Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7888/20.7T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
AJUDANTES FAMILIARES
INSTITUIÇÕES DE SUPORTE
CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RP202306267888/20.7T8VNG.P1
Data do Acordão: 06/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para que a um contrato se aplique o regime legal de “Ajudantes familiares” instituído pelo D. Lei nº 141/89, de 28 de abril é necessário que, em articulação com instituições de suporte, sejam prestados serviços domiciliários imprescindíveis à normalidade da vida da família nos casos em que os mesmos serviços não possam ser prestados pelos seus membros (cfr. artigo 2.º do citado diploma).
II - Para estes efeitos são instituições de suporte, técnico e financeiro, dos ajudantes familiares, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, as instituições particulares de solidariedade social e, subsidiariamente, os centros regionais de segurança social e os serviços das regiões autónomas que promovam ação social no âmbito da Segurança Social, bem como outras entidades públicas ou organizações não governamentais que assegurem os serviços de apoio familiar previstos neste diploma (cfr. artigo 3.º do mesmo diploma).
III - Não podendo a Autora se qualificada como uma “instituição de suporte, nem estando provado que seja uma instituição particular de solidariedade social, o contrato de prestação de serviços que tenha celebrado com o Réu não pode ser enquadrável no âmbito do D. Lei nº 141/89, de 28 de abril, isto é, que as funções contratualizadas são de ajudante familiar.
IV - A diferenciação entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço centra-se, essencialmente, em dois elementos distintivos: no objeto do contrato (no contrato de trabalho existe uma obrigação de meios, de prestação de uma atividade intelectual ou manual, e no contrato de prestação de serviço uma obrigação de apresentar um resultado) e no relacionamento entre as partes: com a subordinação jurídica a caracterizar o contrato de trabalho e a autonomia do trabalho a imperar no contrato de prestação de serviço.
V - A existência do contrato de trabalho presume-se desde que se verifiquem algumas das circunstâncias–e bastam duas–elencadas no nº 1, do art. 12.º, do Código de Trabalho de 2009, presunção essa em benefício exclusivo do trabalhador, uma vez que, quem tem a seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz, por força do estatuído no nº 1 do art. 350.º, do CCivil.
VI - Provando-se que a atividade do réu era realizada em local determinado pela autora; que o réu observava horas de início e de termo da prestação, determinadas por aquela e que esta pagava ao réu com periodicidade mensal, como contrapartida dessa atividade, uma quantia certa (ou com um critério de cálculo anteriormente fixado, considerando que estavam pré-definidos os horários de trabalho e o correspondente valor de cada uma dessas horas), nos termos do artigo 12.º, nº 1 do CT, presume-se que entre ambos foi celebrado contrato de trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 7888/20.7T8VNG.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto- Juízo Local Cível do Porto-J5
Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Dr. José Eusébio Almeida
2º Adjunto Des. Drª. Ana Paula Amorim
Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
“A..., Lda.”, com sede na Rua ..., ..., Maia, instaurou a presente ação declarativa sob a forma comum contra AA, residente na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 5.500,00 €, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação.
Alegou, para tanto e em síntese que celebrou com o Réu um contrato de prestação de serviço relativo a cuidados pessoais junto dos seus clientes. Acontece que, imediatamente após a cessação do contrato, o Réu celebrou diretamente com um seu cliente um contrato com o mesmo fim violando, com essa conduta, o citado contrato e, concretamente, a sua cláusula 13ª.
Mais pede a condenação do Réu a pagar-lhe 500,00 € a título de compensação dos danos reputacionais que lhe advieram da descrita conduta.
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Contestou o Réu, rejeitando ter celebrado tal contrato com o ex-cliente da Autora, mais alegando que o contrato por si celebrado com a esta tem natureza laboral, pelo que a cláusula de não concorrência em que a mesma funda o seu pedido é nula; subsidiariamente, na hipótese de se entender que o contrato entre ambos celebrado constitui uma prestação de serviço, defende que a Autora age em abuso de direito, dado que tal cláusula, enquanto limitativa do seu direito ao trabalho, é excessiva e violadora do principio da livre concorrência, tendo tais princípios consagração a nível constitucional e supranacional.
Impugnou, igualmente, os danos invocados pela Autora, pedindo, a final, a improcedência da ação.
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Proferiu-se despacho saneador onde foi indicado o objeto do litígio e dispensada a seleção dos temas da prova.
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O processo seguiu os seus regulares termos e, após a audiência de discussão e julgamento, foi proferida decisão que julgou totalmente improcedente por não provada a ação e, em consequência absolveu o Réu do pedido contra ele formulado.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Autora interpor o presente recurso, rematando com as seguintes conclusões:
I – Salvo o devido respeito que nos merece um Tribunal superior, estamos em face da máxima latina ignorantia legis non excusat ou ignorantia juris neminem excusat.
II – É estranho que o desconhecimento da lei seja do Tribunal, e com base nesse desconhecimento profira sentença ignorando a lei vigente.
III - O artigo 6.º do Código Civil é dos elementos mais básicos do geral conhecimento jurídico “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”.
IV - A ignorância da Lei é indesculpável, sobretudo para quem tem o dever de a aplicar, interpretar e sobretudo não ignorar a sua existência.
V - Da matéria alegada e transcrita da sentença, o cerne da questão e a decisão decorre do entender do Tribunal “a quo” que o contrato dado aos autos é um contrato de trabalho e não de prestação de serviços, fundamentando a sua posição da forma descrita e tornando improcedente todos os pedidos formulados, sendo que os mesmos seriam procedentes se o contrato dado aos autos fosse um contrato de prestação de serviços.
VI – A Apelante tem enquadramento legal e na legislação que lhe é aplicável, nos termos do decreto-lei n.º 141/89 de 28 de abril. Lex Specialis Derogat Legi Generali
VII - Diga-se desde, já que as funções contratualizadas entre a apelante e o apelado são de ajudante familiar, o qual tem enquadramento na lei pela segurança social e somente, como contrato de prestação de serviços.
