Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | NELSON FERNANDES | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO ÓNUS DA IMPUGNAÇÃO IMPUGNAÇÃO POR ERRO DE DIREITO ÓNUS DE ALEGAÇÃO ARGUMENTOS JURÍDICOS | ||
Nº do Documento: | RP20230605125/22.1T8AVR.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/05/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Omitindo o recorrente o cumprimento dos ónus legais de impugnação previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, mas à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto. II - Impende sobre o recorrente, em sede de recurso, o ónus de invocar, também no domínio da aplicação da lei, os argumentos (jurídicos) que na sua ótica justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei, de tal modo que o tribunal superior os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação – versando o recurso sobre matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2, do CPC). | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Apelação / processo nº 125/22.1T8AVR.P1 Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 2 Recorrente: AA Recorrida: A..., Lda. _____ Nélson Fernandes (relator) Rita Romeira Teresa Sá Lopes Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório 1. AA propôs ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra A..., Lda., requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento, com as legais consequências. Realizada a audiência de partes e frustrada que se mostrou a conciliação, a Entidade empregadora veio apresentar articulado motivador do despedimento, invocando, muito em síntese, que ocorre justa causa para o despedimento, fundamentado em comportamento culposo da trabalhadora, por se ter apropriado de valores em dinheiro que não lhe pertenciam, com a consequente quebra de confiança na mesma, o que torna impossível a manutenção da relação laboral existente, por ter violado os deveres de “zelo e diligência e de boa-fé, zelo e custódia, devendo esta sua conduta ilícita ser considerada grave, em si própria, porque consubstanciada num ilícito criminal, independentemente do prejuízo patrimonial”. Mais solicita que seja excluída a reintegração da Autora. A Trabalhadora apresentou contestação, na qual, mais uma vez em síntese, começando por invocar, a titulo de exceção, a ilegalidade das imagens como meio de prova, impugna depois especificadamente todos os factos e a matéria alegada pela Empregadora que constitua facto controverso e que contra ela possa ser usado, mais referindo que não trabalhou nos dias 29 e 30 de setembro de 2021 e no dia 1 de outubro de 2021 saiu às 13 horas, razão pela qual nega os factos ocorridos nessas datas. Invoca ainda que sempre pautou a sua conduta onde labora, e fora do local de trabalho, pelo respeito e correção para com todos quantos trabalham consigo, incluindo os seus superiores hierárquicos e clientes e que não violou nenhum dos deveres a que está adstrita como trabalhadora, nem houve da sua parte qualquer comportamento ilícito, inexistindo, assim, justa causa, para o despedimento. Por fim, refere que, embora tenha direito à reintegração no seu posto de trabalho, opta pela indemnização, em montante correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude. Termina, requerendo que seja declarado ilícito o despedimento por não ter violado nenhum dos deveres a que estava obrigada. Respondeu a Empregadora, concluindo, no essencial, pela improcedência da exceção invocada. Proferido despacho saneador, invocando-se o disposto no n.º 3 do artigo 49.º e n.º 1 do artigo 62.º do Código de Processo de Trabalho (CPT), o Tribunal recorrido dispensou a audiência prévia e absteve-se “de proferir o despacho previsto no artigo 596º do Código de Processo Civil (de identificação do objecto do litígio e de enunciação dos temas de prova)”. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi depois proferida sentença, de cujo dispositivo consta: “Face ao exposto, decide-se: » Declarar lícito e regular o despedimento da autora AA e, nessa medida, absolver a ré empregadora A..., Lda. do pedido Custas a cargo da autora/trabalhadora (artigo 527º, n.os 1 e 2 do Código do Processo Civil ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho). Valor da acção: atribuo à acção o valor de €2.000,00 (artigo 98º-P, n.º2 do Código de Processo do Trabalho) Registe e notifique.” 2. Não se conformando com o assim decidido, apresentou a Trabalhadora requerimento de interposição de recurso, formulando no final das alegações as seguintes conclusões: “I – Salvo o devido respeito por melhor opinião, a prova produzida nos presentes autos não sustenta a posição doutamente assumida pelo Tribunal a Quo II - Na sentença o Juiz a Quo declara lícito e regular o despedimento da Recorrente e, nessa medida absolve a Recorrida empregadora do pedido condenando a Recorrente no pagamento em custas III - Ora, não se pode aceitar que todos os factos imputados à Recorrente e que constituíram fundamento de despedimento tenham sido adquiridos com recurso ao visionamento de imagens de videovigilância IV - Estes factos, por terem sido levados ao processo de forma ilícita, não podem servir de fundamento para a decisão de despedimento V - As imagens, que decorrem da câmara de vigilância e, que despoletaram o procedimento disciplinar e a prova testemunhal obtida no processo, extraída integralmente na sequência da prova ilícita, ou seja, com as filmagens clandestinas, tais depoimentos, por constituírem prova reflexa, secundária, mediata, derivada ou indireta, não poderão em caso algum ser usados contra a Recorrente, sendo prova ilícita por derivação VI - Resulta da CRP que é nula a prova obtida mediante “abusiva intromissão na vida privada” regra com acolhimento no artigo 126.º do CPP. VII - A nulidade da prova inquina a prova mediata, ou seja, a prova que deriva é nula como decorre da teoria dos frutos da árvore envenenada VIII - Trata-se de proibir a produção de prova, e consequente valoração por parte do julgador; que seja moralmente ilegítima, designadamente porque a sua obtenção constitui um ilícito penal IX - Mais, em momento algum, o Tribunal a Quo deu como provado e/ou não provado o facto de a entidade patronal ter informado ou não, através de colocação de placa, que o local se encontrava sob vigilância X - Na verdade, o Tribunal a Quo referiu na sentença que: “Efetivamente, a existir tal placa, desconhecemos o local onde a mesma foi aposta, se estaria visível ou não. O que sabemos é que a autora não a terá visto, até porque negou a sua existência e provavelmente se a tivesse visto teria procedido e agido de forma diferente” (com sublinhado nosso) XI - Pelo que, não foi feita sequer prova da existência dessa mesma placa nem de que a Recorrida tinha informado a Recorrente da sua existência de câmaras no estabelecimento comercial XII - As testemunhas da Recorrida também não referiram ter visto uma placa que mencionasse que o local se encontrava sob videovigilância XIII - Aliás, BB, sócia da Recorrida, menciona por duas vezes, tanto no minuto 23:27 como no minuto 23:28 de que não foi comunicado à Recorrente que estava a ser gravada, para o efeito refere: “Não, não comunicámos” XIV – E, a testemunha CC no seu depoimento no minuto 07:57 refere a inexistência das mesmas: “Alertei o Sr. DD (agente da PSP) dizendo: “Por favor, isto não está nada identificado como câmaras” XV - Salvo melhor entendimento, o Tribunal a Quo deveria ter concluído que a Recorrida não informou a Recorrente da existência de câmaras de videovigilância no local de trabalho e, que não afixou informação de que o local se encontrava sujeito a videovigilância como se encontra estatuído no art 20.