Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2562/21.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: PRESUNÇÃO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
ILISÃO DA PRESUNÇÃO
Nº do Documento: RP202306262562/21.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 06/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos estabelecidos no art.º 12.º do CT, presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho.
II - Não estabelecendo a norma qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção pode ser afastada [art.º 350.º n.º2, do CC], passando a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação de trabalho autónoma ou por conta própria, para afastar a presunção.
III - Se a presunção da existência de um contrato de trabalho deve assentar nas características concretas descritas no artigo 12.º n.º 1 do Código do Trabalho, também a ilisão dessa presunção – a prova em contrário – deve ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa e não em meras hipóteses ou informações genéricas, cabendo à empresa o ónus da prova dos concretos e reais factos que consubstanciem essa ilisão, por força do artigo 350.º do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 2562/21.0T8VNG.P1
SECÇÃO SOCIAL



ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia, AA instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo declarativo comum, contra A...- Unipessoal Lda, pedindo o seguinte:
a) Seja declarada a existência do vínculo contratual entre Autora e Ré; e, em consequência,
b) Seja declarado ilícito o despedimento da Autora e em consequência ser a Ré condenada no pagamento de uma indemnização no valor de 929,70€;
c) Seja a Ré condenada a pagar à A o montante em singelo de 2.068,37€, fruto das remunerações não pagas, subsídio de férias e de Natal, proporcionais e crédito de horas de formação não realizadas;
d) Seja a Ré condenada no pagamento de 2.200€ a título de danos não patrimoniais;
e) Seja a Ré condenada a pagar à Autora a importância relativa aos juros legais, à taxa supletiva de 4% ao ano, sobre as supra identificadas quantias, desde a data da propositura da ação até efetivo e integral pagamento.
Mais requereu que fosse feita a devida comunicação à Segurança Social no sentido de serem repostas as contribuições da trabalhadora com efeitos retroativos desde a data da contratação até ao fim do vínculo laboral, ou seja, desde 17 maio de 2019 até 28 fevereiro de 2020.
Para sustentar os pedidos alegou, no essencial, que trabalhou sob as ordens, direções e instruções da Ré desde 17 Maio de 2019 até 28 Fevereiro de 2020, altura em que foi despedida sem justa causa e sem precedência de processo disciplinar, ficando ainda a Ré em dívida para com ela de diversas remunerações em atraso e comissões, subsídio de férias e subsídio de natal proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano da cessação.
Mais invoca que a Ré assumiu comportamentos que lhe causaram danos não patrimoniais que quantificou em 2.200€, pelos quais pretende ser ressarcida com o valor de 2.200€, sendo ainda detentora de um crédito de horas de formação não ministrada no montante de 90,39€.


Realizou-se audiência de partes, mas sem que tenha sido alcançada a resolução do litígio por acordo, pelo que foi ordenada a notificação da Ré para contestar.
A Ré contestou, invocando, por um lado a exceção de prescrição dos créditos reclamados pela Autora, e, por outro, que a aquela desenvolvia a atividade no regime de prestação de serviços, tendo sido ela quem decidiu resolver o contrato por sua iniciativa.
Respondeu a Autora, pugnando pela improcedência da exceção invocada pela Ré e mantendo, no essencial, o alegado na inicial.
No despacho saneador foram apreciadas as excepções arguidas, tendo sido julgadas improcedentes.
Foi fixado o valor da acção em € 5 198,07.
Na consideração da causa ser simples, não foi fixado o objeto do litígio, nem foram enunciados os temas da prova.
Foi realizada audiência de discussão e julgamento.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença fixando os factos e aplicando o direito, concluída com o dispositivo seguinte:
-«Pelo exposto, julga-se a presente ação não provada e improcedente e, em consequência, absolve-se a Ré dos pedidos.
Custas pela Autora, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia – art. 527º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
(..)».
I.3 Inconformado com esta sentença, a Autora interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
A - ERRO DE JULGAMENTO
I – DA INCORRETA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO DEVENDO A MESMA SER ALTERADA:
A. Considerando que a Recorrente vem impugnar a decisão sobre a matéria de facto, em cumprimento, nomeadamente dos requisitos previstos no artigo 638º do Código de Processo Civil e 80º Código Processo de Trabalho, impõe-se ao Tribunal ad quem analisar a audição da gravação, das passagens indicadas pela Recorrente e outras que tiver por necessárias à boa decisão da causa, bem como, de declarações e depoimentos prestados, se ocorreu erro de julgamento relativamente aos pontos de facto que a Recorrente supra especificou e que novamente invocará (ainda que por economia processual não repita as suas transcrições mas indique apenas o período temporal) como incorretamente julgados.
B. Assim, para a formação da convicção do tribunal a quo não foram devidamente considerados os depoimentos testemunhais de BB, CC, DD, os quais devidamente ajuizados impunham, uma decisão distinta da recorrida.
C. Afigura-se à Recorrente que esta matéria de facto dada como provada, nos pontos 10 (na parte “terminando o trabalho quando terminasse as demonstrações que lhe estavam distribuídas”), 13º (Na parte a Autora “comunicou”), 15º (na parte em que alega que “a Autora e os seus colegas eram livres de trocar, entre si…”), 25º (parte final quando diz “em termos não concretamente apurados, a cessação dos seus contratos”) e 28º tem que ser alterada pela Relação, no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 620º no 1 CPC.
D. Consequentemente, a Relação deverá dar como provados os factos alegados nos artigos 7º, 11º, 15º, 18º, 19º, 20º, 39º, 12º, 14º, 17º da petição inicial bem como do artigo 14º do capítulo intitulado danos não patrimoniais da PI, que de forma errada foram dados como não provados na sentença a que se recorre.
E. Salvo melhor entendimento, outra leitura e exímia interpretação que melhor se adeque por V/Exas, em virtude dos testemunhos supratranscritos deveriam V/Exas. alterar a matéria dada como provada e não provada na seguinte forma:
F. Quanto ao ponto 10 dado como provado na parte “terminando o trabalho quando terminasse as demonstrações que lhe estavam distribuídas”, deveria o Tribunal ad quem substituir por “A Autora não tinha hora de saída, terminando o trabalho quando a Ré autorizasse”.
G. Estando já dado como provado que a Autora tinha horas para entrar (artigo 8º e 9º dos factos dados como provados), mas nunca tinha horário para sair (artigo 10 factos provados), que as marcações eram previamente efetuadas pela Ré (artigo 7º dos factos dados como provados), entende a A. que deverá ser dado como provado o artigo 12º da petição inicial (“A realidade é que a Autora tinha horas para entrar, mas nunca tinha horário para sair, sendo todas as marcações impostas pela Ré e mesmo inexistindo a Autora era obrigada a ficar nas instalações para cumprir horário.”), dado como não provado na sentença a que se recorre.
H. Para extrair essas conclusões para as duas alíneas que antecedem atente-se ao testemunho da testemunha BB na Sessão de 14-01-2022 14:34:42 ao minuto 06:31 ao minuto 8:10 e do minuto 30:13 ao 30:32; bem como das declarações da testemunha CC na seção de 24-03-2022 09:50:45 do minuto 8:58 ao 9:36 e ao minuto 12:16; assim como o testemunho de DD na sessão de 14-01-2022 15:38:15, ao minuto 5:04 aos 5:21 e dos 21:55 aos 22:21.
I. Quanto ao ponto 13º dado como provado na parte a Autora “comunicou”, deverá o Tribunal “ad quem” alterar para a “A Autora pediu autorização para alterar o seu horário para poder frequentar as aulas de preparação para o parto, passando a fazer as demonstrações da parte da manhã.”
J. Quanto ao artigo 17º da PI (“PI “Já nos últimos meses da gravidez a Autora pediu autorização aos responsáveis da Ré para alterar o seu horário de trabalho de forma a poder frequentar as aulas de preparação para o parto e aleitamento materno da parte da tarde, compensado no período da manhã sempre que tal acontecesse.”) dado como não provado, sendo que se deu por provado o que consta no ponto no ponto 13 deve também ser também dado como provado.
K. Para o efeito, e prova das duas alíneas que antecedem, atente-se a passagem da testemunha BB na sessão de 14-01-2022 14:34:42 do minuto 9:16 ao minuto 9:31 e dos 46:55 aos 47:15 minutos; a Sessão de 24-03-2022 09:50:45 da testemunha CC ao minuto 22:55 ao minuto 23:25 e da Sessão de 14-01-2022 15:38:15, da testemunha de DD ao minuto 14:32 ao 15:08.
L. Sobre o ponto 15 na parte em que alega que “a Autora e os seus colegas eram livres de trocar” substituindo-se por “a Autora e os seus colegas não eram livres de trocar, entre si as demonstrações, substituindo-se, em caso de impossibilidade de as executar”. Os depoimento da testemunha BB na sessão de 14-01-2022 14:34:42 do minuto 27:15 ao 40:22 deixa isso bem evidente bem como o testemunho de CC na sessão de 24-03-2022 09:50:45, do minuto 13:01 ao minuto 17:30.
M. Entenda a A. que de forma errada foi também dado como não provado o artigo 7º da PI quando refere que “Até então sempre a AA exerceu as suas tarefas de modo assíduo, ininterrupto e com elevado nível de profissionalismo, atendendo sempre a todas as necessidades e solicitações da RR, no desempenhando das suas funções.” A testemunha CC na sessão de 24-03-2022 09:50:45, ao minuto 5:52 a 5:59, quando confrontado com a questão, se a Ré reclamava do trabalho da Autora, o mesmo respondeu que não e que o problema consistia no facto da A. estar grávida, motivo pelo qual deve ser dado como provado o artigo em questão.