VIII - Nos termos do Decreto-Lei nº141/89 de 28 de abril estão definidas as funções do ajudante familiar e o seu enquadramento enquanto prestador de serviços, nos termos do artigo 2º do citado Decreto-Lei são ajudantes familiares “… as pessoas que, em articulação com instituições de suporte, prestam serviços domiciliários imprescindíveis à normalidade da vida da família nos casos em que os mesmos não possam ser prestados pelos seus membros.”
IX - Relativamente à formalização da prestação de serviços, refere no artigo 10º do Decreto-Lei nº141/89 de 28 de abril: “1.A prestação de serviço a que se refere o artigo anterior deve constar de documento, escrito e assinado por ambas as partes interessadas, onde se estabeleça o período previsto para a sua vigência e as condições determinantes da sua renovação. 2.Pela celebração dos contratos os ajudantes familiares não adquirem a qualidade de empregado, funcionário ou agente das instituições de suporte.”
X - Não restam dúvidas que o contrato de prestação de serviços é conditio sine qua non para os ajudantes familiares do apoio domiciliário, facto que sempre foi do conhecimento do apelado e também devia ser do Tribunal “a quo”.
XI - Os ajudantes familiares ficam obrigatoriamente enquadrados no regime de segurança social dos trabalhadores independentes e o Tribunal não o poderia ignorar, até porque foi alegado em sede de julgamento, o que implicaria pelo menos uma busca da lei reguladora de casos similares.
XII - Não existe qualquer presunção de laboralidade, quer porque, para além, de não se verificam as características apontadas no artigo 12º do Código do Trabalho e sobretudo, porque é obrigatório, por lei, que os ajudantes familiares de apoio domiciliário sejam enquadrados no regime de segurança social dos trabalhadores independentes.
XIII - Com a celebração do contrato, não adquire a qualidade de empregado, funcionário ou agente da instituição de suporte, somente prestador de serviços.
XIV - Não existe subordinação jurídica do Apelado.
XV - A atividade prestada pelo Apelado não era em local pertencente à Autora.
XVI - Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pela Ré não eram pertença da Autora.
XV - Os horários de prestação de serviços eram previamente acordados pelo apelado e pela apelante.
XVI - O pagamento da prestação de serviços ao Apelado, era de acordo com os serviços por este prestados.
XVII - O apelado não desconhecia que prestava serviços e tal era determinado legalmente.
XVIII - A declaração de inexistência de contrato de prestação de serviços e consequente afirmação de existência de contrato de trabalho, contraria a lei.
XIX - Tem que soçobrar a decisão constante desta sentença assim como toda a fundamentação do Tribunal “a quo”.
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Devidamente notificado contra-alegou o Réu concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar:
a)- saber qual qualificação jurídica a dar à relação contratual estabelecida entre as partes e consequentemente decidir em conformidade.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provada pelo tribunal recorrido:
1 – A A. é uma sociedade que tem como principal escopo a prestação de cuidados a idosos em casa ou dependentes.
2 – Entre A. e R. foi celebrado, em 6-12-2018, o contrato junto como doc. nº 1 à petição, denominado “de prestação de serviços”.
3 – Consta desse contrato que A. e R. “Acordam celebrar um contrato de prestação de serviços que se regerá pelo estabelecido nas cláusulas seguintes”:
4 – Constam do referido contrato, além do mais, as seguintes cláusulas:
“Cláusula 1ª
O presente contrato reger-se-á ainda pelas clausulas constantes dos seus anexos e em tudo o que for omisso pelo Código Civil.
Cláusula 2ª
O objeto do presente contrato é a prestação de serviços, pelo Segundo Outorgante [o R.], no âmbito dos serviços enunciados no Anexo A e B–Descrição da Posição de Cuidador e Atribuição de Turno – integrantes deste contrato
Cláusula 3ª
O segundo outorgante prestará os serviços na casa dos clientes, que desde já se definem como as pessoas que recebem a assistência e que outorgaram um “Contrato denominado contrato de prestação de serviços de cuidados domiciliários”.
Cláusula 4ª
O Presente contrato é celebrado pelo prazo de 1 ano, considerando-se renovado automaticamente, da mesma forma e por sucessivos períodos de 1 ano, desde que por parte do cliente da Primeira Outorgante não seja apresentada qualquer reclamação, queixa ou participação referente ao serviço prestado pelo Segundo Outorgante, ou desde que não haja comunicação do termo ou não renovação do contrato por qualquer das partes, nos prazos infra acordados.
(…)
Cláusula 5ª
Se qualquer dos outorgantes pretender pôr termo ao contrato, ou qualquer das suas renovações, deve notificar o outro outorgante por escrito mediante carta protocolada ou registada com aviso de receção, com 30 dias de antecedência sobre o dia pretendido para o termo
Cláusula 6ª
O segundo outorgante aceita prestar serviços enquanto colaborador da primeira outorgante nos termos do presente contrato, sendo pagos de acordo com a execução destes serviços, numa base horária ou por tarefa e dependendo do tipo de serviço prestado e constantes dos anexos A e B referidos na cláusula segunda deste contrato
(…)
Cláusula 9ª
A primeira outorgante não garante, em qualquer circunstância, um número mínimo ou máximo de horas de prestação de serviços, pelo que o segundo outorgante compreende e aceita que pode ter colocação em mais do que um cliente da primeira outorgante, desde que com a sua concordância prévia.
Cláusula 10ª
O segundo outorgante compreende e aceita que os serviços são prestados em nome da primeira outorgante aos clientes desta.
Cláusula 11ª
O segundo outorgante compreende e aceita que tem de comunicar à primeira outorgante as horas diárias dos serviços prestados, sempre que diferirem do contrato assinado com o cliente, bem como o total de horas semanais, no prazo de 24 horas sobre a referida alteração
Cláusula 12ª
Se o segundo outorgante não informar a primeira outorgante das horas de serviços prestados, no prazo supra referido na cláusula anterior, será pago de acordo com as horas normais prestadas para a mesma prestação de serviços, qualquer acerto só poderá ser efetuado no pagamento seguinte, mediante documento comprovativo assinado pelo cliente donde resulta as horas de serviço prestado
Cláusula 13ª
1 - O segundo outorgante compreende e aceita que não celebrará em nome próprio ou de outra empresa concorrente, quaisquer contratos, acordos ou promessas a clientes da primeira outorgante, a fim de prestar serviços dentro da mesma área de atividade ou atividades conexas.