º n.º 3 do CT XVI - Nesta medida, e por tudo o atrás alegado, as imagens obtidas são um meio de prova proibido não podendo ser utilizadas no âmbito do processo disciplinar e judicial com vista a provar que foram praticados factos ilícitos pela Recorrente e, concomitantemente havendo lugar à aplicação de sanção disciplinar de despedimento XVII - A Recorrida nem fez prova da existência formal de processo crime contra a Recorrente no qual esta última tenha sido constituída Arguida XVIII - Isto, porque a Recorrente nunca foi constituída Arguida, caindo assim por terra a tentativa de legitimar que a aludida câmara foi colocada no estabelecimento comercial da Recorrida por forma a assegurar a finalidade prevista no art 20.º n.º 2 do CT 2009, como afirma o Tribunal a Quo XIX - Vem ainda indevidamente, o Tribunal a Quo afirmar que a gravação realizada por aquela câmara poderia ser utilizada uma vez que se “apurou que a ré instaurou um processo crime contra a autora” como se encontra estabelecido no n.º 5 do art 28.º da LPDP, o que é falso e não corresponde à verdade XX - No caso sub judice, era imperativo que o juiz desse como provado e/ou não provado o facto de a entidade patronal ter informado ou não, através de colocação de placa, que o local estava sob vigilância XXI - Pois, a sua omissão enferma a sentença numa nulidade nos termos art 615.º n.º 1 d) 1.ª parte do CPC “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” XXII - Trata-se de um facto essencial para a boa decisão da causa, sem o qual o juiz não poderia formar a sua convicção, sem se ter pronunciado sequer sobre a legitimidade deste meio de prova, e a prova daí adveniente XXIII - O que aliás a recorrente logo ab initio requereu desentranhamento, ainda de ter sequer sido junta, sem qualquer despacho da parte da Senhora Juiz XXIV - E, ainda que assim não se entenda, é igualmente nula a sentença por a Senhora Juiz a Quo ter tomado conhecimento de questões que não podia tomar conhecimento XXV - Muito em virtude de se tratar de a prova obtida por intermédio do sistema de videovigilância ser prova ilícita XXVI - Estes factos, carreados aos autos por gravações ilícitas, sem aviso à recorrente, sem sinalização no local, sem existência concreta de processo crime, e por terem sido levados ao processo de forma ilícita, como se supra explicou, não podem servir de fundamento a uma decisão de despedimento XXVII - A senhora Juiz do Tribunal a Quo deveria por isso ter-se abstido de formar convicção, por total inexistência de prova capaz de suportar a legitimidade deste despedimento XXVIII - Que subsiste baseado em prova nula XXIX - Motivo pelo qual, é nula a sentença nos termos do art 615.º n.º 1 d) 2.ª parte CPC XXX - Ainda relativamente à prova, uma das duas únicas testemunhas existentes no processo, era o Senhor Juiz Conselheiro, que foi inquirido no âmbito do disposto no art 503.º do CPC XXXI - Para o efeito, a Advogada da Requerida elaborou em requerimento junto aos autos, as questões a que o Senhor Juiz Conselheiro deveria responder XXXII - O Tribunal, ao invés de enviar essas questões, omitiu o envio das mesmas, enviando 91 fls. de peças processuais, nomeadamente, Petição Inicial, Contestação, Nota de Culpa, Resposta à Nota de Culpa XXXIII - Dessa falha veio a Advogada da Recorrente debalde, dar conta, por intermédio de requerimento ditado para a ata em sede de audiência, porquanto o testemunho efetuado por confirmação dos diversos artigos a que respeitava o seu depoimento, estava inquinado e por maioria de razão inviabilizava a sua aceitação, por lhe terem sido facultadas todas as peças processuais ao invés do teor do requerimento devido XXXIV - Como referiu, não obteve qualquer tipo de procedência; XXXV - No que respeita à testemunha EE, diga-se que esta nunca compareceu em sede de audiência, nem nunca foi inquirida, pois foi o gerente da Recorrida, que pela sua própria mão elaborou um documento contendo uma declaração que, refere foi assinada pela própria testemunha, XXXVI - Valendo este papel com uma assinatura aquilo que valem todas as declarações assinadas por alguém. XXXVII - Não poderia nunca o Tribunal A Quo ter formado nenhuma convicção acerca da realidade ocorrida e cuja prova não é feita em sede de audiência nem pela via documental. XXXVIII - A Recorrida juntou as gravações do sistema de videovigilância, após a prolação do despacho saneador, no dia imediatamente anterior à audiência final, o que fez numa clara violação das normas legais que se impunha art 423.º CPC XXXIX - À Recorrida era devido um duplo ónus: o da justificação temporal da apresentação e a indicação discriminada e fundamentada dos factos a que tal documento se destina, o que nunca sucedeu XL - Não tendo a Recorrida alegado factos e circunstâncias que justificavam a apresentação tardia e não tendo o tribunal lançado mão do regime do art. 72.º do CPT XLI - Os documentos que foram juntos aos autos por iniciativa da Recorrida não deveriam ter sido admitidos pelo Tribunal a quo por se mostrarem extemporâneos XLII - A junção dos documentos na fase em que foi, teria que ser acompanhada pela prova de a que a apresentação daquele documento não era possível até àquele momento e de que esta apresentação só se tornou possível em virtude de ocorrência posterior XLIII - O princípio do inquisitório não pode servir para colmatar toda e qualquer falta das partes no que respeita à apresentação dos meios de prova XLIV - O Tribunal Ad Quem deverá pronunciar-se sobre os vícios que enferma sentença proferida, a qual deverá ser declarada nula nos termos do art 615.º n.º 1 alínea d) em virtude de a Senhora Juiz a Quo ter tomado conhecimento de questões sobre as quais não poderia ter tomado em virtude da prova ser nula e ainda por se ter abstido de pronuncia sobre questões que deveria ter apreciado, nomeadamente sobre a existência ou não de placa que dava a conhecer que o estabelecimento comercial estava a ser vigiado por câmaras e por omissão de comunicação das mesmas à Recorrente; por ter aceitado prova inquinada como o depoimento do Senhor Juiz Conselheiro bem como a prova produzida por uma testemunha que nunca apareceu em Tribunal. Deverá o presente Tribunal ad quem considerar as gravações nulas, o meio de prova e a prova ilícita, mais considerando ilícito o despedimento. XLV - Pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente Termos em que deve ser revogada a decisão recorrida, anulando-se a sentença proferida e declarar o despedimento ilícito em virtude de inexistência de prova que o sustente” 2.1. Contra-alegou a Empregadora, concluindo do modo seguinte: 1. A recorrente não concretiza os pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem especifica os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, nem enuncia a decisão alternativa que propõe. 