N. Sobre os articulados 14º (provou-se o que consta no ponto 12 dos factos provados), 15º e 18º da petição inicial dados como não provados (14º da PI “Sucede que em julho 2019 a Autora descobriu que estava grávida alterando-se de forma significativa o comportamento dos responsáveis da empresa com esta.”; 15ºPI “No 5º mês de gravidez, gerente e sócio gerente da Ré começaram a insistir com a Autora para que essa deixasse o trabalho, alegando que estava na altura de cuidar de si e do bebé.”; 18ºPI “Ainda que desagradada a Ré viu-se forçada a ceder, ainda que sempre pressionando a Autora para que se despedisse.”) , mais uma vez, devem estes factos ser dados como provados, pois a testemunha CC, que já trabalhava com a Ré antes da A. entrar e que permaneceu mais um período após (minuto 4:58 do seu depoimento), na sessão de 24-03-2022 (09:50:45) confirmou ao Tribunal que a Autora foi pressionada para se despedir, tanto que o utilizaram nesse sentido, pedindo para que falasse com a A. atenta a relação de proximidade que existia entre ambos (do minuto 05:20 a 5:59)
O. Quanto ao ponto 25º dado como provado na parte final quando diz “em termos não concretamente apurados, a cessação dos seus contratos”, deverá o Tribunal “ad quem” alterar por: “Em data indeterminada de finais de fevereiro/princípios de março de 2020, a Autora e o seu marido tiveram uma reunião com o legal representante da Ré, EE, em que esteve presente o Diretor Comercial da Ré FF, durante a qual a Autora foi despedida pela Ré”.
P. Quantos aos factos dados como não provados que versam o artigo 6º da p. i., (“De facto, a Autora trabalhou sob ordem, direções e instruções da Ré desde 17 maio de 2019 até 28 fevereiro de 2020, altura em que foi despedida de forma ilícita, conforme melhor se verá.”, em que se provou o que consta no ponto no ponto 6) dos factos provados), bem como o alegado no artigo 19º da PI (“Contudo, no final de fevereiro a Ré despediu a Autora já na reta final da gravidez com 37 semanas.”), e o artigo 20º da PI que “Nesse mesmo dia e na mesma reunião, a Ré despediu também o marido da Autora que trabalhava na mesma empresa.”, devem também ser dados como provados.
Q. Para prova das duas alíneas que antecedem veja-se a convicção da testemunha BB na sessão de 14-01-2022 14:34:42 onde se pode aferir através das passagens do minuto11:10 ao minuto 15:51 e do minuto 48:29 ao minuto 48:55, bem como da testemunha CC na sessão de 24-03-2022 09:50:45, do minuto 7:33 ao minuto 8:37 que de fato a Autora e o marido foram despedidos pela Ré “tiramos uma maça/ou laranja podre do cesto”.
R. Quanto ao ponto 28º dos factos dados como provados quando diz que “a Ré não ministrou à Autora formação profissional”, deveriam, e com o devido respeito, V/Exas. alterar: para “A Ré ministrou à Autora formação profissional…” Disso fez prova a testemunha CC na sessão de 24-03-2022 09:50:45 ao minuto 5:02, bem como do minuto 23:38 ao 25:02, assim como o testemunho de DD na sessão de 14-01-2022 15:38:15, do minuto 5:04 ao 5:54 e o testemunho de Sr. GG na sessão de 24-03-2022 10:38:46 do minuto 8:41 ao minuto 10:30.
S. Estando já dado como provado que a Autora tinha horas para entrar (artigo 8º e 9º dos factos dados como provados), mas nunca tinha horário para sair (artigo 10º dos factos provados), verte ainda o artigo 11º da PI dado como não provado que “aos Sábados a Autora entrava às 10 horas e saia em média às 17 horas”.
Disso fazem prova os seguintes depoimentos: na sessão de 14-01-2022 14:34:42, com a testemunha BB do minuto 05:38 ao 06:02; na Sessão de 24-03-2022 09:50:45, com a testemunha CC ao minuto 05:38 a 06:02 e na sessão de 24-03-2022 09:50:45, com a testemunha CC ao minuto 1:53-2:49 e do minuto 04:09.4:14 e do minuto 4:49-5:10, motivo pelo qual o artigo em questão deve set dado como provado.
T. A douta sentença de que se recorre considera ainda como não provado o artigo 39º da petição inicial quando diz que “Por esse motivo, em outubro de 2019, por sua iniciativa, a Autora adquiriu uma viatura para as suas deslocações, mas sempre que por algum motivo não tinha carro a Ré cedia a viatura.”, quando o depoimento das testemunhas BB na sessão de 14-01-2022 14:34:42 ao minuto 4:17-6:31; 8:34-32:41 e da testemunha CC ao minuto 3:12-3:32 e da testemunha DD do minuto 3:40-16:10; 16:16- 16:34; 17:06; 17:16; 17:42 a 17:47, deixam pelo menos evidente que inicialmente a Autora utilizava um veículo cedido a todos os colaborados da Ré, que ter veículo próprio não era um critério de seleção para trabalhar com a Ré, que a A. apenas posteriormente adquiriu uma viatura e passou a receber ajudas de custo, utilizando contudo a viatura da Ré sempre que necessitava. Aliás, os próprios pontos 16º e 24º dados como provados na sentença conduzem a que este artigo seja também dado como provado, caso contrário teremos uma clara contradição.
U. Foi ainda dado como não provado o 14ºPI Dos danos não patrimoniais: “Houve uma violação culposa dos direitos da A. causadores de angústia e stress que fizeram com que começasse a dormir mal e sentisse grande preocupação e transtorno na fase final da gravidez, pela forma como foi tratada.” Sendo um facto quase assente e aceite pela sociedade que uma mulher na fase da gravidez está mais sensível e vulnerável, claramente que sendo despedida na fase final da gravidez tal causou angústia e stress à Autora, sem saber como obter rendimento para si e para o filho prestes a nascer, bem sabendo a Ré que o seu procedimento era errado e até mesmo imoral, motivos pelos quais o artigo em questão deve ser dado como provado.
V. Consequentemente e com base nas transcrições referidas deverão os venerandos Srs. Juízes desembargadores dar como provado os factos alegados nos artigos 7º, 11º, 15º, 18º, 19º, 20º, 39º, 12º, 14º, 17º da petição inicial bem como do artigo 14º do capítulo intitulado danos não patrimoniais da PI, que de forma errada foram dados como não provados na sentença a que se recorre.
W. Recorde-se para prova do pedido formulado pela Autora está já dado como provado que:
X. No ponto 14: A Ré pretendeu descontar à Autora, no mês de fevereiro de 2020, as comissões de vendas, alegando que o cliente não tinha cumprindo com o pagamento à financeira, e a Autora não aceitou tal desconto, não tendo assinado o recibo, nem recebido qualquer importância.
Y. No ponto 17: A Ré não pagou à Autora a remuneração do mês de fevereiro de 2020, nem qualquer importância a título de comissão.
Z. No ponto 18: Em 06.01.2020 a Ré pagou à Autora, relativamente ao mês de dezembro, a quantia de 523,86€ - cfr. fatura recibo anexa à p. i.
AA. No ponto 19: A Autora não recebia subsídio de férias, nem de Natal, nem subsídio de alimentação.
BB. Pontos esses que suportam o pedido da Autora na condenação da Ré no pagamento das remunerações não pagas, subsídio de férias e de Natal, proporcionais de créditos de horas de formação não realizadas.
II – DA INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DADA COMO PROVADA:
CC. Deverá ser dado como provado que “Sempre que a Ré encerrava, ou os seus colaboradores faltavam, era descontado sobre a remuneração mensal fixada, situações essas que não estavam previstas no contrato assinado entre as partes.”
DD. Dar também como provado que: “Além do valor remuneratório base previsto no contrato o trabalhador teria ainda direito a uma ajuda de custo, suplementar, caso utilizasse viatura própria.”
EE. Disso fazem prova as declarações de parte do legal representante da Ré, o Sr. EE do minuto 13:34; 20:07 ao 20:45, bem como a testemunha BB na sessão de 14-01-2022 14:34:42, do minuto 9:31-10:59; 28:58-29:15; 30:24-30:32; 50:36-50:54; bem como na sessão de 24-03-2022 09:50:45, a testemunha CC ao minuto 7:02-7:19; 13:01-14:15;
FF. Dar como provado que “A Ré facultava um veículo a todos os seus colaboradores que não tivessem veículo próprio, não sendo condição a existência de veículo próprio para a contratação.” Disso faz prova as declarações de parte do legal representante da Ré, o Sr. EE , nomeadamente ao minuto ao minuto 8:34, bem como a Sessão de 14-01-2022 14:34:42, da testemunha BB aos minutos o 8:44-9:08; 32:31- 32:41; assim como a testemunha CC na sessão de 24-03-2022 09:50:45, e do minuto 02:03-3:19; 03:40 a 3:46;
GG. Dar como provado que “Autora e os seus colegas não tinham autonomia, liberdade e independência na execução do trabalho de que eram incumbidos pela Ré, terminando o seu trabalho apenas quando a Ré autorizava.” Conforme se demonstra na sessão de 14-01-2022 14:34:42, com a testemunha BB do minuto 6:31 ao 8:10, 9:16 – 9:31; 27:15 - 28:29; 30:13 – 30:32; 39:34 – 39-36; 40:08 – 40:22 e dos minutos 46:55 – 47:15 bem como dos minutos 21:36 – 21:42; 40:44; 41:25; 42:04 – 42:55; na sessão de 24-03-2022 09:50:45, com a testemunha CC do minuto 8:58 – 9:36; 12:16; 13:01 – 13:57; 16:38 – 17:30, bem como dos minutos 11:04-11:21; 20:25- 20:59; 21:09-21:18; e finalmente na sessão de 14-01-2022 15:38:15, do testemunho de DD do minuto 5:04 – 5:21; 14:32-15:08; 21:55 – 22:21; bem com dos minutos 2:04-2:27; 5:48-7:01;
B- DA MATÉRIA DE DIREITO:
HH.Da sentença de que se recorre estão já provados os quatro dos cinco (sendo que esse último não se aplica ao caso em apreço) pressupostos das alíneas a), b), c) e d) do artigo 12º do Código de trabalho, para que se presuma a existência de um contrato de trabalho conforme o artigo 11º do mesmo código, e são eles:
II. “A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;” (Ponto 7 dado como provado)
JJ. “Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;” (Ponto 16 e 21 dos factos dados como provados, bem como cláusula 4 n.º2 do contrato junto aos autos)
KK. “O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;” (Ponto 8, 9, 10, 11, 13 dados como provados)
LL. “Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;” (Ponto 5 e 16, dados como provados bem como cláusula sétima do contrato).
MM. Note-se a este propósito o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.10.2016, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-05-2010 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08.06.2017.