2 - Qualquer solicitação feita por um cliente da primeira outorgante, de serviços referidos no artigo anterior, terá de ser obrigatoriamente comunicado à primeira outorgante pelo segundo outorgante, correspondendo a sua não comunicação um incumprimento culposo do presente contrato de prestação de serviços
3 - Se o segundo outorgante incumprir a obrigação de não concorrência, acordam as outorgantes a estipulação de uma cláusula penal para o incumprimento no valor de 5.000 €, sem prejuízo de tal valor ser superior, caso o valor de perdas e danos e lucros cessantes de tal incumprimento exceder aquele montante.
Cláusula 14ª
1 - O segundo outorgante compreende e aceita que, se tiver necessidade de deixar de prestar serviços à primeira outorgante, é obrigado a dar um pré-aviso de 30 dias sobre a data que se pretende cessar o presente contrato.
2 - Caso o segundo outorgante não cumpra o pré-aviso estabelecido no número anterior, terá como consequência a obrigação de indemnizar a primeira outorgante no montante de 1.000 €, sem prejuízo de outros valores decorrentes dos danos causados na relação jurídica existente entre esta e o cliente.
Cláusula 15ª
1 - O segundo outorgante entende e aceita que todos os pagamentos serão feitos ao dia 8 do mês seguinte ao mês em que foi prestado o respectivo serviço, contra a apresentação de recibo verde à primeira outorgante.
2 - O último pagamento também será efetuado contra apresentação de recibo de prestação de serviços à primeira outorgante e de uma declaração conjunta de quitação em que se declara nada mais a ver a pagar ou a receber entre os outorgantes seja a que título for
Cláusula 16ª
A primeira outorgante e o segundo outorgante concordam em seguir e fazer cumprir as cláusulas de confidencialidade e não-concorrência nos seguintes termos:
1 – (…)
2 – O Segundo Outorgante reconhece que o relacionamento entre a Primeira outorgante e seus trabalhadores, os clientes e outros prestadores de serviços é a base do negócio, e que o desenvolvimento, manutenção e continuidade desses relacionamentos são uma das principais prioridades da primeira outorgante.
3 – (…)
Cláusula 17ª
1 - O segundo outorgante obriga-se a que, durante o período em que prestar serviços à primeira outorgante e por um período de 1 ano após o término desse contrato, não recrutará, solicitará ou tentará induzir qualquer trabalhador ou prestador de serviços da primeira outorgante a terminar o seu vínculo com a mesma.
2 - O segundo outorgante aceita igualmente que durante o período em que estiver a prestar serviço à primeira outorgante e por um período de 1 ano após o término dessa prestação de serviço, contratualmente acordada, não solicitará, contratará ou procurará contratar negócio com qualquer cliente ou contato da primeira outorgante
3 - O segundo outorgante compromete-se a não oferecer emprego nem contratar, a qualquer título, qualquer empregado ou colaborador da primeira outorgante
Cláusula 18ª
O segundo outorgante concorda que qualquer violação do disposto nas cláusulas 16ª e 17ª, dada a essencialidade daquelas na intenção de contratar, causará danos irreparáveis para a primeira outorgante, independentemente da cláusula penal acordada
(…)
Cláusula 21ª
1 - Sem prejuízo das cláusulas penais expressamente previstas, é fixada uma cláusula penal para os demais casos de incumprimento do presente contrato.
2 - O montante da cláusula penal genérica, devida pela parte que injustificadamente resolver o contrato subscrito, é igual à soma dos valores pagos durante um ano pela primeira outorgante ao segundo outorgante e será fixado pelo cálculo da média anual dos pagamentos feitos no último ano de prestação de serviços.
(…)
Cláusula 23ª
Este contrato é pessoal e intransmissível, pelo que o segundo outorgante não poderá subcontratar um terceiro para prestar a mesma atividade no seu lugar.
Cláusula 24ª
No caso da doença ou outra impossibilidade, o segundo outorgante comunicará, logo que tome conhecimento, tal facto à primeira outorgante de forma a que esta possa diligenciar no sentido de encontrar uma pessoa que possa suprir essa falta, aplicando-se igual regime nos dias de descanso, sejam eles quais forem
Cláusula 25ª
1 - Cabe o segundo outorgante proceder aos descontos para a segurança social como trabalhador independente e à contratação de um seguro de acidentes de trabalho, devendo dar conhecimento do mesmo à primeira outorgante.
2 - A primeira outorgante, a título de gratificação pela prestação de serviços contratados, contribuirá com o pagamento de parte do prémio de seguro de acidentes de trabalho no montante correspondente ao valor dos recibos emitidos pelo segundo outorgante no âmbito deste contrato.”
5 – Os cuidados a prestar pelo R. aos clientes da A. no âmbito do referido contrato, constantes do respetivo “Anexo A”, eram os seguintes:
- Proporcionar companhia e conversação;
- Assistência em passeios (um apoio para estabilizar), exercícios ligeiros e vestir;
- Transporte ocasional;
- Gerir compromissos e avisar com antecedência;
- Acompanhar o cliente nos compromissos (médico, eventos sociais);
- Preparar refeições, limpando e arrumando a cozinha de seguida;
- Lembrança e gestão de medicação;
- Limpeza geral da habitação (limpar o pó, arrumar a cozinha e casa de banho, arrumação geral);
- Mudar/fazer a cama, pôr a lavar e engomar uma peça de roupa, levar a roupa à lavandaria, arrumar roupa;
- Compras e recados ligeiros (evitar grandes pesos);
- Auxiliar o cliente nos preparativos para deitar;
- Ajudar o cliente durante a noite (idas à casa de banho, dar água), registando o número de apoios prestados.
6 – Consta do aludido “Anexo A”, além do mais, o seguinte: “Esta descrição da posição não cria qualquer vínculo laboral entre a empresa e o colaborador”.