2. No capítulo que apresenta como sendo de matéria de facto, limita-se a identificar 11 fatos dados por provados na Douta Sentença Recorrida. 3. Contudo, não identifica quais os factos em concreto com os quais não concorda - o que não faz na motivação do seu recurso, nem nas conclusões finais. 4. A apelação da recorrente é extemporânea por não ter sido observado o formalismo relativo à apreciação da prova produzida. 5. Apesar da recorrente afirmar recorrer da matéria de facto nas suas alegações, a verdade é que não se descortina “que concretos factos pretende que fossem apreciados”, nem em que parte do seu articulado “se encontram alegados”. 6. Acresce ainda que as conclusões da Recorrente omitem, em absoluto, quer a menção aos factos que pretendia fossem reapreciados, quer os depoimentos que suportavam uma resposta diferente. 7. Pelo que, a omissão de tais ónus acarreta a rejeição do recurso relativamente à pretendida reapreciação da matéria de facto, não havendo lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento. 8. Verifica-se, ainda, outra consequência que é a do prazo do recurso passar a ser de 20 dias em vez de 30. 9. A apelação devia, assim, ter sido interposta até 08.02.2023, quando o foi em 16.02.2023, o que leva à extemporaneidade do recurso. 10. A recorrente veio arguir a nulidade das gravações/imagens juntas, do artigo 12º a 48º do seu recurso e nos pontos IV a XXVIII. 11. As únicas decisões que admitem recurso são as que sejam desfavoráveis ao recorrente - artigo 629º nº 1 CPC. 12. O Tribunal “a quo” decidiu julgar tais gravações e imagens ilegais. 13. Matéria que tratou em mais de sete páginas no ítem: II- Da excepção de ilegalidade/invalidade dos ficheiros de gravação apresentados pela ré a 8.11.2022: 14. Matéria que decidiu da seguinte forma: “(...) Face ao exposto, julgo ilegais e ilícitos o equipamento de videovigilância e as imagens dele provenientes e, nessa medida, tratando-se de meio de prova proibido, não poderá ser considerado e valorado em sede de motivação da matéria de facto (...)”. 15. Não foi valorado em sede de motivação da matéria de facto, pelo que, é inútil propor à consideração do Tribunal Superior uma matéria já julgada favoravelmente à recorrente. 16. Deve por essa razão ser rejeitado o recurso nessa parte. 17. A recorrente veio identificar outra questão no recurso como sendo DA NULIDADE DA SENTENÇA. 18. Porque entendeu ser era imperativo que o juiz desse como provado e/ou não provado o facto de a entidade patronal ter informado ou não, através de colocação de placa, que o local estava sob vigilância. 19. Ora, tendo sido julgados ilegais e ilícitos o equipamento de videovigilância e as imagens dele provenientes e, não tendo sido considerado e valorado em sede de motivação da matéria de facto irrelevante se torna o conhecimento da questão de dar por provado ou não provado o facto da entidade patronal ter informado da existência da vigilância do local. 20. Por se encontrar tal matéria prejudicada com a decisão tomada, deverá improceder também nesta parte o recurso. 21. B.3 DA TEMPESTIVIDADE DA JUNÇÃO DA PROVA E DA VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO - A recorrente refere-se à junção das imagens de videovigilância. 22. Ora, não tendo as imagens sido consideradas na motivação da matéria de fato e tendo as mesmas sido consideradas ilegais, não contribuíram as mesmas em nada para a decisão tomada pelo Tribunal “a quo” que julgou o despedimento licito, porque se recorreu de outros elementos de prova existentes e produzidos em audiência de julgamento. 23. Para além do que, a recorrente foi notificada para se pronunciar acerca da junção das gravações das imagens de videovigilância - e respondeu ás mesmas. 24. Pelo que, o princípio do contraditório foi respeitado em toda a sua plenitude, devendo também nesta parte improceder o recurso. 25. Por último a recorrente identifica outro ponto do seu recurso, como sendo B.4 DA PROVA GRAVADA EM AUDIÊNCIA FINAL. 26. Deve reportar-se à prova testemunhal apresentada pela recorrida. 27. Não tem razão a recorrente nas questões que suscita, pois os factos que deram origem ao despedimento da recorrente com justa causa foram fundamentados com base noutros elementos de prova que não as gravações atrás mencionadas. 28. Relativamente aos factos dados como provados vertidos nos pontos 1.1.8 a 1.1.14. resultaram da conjugação das declarações prestadas pelo legal representante da recorrida – FF – e do depoimento prestado pela testemunha BB, esposa daquele, que, de forma sincera e espontânea, explicaram da existência da bolsa (que aliás não foi negada pela autora, em sede de depoimento de parte), bem assim do desaparecimento do dinheiro, nomeadamente da última situação, em que faltou €220,00. 29. Acresceram ainda as declarações do legal representante e os documentos de folhas 28- fatura n.º 17585, de 1.10.2021, às 13h54m e declaração assinada pela cliente EE permitiram a prova dos factos 1.1.15. e 1.1.16 30. A diligência efetuada pelo legal representante da recorrida junto da cliente, por ele explicada de forma credível, corroborada com a declaração que o próprio referiu que escreveu, mas que deu a assinar à cliente e a fatura emitida pela recorrente, em dia (1.10.2021- sexta-feira) e hora( 13h e 54m) que estava a trabalhar de acordo, com o horário de trabalho que a própria transmitiu ao tribunal, conduziram à demonstração dos factos acima enunciados. 31. Vista a fatura o Tribunal percebeu que a mesma não contém todos os produtos que foram adquiridos pela cliente. Acresce que, no caso desta situação, é a própria autora/recorrente, que no seu depoimento de parte, confirma que não registou o melão, numa história que relatou não convincente. 32. De igual modo, os factos 1.1.17. e 1.1.18. Estes fatos lograram-se provar por recurso às declarações do legal representante da recorrida e aos documentos de folhas 27 verso- fatura n.º 17812, de 5.10.2021, às 11h38m e declaração elaborada e assinada pelo cliente. 33. Relativamente a esta situação foi valorado o depoimento prestado por escrito pelo cliente que se encontra junto a folhas 95. 34. A recorrente levanta ainda questão acerca da regularidade do depoimento prestado por escrito pelo Dr.º GG, Juiz Conselheiro Jubilado. 35. O que já tinha feito em 08.11.2022, no decurso de uma das audiências de julgamento realizadas (o que resulta do texto da respetiva ata). 36. E, sobre a qual já recaiu despacho do Tribunal “a quo” nessa mesma data a admitir o depoimento do Sr. Juiz Conselheiro. 37. Pelo que, salvo melhor opinião, somos a considerar que, notificada de tal decisão nessa data e não tendo reagido através do recurso, a mesma transitou em julgado, não podendo agora este Douto Tribunal conhecê-la, por a mesma já se ter tornado definitiva. 38. O Tribunal “a quo” julgou o despedimento da recorrente lícito, por ter existido procedimento disciplinar prévio com imputação à recorrente de factos que integraram a nota de culpa e conduziram ao despedimento. 39. A autora ao atuar como atuou, nas duas situações acima referidas, violou dois dos deveres que sobre si recaem enquanto trabalhadora da ré, mas concretamente o de realizar o trabalho com zelo e diligência, previsto na al. c) do n.º 1 do artigo 128º. 40. Mas também – e sobretudo –, o dever de lealdade que impende sobre os trabalhadores, consagrado na al. f) do n.