NN. Desde logo, preenchidos estes requisitos impunha-se uma decisão diferente daquela que foi veiculada pelo Tribunal “a quo”, declarando-se a existência de um verdadeiro contrato de trabalho entre Autora e Ré, e consequentemente condenar a Ré no pedido conforme peticionado na Petição inicial, o que desde já se Requer a V/Exas, devendo ser revogada a sentença recorrida.
OO. Assim sendo, em conformidade com o artigo 11º e 12º do código de trabalho foi dado como provado que a A. se apresentava nas instalações da Ré todas as segundas feiras pelas 10 horas e de terça a sexta pelas 14 horas (ponto 8 e 9 da sentença).
PP. Foi ainda dado como provado que a A. não tinha hora de saída (ponto 10 sentença parte inicial) e que por vezes terminavam à noite (ponto 11 sentença)
QQ. A A. recebia uma remuneração fixa mensal de 620,00€ (ponto 5 dado como provado) mais 120,00€ para despesas de deslocação quando adquiriu a sua viatura (ponto 16 dado como provado), trabalhava em regime de exclusividade, conforme previsto na cláusula terceira do contrato, sendo que o trabalho consistia em fazer atendimentos previamente agendados pela Ré, na casa dos Clientes, para a realização de demonstrações de estações de tratamento de água (ponto 7 dos factos dados como provados na sentença).
RR. Interessante será ainda notar que o legal representante da Ré, o Sr. EE, enquadra esta remuneração fixa conforme lhe é mais vantajoso. Por um lado, usa o termo “avença” (ao minuto 2:05, 4:40 do seu depoimento) mas depois para justificar o facto de descontar caso o prestador de serviços falte, ou caso a empresa encerre para férias (como se de um contrato de trabalho se tratasse, como na realidade o é), entra em contradição e refere ser um suporte para as despesas, admitindo posteriormente que a esse título paga mais cerca de 120,00€.
SS. A Autora trabalhava em regime de subordinação e clara dependência da Ré, sob suas ordens, direções e instruções, tanto que era a Ré quem marcava as demonstrações, disponibilizando uma viatura sempre que era necessário efetuar deslocações a casa ou à sede dos Clientes, e depois que adquiriu a sua viatura obteve uma ajuda de custo para deslocações de 120,00€, e sempre que necessário continuava a usar o veículo da Ré assim como os seus Colegas.
Nestes termos e com o douto suprimento do omitido, deve o presente recurso merecer provimento, e em consequência ser anulada e revogada a douta sentença recorrida, dando-se como provada a existência de um contrato de trabalho entre a Autora e Ré, o despedimento ilícito da Autora e consequentemente ser a Ré condenada no pagamento correspondente a que cada uma das situações implica, tudo conforme peticionado na petição inicial.
I.4 A Recorrida contra-alegou e formulou as conclusões seguintes:
1. A douta sentença proferida pela MM.ª Juiz não merece qualquer reparo.
2. A sentença considerou todos os depoimentos testemunhais, designadamente de BB, CC, DD, prova esta que foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise critica das provas.
3. Os depoimentos de BB, CC, DD, com referência à relação entre a recorrente e a recorrida foram indiretos, uma vez que tudo o que sabem quanto a isso foi porque alguém lhes contou ou ouviram dizer.
4. Nestes depoimentos foram relatados maioritariamente as relações e condições que tiveram (BB, CC, DD) com a recorrida enquanto foram prestadores de serviços desta.
5. Para extrair essas conclusões atente-se o testemunho de BB na sessão de 14.01.2022 do minuto 33.01 ao minuto 33.25; assim como o testemunho de DD na sessão de 14.01.2022 do minuto 15.02 ao minuto 15.10; e do testemunho de CC na sessão de 24.03.2022 do minuto 12.16 ao minuto 14.10.
6. Nenhuma testemunha afirmou que a Autora tivesse que assinar o livro do ponto.
7. É natural que os vendedores avisassem a empresa da sua indisponibilidade para prestarem determinado serviço, o que não implica que tal dever de avisar corresponda a uma obrigação de justificação da falta.
8. Quanto à necessidade de cumprimento de um horário e quanto ao invocado despedimento, também não logrou a autora provar tais factos, de acordo com o preceituado no artigo 414º do CPC e 342º do CC.
9. Pelo que, não pode proceder a pretensão da recorrente, uma vez que não há qualquer fundamento para questionar a livre convicção da Senhora Juíza “a quo” ou elementos de prova, que levassem à pretendida alteração da matéria de facto provada em tais pontos.
10. Pela testemunha FF foi dito que os vendedores podiam vender a quem quisessem; não tinham que pedir autorização à empresa; os vendedores não tinham que estar na empresa; não havia livro de ponto; Quando não tinham visitas, também ficavam na empresa. Porque queriam.
11. Pela testemunha HH foi dito que os prestadores de serviço não cumprem horário; às vezes faltavam; a autora ia a consultas médicas sem problema; Ele próprio entrou como prestador de serviços e depois ficou a contrato.
12. Pela testemunha GG foi dito que só recebe comissões; deram-lhe a escolher a modalidade que pretendia; Se não puder ir, pode ir outro vendedor ou reorganizam; A testemunha tem carro próprio; Acha que a autora ia mais vezes à empresa , porque não tinha carro, mas ninguém a obrigava a ir.
13. Pela testemunha II foi dito que era prestadora de serviços; que na entrevista foi-lhe apresentada duas alternativas: só comissões ou ajudas de custo mais comissões; Optou por esta segunda modalidade; Se não pudessem, trocavam entre si; Nunca lhe descontaram nada, a não ser durante a pandemia, em que não recebeu ajudas de custo; a empresa nesse período ficou completamente fechada; Não recebia subsídio de férias, nem de natal, nem de alimentação; nunca levou justificação quando não podia; A autora teve que fazer um curso durante a gravidez e nunca ouviu dizer que ela tinha levado qualquer tipo de justificação.
14. Pelo legal representante da ré, reportando-se à autora e ao seu marido disse que lhe explicou as modalidades e que optaram pela modalidade de receber um suporte fixo mais comissões; o 1º recibo que emitiram foi da empresa que ambos tinham; não havia obrigatoriedade de comparecer; A autora nunca se queixou, não havia seguro para os prestadores de serviços, nem subsídio de alimentação.
15. A recorrente quer criar na convicção do Juiz que os depoimentos foram prestados com conhecimento direto das testemunhas BB, CC, DD, facto que não é de todo verdade.
16. Pelo que, não pode proceder a pretensão da recorrente, uma vez que não há qualquer fundamento para questionar a livre convicção da Senhora Juíza “a quo” ou elementos de prova, que levassem ao pretendido acréscimo da matéria de facto.
17. A atendibilidade do depoimento indireto depende, designadamente da sua relevância, decorrente dos demais meios de prova, da livre apreciação da prova, conjugada com as regras da experiência.
18. Devendo ser mantida inalterada toda a matéria de facto provada.
19. Resultou ainda que não ocorreram pelo menos duas circunstâncias previstas no n.º 1 do artigo 12º de forma clara e plena, que conduzam à presunção de laboralidade, como referiu e bem o Tribunal ‘’a quo’’ nas suas motivações.
20. Ainda que se considerasse verificada a presunção de laboralidade ínsita no citado artigo 12º, temos que, com os factos que se provaram, a Ré logrou ilidir tal presunção.
21. A forma como o contrato era executado aponta claramente para a existência dum contrato de prestação de serviços, tal como as partes assim o designaram no documento que assinaram.
22. A forma de organização do trabalho apresenta um certo grau de autonomia que não é compatível com a existência dum contrato de trabalho subordinado, até porque a possibilidade de a Autora se substituir, põe em causa o princípio da pessoalidade da prestação e do seu carácter infungível, o que significa que as partes contrataram a produção dum resultado e não a sua atividade em si mesma.
23. A desnecessidade de apresentar qualquer justificação quando faltasse ao serviço demonstra a ausência de poder disciplinar, cuja existência é fundamental no contrato de trabalho por decorrer diretamente do poder de direção do empregador.
24. Foi adotado, entre as partes, o regime fiscal definido para o trabalhador independente; a Ré nunca inscreveu a Autora na Segurança Social; nunca lhe pagou subsídio de férias, nem subsídio de Natal, nem de alimentação; a Autora nunca contestou, nem reclamou da forma e conteúdo do contrato de prestação de serviços.
25. Os factos provados conjugados com a fundamentação fáctica e com a fundamentação de direito, da douta sentença, verifica-se de forma clara e inequívoca que foram devidamente provados a inexistência de um contrato de trabalho e que a vontade das partes foi de celebrar um contrato de prestação de serviços, onde não existe subordinação jurídica, que, como tal foi de comum acordo executado e que a autora não tem direito aos créditos laborais que reclama, nem tão pouco à indemnização por despedimento.
26. A sentença recorrida explica de forma fundamentada a razão porque decidiu de tal forma, sendo que essa explicação conduz ao resultado adotado.
27. Na fundamentação da sentença recorrida foram indicados os meios de prova que levaram à decisão, a fundamentação da convicção do julgador, clara, objetiva e discriminada, onde se verifica o que é que o Tribunal considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal.
28. Caindo assim por terra, as pretensões infundadas da recorrente, quando alega que mesmo com os factos dados como provados pela sentença recorrida, existe matéria factual que comprova a existência de um contrato de trabalho.
29. A sentença recorrida não merece qualquer reparo.
Conclui pugnando pela improcedência do recurso.

I.5 O Digno Procurador-Geral Adjunto, no parecer a que alude o art.º 87.º 3, do CPT, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso, na consideração, no essencial, do seguinte:
- «[..]
Neste caso, salvo melhor opinião é visível e patente a subordinação jurídica. Com efeito era a entidade empregadora que marcava as reuniões com os clientes para demonstrações, e quando foi necessário alterar este procedimento teve a Autora de pedir autorização à Ré – ponto 13 dos factos provados. (13. A Autora comunicou à Ré a necessidade de alterar o seu horário para poder frequentar as aulas de preparação para o parto, passando a fazer as demonstrações da parte da manhã.)
Não tendo horário de saída, tinha a Autora/recorrente horário de entrada.