7 – Acordaram A. e R., no âmbito do referido contrato, nos moldes constante do respetivo “Anexo B”, que:
“Os serviços prestados serão remunerados pelo valor de 3,25 €/h dia útil e 3,80 €/h fim-de-semana. Qualquer extensão ou redução no horário acima indicado terá o reflexo equivalente na remuneração mensal. Se o cuidador utilizar a sua própria viatura para prestar serviço ao cliente, receberá um valor adicional de 0,39 € por quilómetro.
O prestador de serviço passará recibo verde até ao dia 8 de cada mês, dia em que são processados os pagamentos, no valor total dos serviços prestados no mês anterior (…)”.
8 – Em 4-2-2019, o Réu foi integrado pela A. no cliente BB, ficando incumbido de realizar, no domicílio deste, as tarefas acima mencionadas em 5).
9 - A prestação dos referidos cuidados neste local e a tal cliente teve o seu início com a assinatura, em 1-2-2019, de contrato de prestação de serviços de Cuidados Domiciliários entre a A. e CC, visando o acompanhamento e a prestação de cuidados domiciliários a BB.
10 – Por determinação da A., o R. prestava tais cuidados a BB, na casa deste, entre as 9 horas e as 19 horas.
11 – O Réu prestava tais cuidados a BB durante os sete dias da semana.
12 – No dia 14-1-2020, o R. comunicou à A., por carta junta como doc. 3 à petição, que cessaria as suas funções em 14-2-2020.
13 – Em 10-2-2020, a A. reuniu-se como o R. para saber se este mantinha o propósito de fazer cessar o contrato, tendo-se falado, nomeadamente, na sua manutenção no local onde se encontrava a prestar cuidados, tendo o R. referido que trabalhar na casa do Sr. BB era muito difícil por causa da esposa D. CC, que se sentida desgastado e que iria trabalhar para outro ramo de atividade.
14 - Em 13-2-2020, o R. informou a A. que havia terminado as suas funções.
15 – Nessa data, em 13-2-2022, a referida CC informou a A. que prescindia dos seus serviços.
16 – Após ter cessado as suas funções na A. em 13-2-2020, o R. continuou a prestar, até data não concretamente apurada mas anterior a 16-10-2020, de forma diária, os referidos serviços ao aludido BB, recebendo a respetiva remuneração da referida CC.
17 – Enquanto durou o contrato celebrado com a A., o R. não prestou a sua atividade a qualquer outra entidade–singular ou coletiva–que não à A..
2.2 – Factos não provados:
1 – Do facto de o R. ter continuado a prestar cuidados a BB após 13-2-2020 resultou abalo para a imagem da A..
2 – Os equipamentos e instrumentos utilizados pelo R. nos cuidados a prestar a BB pertenciam à A..
2.3
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber qual qualificação jurídica a dar à relação contratual estabelecida entre as partes e consequentemente decidir em conformidade.
Como se evidencia da decisão recorrida, aí se propendeu para o entendimento de que, a referida relação contratual preenchia a facti species de um contrato de trabalho, por o Réu beneficiar da presunção legal a que se refere o artigo 12.º, nº 1 do Código de Trabalho e que não foi ilidida.
Desta qualificação dissente a Autora alegando que entre as partes foi celebrado um contrato de prestação de serviços de “ajudante familiar” a que se refere o Decreto-Lei nº 141/89 de 28 de abril.
Quid iuris?
Importa, desde logo, salientar que a identificação do tipo contratual num caso concreto requer sempre uma dupla operação de interpretação do específico contrato celebrado, por um lado, o da interpretação/delimitação dos tipos legais de contrato, por outro, sendo que, nessa operação nos temos de socorrer dos elementos de interpretação negocial (artigos 236.º e ss. do CCivil) e depois, a partir deles, concluir em que facti species tipo contratual legal se insere o contrato celebrado.
Evidentemente que importa não olvidar que, na referida tarefa de interpretação do contrato concluído, é determinante o quadro factual que nos autos se mostra assente e apenas este, quadro esse que, diga-se, não foi objeto de impugnação por nenhuma das partes.
Isto dito, como já supra se referiu, a Autora propugna que as funções contratualizadas com o Réu são de “ajudante familiar”, o qual tem enquadramento legal como contrato de prestação de serviços (cfr. Decreto-Lei nº141/89 de 28 de abril).
Todavia, salvo o devido respeito, não se acompanha este entendimento.
Analisando.
O âmbito de aplicação do citado diploma demanda que estejam verificados determinados requisitos que resultam da interpretação conjugada dos seus artigos 1.º, 2.º e 3.º, que dispõem nos seguintes termos:
Artigo 1.º
Objetivo
O presente diploma tem por objetivo definir as condições de exercício e o regime de proteção social da atividade que, no âmbito da ação social realizada pela Segurança Social ou por outras entidades, é desenvolvida por ajudantes familiares.
Artigo 2.º
Ajudantes familiares
Para efeitos do presente diploma, ajudantes familiares são as pessoas que, em articulação com instituições de suporte, prestam serviços domiciliários imprescindíveis à normalidade da vida da família nos casos em que os mesmos serviços não possam ser prestados pelos seus membros.
Artigo 3.º
Instituições de suporte
São instituições de suporte, técnico e financeiro, dos ajudantes familiares, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, as instituições particulares de solidariedade social e, subsidiariamente, os centros regionais de segurança social e os serviços das regiões autónomas que promovam acção social no âmbito da Segurança Social, bem como outras entidades públicas ou organizações não governamentais que assegurem os serviços de apoio familiar previstos neste diploma.
Da concatenação dos transcritos normativos retira-se que para se aplique o referido diploma legal é necessário que esteja preenchida a sua factie species.
Ora, no caso em apreço, a Recorrente não pode ser qualificada como uma “instituição de suporte”, nos termos e para os efeitos do artigo 3.º do citado DL, pois que claramente não é a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ou centro regional de segurança social ou um serviço das regiões autónomas que promovam ação social no âmbito da Segurança Social, ou qualquer outra entidade pública ou organização não governamental que assegure os serviços de apoio familiar previstos neste diploma.