º 1 do artigo 128º, dever este que representa uma das mais relevantes emanações do princípio geral da boa-fé na execução do contrato de trabalho, a que alude o artigo 126º n.º 1, ao estabelecer que “O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações”. 41. Com efeito, os comportamentos da autora enquadram-se, claramente, nas situações previstas nas alíneas d) e e) do nº 2, do artigo 351.° do Código de Trabalho. 42. A atuação da trabalhadora torna, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho e integra, por isso, como vimos, o conceito de justa causa de despedimento, já que não se mostra exigível ao empregador que tenha de manter ao serviço a trabalhadora que anula verbas das faturas e se apropria de valores que não lhe pertencem, sendo aqui irrelevante o montante exato dos mesmos. Mantendo-se a decisão recorrida assim se fazendo JUSTIÇA. 2.2. Depois de se pronunciar sobre a nulidade da sentença invocada, o recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. 3. Pronunciando-se o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu pela improcedência do recurso, a tal parecer responderam Recorrente e Recorrida. 4. Apresentados os autos ao aqui relator, foi proferido despacho com o teor seguinte: “Constatando-se que nas contra-alegações invoca a Recorrida a intempestividade do recurso na parte em que tem por objeto a sentença, bem como, ainda, que a Recorrente pretenderá dirigir o recurso que interpôs, para além do mais, por um lado, a questões relacionadas com os despachos proferidos pelo Tribunal recorrido respetivamente em 5 e 9 de dezembro de 2022 e, por outro, à eventual ilegalidade e pretensa valoração das imagens de videovigilância, questões essas sobre as quais se colocará a questão da eventual não admissibilidade do recurso, cumpra-se, antes de mais, o disposto no artigo 655.º, do Código de Processo Civil”. 4.1. Notificada, pronunciou-se a Recorrente, defendendo que o recurso deve ser admitido quanto a todas as questões aludidas no referido despacho. * II- Questões prévias Por se tratar de questão prévia à apreciação, admitido que foi em 1.ª instância e determinada a subida ao Tribunal da Relação do presente recurso, importa verificar da respetiva admissibilidade, em face do regime legal aplicável, pois que, nesse âmbito, o despacho proferido pelo tribunal a quo não vincula o Tribunal superior (n.º 5 do artigo 641.º, do CPC). O que se referiu anteriormente, importa também esclarecê-lo, envolve, em face das questões levantadas nas alegações pela Recorrente, para além do recurso que é dirigido à sentença propriamente dita, ainda, o recurso que que tem claramente por objeto outras decisões, estas proferidas anteriormente, o que faremos de seguida. Cumprido que foi o disposto no artigo 655.º, do Código de Processo Civil (CPC), de seguida procederemos à apreciação. 1. Da parte do recurso que tem por objeto questões relacionadas com os despachos proferidos pelo Tribunal recorrido respetivamente em 5 e 9 de dezembro de 2022 Nas suas alegações, o que transpôs depois para as conclusões que apresentou (nomeadamente 38.ª a 42.ª), dirige a Recorrente o recurso, por um lado, à admissibilidade de depoimento que foi prestado por testemunha inquirida no âmbito do disposto no artigo503.º do Código de Processo Civil (CPC) – dizendo que dessa “falha” deu conta em audiência de julgamento, por requerimento ditado para a ata, sem que tenha obtido “qualquer tipo de procedência” – e, por outro (conclusões 30.ª a 34.ª), ao ato de junção pela Recorrida das gravações do sistema de videovigilância – dizendo designadamente que o foi “numa clara violação das normas legais que se impunha art 423.º CPC”, pelo que não deviam ter sido admitidos. Pugnando a Apelada, nas contra-alegações, pela inadmissibilidade do recurso quanto a essas questões, desde já se dirá que tem razão. É que, com direta relação com as questões levantadas, foram proferidos em 1.ª instância dois despachos, respetivamente: a) em 5 de dezembro de 2022, constando do seu dispositivo o seguinte: “Face ao exposto, nos termos do preceituado no n.º 2 do artigo 423.º do Código de Processo Civil, admito os referidos ficheiros remetidos aos autos pela ré e condeno a apresentante em multa, que se fixa no mínimo legal (cfr. artigos 5º, n.º 4 e 27º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais).” b) em 9 de dezembro de 2022, como consta da ata de julgamento, resultando do seu dispositivo o seguinte: “Em suma e face ao acima exposto, decido: A) Admitir e considerar o depoimento prestado por escrito pela testemunha Dr. GG - Juiz Conselheiro Jubilado; (…)”. Ora, tendo os referidos despachos sido notificados à Recorrente, há muito que decorreu o prazo legal de recurso, pois que, estando em ambos os casos em causa decisões referentes a admissão ou rejeição de meio de prova, tais decisões, em face da previsão do n.º 2, alínea d), do artigo 79.º-A do Código de Processo do Trabalho (CPT) são passíveis de recurso imediato, sendo o prazo para a sua interposição, agora de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 80.º do mesmo Código, o de 15 dias, razão pela qual, não tendo a Recorrente reagido nesse prazo, de natureza perentória, ocorreu a preclusão do direito, sendo claramente intempestiva a reação que apenas apresentou no recurso que veio a interpôs da sentença fina. Por decorrência do exposto, não se admite o recurso quanto a tais decisões e questões com as mesmas conexas. 2. Da parte do recurso dirigida ao visionamento e eventual valoração das imagens de videovigilância No recurso que interpôs, a que destina aliás uma sua parte considerável das alegações e conclusões, vem a Recorrente reagir contra o que diz ser aquisição de factos com recurso ao visionamento de imagens de videovigilância, referindo, nomeadamente, que se trata de um meio de prova proibido, “não podendo ser utilizadas no âmbito do processo disciplinar e judicial com vista a provar que foram praticados factos ilícitos pela Recorrente”. Defende a Recorrida que, sendo as únicas decisões que admitem recurso “as que sejam desfavoráveis ao recorrente - artigo 629º nº 1 CPC”, porque o Tribunal “decidiu julgar tais gravações e imagens ilegais”, “matéria que tratou em mais de sete páginas no item: II- Da excepção de ilegalidade/invalidade dos ficheiros de gravação apresentados pela ré a 8.11.2022”, tendo decidido julgar ilegais e ilícitos o equipamento de videovigilância e as imagens dele provenientes e, nessa medida, tratando-se de meio de prova proibido, não poderá ser considerado e valorado em sede de motivação da matéria de facto (...)”, “deve por essa razão ser rejeitado o recurso nessa parte.” Ora, o que é de fácil constatação em face do que resulta da sentença, tem razão a Recorrida quando refere que o Tribunal julgou ilegais e ilícitos o equipamento de videovigilância e as imagens dele provenientes e, nessa medida, tratando-se de meio de prova proibido, que não poderão essas ser consideradas e valoradas em sede de motivação da matéria de facto. Sendo assim, como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 629.