Era paga ao mês sendo a retribuição composta por uma quantia fixa e uma parte variável, em função das vendas e demonstrações.
Sendo prestadora de serviços não devia ser-lhe descontada a quantia de comissões como aconteceu – ponto 14 dos factos provados – e o que por norma acontece no contrato de trabalho em que as comissões são pagas após boa cobrança. (14.A Ré pretendeu descontar à Autora, no mês de fevereiro de 2020, as comissões de vendas, alegando que o cliente não tinha cumprindo com o pagamento à financeira, e a Autora não aceitou tal desconto, não tendo assinado o recibo, nem recebido qualquer importância.)
A autora/recorrente utilizava veículos da Ré na execução do trabalho e quando utilizava o seu veículo recebia uma ajuda de custo, mais típico do contrato de trabalho.
O equipamento, instrumentos e respetivos consumíveis necessários às demonstrações eram pertença da Ré – ponto 21 dos factos provados.
Enfim, tudo era orientado, organizado e seguido pela Ré/recorrida, demonstrativo, salvo melhor opinião, da existência e caracterização de um contrato de trabalho.
Não tendo qualquer valor (o que interessa, é o que na realidade se passa), uma cláusula como a 2ª do contrato dispondo que: “O Segundo Outorgante não se coloca numa situação de dependência ou subordinação. Este apenas se obriga a proporcionar à Primeira Outorgante o resultado do seu trabalho, a ele pertencendo sempre a liberdade de organizar de tomar as estratégias que entender necessárias para a prossecução do mesmo.”
Assim, por se entender que assiste razão à recorrente, acompanha-se a sua posição expressa na alegação e conclusões, que aqui se dão por reproduzidas, evitando desnecessárias repetições.
[..]»
.
I.6 Foram cumpridos os vistos legais, remetido o projecto aos excelentíssimos adjuntos e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência.

I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC], as questões colocadas para apreciação pelo recorrente consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Na apreciação da prova e fixação da matéria de facto: quanto aos pontos provados 10, 13, 15, 25 e 28, pretendendo sejam alterados [conclusão C]; quanto à matéria dos artigos 7, 11, 15, 18, 19, 20, 39, 12, 14 e 17, da petição inicial, pretendendo que sejam considerados provados [conclusão D]; e, por não ter considerado provado matéria resultante da prova, cujo aditamento é pedido [conclusões CC, DD, FF, GG]
ii) Na aplicação do direito aos factos: por não ter considerado provada a existência de um contrato de trabalho entre a Autora e Ré, bem como o despedimento ilícito, julgando a acção improcedente.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual que se passa a transcrever:
São estes os factos provados:
1. A Ré é uma empresa que se dedica, entre outras à importação e exportação de artigos para o lar e artigos de saúde, nomeadamente eletrodomésticos, sua manutenção e reparação; sistemas de tratamento de água; representação de marcas.
2. No exercício dessa atividade, a 17 de maio de 2019, Autora e Ré, subscreveram o contrato de prestação de serviços cuja cópia consta no documento n. 1, anexo à p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. Nos termos do referido documento consta que a Autora desenvolveria as “tarefas necessárias à comercialização e ao cumprimento dos contratos de fornecimento de equipamentos e prestação de serviços de instalação e acompanhamento, as quais se traduzem nas seguintes ações:
a) Divulgação dos equipamentos de sistemas de tratamento de magnetoterapia, entre outros, no mercado nacional;
b) Apresentação e demonstração das funcionalidades dos diversos equipamentos, junto dos potenciais clientes;
c) Negociação direta com os potenciais clientes para a celebração dos contratos de Compra e Venda dos supracitados equipamentos”;
d) Formalização da venda;
e) Celebração de contratos de Fornecimento de Equipamentos e Prestação de Serviços” - cfr. cláusula 1ª do contrato.
4. A cláusula 2ª do contrato dispõe que:
O Segundo Outorgante não se coloca numa situação de dependência ou subordinação.
Este apenas se obriga a proporcionar à Primeira Outorgante o resultado do seu trabalho, a ele pertencendo sempre a liberdade de organizar de tomar as estratégias que entender necessárias para a prossecução do mesmo.”
5. Como contrapartida a Autora receberia uma remuneração mensal fixa de 620,00€ acrescida de uma comissão, conforme o número de equipamentos vendidos e faturados nesse mês, como resulta da cláusula sétima do referido contrato: por cada equipamento vendido em cada mês, receberia 2,5% de comissão bruta na venda dos 1º e 2º equipamentos e 16,5% na venda do 3º equipamento e seguintes.
6. A Autora prestou a sua atividade à Ré desde 17 maio de 2019 até 28 fevereiro de 2020.
7. O trabalho desenvolvido pela Autora consistia em fazer atendimentos previamente agendados pela Ré de acordo com a disponibilidade dos vendedores, na casa dos clientes, para a realização de demonstrações de estações de tratamento de água com a finalidade da sua venda.
8. Todas as segundas feiras a Autora apresentava-se nas instalações da Ré pelas 10 horas, para repor o material e planificar o trabalho da semana.
9. De terça a sexta feira, a Autora apresentava-se nas instalações da Ré pelas 14h e daí partia para as casas dos clientes cujas demonstrações estavam agendadas e lhe estavam distribuídas.
10. A Autora não tinha hora de saída, terminando o trabalho quando terminasse as demonstrações que lhe estavam distribuídas.
11. Por vezes as demonstrações terminavam à noite.
12. A Autora, entretanto, engravidou.
13. A Autora comunicou à Ré a necessidade de alterar o seu horário para poder frequentar as aulas de preparação para o parto, passando a fazer as demonstrações da parte da manhã.
14. A Ré pretendeu descontar à Autora, no mês de fevereiro de 2020, as comissões de vendas, alegando que o cliente não tinha cumprindo com o pagamento à financeira, e a Autora não aceitou tal desconto, não tendo assinado o recibo, nem recebido qualquer importância.
15. A Autora e os seus colegas eram livres de trocar, entre si, as demonstrações, substituindo-se, em caso de impossibilidade de as executar.
16. A Autora utilizava o seu próprio veículo, recebendo uma ajuda de custo mensal de 120€, mas também e, a seu pedido, utilizava um veículo, propriedade da Ré, o qual, por vezes era partilhado com outros colegas.
17. A Ré não pagou à Autora a remuneração do mês de fevereiro de 2020, nem qualquer importância a título de comissão.
18. Em 06.01.2020 a Ré pagou à Autora, relativamente ao mês de dezembro, a quantia de 523,86€ - cfr. fatura recibo anexa à p. i.
19. A Autora não recebia subsídio de férias, nem de Natal, nem subsídio de alimentação.
20. A Ré não efetuou descontos para a Segurança Social.
21. O equipamento, instrumentos e respetivos consumíveis necessários às demonstrações eram pertença da Ré.
22. A Autora emitia recibos “verdes” contra os pagamentos que lhe eram feitos pela Ré, tendo-se coletado, para o efeito, nas Finanças como trabalhadora independente.
23. A Autora não assinava o “livro do ponto”.
24. Numa das deslocações no veículo da Ré, a Autora sofreu um acidente de viação, tendo danificado o veículo, o que levou à instauração pela Ré de uma ação contra a Autora no Julgado de Paz.
25. Em data indeterminada de finais de fevereiro/princípios de março de 2020, a Autora e o seu marido tiveram uma reunião com o legal representante da Ré, EE, em que esteve presente o Diretor Comercial da Ré FF, durante a qual foi abordada, em termos não concretamente apurados, a cessação dos seus contratos.
26. A partir dessa data, nem a Autora, nem o seu marido prestaram serviço à Ré.
27. A Autora nunca contestou, nem reclamou da forma e conteúdo do contrato de prestação de serviços referido em 2).
28. A Ré não ministrou à Autora formação profissional.
Factos não provados:
Não se provaram os factos alegados nos artigos 7º, 11º, 15º, 18º, 19º, 20º, 28º, 39º, e 14º do capítulo intitulado danos não patrimoniais, todos da p. i. e 16º, 20º e 33º da contestação.
Quanto aos factos alegados no artigo 6º da p. i., provou-se o que consta no ponto no ponto 6) dos factos provados.
Quanto aos factos alegados nos artigos 9º, 10º, 11º e 12º da p. i., provou-se o que consta no ponto nos pontos 8), 9) e 10) dos factos provados.
Quanto aos factos alegados no artigo 13º da p. i., provou-se o que consta no ponto no ponto 11) dos factos provados.
Quanto aos factos alegados no artigo 14º da p. i., provou-se o que consta no ponto no ponto 12) dos factos provados.
Quanto aos factos alegados no artigo 17º da p. i., provou-se o que consta no ponto no ponto 13) dos factos provados.
Quanto aos factos alegados nos artigos 21º e 22 da p. i., provou-se o que consta no ponto no ponto 14) dos factos provados.
Quanto aos factos alegados no artigo 47º da p. i., provou-se o que consta no ponto no ponto 17) dos factos provados.
Quanto aos factos alegados no artigo 34º da p. i., provou-se o que consta no ponto no ponto 18) dos factos provados.
Quanto aos factos alegados no artigo 16º da contestação, provou-se o que consta no ponto no ponto 15) dos factos provados.
Não se respondeu à restante matéria, por se tratar de matéria sem interesse para a boa decisão da causa, conclusiva ou de direito, mera impugnação ou ter ficado prejudicada pela resposta aos restantes factos.

II.2 IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Insurge-se a recorrente contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, visando a sua alteração quanto aos quanto aos pontos provados 10, 13, 15, 25 e 28, pretendendo sejam alterados [conclusão C], e, consequentemente, quanto à matéria dos artigos 7, 11, 15, 18, 19, 20, 39, 12, 14 e 17, da petição inicial, que pede sejam considerados provados [conclusão D]. Discorda, ainda, por não ter sido considerado provado matéria resultante da prova, cujo aditamento pede [conclusões CC, DD, FF, GG]
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
No caso, verifica-se que nada obsta ao conhecimento do recurso nesta vertente de impugnação da decisão sobre a matéria de facto. O recorrente, quer nas conclusões quer nas alegações, cumpriu, o que se entende exigível.