É certo que o artigo 3.º do diploma em causa prevê ainda que uma instituição particular de solidariedade social, possa ser “instituição de suporte”, para os seus efeitos.
Todavia, para que a Autora se inserisse neste conceito era necessário que estivesse provado, e não está, que era uma instituição particular de solidariedade social.
Como assim, não resultando dos autos que a Autora recorrente seja uma instituição particular de solidariedade social, arredada fica a possibilidade de aplicar à sua atividade o disposto do DL n.º 141/89, de 28 de abril, por não se mostrar cumprido o requisito essencial para que esta possa ser qualificada como “instituição de suporte”.
Mas, ainda que assim não fosse, ainda que tivesse sido alegado e demonstrado nos autos que a Autora apelante é uma instituição particular de solidariedade social, para que pudesse ser qualificada como “instituição de suporte”, seria então necessário ter alegado e demonstrado que a sua atividade se reconduzia a assegurar “os serviços de apoio familiar previstos neste diploma” (cfr. artigo 3.º, in fine).
Que serviços são estes?
Os “serviços domiciliários imprescindíveis à normalidade da vida da família nos casos em que os mesmos serviços não possam ser prestados pelos seus membros” (cfr. artigo 2.º, in fine), “atividade que, no âmbito da ação social realizada pela Segurança Social ou por outras entidades, é desenvolvida por ajudantes familiares” (cfr. artigo 2.º, in fine), em articulação com as “instituições de suporte”.
Sucede que a atividade da Recorrente, sendo uma atividade de prestação de cuidados a idosos em casa ou dependentes (cfr. ponto 1- dos factos provados) é exercida a título puramente privado, no âmbito da sua atividade comercial, não tendo sido alegado, e muito menos provado, que a Recorrente desempenhasse qualquer atividade ou função no âmbito da ação social realizada pela Segurança Social ou por outras entidades, antes tendo ficado provado, que o Réu apelado foi contratado como “cuidador” pela apelante (v. cláusula 1ª do contrato a que se refere o ponto 4-dos factos provados) para prestar “cuidados domiciliários” a seus “clientes” da Recorrente (v. cláusulas 3ª e 10ª do contrato) e não como “ajudante familiar” para prestar serviços de apoio familiar a utentes indicados pelos serviços de acção social da Segurança Social.
Diga-se, aliás, ter ficado demonstrado e provado que “em 04/02/2019, o Réu apelado foi integrado pela apelante no cliente BB, ficando incumbido de realizar, no domicílio deste, as tarefas acima mencionadas em 5)” (cfr. ponto 8-dos factos provados), circunstância que teve por base a celebração de um “contrato de prestação de serviços de Cuidados Domiciliários entre a A. e CC, visando o acompanhamento e a prestação de cuidados domiciliários a BB” (cfr. mesmo ponto factual).
Diante do exposto, torna-se evidente que a atividade da apelada não integra, nem em abstrato, nem em concreto, o âmbito de aplicação do DL 141/89, de 28 de abril.
Hic et nunc para que fosse aplicável, in casu o referido diploma legal, com tal intensidade que justificasse o afastamento da presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho, seria ainda necessário que a atividade do Recorrido se reconduzisse exclusivamente às funções de “ajudante familiar”, conforme definidas no artigo 2º e 4.º do DL 141/89, de 28 de abril.
O primeiro dos citado incisos preceitua que “ajudantes familiares são as pessoas que, em articulação com instituições de suporte, prestam serviços domiciliários imprescindíveis à normalidade da vida da família nos casos em que os mesmos serviços não possam ser prestados pelos seus membros”.
Ora, nada se provou nos autos que se referisse à possibilidade de os serviços prestados ao cliente final da apelante não pudessem ser prestados pelos membros da sua família.
Por outro lado, o artigo 4.º determina que “Aos ajudantes familiares no exercício da sua actividade compete, em geral”:
a) Prestar ajuda na confecção das refeições, no tratamento de roupas e nos cuidados de higiene e conforto pessoal dos utentes;
b) Realizar no exterior serviços necessários aos utentes e acompanhá-los nas suas deslocações, sempre que necessário;
c) Ministrar aos utentes, quando necessário, a medicação prescrita que não seja da exclusiva competência dos técnicos de saúde;
d) Acompanhar as alterações que se verifiquem na situação global dos utentes que afetem o seu bem-estar e, de um modo geral, atuar por forma a ultrapassar possíveis situações de isolamento e solidão.
De acordo com a matéria julgada (cfr. ponto 5- dos factos provados), as funções desempenhadas pelo apelado compreendiam:
“- Cuidados pessoais, banho, apoio a incontinentes, tratamento de acamados;
- Proporcionar companhia e conversação;
- Assistência em passeios (um apoio para estabilizar), exercícios ligeiros e vestir;
- Transporte ocasional;
- Gerir compromissos e avisar com antecedência;
- Acompanhar o cliente nos compromissos (médico, eventos sociais);
- Preparar refeições, limpando e arrumando a cozinha de seguida;
- Lembrança e gestão de medicação;
- Limpeza geral da habitação (limpar o pó, arrumar a cozinha e casa de banho,
arrumação geral);
- Mudar/fazer a cama, pôr a lavar e engomar uma peça de roupa, levar a roupa à
lavandaria, arrumar roupa;
- Compras e recados ligeiros (evitar grandes pesos);
- Auxiliar o cliente nos preparativos para deitar;
- Ajudar o cliente durante a noite (idas à casa de banho, dar água), registando o número de apoios prestados”.
Ou seja, as funções desempenhadas pelo Recorrido iam, portanto, muito além das que competem e ajudam a determinar o conceito de “ajudante familiar”.
Donde, o Recorrido não pode ser considerado um “ajudante familiar”, nos termos e para os efeitos do DL 141/89, de 28 de abril.[1]
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Concluindo, o DL 141/89, de 28 de abril, não tem qualquer aplicabilidade no caso em apreço nos autos.
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Para afastar a qualificação jurídica da relação contratual estabelecida entre as partes feita pelo tribunal recorrido como sendo laboral, alega a apelante, na sua conclusão XIV, que inexiste subordinação jurídica do apelado.