º do CPC, para além do demais, é pressuposto necessário para a interposição do recurso que a decisão seja desfavorável ao recorrente, pois que se lhe for favorável, não tendo por essa razão sequer interesse, não lhe assiste o direito de interposição de recurso. É precisamente o caso, quanto à questão da prova que pudesse resultar das imagens recolhidas pelo equipamento de videovigilância, pois que o tribunal julgou ilegais e ilícitos quer o equipamento de videovigilância quer as imagens dele provenientes, considerando que se trata de meio de prova proibido e que aquelas não poderão essas ser consideradas e valoradas em sede de motivação da matéria de facto. Porque é este o caso, não se admite o recurso quanto a esta questão. 3. Da invocada intempestividade do recurso na parte em que tem por objeto a sentença Invocando a Recorrida, assim nas conclusões 8.ª e 9.ª, com base no que mencionou nas conclusões anteriores, que o prazo do recurso passa a ser de 20 dias em vez de 30, pelo que a Apelação “devia, assim, ter sido interposta até 08.02.2023, quando o foi em 16.02.2023, o que leva à extemporaneidade do recurso”, impondo-se verificar, claramente que não lhe assiste razão, pois que, em face do regime que resulta do n.º 1 do artigo 80.º do Código de Processo de Trabalho (CPT), na redação vigente e que é aplicável, “O prazo de interposição do recurso de apelação ou de revista é de 30 dias” – a que acrescem, de acordo com o n.º 3, se tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, 10 dias. Improcede, assim, tal invocação. Corridos os vistos legais, cumpre quanto ao mais decidir: III – Questões a resolver Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635.º/4 e 639.º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87.º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) nulidades invocadas; (2) matéria de facto; (3) o direito do caso: saber se existe fundamento para concluir que ocorreu inadequada aplicação da lei e do direito. *** IV – FundamentaçãoA) Fundamentação de facto O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos: “1.1.1. A autora foi admitida ao serviço da ré em 4 de Outubro de 2013, para exercer as funções de caixa de comércio, que desempenhava, por último, na sede da empresa sita em Rua ..., ... R/C ..., ... em Aveiro. 1.1.2. Mediante a remuneração mensal base de €700,00, acrescida de subsidio de alimentação no valor diário de €6,40. 1.1.3. E de acordo com o seguinte horário de trabalho: - às segundas das 7h30m à 12h e das 13h ás 20h30m; - às terças das 7h30m ás 13h; - às quartas das 13h às 20h30m; - às quintas das 7h30m às 13h; - às sextas das 13h às 20h30m; - aos sábados das 7h30m às 12h e das 13h às 20h30m. 1.1.4. Trabalhando aos feriados, caso estes fossem a Domingo. 1.1.5. Competia-lhe diligenciar no sentido de atender os clientes que se dirigem à loja da sua entidade patronal a fim de adquirirem os produtos nela vendidos, tais como fruta e legumes. 1.1.6. Entre outras funções, tais como aconselhar os clientes em relação aos produtos comercializados, a autora tinha ainda a função de receber o dinheiro dos clientes em relação aos produtos por estes adquiridos. 1.1.7. Para o que, a autora permanentemente acedia à caixa, registando as compras dos clientes, recebendo o dinheiro dos clientes (notas e moedas do banco de Portugal e pagamento por multibanco) e fazendo trocos sempre que tal se justificasse. 1.1.8. O legal representante da ré possuía uma bolsa grande que permanecia junto á caixa e que normalmente continha muito dinheiro e se destinava a pagar a fornecedores de fruta e legumes da loja. 1.1.9. Acontece que por razões relacionadas com o desaparecimento consecutivo de dinheiro de tal bolsa do gerente da empresa, do Sr. FF, este, desconhecendo o autor dos furtos, por ter mais de uma trabalhadora, decidiu colocar uma câmara de gravação de som e imagem na loja a fim de perceber quem lhe mexia na carteira e lhe roubava dinheiro da mesma. 1.1.10. O desaparecimento de dinheiro da bolsa era muito frequente - umas vezes desaparecendo € 20,00 outras € 40; outras € 60. 1.1.11. Da última vez desapareceram da bolsa € 220,00. 1.1.12. O que fez o gerente da ré pensar em todos os movimentos e trajetos que fez nesse dia com tal bolsa e chegou à conclusão que a mesma não saiu da loja - já que a deixou de manhãzinha na loja, no local habitual que toda a gente que lá trabalha sabe qual é e foi almoçar tendo-se esquecido da mesma. 1.1.13. Na tarde desse mesmo dia, no momento em que ia pagar a fornecedores, ao contrário do que havia planeado porque tinha colocado dinheiro suficiente na bolsa, faltaram-lhe € 220,00 para os pagamentos que tinha de fazer. 1.1.14. O que, deixou profundamente transtornado, desorientado sem saber exatamente o que pensar acerca do sucedido. 1.1.15. No dia 01.10.2021, pelas 13H54 a autora atendeu uma cliente e vendeu-lhe, pelo valor de €13,50, que aquela lhe entregou em numerário, os seguintes produtos: - caixa de melão; - bananas da madeira; - Kiwis amarelos; - ameixas rainha cláudia; 1.1.16. contudo a autora não lhe entregou a respetiva factura, com o n.º 17585 e na posse da mesma, antes de a emitir, anulou no sistema informático de faturação a verba correspondente ao melão, apesar de ter recebido tal valor da cliente, e apropriou-se da respetiva quantia, fazendo-a sua, lesando os interesses patrimoniais da sua entidade patronal. 1.1.17. No dia 05.10.2021, pelas 11H38, a trabalhadora atendeu o Dr. GG, cliente da loja que adquiriu, pelo valor de €10,00, os seguintes produtos: - dióspiros; - romã; - queijo fresco; - clementina; - pera abacate. 1.1.18. A autora registou na caixa registadora a referida aquisição, mas não gravou na fatura n.º 17812, do montante de €6,83, a clementina e a pera abacate, tendo-se apropriando da respectiva quantia referente ao preço destas duas verbas, fazendo-o sua, lesando os interesses patrimoniais da sua entidade patronal. 1.1.19. Na sequência da visualização das gravações, a 23.10.2021, o legal representante da ré apresentou queixa crime contra a autora, a qual deu origem ao inquérito n.º 1066/21.5PBAVR.” * Consta de seguida da sentença que não se provou nomeadamente:1.2.1 No dia 29.09.2021 depois de atender um cliente pelas 11H28 minutos a autora atendeu outro cliente ás 11H32 minutos que adquiriu uvas e maçã grany semite. Depois de receber o dinheiro de emitir fatura e de lavar a fruta para o cliente a pedido deste, procedeu à anulação dessa fatura apropriando-se do respetivo montante da mesma. 1.2.2 A autora atendeu um cliente que não registou contabilisticamente entre os dois atendimentos que deu origem ás faturas nº 17389 e nº 17390, e apropriou-se da quantia correspondente a essa venda, fazendo seu o valor respetivo. 1.2.3. No dia 30.09.2021 ás 17H42 minutos a autora, sem clientes presentes na loja, por isso sem motivo algum para aceder à caixa registadora, acedeu à mesma retirando dinheiro, refugiando-se com o mesmo na casa-de-banho do estabelecimento comercial. 1.2.4. A autora escondia as faturas que anulava no fundo dos caixotes do lixo existente na loja. 1.2.5 Fazia por aparentar à sua entidade patronal ser uma pessoa muito responsável, cumpridora e zelosa dos seus deveres. 