II.2.1 Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo afirmou e justificou a sua convicção nos termos seguintes:
«Para além da posição vertida pelas partes nos respetivos articulados (factos admitidos por acordo), na formação da sua convicção o Tribunal atendeu aos meios de prova disponíveis, atentando nos dados objetivos fornecidos pelos documentos dos autos, e fazendo uma análise dos depoimentos prestados. Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas.
Atendeu-se ao teor dos documentos supra referenciados na decisão da matéria de facto, bem como dos restantes juntos pelas partes nos respetivos articulados, conjugado com o depoimento das testemunhas inquiridas e as declarações de parte da Autora e do legal representante da Ré.
A testemunha, BB trabalhou para a Ré desde janeiro a finais de abril de 2020. Referiu ter sido colega de trabalho da Autora e que não tinha queixas a apresentar da Ré. Disse que também, como a Autora, tinha assinado um contrato de prestação de serviços e vendia equipamentos de filtro de água. A apresentação era feita em casa dos clientes. Tinham horário fixo para entrarem na empresa. Entravam às 10h e não tinham hora para sair. Iam a casa dos clientes num carro da empresa. A morada dos clientes era-lhes dada pela empresa e se não tivessem que ir a casa dos clientes, faziam treinos. Recebiam um vencimento base de 635€, acrescido do valor das comissões. Se faltasse, sofria desconto na remuneração.
Descontaram-lhe 15 dias em que a empresa esteve fechada por causa da pandemia. Em dia indeterminado do mês de fevereiro, a Autora e o seu marido entraram para uma sala e quando saíram disseram adeus e foram embora. Por seu turno, o Diretor, de nome FF entrou na sala e disse que eles não faziam mais parte da equipa e que “tiramos uma maça podre no cesto”. Ficou claro para si que eles tinham sido demitidos. A Autora encontrava-se grávida, com 7 ou 8 meses. Todos quantos trabalhavam para a Ré estavam no mesmo regime, exceto o Sr. GG, que não tinha vencimento base. Tinha um regime diferente: até 3 vendas recebia um determinado valor e a partir da 4ª venda o valor subia. Era a empresa que agendava previamente com o cliente e distribuía o serviço. Se mais alguém dos seus conhecimentos estivesse interessado em adquirir o equipamento, tinha que canalizar a pessoa para a empresa. A testemunha decidiu sair, porque se sentiu perseguido pelo Diretor. Esclareceu que as vendas eram feitas em casa do cliente e só de lá saíam, quando o equipamento ficava instalado. Não assinavam livro do ponto, nem recebiam subsídio de alimentação.
Sempre esteve de acordo com a prestação de serviços. Não podia vender acima do valor limite, sem previamente obter a concordância do Diretor. A Autora tinha carro próprio. Poucas vezes utilizou o veículo da empresa. Desconhece se ela recebia as despesas de deslocação.
A testemunha DD disse ter sido colega de trabalho da Autora. Quando foi à entrevista com o dono, o Sr. EE, foi-lhe dito que receberia o salário acrescido das comissões. Assinou o contrato “a recibos verdes” e tinha horário para entrar e sair. Às segundas feira, entrava às 10h e não tinha horário para sair. Uma vez ficou em casa do cliente até às 2 da madrugada. Nos outros dias, entrava às 14h. Trabalhou para a Ré durante 2 meses. Faziam demonstrações de testes de água. O carro era cedido pela empresa. Era a empresa que marcava com o cliente. Alguns vendedores levavam o carro próprio e recebiam ajudas de custo. Viu por 2 vezes o Sr. GG. Era comercial, mas não ficava na empresa. Se chegasse atrasado, tinha que se justificar. A Autora, sempre que faltava, tinha que justificar por escrito. Ela tinha exames para fazer: estava grávida. Não recebiam subsídio de férias e de natal. A Autora parecia satisfeita.
A testemunha FF é o Diretor comercial da Ré desde maio de 2019.
Disse que a Autora presta serviços à Ré. Entrou em finais de maio/princípios de junho. Tem um contrato de prestação de serviços como comissionista. É ele quem distribui o trabalho pelos vendedores. As marcações são feitas e a testemunha atribui os trabalhos à equipa. As vendas são feitas nas casas dos clientes. Os técnicos que montam as instalações têm um contrato de trabalho.
Os vendedores tanto o avisavam a si, como o EE, se não pudessem comparecer. Não tinham que estar na empresa. Não havia livro do ponto. A Autora estava grávida. Os vendedores podiam vender a quem quisessem. Não tinham que pedir autorização à empresa. Se os vendedores tivessem necessidade, facultavam-lhes uma viatura. Quando não tinham visitas, também ficavam na empresa. Porque queriam.
Houve um acidente com o carro atribuído à Autora e o veículo ficou praticamente destruído. Estabeleceu-se, desde então, um mal estar. Pediram à Autora para suportar o valor da reparação e ela pediu para descontar no que tinha a receber até ao final do ano. Foi a Autora e o marido que disseram que não tinham condições para continuar se tinham que pagar a reparação. A testemunha esteve presente na última conversa entre a Autora e marido e o dono da empresa. Foram feitas as contas do que tinham a receber. O marido da Autora aceitou as contas dele e a Autora não.
O marido da Autora disse que não se ia meter nas contas com o problema do carro. Em nenhum momento a Autora e o marido manifestaram descontentamento pela questão do contrato, nem reclamaram da prestação de serviços. Pelo contrário, mostravam satisfação. Chegaram a aconselhar várias pessoas para concorrer para os lugares. O que disse aos comerciais, após a reunião com a Autora e o marido foi que não iam mais contar com o trabalho da Autora.
A testemunha CC é comercial e trabalhou para a Ré entre 2018 e 2020. Tinha ordenado base e recebia comissões. Entrava às 10h e não havia horário de saída.
Trabalhou com a Autora desde que entrou até que saiu. Eram as mesmas regras para toda a gente. A Autora estava grávida. Às vezes tinham que ficar na casa das pessoas até à meia noite. Tudo era marcado pelo Diretor Comercial: o Sr. FF. Tinham um contrato e passavam recibos. Durante os meses de confinamento, nada recebeu. Sabe que a Autora e o dono da empresa tiveram uma discussão. No dia seguinte, o Chefe disse que “quando uma laranja está podre num cesto, contamina as outras, mas eu tirei a laranja”. Ficou com a ideia de que a Autora tinha sido despedida. A empresa estava sempre a controlá-los pelo telemóvel. Nunca recebeu subsídio de férias e de natal. Teve formação quando entrou. Não foi certificada. Não podia vender a quem quisesse. Tiveram uma formação durante uma semana, entre as 10h e as 17h.
A testemunha HH é montador/ajustador de máquinas e trabalha para a Ré desde setembro de 2019. Cumpre horário das 10h às 19h. Assina o livro do ponto. Os prestadores de serviço não cumprem horário. Às vezes faltavam. A Autora ia a consultas médicas sem problema. Entrou como prestador de serviços e depois ficou “a contrato”. Quando era prestador de serviços não recebia subsídio de alimentação. Agora recebe. Não estava presente aquando da reunião final entre a Autora e a Ré e não sabe o que se passou em concreto, embora lhe tenha sido dito, pela testemunha anterior, que a Autora e o marido se tinham despedido.
A testemunha GG é técnico de vendas e faz vendas para a Ré desde 2018. É prestador de serviços. Só recebe comissões. Há outros prestadores que recebem um montante fixo acrescido de comissões. As comissões que aufere são de valor superior. Deram-lhe a escolher a modalidade que pretendia. Chegou a vender a particulares. Agora é a empresa que organiza e marca a hora com o cliente. Depois transmitem-lhe. Se não puder ir, pode ir outro vendedor ou reorganizam. Se faltar, avisa. Quando entrou teve formação com o Diretor Comercial durante 3 dias, entre as 14h e as 18h. Só vai à empresa uma vez por semana. A testemunha tem carro próprio. Acha que a Autora ia mais vezes à empresa, porque não tinha carro, mas ninguém a obrigava a ir.
A testemunha II é comercial. Trabalhou para a Ré desde janeiro de 2019 a junho de 2020. Era prestadora de serviços. Na entrevista, o Sr. EE apresentou-lhe duas alternativas: só comissões, ou ajudas de custo mais comissões. Optou por esta segunda modalidade. Ia para a empresa de manhã. A empresa é que marcava com o cliente: havia 2 horários, o da manhã e o da tarde. A Autora, de início, fazia as tardes e noites. Depois, ficou grávida e passou a fazer as manhãs. Se não pudessem, trocavam entre si. Às 2ªs feiras reuniam-se todos da parte da manhã para repor o material e trocar ideias e experiências. Cada um seguia depois os seus horários. A Autora, quando fazia as tardes, começava depois de almoço. Se os clientes lhe indicassem outros clientes, comunicava à empresa para contactá-los. Nunca lhe descontaram nada, a não ser durante a pandemia, em que não recebeu as ajudas de custo. A empresa, nesse período ficou completamente fechada. Não recebia subsídio de férias, nem subsídio de natal, nem subsídio de alimentação. Nunca levou nenhuma justificação quando não podia. Tinha que avisar. A Autora teve que fazer um curso durante a gravidez e nunca ouviu dizer que ela tinha levado qualquer tipo de justificativo. Havia um dia da semana em que não podia trabalhar.
A Autora, AA, em declarações de parte, referiu que na entrevista lhe disseram que havia 4 horários e que não era preciso ter carro. Nunca lhe propuseram alternativa. Ficou com o valor de 620€ fixos, acrescido de comissões. Trabalhava de 2ª a 6ª e alguns sábados. Às 2ªas feiras tinha que entrar às 10h: havia uma reunião. Nos outros dias entrava às 14h e não tinha que estar da parte da manhã. Se não houvesse demonstrações, tinha que lá ficar até aguardar o atendimento. Não podia vender a particulares. Todo o agendamento era feito pela empresa. Se houvesse particulares interessados, entregava os contactos para a empresa, que agendava. Teve aulas para o parto e pedia autorização e trocava o horário. Quando faltava, era-lhe descontado. Quando utilizou o seu próprio veículo, recebia 120€ de ajudas de custo. Depois optou por ir no carro da empresa, pois não ficava tão cansada. O Sr. GG era de “alta categoria”. Só o viu 3 vezes. Ganhava diferente. Referiu que foi despedida. Estava a ser pressionada para sair pelo EE e pelo FF. Diziam-lhe que já era tempo para tomar conta do seu filho. Em fevereiro, o EE chamou-a. Estava também o FF e marido da Autora. Tinha a receber 1.200€ e só que lhe queriam pagar 200€, por causa de consultas médicas e uma despesa de 2 clientes, por não ter recebido deles.
