutivo, exceto nos casos previstos nos números seguintes.”. Não sendo aplicável ao caso concreto que nos ocupa a previsão contida no n.º 2 da citada norma, nem nenhuma das alíneas previstas no n.º 3, importa reter a redação do seu n.º 4: “Fora dos casos previstos no número anterior, o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal.” Os argumentos invocados pela ré não são aptos para que se possa afirmar que a execução da decisão proferida lhe causará prejuízo considerável, na medida em que não são alegados factos concretos, mas apenas tecidas considerações genéricas sobre como a execução a sentença iria “causar sérios prejuízos”. Assim, porque se impõe a alegação de factos concretos que permitam que se conclua que a execução da decisão cause “prejuízo considerável” e tal não ocorreu, indefiro a pretendida prestação de caução e consequentemente a atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto. Notifique.” [4] Sobre a problemática da sanabilidade ou insanabilidade da ineptidão da petição inicial, por todos, veja-se Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª Edição, Almedina 2022, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, páginas 245 e 246, anotação 16. ao artigo 186º do Código de Processo Civil. [5] Pela argumentação que a recorrente desenvolve na sua motivação, constata-se que não pretende a reapreciação da totalidade do ponto 1 dos factos não provados, pois que exclui dessa pretensão o artigo 4 da oposição. [6] Em bom rigor a matéria que a recorrente pretende que passe a constar dos factos provados a título de ampliação corresponde em boa parte a um segmento do ponto 1 dos factos não provados, pelo que, no essencial, ainda se reconduz à reapreciação do ponto 1 dos factos não provados. Inovadora é a referência ao pino de metal amovível. [7] Deste documento nº 1 que é constituído por um requerimento dirigido por Banco 1..., S.A. contra a ora recorrente para entrega da fração autónoma “N” do prédio sito na Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº ..., freguesia ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da União de Freguesias ... e ..., concelho e distrito do Porto e instruído com onze documentos de que se destacam os seguintes: nº 1, título de adjudicação à Banco 1..., S.A., datado de 05 de maio de 2020, lavrado no âmbito do processo especial de insolvência em que foi proferida sentença declaratória da insolvência da sociedade A..., S.A., transitada em julgado em 22 de outubro de 2018 de, entre outros bens, “Edifício ..., ... na Rua ... a fração autónoma “N” do prédio sito na Rua ..., ..., artigo ...-N, freguesia ..., ..., pelo valor de 408.000,00 Euros”; nº 2, título de transmissão à Banco 1..., S.A., datado de 29 de junho de 2020, lavrado no âmbito do processo especial de insolvência em que foi proferida sentença declaratória da insolvência da sociedade A..., S.A., transitada em julgado em 22 de outubro de 2018 de, entre outros bens, “Edifício ..., ... na Rua ... a fração autónoma “N” do prédio sito na Rua ..., ..., artigo ...-N, freguesia ..., ..., pelo valor de 408.000,00 Euros”; nº 4 [que também foi junto como documento nº 1 pela recorrida com o seu requerimento probatório de 07 de outubro de 2021], “CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA FINS COMERCIAIS”, datado de 08 de dezembro de 2017, celebrado entre A..., S.A, na qualidade de senhoria e B..., Lda., na qualidade de arrendatária, sendo o arrendado a fração autónoma designada pela letra “N” correspondente a um estabelecimento também identificado por Loja nº ..., bloco ..., com entrada pelos nºs ... e ... da Rua ..., do prédio sito na Rua ..., ... e Rua ..., no Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da União de Freguesias ... e ... e registado na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº ..., ..., com a licença de utilização nº ... emitida pela Câmara Municipal ..., arrendamento pelo prazo de seis anos, com início em 01 de janeiro de 2018 e renovações automáticas por períodos de três anos, enquanto não ocorrer a sua cessação nos termos legais, pela renda mensal de € 918,00, sujeita a actualização anual, nos termos legais e a pagar mediante transferência bancária para a conta ... ou outra conta que para esse efeito a senhoria indique à locatária através de carta registada com aviso de receção expedida com 15 dias de antecedência em relação à data de vencimento da renda; fotografias numeradas de 2 a 10, sem data, em que são visíveis blocos de granito a delimitar a zona de passeio da via pública e também nalgumas delas pilares metálicos com a mesma função, não estando visível em nenhuma das fotografias qualquer nº de polícia ou placa identificativa da rua a que respeitam as fotografias, sendo visíveis nos blocos de granito líquenes e algum escurecimento. [8] Destacam-se as seguintes mensagens de correio electrónico cronologicamente ordenadas: mensagem de correio eletrónico remetida por DD para ... com data de 13 de julho de 2020, pelas 16h53, sendo o assunto “Renda A...” em que se reencaminha mensagem do mesmo dia pelas 16h40, endereçada por DD para ... e ...