1.2.6. Apesar de ter toda a liberdade para se alimentar com os produtos da loja, recusava comer o que quer que fosse em frente dos responsáveis da empresa; se sobrava pão de ... por exemplo o Sr. FF dizia-lhe para que ela levasse pão para casa; para que não se estragasse, ao que a mesma respondia que não, porque na sua casa não entrava pão. 1.2.7. Na presença dos responsáveis da empresa, não comia qualquer fruta, não aceitava tomar café porque dizia não tomar café. 1.2.8. Na ausência daqueles, quando se encontrava sozinha, descascava mangas (das frutas mais caras), que comeu e escondeu as cascas que embrulhava previamente em guardanapos no fundo dos caixotes do lixo da loja, o que o gerente da empresa verificou no dia 02.10.2021. 1.2.9. A autora na ausência dos responsáveis da empresa, tem comportamentos completamente diferentes e contrários aos que diz defender, tais como em relação ao consumo de vários alimentos (pois consome sandes várias; café e fruta vária) e atende clientes simultaneamente enquanto manteve chamadas telefónicas privadas com o seu telefone. 1.2.10. No dia 06.10.2021, a autora vendeu um garrafão de água no valor de € 1,00, dirigiu-se com o dinheiro em direção à caixa registadora fazendo de conta que vai emitir a fatura que não emite, pois não registou qualquer transação, tendo ficado com o dinheiro na mão do qual se apropriou, fazendo sua a respetiva quantia, assim continuando a lesar os interesses da empresa.” Mais se fez constar quie “Não existem outros factos provados ou não provados com interesse para a decisão da causa e os demais alegados são matéria conclusiva/instrumental e/ou de direito ou repetida e irrelevante. *** B) Discussão 1. Invocada nulidade da sentença Invoca a Recorrente, o que levou às conclusões, que “é nula a sentença nos termos do art 615.º n.º 1 d) 2.ª parte CPC”. Fazendo uma breve abordagem ao vício invocado, a que alude a mencionada alínea – alínea d): O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento –, poderemos dizer, em termos gerais, que estamos perante um vício que está diretamente relacionado com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608.º, n.º 2 do CPC[1]. Ou seja, como no Acórdão desta Relação de 28 de outubro de 2021[2], poderemos dizer que se pretende aqui sancionar, em respeito pelo princípio do pedido e do impulso processual associado ao princípio da contradição, consagrados desde logo no artigo 3.º do CPC, a violação do disposto no artigo 608.º n.º 2 do CPC, sendo assim “em função do objeto processual delineado pelo autor, conformado este pelo pedido e causa de pedir, bem como pelas questões/ exceções ao mesmo opostas pelo réu que a atividade do tribunal se desenvolverá, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso” – «o mesmo é dizer que a pronúncia judicial deve recair “sobre a causa de pedir, o pedido, as exceções dilatórias e perentórias invocadas e os pressupostos processuais, se for controvertida a sua verificação”, sob pena de nulidade por omissão ou excesso de pronúncia». Ou seja, para que seja cumprido o dever aí estabelecido é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz[3]. No entanto, importa esclarecer, socorrendo-nos a esse respeito, por continuarem plenamente válidos ainda hoje, dos ensinamentos do Professor Alberto dos Reis, que “(...) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” – “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”[4]. No mesmo sentido, Lebre de Freitas[5] ao referir que “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2014[6], o juiz “não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente”. Depois deste breve enquadramento, que importa aplicar ao caso, constata-se que, se bem o percebemos – dizemos bem o percebemos pois que não é propriamente clara na sua exposição –, vislumbra a Recorrente tal nulidade designadamente no seguinte: - era imperativo que o juiz desse como provado e/ou não provado o facto de a entidade patronal ter informado ou não, através de colocação de placa, que o local estava sob vigilância (tratando-se, diz, “de facto essencial para a boa decisão da causa, sem o qual o juiz não poderia formar a sua convicção, sem se ter pronunciado sequer sobre a legitimidade deste meio de prova, e a prova daí adveniente”), sendo que «a sua omissão enferma a sentença numa nulidade nos termos art 615.º n.º 1 d) 1.ª parte do CPC “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”»; - Requereu o respetivo desentranhamento, logo ab initio, ainda antes de ter sequer sido junta, sem qualquer despacho da parte da Senhora Juiz; -ainda que assim não se entenda, é igualmente nula a sentença por o Tribunal a quo “ter tomado conhecimento de questões que não podia tomar conhecimento”, “muito em virtude de se tratar de a prova proibida obtida por intermédio do sistema de videovigilância, sendo que, diz ainda, estes factos, carreados aos autos por gravações ilícitas, sem aviso à recorrente, sem sinalização no local, sem existência concreta de processo crime, e por terem sido levados ao processo de forma ilícita, não podem servir de fundamento a uma decisão de despedimento, pelo que devia o Tribunal ter-se por isso abstido de formar convicção, por total inexistência de prova capaz de suportar a legitimidade deste despedimento. Por sua vez, nas contra-alegações, defendendo que não ocorre tal nulidade, sustenta a Recorrida, para além do mais (em que se inclui a invocação do não cumprimento dos ónus legais de impugnação no que se refere à matéria de facto), que o Tribunal recorrido julgou ilegais e ilícitos o equipamento de videovigilância e as imagens dele provenientes e, nessa medida, tratando-se de meio de prova proibido, não poderá ser considerado e valorado em sede de motivação da matéria de facto (...)”, “deve por essa razão ser rejeitado o recurso nessa parte. E, na verdade, como aliás já o afirmámos aquando da apreciação das questões prévias, em particular quando considerámos não admissível o recurso na parte dirigida à questão da utilização ou não das mencionadas imagens, a verdade é que o Tribunal recorrido se pronunciou expressamente no sentido de julgar ilegais e ilícitos o equipamento de videovigilância e as imagens por esse recolhidas, como ainda que, tratando-se de meio de prova proibido, tais imagens não poderão ser consideradas e valoradas em sede de motivação da matéria de facto. Ou seja, como com relativa facilidade se extrai, o Tribunal recorrido, em contrário do que a Recorrente parece sustentar, afirmou expressamente a não valoração, por o considerar meio de prova ilícito, do que pudesse resultar ou não do visionamento das imagens, sendo que, precisamente por considerar tal meio de prova ilícito, como o considerou, sequer se percebe, salvo o devido respeito, a insistência da Recorrente, dizendo mesmo que tal seria imperativo, que tivesse sido dado como provado o facto de a entidade patronal ter informado ou não, através de colocação de placa, que o local estava sob vigilância – dizendo aliás que se trata “de facto essencial para a boa decisão da causa”, o que, precisamente em face do que antes referimos, mesmo não se considerando agora a questão de ter cumprido ou não os ónus legais de impugnação quanto à pretendida inclusão desse pretenso facto (questão que apreciaremos infra, no momento próprio), carece de sentido, precisamente porque o meio de prova em causa foi julgado ilícito. Como não se percebe, precisamente por contrariar o que resulta expressamente dos autos, a sua invocação de que sua convicção de que o Tribunal não se teria pronunciado sequer sobre a legitimidade deste meio de prova e a prova daí adveniente, pois que, pelo contrário, pronunciou-se, primeiro por despacho prévio à realização do julgamento ao admitir a sua junção aos autos, depois na ata de julgamento e por fim expressamente na sentença, como antes o dissemos. Por decorrência do exposto, sem necessidade de outras considerações, carece de qualquer fundamento a invocação da antes analisada nulidade da sentença. 