Não concordou e o EE disse-lhe que ou aceitava ou ia buscar “os seus direitos”. Como não concordou, não assinou o recibo.
O legal representante da Ré, EE, referiu que entrevistou a Autora e o marido. Explicou-lhes os horários e as modalidades e eles optaram pela modalidade de receber um suporte fixo mais comissões. O 1º recibo que eles emitiram foi da empresa que ambos tinham. Só mais tarde fizeram declaração de atividade. Os funcionários assinam o livro do ponto, mas os prestadores de serviço não. Não havia obrigatoriedade de comparecer. Se não tivessem viatura, a empresa facultava-lhes uma. Apesar de terem adquirido uma viatura, mais tarde a Autora solicitou uma viatura para se deslocar. A Autora nunca se queixou, não havia seguro para os prestadores de serviço, nem subsídio de alimentação. Quanto à cessação, referiu que estava presente o FF. A Autora e o marido pediram-lhe para pagar o que tinham a receber, porque se queriam ir embora.
Queriam que lhes fizessem as contas das comissões e simplesmente foram-se embora. Colocou-lhes
a questão da viatura, que lhe danificaram. A Autora tinha um valor a receber que não chegava a 200€ e ela disse que não queria receber aquele valor. Não aceitava que lhe descontasse o valor relativo a uma venda de um cliente que não pagou. O Sr. JJ (marido da Autora) aceitou as suas contas.
Nunca reteve qualquer valor relativamente aos danos da viatura. Quando a Autora utilizava carro próprio, pagava-lhe 120€ de ajudas de custo.
Todas as testemunhas foram unânimes em afirmar que as vendas eram organizadas pela empresa e distribuídas aos vendedores, que escolhiam os períodos nos quais estavam disponíveis.
Também nenhuma testemunha afirmou que a Autora tivesse que assinar o livro do ponto. Pelo contrário, as testemunhas FF, HH e II afirmaram que os prestadores de serviços, ou seja, as pessoas contratadas na mesma modalidade que a Autora, não assinavam livro do ponto, o que foi corroborado pelo legal representante da Ré e também pela testemunha BB.
As testemunhas FF, HH, II e GG, disseram que avisavam a Ré caso não pudessem efetuar as vendas agendadas, mas não tinham que apresentar justificação, enquanto a testemunha DD e a Autora disseram o contrário. É natural, a nosso ver, que os vendedores avisassem a empresa da sua indisponibilidade para prestarem determinado serviço, o que não implica que tal dever de avisar corresponda a uma obrigação de justificação da falta. Resolvemos a dúvida contra a parte onerada com o ónus da prova, que era a Autora, pelo que não demos como provada a necessidade de justificação da falta por escrito (cfr. art. 414º do Código de Processo Civil).
O mesmo sucedeu relativamente à necessidade de cumprimento de um horário, pois, perante os depoimentos contraditórios que a esse respeito foram prestados pelas testemunhas levantou-nos dúvida sobre se efetivamente a Autora tinha que comparecer na empresa pelas 14 horas de cada dia ou se o fazia, por necessidade de simplificar o trabalho e poder utilizar o veículo da empresa.
Não sobraram dúvidas de que a Autora não recebia subsídio de férias, nem de natal, nem subsídio de alimentação. Tão pouco se provou que a Ré fizesse descontos para a Segurança Social, conforme resulta dos recibos emitidos pela Autora que constam nos autos.
Quanto ao invocado despedimento:
Competia à Autora o ónus de provar que fora despedida pela Ré, por se tratar de um facto constitutivo do seu direito (cfr. art. 342º do Código Civil).
Contudo, não logrou a Autora provar tal facto. Com efeito a única testemunha que presenciou os factos relacionados com a referida reunião invocada pela Autora foi o Diretor Comercial, FF, que afirmou precisamente o contrário: ter sido a Autora e o marido que manifestaram a sua vontade de deixarem de trabalhar para a Ré, invocando que não tinham mais condições de continuar. Tal depoimento foi corroborado pelo legal representante da Ré e contrariado pela Autora. Neste quadro, os depoimentos que a esse respeito foram prestados pelas testemunhas BB e CC não têm força probatória suficiente para que se possa concluir que tivesse havido uma cessação do contrato provocada pela Ré e não pela Autora, razão pela qual não se deu como provado que tivesse a Autora sido despedida, nem que tivesse sido ela quem se despediu».

II.2.2 Antes de avançarmos para a apreciação impõe-se deixar uma nota. A impugnação não tem a sequência lógica que seria desejável, já que a recorrente passa dos factos provados que pretende ver alterados para os alegados na PI não provados, acrescendo que quanto a estes não observa a ordem da sua articulação, nem por vezes se logra perceber qual o eventual fio condutor que perspectivou para seguir essa metodologia. Diga-se, ainda, que nem tão pouco a sequência constante das conclusões é totalmente coincidente com a ordem que foi seguida nas alegações.
Não obstante, sendo certo que as conclusões têm a função de delimitarem o objecto do recurso, para evitar algum lapso na apreciação, seguiremos a ordem inculcada pela recorrente.

No facto provado 10, consta o seguinte:
10. A Autora não tinha hora de saída, terminando o trabalho quando terminasse as demonstrações que lhe estavam distribuídas.
Pretende a recorrente que se altere a redacção na parte “terminando o trabalho quando terminasse as demonstrações que lhe estavam distribuídas”, substituindo-se por “terminando o trabalho quando a Ré autorizasse”.
Alega a recorrente que estando dado como provado que tinha horas para entrar (artigo 8º e 9º dos factos dados como provados), mas nunca tinha horário para sair (artigo 10 factos provados), que as marcações eram previamente efetuadas pela Ré (artigo 7º dos factos dados como provados), entende que deverá ser dado como provado o artigo 12º da petição inicial, dado como não provado na sentença onde se refere que “A realidade é que a Autora tinha horas para entrar, mas nunca tinha horário para sair, sendo todas as marcações impostas pela Ré e mesmo inexistindo a Autora era obrigada a ficar nas instalações para cumprir horário.
Invoca, ainda, os testemunhos de BB, CC e DD.
Começaremos por dizer que a alegação não é muito clara quanto aos fundamentos para alterar o ponto 10, dado que a recorrente passa logo a fazer a alegação acima referida, enfocada no art.º 12.º da Pi. Depreende-se, contudo, que pretende usar a mesma argumentação para uma e outra alteração, tanto mais que na conclusão B pede a alteração dos factos provados – onde se inclui o 10 -e na C, usa a expressão “consequentemente”, para pedir se considerem provados artigos da PI, entre eles o 12.
Do invocado e transcrito extracto do testemunho de BB, não se retira que “termina[vam] o trabalho quando a Ré autorizasse”. Referiu, sim, no essencial, que quando não havia demonstrações tinha que estar na empresa:
-”tinham que continuar lá, se não houvesse demonstrações nem nada, ficávamos lá sentado, conversando, jogando algum jogo, aguardando novo contato para depois ir para casa do cliente”.
- Não, aí nós íamos a loja, porque eramos obrigados a ir à loja”.
Por seu turno, do invocado extracto do testemunho de CC, resulta que este disse, no essencial, o seguinte:
- “Tínhamos que pedir autorização” [para ir para casa]. “
- [..] E, pronto, depois de sair [de um cliente], falávamos, por acaso na hora do meio dia: “olha, sim, já saiu, o cliente falou que não queria e tal tal tal”. E então o diretor começava a perguntar “tás onde?” e eu “olha, tô aqui a 5 min do escritório” “passa cá” ou então “tás onde?” “tô em arcozelo” “ah, pronto, vai almoçar, às 14h a gente se encontra”. E à noite era por acaso às 16h, “volta pro escritório”. Depois saíamos às 18h. Às 18h saíamos tipo 21h. Aí se depois entrássemos às 21h na casa de um cliente, saíamos tipo 22h, 23h e aí que ele falava: “pronto, podes ir pra casa”. É, tínhamos que aguardar a ordem de ir pra casa.
- “[..] no meu caso, exemplo, eu saía às 21h, eu não podia falar: “olha, já saí do cliente, vou pra casa”. Não, eu não podia falar isso. Eu tinha que falar: “olha, vou” .. porque se eu tivesse “vou pra casa”, “não, não, não, não, tu não vais pra casa, aqui há um trabalho mais pra ti”, exemplo”.
No que concerne ao invocado extracto do testemunho de DD. No essencial, retira-se o seguinte:
-[se não houvesse nenhum cliente pra ir visitar] “Continuávamos na empresa”; “[..] se eu estivesse no escritório no tempo ocioso, a gente ou tinha treinamento ou tinha que fazer demonstrações pra demonstrar como a gente tava fazendo na casa do cliente. Tudo isso a gente fazia diretamente no escritório”.
Quanto a esta prova, opõe a recorrida que os depoimentos destas testemunhas no respeitante à relação entre a recorrente e a recorrida foram indiretos, uma vez que tudo o que sabem quanto a isso foi porque alguém lhes contou ou ouviram dizer, tendo relatado as relações e condições que eles próprios tiveram.
Por outro lado, dos factos provados 7 a 10, invocados pela recorrente, consta o seguinte:
7. O trabalho desenvolvido pela Autora consistia em fazer atendimentos previamente agendados pela Ré de acordo com a disponibilidade dos vendedores, na casa dos clientes, para a realização de demonstrações de estações de tratamento de água com a finalidade da sua venda.
8. Todas as segundas feiras a Autora apresentava-se nas instalações da Ré pelas 10 horas, para repor o material e planificar o trabalho da semana.
9. De terça a sexta feira, a Autora apresentava-se nas instalações da Ré pelas 14h e daí partia para as casas dos clientes cujas demonstrações estavam agendadas e lhe estavam distribuídas.
10. A Autora não tinha hora de saída, terminando o trabalho quando terminasse as demonstrações que lhe estavam distribuídas.