@gmail.com com referência ao assunto “Renda A...”, “Processo nº 10455/16.6T8VNG – Insolvência de Pessoa Colectiva Do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juíz 3”, “A..., SA, mensagem que tem o seguinte teor: “Vem o Administrador de Insolvência do processo à margem referenciado, solicitar o vosso contacto e se possível pelo telefone ..., a fim de analisar a situação das rendas. Com os melhores cumprimentos Atenciosamente O Administrador de Insolvência DD”; mensagem de correio eletrónico remetida por EE ...@gmail.com para ...@gmail.com com data de 17 de julho de 2020 pelas 11h28, com o seguinte teor: “Caro Dr. DD Para sua conferência, recebi indicação da nossa cliente (sujeito ainda a confirmação por parte da contabilidade) que poderá estar em dívida o valor de 2 787,39 Euros, respeitante às rendas de Outubro, Novembro e Dezembro de 2019. E o valor de € 5 571,36 Euros respeitante às rendas de Janeiro a Junho de 2020. O total será de 8 358,75 Euros. Sucede que a nossa cliente, por virtude da situação pandémica em que vivemos este totalmente encerrada nos meses de Março a Maio de 2020. Solicita, assim, que não fossem consideradas as rendas deste período (3 meses). Assim, o valor em dívida seria de 5 573,07 Euros, que a nossa cliente se propõe pagar em prestações iguais, mensais e sucessivas, de Julho a Dezembro próximo (928,85 Euros/mês). O pedido agora formulado tem também a ver com o facto da retoma da atividade económica estar a ser muito tímida. Ou seja, a nossa cliente (como ninguém) não sabe de que modo vão ficar as coisas no futuro próximo…. Caso esta proposta mereça o acordo de V.Exª, a nossa cliente propõe-se começar a efetuar o pagamento das prestações em dívida no corrente mês de Julho de 2020. Na expectativa das suas instruções Aceite os meus melhores cumprimentos EE”; mensagem de correio eletrónico remetida por FF ...@gmail.com para EE ...@gmail.com, com data de 07 de setembro de 2020, pelas 10h50, com o seguinte teor: “Dr. EE Ouvida a Comissão de Credores sobre o pedido da arrendatária B..., a decisão foi no sentido de não existirem perdões. Poderá ser proposto um plano de pagamento. Com os melhores cumprimentos Atenciosamente DD”; mensagem de correio eletrónico remetida por EE ...@gmail.com para ...@gmail.com com data de 15 de setembro de 2020 pelas 10h16, com o seguinte teor: “Caro Dr. DD A minha cliente propõe-se recuperar o pagamento das rendas em atraso (respeitante ao período de pandemia que vivemos) através do pagamento de 200 Euros mensais, a partir do corrente mês de Setembro. Na expectativa das suas instruções Aceite os meus melhores cumprimentos. EE”; mensagem de correio eletrónico remetida por FF ...@gmail.com para EE ...@gmail.com, com data de 22 de setembro de 2020, pelas 16h34, com o seguinte teor: “Dr. EE Vem o Administrador de Insolvência informar que 1 – reuniu com a Comissão de Credores em 18 de setembro corrente 2 – por decisão unânime, a B... deverá propor o pagamento total do valor em falta em prestações 3 – nada sendo proposto, ou pago, até final do corrente mês, terá de recorrer à cobrança judicial Com os melhores cumprimentos Atenciosamente DD”; rmensagem de correio eletrónico remetida por EE ...@gmail.com para ...@gmail.com com data de 22 de setembro de 2020 pelas 17h05, com o seguinte teor: “Caro Dr. DD Em resposta ao seu mail de hoje, reencaminho mail enviado no dia 15.09.2020, com a proposta de pagamento apresentada pela nossa cliente Melhores cumprimentos EE Advogado” a que se segue a mensagem de correio eletrónico de 15 de setembro de 2020 pelas 10h16 já antes reproduzida. [9] Sublinhe-se que esta Lei apenas se aplica às rendas vencidas após 01 de abril de 2020 (artigo 14º da Lei nº 4-C/2020 de 04 de abril), pelo que deixa logo sem apoio a pretensão recursória de diferimento do pagamento das rendas de março e abril de 2020 já que de acordo com o que estava convencionado no contrato de arrendamento, tais rendas venceram-se, respetivamente, em fevereiro e março de 2020. [10] Sobre esta matéria vejam-se, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, António Santos Abrantes Geraldes, páginas 139 a 142, anotação 5 ao artigo 635º do Código de Processo Civil; Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, Almedina 2009, Fernando Amâncio Ferreira, páginas 153 a 158. |