2. Matéria de facto 2.1. Verificação sobre (in) cumprimento dos ónus legais de impugnação Em sede de recurso, o que transpôs para as conclusões, percebe-se, não obstante mais uma vez se constatar que o não o faz do modo mais adequado, como aliás melhor esclareceremos mais tarde, que a Recorrente pretenderá impugnar a matéria de facto. Nas contra-alegações invoca expressamente a Recorrida que não foram, porém, cumpridos os ónus legais de impugnação. Apreciando então esta invocação da Recorrida, por ser prévia à apreciação, diremos o seguinte: Dispondo-se no n.º 1 do artigo 662.º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – aí se abrangendo, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente –, importa, porém, nestes casos, que esse observe o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º, no qual se dispõe: “1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”. Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[7]. Contudo, como também sublinha, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[8]. Tendo por base os supra citados dispositivos legais, temos considerado que a reapreciação da matéria de facto, por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[9] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão proferida, exigindo antes, da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[10]. Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe ao recorrente que concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”. Discorrendo sobre a matéria, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de outubro de 2016[11] que, “Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.” Observa-se também no Acórdão do mesmo Tribunal de 7 de julho de 2016[12] que, “para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).” Ainda, por último, no mesmo sentido, conclui-se no Acórdão do mesmo Tribunal de 27 de outubro de 2016[13] – proferido num caso em que o Tribunal da Relação não conheceu do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não pelo incumprimento pela recorrente no corpo das alegações, dos ónus impostos pelos nºs 1 e 2, al. a) do art. 640º e sim pelo facto de se terem omitido nas conclusões a indicação de quais as alíneas da matéria de facto provada e/ou quais os números da matéria de facto não provada que se impugnam, bem como a decisão, que no entender do recorrente, deveria ser proferida sobre esses concretos pontos da factualidade provada e/ou não provada –, que o “Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.”[14]. Em conformidade com esse entendimento, aí se conclui, também, que “perante a sobredita omissão, não havia lugar ao convite ao aperfeiçoamento, mas à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.” Ainda mais recentemente, resulta do Acórdão do mesmo Tribunal de 5 de Setembro de 2018[15] que a “alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”, sendo que “não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna”. Por sua vez, agora no que concerne ao que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo aquelas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal superior, tem-se entendido que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração[16]’, exigindo-se ainda, também, que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa”[17]. Aplicando então os referimos critérios ao caso, constata-se que, tal como aliás o invoca a Recorrida, não obstante se constatar que a Recorrente manifesta discordância em relação à matéria de facto, dizendo nomeadamente que não pode aceitar que todos os factos que lhe foram imputados tenham sido adquiridos com recurso ao visionamento de imagens de videovigilância e que, diz ainda, esses factos, por terem sido levados ao processo de forma ilícita, não podem servir de fundamento para a decisão de despedimento, tecendo depois variadas considerações a respeito nomeadamente da invalidade que defende das imagens recolhidas pela câmara de vigilância – mais referindo, para além do mais, que essas despoletaram o procedimento disciplinar e a prova testemunhal obtida no processo, extraída integralmente na sequência da prova ilícita, ou seja, com as filmagens clandestinas, tais depoimentos, por constituírem prova reflexa, secundária, mediata, derivada ou indireta, não poderão em caso algum ser usados contra a Recorrente, sendo prova ilícita por derivação –, no entanto, contrariamente ao que lhe era exigido, não dá cumprimento aos ónus antes mencionados, assim, sob pena de rejeição do recurso, desde logo a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração pretende, pois que em momento algum, quando se impunha tal cumprimento, mesmo que de forma mínima, o fez. Dizemos no momento em que se impunha tal cumprimento pois que, sendo esse momento o da apresentação das alegações, então não o fez, não lhe sendo lícito vir mais tarde, aproveitando a pronúncia sobre o parecer emitido pelo Ministério Público, para indicar os factos que diz pretender impugnar, tentando deste modo suprir aquela sua omissão. Ou seja, a Recorrente é absolutamente omissa, como o dissemos nas alegações e conclusões que apresentou no recurso que interpôs, quanto aos factos que se consideraram provados ou não provado na sentença, pois que em momento algum a qualquer desses se refere em concreto, limitando-se, em termos de invocação sua que se pode ter como integrada no âmbito de pronúncia sobre a matéria de facto, a referir: - que “o Tribunal a Quo deu como provado e/ou não provado o facto de a entidade patronal ter informado ou não, através de colocação de placa, que o local se encontrava sob vigilância” e ainda que “não foi feita sequer prova da existência dessa mesma placa nem de que a Recorrida tinha informado a Recorrente da sua existência de câmaras no estabelecimento comercial (neste caso dizendo: “as testemunhas da Recorrida também não referiram ter visto uma placa que mencionasse que o local se encontrava sob videovigilância”; que “BB, sócia da Recorrida, menciona por duas vezes, tanto no minuto 23:27 como no minuto 23:28 de que não foi comunicado à Recorrente que estava a ser gravada, para o efeito refere: “Não, não comunicámos”; “e a testemunha CC no seu depoimento no minuto 07:57 refere a inexistência das mesmas: “Alertei o Sr. DD (agente da PSP) dizendo: “Por favor, isto não está nada identificado como câmaras”; “o Tribunal a Quo deveria ter concluído que a Recorrida não informou a Recorrente da existência de câmaras de videovigilância no local de trabalho e, que não afixou informação de que o local se encontrava sujeito a videovigilância como se encontra estatuído no art 20.º n.