Como se sabe este elemento, que diferencia o contrato de trabalho do da prestação de serviços, quer de outros contratos afins, tais como, o contrato de mandato, o contrato de comissão, o contrato de sociedade e outros, consiste na circunstância de o prestador do trabalho desenvolver a sua atividade sob a autoridade e direção do empregador, o que significa a possibilidade de o credor do trabalho determinar o modo, o tempo e o lugar da respetiva prestação.
Nas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho[2], “o confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma atividade laborativa: enquanto o elemento da atividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas várias formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho”.
Por sua vez, Monteiro Fernandes[3], refere que, a subordinação jurídica consiste “numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem” e continua assinalando que “a subordinação jurídica pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens directa e sistemáticas da entidade patronal; mas, a final, verifica-se que existe, na verdade, subordinação jurídica”, o que acontecerá sempre que em relação à entidade patronal exista “um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato), sem ser necessário que aquela “dependência se manifeste ou explicite em actos de autoridade e direcção efectiva”.
Verifica-se, assim, ser consensual o entendimento sobre os elementos que caracterizam o contrato de trabalho e que na distinção com outros contratos releva a existência de subordinação jurídica.
No entanto, o mesmo já não acontece na prática.
Para o efeito, contribui a diversidade, de situações concretas que, muitas vezes, dificultam a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, de modo que, como referem os Autores antes citados, naquelas mesmas obras[4], implicam a necessidade de se recorrer a critérios acessórios, baseados na interpretação de indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos, em casos limite, tanto a doutrina como a jurisprudência aceitam a necessidade de os fazer intervir.
Ora, foi com o objetivo de obviar às dificuldades de prova dos elementos que preenchem a noção de contrato de trabalho, bem como de facilitar a operação qualificativa nas denominadas “zonas cinzentas”[5] entre o trabalho autónomo e o trabalho subordinado que, a partir de 2003, o artigo 12.º do CT/2003, na sua redação inicial, estabeleceu uma “presunção” de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo dos requisitos nela enunciados.
Preceito que, diga-se, pese embora, alterado pela Lei nº 9/2006, regressou ao atual CT/2009, sem grandes diferenças de redação em relação à originária de 2003, mas, com uma significativa alteração, na medida em que aligeirou o esforço do trabalhador que apenas terá de provar alguns, dos factos-base, ali enunciados, para que se possa aferir a existência dos elementos caracterizadores do contrato de trabalho, não tendo de provar cumulativamente aqueles, como se lhe exigia na redação inicial de 2003.
Assim, nos termos do art. 12.º do ctual CT, sob a epígrafe “Presunção de contrato de trabalho”, dispõe-se o seguinte:
1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
(...)”.
Nos termos deste normativo, presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho.
Como refere, Maria do Rosário Palma Ramalho[6], “o tratamento desta matéria no atual Código do Trabalho apresenta três grandes diferenças em relação ao regime anterior: a primeira diferença tem a ver com o tipo de indícios de subordinação indicados pelo legislador, que são agora indícios em sentido próprio, porque não se confundem com os elementos essenciais do contrato de trabalho, antes apontam para tais elementos, designadamente para o elemento da subordinação do trabalhador; a segunda diferença tem a ver com a natureza do enunciado legal destes indícios, que passou a ser exemplificativa, bastando assim teoricamente que apenas dois desses indícios ocorram para que possa ser presumida a existência do um contrato de trabalho”.
Verifica-se, assim, que a atual lei seleciona um conjunto de elementos indiciários, considerando que a verificação de alguns deles bastará para a inferência da subordinação jurídica.
Como refere João Leal Amado[7] “Doravante, provando o prestador que, in casu, se verificam algumas daquelas características, a lei presume que haverá um contrato de trabalho, cabendo à contraparte fazer prova do contrário. Assim, provando-se, p. ex., que a atividade é realizada em local pertencente ao respetivo beneficiário e nos termos de uma horário determinado por este, ou provando-se que os instrumentos de trabalho pertencem ao beneficiário da atividade, o qual paga uma retribuição certa ao prestador da mesma, logo a lei presume a existência de um contrato de trabalho. Tratando-se de uma presunção juris tantum (artigo 350.º do CCivil), nada impede o beneficiário da atividade de ilidir essa presunção, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho”.
E prossegue o mesmo autor[8], “de certa forma, esta presunção representa uma simplificação do método indiciário tradicional, visto que, como ponto de partida, ela dispensa o intérprete de proceder a uma valoração global de todas as características pertinentes para a formulação de um juízo conclusivo sobre a subordinação”.
E, como o tem decidido a jurisprudência[9], caso não funcione a presunção de laboralidade prevista na lei, pelo preenchimento de um só dos requisitos enunciados em 2009, pode o trabalhador provar que estão preenchidos os elementos constitutivos do contrato de trabalho tal como o mesmo se mostra definido no preceito que o define (art. 11º do CT) ou caso demonstre factos que os integrem ou que constituam índice relevante da sua verificação.
Ou seja, nada impede o trabalhador de alegar e provar todos os elementos essenciais do contrato de trabalho, nomeadamente, que desenvolveu uma atividade remunerada para o empregador, sob a sua autoridade e direção, integrado na sua estrutura empresarial.
Efetivamente, sobre ele continua a recair esse ónus de alegação e prova dessa realidade, conforme nº 1 do artigo 342.º do CCivil. Mas, não logrando fazer essa prova, bastar-lhe-á que consiga provar os factos necessários, apreciados segundo um juízo de globalidade, para demonstrar pelo menos dois dos indícios, enunciados na lei para beneficiar da presunção.
Certo que, nesse caso, fica sujeito a que a mesma possa ser ilidida pelo empregador.
Feita esta breve sumula, revertamos ao caso dos autos.