11. Por vezes as demonstrações terminavam à noite.
Resulta destes factos a caracterização dos termos em que se desenvolvia a actividade ao serviço da Ré. Mas não que terminasse o trabalho quando a Ré autorizasse, formulação que, desde logo, é conclusiva, sugerindo a ideia de que diariamente a autora tinha que ser autorizada pela Ré a cessar a prestação da actividade.
Por seu turno, dos testemunhos indicados retira-se, em concreto, que quando não tinham demonstrações as testemunhas ficavam no escritório da Ré, mas não se sabe sequer com que frequência tal acontecia e em que termos precisos se processava essa permanência, designadamente, nenhuma testemunha indicou horas.
Note-se que, conforme referido na fundamentação da sentença, a testemunha DD apenas prestou a sua actividade “para a Ré durante 2 meses
Sublinha-se, ainda, que de acordo com a fundamentação da sentença, nem a própria autora declarou que terminava o trabalho quando a Ré autorizasse. De resto, se o tivesse declarado, certamente teria aqui invocado as suas próprias declarações, o que não faz.
Neste quadro, desde logo, por o que se pretende ver alterado no facto consubstancia uma afirmação vaga, imprecisa e conclusiva, mas também por não haver prova segura quanto à alegada dependência de autorização da Ré para que a recorrente pudesse terminar a prestação da sua actividade diária, não se vê razões para atender a impugnação quanto ao ponto 10.
Pelas mesmas razões, também não se vê fundamento suficiente para dar como provado o artigo 12 da PI, onde alegou que “A realidade é que a Autora tinha horas para entrar, mas nunca tinha horário para sair, sendo todas as marcações impostas pela Ré e mesmo inexistindo a Autora era obrigada a ficar nas instalações para cumprir horário.” Assinala-se, que toda esta alegação é conclusiva e reconduz-se a elementos essenciais para a qualificação de uma relação de trabalho subordinado, questão fulcral para a decisão da causa. Na verdade, a autora parece esquecer o que alegou na PI, ou seja:
9 Todas as segundas feiras a Autora entrava às 10 horas nas instalações da Ré e saía, em média, por volta das 21 horas após concluir as demonstrações agendadas pela Ré.
10 De Terça a Sexta a Autora entrava às 14 horas nas instalações da Ré e saía em média entre as 21h e 21:30.
11 Aos Sábados a Autora entrava às 10 horas e saia em média às 17 horas.
12 A realidade é que a Autora tinha horas para entrar, mas nunca tinha horário para sair, sendo todas as marcações impostas pela Ré e mesmo inexistindo a Autora era obrigada a ficar nas instalações para cumprir horário.
Como bem se vê, o art.º 12.º formula uma conclusão na sequência do alegado nos artigos anteriores. Ora, se a autora não fez aquela prova, como quer então provar a conclusão e, além disso, algo mais, também conclusivo, que nem alegou nem ela própria declarou?
Cabe ter presente que, como é entendimento pacífico da jurisprudência, quando esteja em causa determinada questão jurídica que seja controvertida, à decisão da matéria de facto não deve ser levada matéria conclusiva, contendo juízos de valor ou apontando no sentido de alguma das soluções jurídicas que possam estar em confronto na causa. Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Por último, relembra-se que o Tribunal a quo fez constar da fundamentação que “Quanto aos factos alegados nos artigos 9º, 10º, 11º e 12º da p. i., provou-se o que consta no ponto nos pontos 8), 9) e 10) dos factos provados”, retirando-se desses factos, como já referimos, a caracterização, em termos concretos, dos termos em que se desenvolvia a actividade da recorrente ao serviço da Ré.
Por conseguinte, nesta parte improcede a impugnação, não havendo fundamento para alterar a redacção do ponto provado 10, nem para dar como provado o art.º 12.º da PI.
Segue-se a impugnação dirigida ao ponto provado 13, onde consta o seguinte:
13. A Autora comunicou à Ré a necessidade de alterar o seu horário para poder frequentar as aulas de preparação para o parto, passando a fazer as demonstrações da parte da manhã.
Pretende a recorrente autora que se altere a redacção, substituindo «“comunicou” à Ré a necessidade de alterar o seu horário [..]» por “pediu autorização”.
Invoca extractos dos testemunhos de BB, CC e DD, os quais transcreve. Desses extractos retira-se o seguinte:
i) [Testemunha BB], em resposta à questão “Não podia ir trabalhar, estava doente, estava indisposto, tinha ou surgiu outra coisa, tinha então que avisar ou pedir autorização para faltar? [colocada pela ilustra mandatária da autora] respondeu “Sim”; acrescentou, depois, “tínhamos também que passar nessa aplicação Viber e/ou por telemóvel entrando em contato com o diretor, o FF, para informar que não podia, que aconteceu algo comigo, eu adoeci, não pude ir trabalhar”.
ii) [Testemunha CC], nada disse de concreto sobre este ponto, mal se percebendo a razão da sua indicação;
iii) [Testemunha DD], disse que “Tinha que me justificar e informar porquê que eu tava chegando atrasado”; “Por exemplo, quando a AA ia fazer, tava grávida, gestante, ia fazer exames, ela tinha que justificar porquê que ela tava chegando atrasada, era o normal”.
Em suma, estas declarações são manifestamente inconclusivas e insuficientes para se considerar demonstrado que a Autora “pediu autorização” à Ré para alterar o seu horário para poder frequentar as aulas de preparação para o parto, passando a fazer as demonstrações da parte da manhã.
De referir, mais uma vez, que a testemunha DD apenas prestou a sua actividade para a Ré durante dois meses.
Para além disso, a recorrente esquece, conforme refere o tribunal a quo na fundamentação, que há testemunhos em sentido contrário: “As testemunhas FF, HH, II e GG, disseram que avisavam a Ré caso não pudessem efetuar as vendas agendadas, mas não tinham que apresentar justificação, enquanto a testemunha DD e a Autora disseram o contrário “.
Previamente, refere-se na fundamentação, com mais concretização, o seguinte:
A testemunha II é comercial. [..] Se não pudessem, trocavam entre si. Nunca levou nenhuma justificação quando não podia. Tinha que avisar. [..] A Autora teve que fazer um curso durante a gravidez e nunca ouviu dizer que ela tinha levado qualquer tipo de justificativo. Havia um dia da semana em que não podia trabalhar”.
A testemunha GG é técnico de vendas e faz vendas para a Ré desde 2018. É prestador de serviços. Só recebe comissões. [..]. Se não puder ir, pode ir outro vendedor ou reorganizam. Se faltar, avisa».
Como o devido respeito, a impugnação dirigida ao ponto provado 13 é destituída de qualquer fundamento, já que nenhuma das testemunhas revelou conhecimento directo nem se referiu concretamente a esta matéria, pelo que improcede.
Seguimos para o art.º 17.º da PI, onde se lê:Já nos últimos meses da gravidez a Autora pediu autorização aos responsáveis da Ré para alterar o seu horário de trabalho de forma a poder frequentar as aulas de preparação para o parto e aleitamento materno da parte da tarde, compensado no período da manhã sempre que tal acontecesse.” Defende a recorrente que dando-se como provada a alteração ao ponto 13 provado [acabado de apreciar], também deve ser dado como provada aquela alegação.
Pois bem, mais uma vez temos que manifestar a nossa perplexidade perante esta pretensão. Ainda que se tivesse provado que “pediu autorização”, como bem se vê, o conteúdo do ponto provado 13 fica aquém do alegado no art.º 17.º da PI, pelo que não se percebe qual é o raciocínio lógico da recorrente autora para pretender essa extrapolação.
Seja como for, improcedeu a impugnação do ponto provado 13 e, logo, improcede a do alegado no art.º 17.º da PI.
Avançamos para a impugnação dirigida ao ponto provado 15, onde consta o seguinte:
-[15] A Autora e os seus colegas eram livres de trocar, entre si, as demonstrações, substituindo-se, em caso de impossibilidade de as executar.
Pretende a autora que altere a redação, substituindo “eram livres” por “não eram livres”.
Invoca mais uma vez extractos dos testemunhos de BB e CC, transcrevendo-os.
Vistos esses extractos, deles não decorre que as testemunhas tenham sido questionadas ou falado por sua iniciativa sobre a possibilidade concreta de trocarem entre si visitas. No essencial, a primeira testemunha disse que «eu não opção de escolher qual visita fazer, eu tinha que ir há visita que ele determinasse que eu fosse»; e, a segunda, «houve uma vez que Portugal foi a jogar pra cá, no estádio do dragão. Eu tinha comprado os bilhetes e eu falei: “não vou a fazer esse trabalho porque eu vou pro estádio”. E já tinha falado e no outro dia chegaram “olhe, puxaram nas minhas orelhas” porque “olha, tínhamos este trabalho, este trabalho se perdeu porque tu fostes para o jogo, porque não havia comerciais pra ir, porque tu fostes a ver o jogo” então, quando a gente não ia fazer um trabalho ao sábado à tarde».
Estes testemunhos podem sugerir que não poderiam trocar entre si, mas não são suficientes para excluir essa possibilidade, pois, como se disse, não foi sobre essa concreta e precisa questão que testemunharam.
Diga-se, ainda, que o Tribunal a quo refere que a testemunha GG -técnico de vendas e faz vendas para a Ré desde 2018.- disse que “Se não puder ir, pode ir outro vendedor ou reorganizam”.
Improcede, pois, também a impugnação dirigida ao ponto provado 15.
Prossegue a recorrente, agora ponto em causa não provado o artigo 7º da PI. Consta dessa alegação o seguinte:
[7] Até então sempre a AA exerceu as suas tarefas de modo assíduo, ininterrupto e com elevado nível de profissionalismo, atendendo sempre a todas as necessidades e solicitações da RR, no desempenho das suas funções.
Melhor explicando, como se retira do artigo 6.º da Pi, referia-se a autora a todo a relação entre si e a Ré, ou seja, “[..] desde 17 maio de 2019 até 28 fevereiro de 2020, altura em que foi despedida de forma ilícita [..].
Alega que “A testemunha CC, [..] quando confrontado com a questão, se a Ré reclamava do trabalho da Autora, o mesmo respondeu que não e que o problema consistia no facto da A. estar grávida, motivo pelo qual deve ser dado como provado o artigo em questão”.