º 3 do CT” e que “nesta medida, e por tudo o atrás alegado, as imagens obtidas são um meio de prova proibido não podendo ser utilizadas no âmbito do processo disciplinar e judicial com vista a provar que foram praticados factos ilícitos pela Recorrente e, concomitantemente havendo lugar à aplicação de sanção disciplinar de despedimento”; que “a Recorrida nem fez prova da existência formal de processo crime contra a Recorrente no qual esta última tenha sido constituída Arguida”, “isto, porque a Recorrente nunca foi constituída Arguida, caindo assim por terra a tentativa de legitimar que a aludida câmara foi colocada no estabelecimento comercial da Recorrida por forma a assegurar a finalidade prevista no art 20.º n.º 2 do CT 2009, como afirma o Tribunal a Quo”. Trata-se, porém, de invocações genéricas, sem que se reportem a factos concretos que se identifiquem enquanto tal, quer por referência aos que foram dados como provados ou não provados na sentença, quer porventura a factos que o devessem ter sido, sendo que, esclareça-se, quanto à última invocação resulta da factualidade provada, no ponto 1.1.19., que “Na sequência da visualização das gravações, a 23.10.2021, o legal representante da ré apresentou queixa crime contra a autora, a qual deu origem ao inquérito n.º 1066/21.5PBAVR”, sem que este tenha sido em concreto impugnado, e sobre a primeira invocação, por sua vez, ocorreu afinal pronúncia na sentença, mas aquando da apreciação da questão da “ilegalidade/invalidade dos ficheiros de gravação apresentados pela ré a 8.11.2022”, o que a Recorrente omite no presente recurso, constando da pronúncia do Tribunal recorrido o seguinte: “(…) Para além dessa autorização, que não foi pedida, apesar do legal representante da ré e da sua esposa terem referido que o primeiro colocou uma placa a referir que o local estava sob videovigilância, a verdade é que a autora negou tal facto. Efectivamente, a existir tal placa, desconhecemos o local onde a mesma foi aposta, se estaria visível ou não. O que sabemos é que a autora não a terá visto, até porque negou a sua existência e provavelmente se a tivesse visto teria procedido e agido de forma diferente. As demais testemunhas ouvidas – CC- companheiro da autora e HH não entraram no estabelecimento, por forma a poderem ver a referida placa. Efectivamente, a última das testemunhas, a mais desinteressada, afirmou que permaneceu na rua, tal como o Sr. CC, e que dali se vê mal para o interior do estabelecimento. A questão suscitada prende-se com a admissibilidade da videovigilância em contexto laboral (…).” Neste contexto, a respeito das menções que são feitas a prova que tenha sido considerada, em que se inclui ao que poderia ter resultado ou não de depoimentos de testemunhas, as mesmas carecem de qualquer relevância, precisamente por não terem sido cumpridos os ónus de indicação de qual ou quais os factos impugnados em concreto a que se refeririam. Por decorrência do antes exposto, em face da verificada omissão de cumprimento dos ónus legais impostos pelo artigo 640.º do CPC, não havendo nestes casos lugar ao convite ao aperfeiçoamento, rejeita-se o recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto. 2.2. Por decorrência do decidido anteriormente a base factual a atender na aplicação do direito é a mesma que como tal foi considerada em 1.ª instância. 3. O direito do caso 3.1. Questão da (i)licitude do despedimento Percorrendo-se as conclusões apresentadas, no que à aplicação do direito diz respeito, constata-se que a Recorrente, para além de invocações sobre prova e sua validade, mas que apenas poderiam ter alguma relevância no âmbito do recurso sobre a impugnação da matéria de facto, o que não foi o caso em face do que afirmámos anteriormente, não avançou nas suas conclusões, assim designadamente para o caso de se manter o quadro factual provado, como se mantém, com quaisquer efetivos argumentos jurídicos tendentes a infirmar aqueles que se fizeram constar da sentença recorrida, assim nomeadamente erro na interpretação ou aplicação da lei, no sentido de explicar a razão por que a decisão deveria ter sido outra – no caso aquela com que conclui, no final, assim que “deve ser revogada a decisão recorrida, anulando-se a sentença proferida e declarar o despedimento ilícito em virtude de inexistência de prova que o sustente”. Ora, é comummente afirmado, impende sobre o recorrente, em sede de recurso, o ónus de invocar, também no domínio da aplicação da lei, os argumentos (jurídicos) que na sua ótica justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei, de tal modo que o tribunal superior os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação – versando o recurso sobre matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2, do CPC). Neste contexto, sem necessidade de outras considerações, pois que questões jurídicas não foram colocadas neste âmbito, não existe razão e / ou fundamento para que a sentença recorrida não se mantenha, nos termos aí decididos, na ordem jurídica. Improcede, em face do exposto, o recurso quanto no âmbito da aplicação da lei e do Direito. Improcedendo o recurso, a responsabilidade pelas custas impende sobre a Recorrente. * Sumário – a que alude o artigo 663º, nº 7, do CPC:……………………………… ……………………………… ……………………………… *** V - DECISÃONos termos expostos, acordam os juízes que integram esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, rejeitando-o quanto à apreciação da matéria de facto, em julgar no mais improcedente o recurso, confirmando-se por decorrência a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. * Porto, 5 de junho de 2023(assinado digitalmente) Nelson FernandesRita Romeira Teresa Sá Lopes ______________ [1] “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” Também na instância recursiva, nesse caso por referência às conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal. [2] Processo 257/19.3T8STS.P1, Relatora Desembargadora Fátima Andrade, in www.dgsi.pt. [3] Ac. do STJ, de 20/10/2015, Processo 372/10: Sumários, 2015, p.55 [4] Código de Processo Civil Anotado, cit., 5º, pág. 143. [5] No mesmo sentido, Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil” de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320, e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Alm. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143 [6] In www.dgsi.pt. [7] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222 [8] Op. cit., p. 235/236 [9] Cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt [10] Cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt [11] www.dgsi.pt [12] Processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1 (disponível igualmente em www.dgsi.pt [13] Processo 110/08.6TTGDM.P2.S1, mais uma vez em www.dgsi.pt [14] Constando do mesmo Acórdão, em apoio do decidido, a referência à posição também já afirmada nos Acórdãos STJ de 01/10/2015 (p.824/11.3TTLRS.L1.S1), 11.02.2016 (p. 157/12.8 TUGMR.G1.S1), 22.09.2015 (p. 29/12.6TBFAF.G1.S1) e 4.03.2015 (p. 2180/09.0TTLSB.L1.S2), 26.11.2015 (p. 291/12.4TTLRA.C1.S1), 3.12.2015 (p. 3217/12.1TTLSB.L1.S1), 3.03.2016 (p. 861/13.3TTVIS.C1.S1) [15] Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, também em www.dgsi.pt. [16] cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt) [17] Afirmando-se aliás, ainda, para além de outros, no Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt, que se exige, ainda, também, que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa”. |