Respigando o quadro factual que nos autos se mostra assente-importa sopesar, como noutro passo já se referiu, que ele não foi objecto de impugnação por banda da Autora apelante, o que dele resulta é o seguinte:
“-No âmbito do contrato celerado entre ambos, a A. incumbiu o R. de prestar cuidados aos seus (da A.) clientes, designadamente:
- Cuidados pessoais, banho, apoio a incontinentes, tratamento de acamados;
- Proporcionar companhia e conversação;
- Assistência em passeios (um apoio para estabilizar), exercícios ligeiros e vestir;
- Transporte ocasional;
- Gerir compromissos e avisar com antecedência;
- Acompanhar o cliente nos compromissos (médico, eventos sociais);
- Preparar refeições, limpando e arrumando a cozinha de seguida;
- Lembrança e gestão de medicação;
- Limpeza geral da habitação (limpar o pó, arrumar a cozinha e casa de banho, arrumação geral);
- Mudar/fazer a cama, pôr a lavar e engomar uma peça de roupa, levar a roupa à lavandaria, arrumar roupa;
- Compras e recados ligeiros (evitar grandes pesos);
- Auxiliar o cliente nos preparativos para deitar;
- Ajudar o cliente durante a noite (idas à casa de banho, dar água), registando o número de apoios prestados;
– Acordaram A. e R., no âmbito do referido contrato, nos moldes constante do respectivo “Anexo B”, que:
“Os serviços prestados serão remunerados pelo valor de 3,25 €/h dia útil e 3,80 €/h fim-de-semana. Qualquer extensão ou redução no horário acima indicado terá o reflexo equivalente na remuneração mensal. Se o cuidador utilizar a sua própria viatura para prestar serviço ao cliente, receberá um valor adicional de 0,39 € por quilómetro.
O prestador de serviço passará recibo verde até ao dia 8 de cada mês, dia em que são processados os pagamentos, no valor total dos serviços prestados no mês anterior (…)”.
– Em 4-2-2019, o Réu foi integrado pela A. no cliente BB, ficando incumbido de realizar, no domicílio deste, as tarefas acima mencionadas em 5).
- A prestação dos referidos cuidados neste local e a tal cliente teve o seu início com a assinatura, em 1-2-2019, de contrato de prestação de serviços de Cuidados Domiciliários entre a A. e CC, visando o acompanhamento e a prestação de cuidados domiciliários a BB.
- Por determinação da A., o R. prestava tais cuidados a BB, na casa deste, entre as 9 horas e as 19 horas.
– O Réu prestava tais cuidados a BB durante os sete dias da semana.- Tais cuidados seriam prestados no domicílio dos mencionados clientes, num horário pré-determinado” (cfr. pontos 5-, 7- a 10- dos factos provados).
Desta factualidade resulta, sem margem para qualquer tergiversação, que se verificam três dos índices elencados no citado artigo 12.º, designadamente:
- A atividade do Réu era realizada em local determinado pela Autora;
- O Réu observava horas de início e de termo da prestação, determinadas pela Autora;
- A Autora pagava ao Réu, com periodicidade mensal, como contrapartida dessa atividade, uma quantia certa (ou com um critério de cálculo anteriormente fixado, considerando que estavam pré-definidos os horários de trabalho e o correspondente valor de cada uma dessas horas).
Assim, nos termos do referido inciso, presume-se que entre apelante e apelado foi celebrado um contrato de trabalho.
Cabia, portanto, a apelada demonstrar factos que contrariassem tal presunção (não sendo suficiente a mera contraprova que os tornasse meramente duvidosos–cfr. arts. 350.º, nº 2, 347.º do CCivil), assim fazendo subsumir o contrato em causa no tipo contratual da prestação de serviço.
É verdade que consta do contrato celebrado entre as partes que o mesmo se denomina “de prestação de serviço” (cfr. ponto 2- dos factos provados).
Porém, a vontade das partes consistente em afirmar que entre elas existe um contrato de prestação de serviços não pode prevalecer se a realidade demonstra que a relação jurídica existente constitui um contrato de trabalho subordinado. O legislador optou pela correspondência real e efetiva entre a realidade concreta e a qualificação da relação jurídica existente entre o prestador e o beneficiário da atividade, não podendo valer qualquer outra que se lhe oponha.
Assim, a designação dada pelas partes ao contrato pouco releva; importa, isso sim, subsumi-lo no tipo contratual correspondente ao seu efetivo conteúdo.
Também é certo que apelante e apelado acordaram em que este emitiria àquela, como quitação da retribuição recebida, um “recibo verde”, sendo que cabia ao R. “proceder aos descontos para a Segurança Social” (cfr. “factos provados” nºs. 4– cláusula 25ª do contrato–e 7).
Como se afirma na decisão recorrida tal circunstância reveste reduzido relevo para estes efeitos, pois que, de “um dos expedientes normalmente utilizados para “mascarar” os vínculos laborais com as roupagens dos contratos de prestação de serviços, por constituir uma real redução de custos”.[10]
Por outro lado, importa sopesar que o Réu não podia fazer-se substituir por terceiro na execução da atividade, cabendo à apelante, encontrar uma pessoa apta a suprir as suas faltas (cfr. cláusulas 23ª e 24ª do contrato), o que indicia que interessava àquela, particularmente, o modo como a atividade era realizada, e não o seu resultado (assim se afastando da característica típica da prestação de serviço).
Acresce que, enquanto durou o contrato celebrado com a apelante o apelado não prestou a sua atividade a qualquer outra entidade–singular ou coletiva (cfr. ponto 17- dos factos provados), verificando-se, por isso, a exclusividade da prestação da atividade por conta daquela e a consequente dependência da retribuição por ela paga.
Face ao exposto, tendo em conta o concreto modo pelo qual a atividade material a que o Réu se vinculou foi levada a cabo, forçoso é concluir pela verificação, em termos substantivos, do elemento atinente à subordinação jurídica acima apontado; a factualidade demonstrada pela apelante indiciadora de que estaria em causa uma prestação de serviço, tem natureza meramente formal, não sendo apta a contrariar a presunção prevista no art. 12.º, nº 1, do Código de Trabalho, de que o Réu beneficia.
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Aqui chegados e qualificando-se a relação contratual havia entre as partes como um contrato de trabalho, nada temos a censurar à decisão recorrida quando conclui pela improcedência da ação, por serem nulas as cláusulas nºs. 17º, nº 2, e 13º, nº 3, do contrato e em que a apelante estribava o pedido formulado.
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Improcedem, assim, as conclusões I a XIX formuladas pela Autora apelante e, com elas, o respetivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar quer o recurso independente quer o recurso subordinado improcedentes por não provados e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela apelante (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 26/6/1023
Manuel Domingos Fernandes
José Eusébio Almeida
Ana Paula Amorim
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[1] Veja-se o que a este propósito refere Tânia Sofia da Fonseca Alexandre, na sua tese de Mestrado sob o título “DO REGIME JURÍDICO DA ATIVIDADE DESENVOLVIDA POR AJUDANTES FAMILIARES NO TERCEIRO SECTOR - DESAFIOS DO DIREITO CONSTITUÍDO E DO DIREITO A CONSTITUIR NO SERVIÇO DE APOIO DOMICILIÁRIO”, disponível https://run.unl.pt/bitstream/10362/145187/1/ pag. 26 e ss: “Até 1989, a atividade exercida por Ajudantes Familiares era sobretudo exercida em contexto de voluntariado, nomeadamente por familiares, pelo que perante a então recente profissionalização foi preocupação do legislador regular a forma como a atividade era desenvolvida, e os direitos e deveres decorrentes da relação contratual entre a ajudante familiar e a instituição responsável pela resposta social, fixar o regime e mais especificamente o tipo de formação a ministrar a quem desempenhasse tal função.
(...)
As/Os “Ajudantes Familiares” são profissionais que, em articulação com as “Instituições de Suporte”, prestam serviços domiciliários imprescindíveis à normalidade da vida da família nos casos em que os respetivos agregados familiares não podem prestar tais serviços aos seus membros. Denota-se do diploma legal a responsabilidade primária das famílias, e a criação de um sistema que, quando estas não logram dar resposta, e com vista a manter o beneficiário no seu meio geográfico e afetivo, estabelece as condições para tal manutenção mediante a prestação de ajudante familiar apoiado pela instituição de suporte. Por outro lado, as “Instituições de Suporte”, desde logo de suporte técnico e financeiro, são as entidades que asseguram os serviços de apoio familiar, tais como as IPSS e, em
especial na cidade de Lisboa a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e subsidiariamente os centros regionais de segurança social e os serviços das regiões autónomas que promovem a ação social no âmbito da Segurança Social.
Assim cumpre desde logo sublinhar o âmbito de aplicação específico e os destinatários deste diploma, no contexto do SAD da Ação Social promovida pela Segurança Social, levado a cabo por entidades tais como IPSS’s e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, nesta cidade. Este regime não se aplica, por conseguinte, a outras relações contratuais que tenham por objeto a prestação de cuidados domiciliários que não no contexto da Ação Social comparticipada pela Segurança Social. É a conclusão a que se chega da interpretação do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 141/89, de 28 de abril, com a epígrafe “objetivo”: “O presente diploma tem por objetivo definir as condições de exercício e o regime de proteção social da atividade que, no âmbito da ação social realizada pela Segurança Social ou por outras entidades, é desenvolvida por Ajudantes Familiares” (...).
Parece-nos razoável a interpretação segundo a qual as outras entidades sempre serão as que atuam no âmbito da ação social realizada/comparticipada pela Segurança Social.
Caso ainda assim a interpretação da expressão “ou por outras entidades” suscitasse dúvidas no sentido de alargar a sua aplicação a qualquer outra entidade que preste apoio domiciliário, a interpretação deste artigo 1.º conjugada com o artigo 3.º do mesmo diploma legal, que define as Instituições de Suporte para efeitos do diploma, parece dissipar tais dúvidas, ou seja, tratam-se das entidades que promovem a ação social no âmbito da Segurança Social, bem como outra entidades públicas ou organizações não governamentais que assegurem os serviços de apoio familiar previstos neste diploma. (...).
Não se desconsiderando o caracter privado de algumas entidades que poderão ser comparticipadas pela Segurança Social em sede de Apoio Domiciliário, ainda assim, sempre se destaca a pertença à rede de ação social comparticipada pela Segurança Social e inerente Acordo como elemento necessário para que se possa enquadrar a entidade como instituição de suporte para efeitos deste regime jurídico. Cumpre assinalar que a jurisprudência tem estabelecido essa diferença no sentido de não aplicar o Decreto-Lei n.º desenvolvida pela Segurança Social.
É possível constatar na jurisprudência situações de prestação de cuidados ao domicílio em que as partes não invocaram o regime jurídico da atividade desenvolvida por Ajudantes Familiares, porquanto a instituição de suporte desde logo não se enquadrava no âmbito do presente regime jurídico. Por conseguinte também a jurisprudência tem distinguido a atividade desenvolvida em contexto de prestação de serviços domiciliários à luz do “regime geral”, quando a entidade cocontratante não se trata de uma ”instituição de suporte”, IPSS, nem resultando ser entidade comparticipada pela Segurança Social, nem ter sido invocado a celebração do contrato ao abrigo do Decreto-Lei n.º 141/89, de 28 de abril.”
[2] In “Direito do Trabalho”, Parte II, 3ª ed., págs. 33
[3] In “Direito do Trabalho”, 14ª ed., págs. 136/137.
[4] Monteiro Fernandes. Pág. 148 e Maria do Rosário Palma Ramalho, pág. 40 e, também, Bernardo da Gama Lobo Xavier, in “Iniciação ao Direito do Trabalho”, 2ª ed., 1999, pág. 156.
[5] Na expressão de Bernardo Lobo Xavier, obra citada.
[6] Obra citada, pág. 52.
[7] In “Contrato de Trabalho”, À luz do novo Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2009, pág. 76.
[8] Obra cit. págs 76 e 77.
[9] Cfr., entre outros Acs do STJ de 02.05.2007, Proc. nº 06S4668, de 12.05.2010, Proc. nº 1394/06.0TTPNF.P1.S1 e de 2010.12.16, Proc. nº 996/07.1TTMTS.P1.S1.
[10] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação Lisboa de 07/11/2018, in www.dgsi.pt..