Duas razões obstam a que se acolha esta pretensão. Desde logo, o facto da testemunha ter dito que a Ré não reclamava do trabalho da autora é insuficiente para demonstrar que a esta “sempre exerceu as tarefas de modo assíduo, ininterrupto e com elevado nível de profissionalismo, atendendo sempre a todas as necessidades e solicitações da RR, no desempenho das suas funções”. Para além disso, como cremos ser de fácil compreensão, está-se perante uma alegação que encerra um conjunto de afirmações conclusivas sobre o desempenho profissional da autora, designadamente, que era exercido: i) de modo assíduo; ii) ininterrupto; iii) com elevado nível de profissionalismo; iv) atendendo sempre a todas as necessidades e solicitações da RR.
Valem aqui, pois, as considerações que deixámos sobre a impossibilidade de se considerarem provadas alegações conclusivas.
Assim, a improcede também a impugnação em razão de não ter sido considerado provado o artigo 7º da PI.
Avançamos para a impugnação em razão de não ter sido considerado provado o alegado nos artigos 14.º, 15.º e 18.º da PI.
Nesses artigos a autora alegou o seguinte:
14. Sucede que em julho 2019 a Autora descobriu que estava grávida alterando-se de forma significativa o comportamento dos responsáveis da empresa com esta.
15. No 5º mês de gravidez, gerente e sócio gerente da Ré começaram a insistir com a Autora para que essa deixasse o trabalho, alegando que estava na altura de cuidar de si e do bebé.
18. Ainda que desagradada a Ré viu-se forçada a ceder, ainda que sempre pressionando a Autora para que se despedisse.
Alega a autora que «[..] devem estes factos ser dados como provados, pois a testemunha CC, que já trabalhava com a Ré antes da A. entrar e que permaneceu mais um período após [..] confirmou ao Tribunal que a Autora foi pressionada para se despedir, tanto que o utilizaram nesse sentido, pedindo para que falasse com a A. atenta a relação de proximidade que existia entre ambos [..]».
Dos extractos invocados e transcrito retira-se que a testemunha, no essencial afirmou o seguinte:
Olha, é, ela estava grávida, ela estava grávida, é, já a situação dela na empresa, pronto, é, falavam comigo, não é, olha: “fale com a AA, que a AA já não está pra trabalhar, que isso” e pronto».
-« É dizer, por estar grávida, pois achavam que era mais ou menos um risco, pronto, falavam assim: “ai, fala com ela” porque tínhamos certa confiança e pronto, também, por outro lado, também ela às vezes era como falei, às vezes eram 0h e porque às vezes tínhamos que ficar, aliás, eu até fiquei uma vez até às 2h da manhã à casa de um cliente. E pronto, pra uma pessoa grávida, sabemos como é, não é?».
Os conteúdos dos artigos 14 e 18 são claramente conclusivos, vagos, imprecisos e, também, quase ininteligíveis. Senão veja-se:
- A A. a Autora descobriu que estava grávida, ou a Ré soube que a A. estava grávida?
- Em que termos se alterou de forma significativa o comportamento dos responsáveis da Ré?
- A Ré viu-se forçada a ceder em que termos?
- Pressionando a Autora para que se despedisse quando e em que termos?
Porventura, dirá a autora que a resposta está no alegado no artigo 15. Mas se assim é, então que sentido útil faz querer ver provado o alegado antes e depois?
Por outro lado, se é certo que o art.º 15.º já tem um conteúdo concreto, a testemunha apenas disse que “fale com a AA, que a AA já não está pra trabalhar, que isso”, o que nada elucida, por ser também uma afirmação conclusiva, sem qualquer concretização do que lhe foi dito para falar com a AA. Mais, nem se sabe sequer se na sequência desse alegado pedido da Ré, a testemunha falou com a autora a transmitir-lhe algo por parte da Ré.
Ora, é sabido, que como regra, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art.º 607.º n.º 5, CPC). Pode dizer-se ser pacificamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, que a livre apreciação da prova não consente que o julgador forme a sua convicção arbitrariamente, antes lhe impondo um processo de valoração racional, dirigido à formação de um prudente juízo crítico global, o qual deve assentar na ponderação conjugada dos diversos meios de prova, aferidos segundo regras da experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e considerando as circunstâncias do caso.
O resultado desse processo deve ter respaldo na prova produzida e tal deve decorrer, em termos suficientemente claros e objectivos, da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Esse resultado não pressupõe uma certeza absoluta, que seria praticamente inatingível na demanda pela reconstituição de uma determinada realidade passada, objectivo da produção e julgamento da prova. Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436].
Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradicção ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.
Por conseguinte, atentas as razões referidas, não poderia o Tribunal a quo dar como provado qualquer uma dessas alegações, nem tão pouco o pode este Tribunal este Tribunal de recurso. Improcede, pois, também a impugnação nesta parte, visando que se dê como provado o alegado nos artigos 14.º, 15.º e 18.º da PI.
Prosseguimos para a impugnação dirigida agora aos factos provados, em concreto, ao ponto 25.º , onde se lê o seguinte:
25. Em data indeterminada de finais de fevereiro/princípios de março de 2020, a Autora e o seu marido tiveram uma reunião com o legal representante da Ré, EE, em que esteve presente o Diretor Comercial da Ré FF, durante a qual foi abordada, em termos não concretamente apurados, a cessação dos seus contratos.
Pretende a autora que se altere esse ponto, para passar a dar-se como provado o que segue [destaque em itálico e negrito nosso]:
- “Em data indeterminada de finais de fevereiro/princípios de março de 2020, a Autora e o seu marido tiveram uma reunião com o legal representante da Ré, EE, em que esteve presente o Diretor Comercial da Ré FF, durante a qual a Autora foi despedida pela Ré”.
Continua a sustentar-se nos testemunhos BB e CC, invocando dois extractos que transcreve.
A testemunha BB disse, no essencial, o seguinte:
No período que ela foi chamada à sala. Ela foi chamada à sala 2 vezes, ela e o JJ, estávamos na sala, onde ficava a sala dos vendedores. Eles tiveram uma conversa. Eles não eram muito próximos então eles foram para a sala, terminou a conversa, eles saíram da sala, voltaram, saíram para fazer as vendas ou eles foram para outro canto, não sei. Saíram da empresa e ficamos especulando, porque alguns colegas já tinham sido posto pra fora, demitidos. Então será que eles foram? Não, eles voltaram. Então eu não tinha contato próximo com eles não perguntei e segui. Aí quando foi 1 semana depois, eles foram chamados novamente à sala e desta vez eles voltaram só na sala e adeus, disseram: “Tchau pessoal, bom trabalho para vocês, sucesso e tal”. Se despediram, foram embora e ficou. Ficamos especulando. Aí foi quando o diretor entrou na sala e falou “É infelizmente o JJ e a AA não trabalham mais connosco, tiramos uma…” - foi essa palavra que ele usou, que isso ficou na minha cabeça- “tirámos uma maçã podre do cesto”
A propósito daquela expressão a Srª Juíza questionou-o, responde a testemunha, tudo como segue:
[Juíza] - [..] Mas não disse que os tinha posto pra fora? Disse essa expressão?
[BB] «Disse que “Eles não trabalham mais connosco porque tirámos uma maçã podre do cesto” e depois os colegas que têm contato mais interno, confirmaram a dizer que a AA e o JJ tinham sido demitidos. Pelo menos foi, continuamos a trabalhar lá e foi a informação que foi passada para nós que eles tinham sido demitidos. E depois o KK foi demitido, a LL foi demitida e o FF foi demitido então outros colegas também foram demitidos.
[Juíza] - Então quando esse diretor FF quando entrou na sala chegou a dizer que eles foram embora ou não disse que eles foram embora?
[BB]- Ele disse “não” foi essa palavra que ele usou “infelizmente temos que melhorar a qualidade, então o JJ e a AA não fazem mais parte da equipa. Tirámos a maçã podre do cesto.” Tirámos! Tirámos então na minha opinião é eu coloquei pra fora.
Por seu turno, a testemunha CC disse o seguinte:
Pronto, isto foi assim. Eu sei que, pronto, eles tiveram uma discussão no escritório do chefe, não é? Depois o dia a seguir, haviam muitas conversas nos corredores, isso e outro, o que se falou foi: “pronto, agora sim vamos trabalhar em paz” pronto, quis dizer uma coisa como que “quando uma laranja está podre num cesto, apodrece as outras, mas já eu tirei a laranja que estava podre”.
Como é vem evidente, nenhuma das testemunhas assistiu à reunião nem sabe, em termos concretos e precisos, o que se passou na mesma. A interpretação pessoal que possam fazer da expressão utilizada pelo diretor da Ré é irrelevante, ou seja, não pode ter o valor probatório que a autora pretende.
Valem aqui as considerações que deixámos atrás sobre o que é necessário para que na sua livre convicção, o Juiz possa considerar um facto como provado. Com o devido respeito, é por demais evidente que não há prova suficiente para se dar como provado o que pretende a recorrente autora.
Assim, improcede também esta parte da impugnação, visando a alteração do ponto provado 25.
Do mesmo passo, ou melhor dito, com base na mesma prova e com a mesma argumentação, pretende a Recorrente é impugna também a decisão do tribunal a quo por não ter dado como provado o alegado nos artigos 6.º, 19.º e 20.º da PI, pretendendo que sejam dados como provados.
Nesses artigos lê-se o seguinte:
[6] De facto, a Autora trabalhou sob ordem, direções e instruções da Ré desde 17 maio de 2019 até 28 fevereiro de 2020, altura em que foi despedida de forma ilícita, conforme melhor se verá.
19 Contudo, no final de fevereiro a Ré despediu a Autora já na reta final da gravidez com 37 semanas.
20 Nesse mesmo dia e na mesma reunião, a Ré despediu também o marido da Autora que trabalhava na mesma empresa.
Em primeiro lugar, como ressalta à evidência, o conteúdo destes artigos vai bem para além do que foi referido pelas testemunhas, não fazendo qualquer sentido pretender a autora que se considerem provados com base naqueles extractos. Acresce que o primeiro deles, ao afirmar que “a Autora trabalhou sob ordem, direções e instruções da Ré desde 17 maio de 2019 até 28 fevereiro de 2020, altura em que foi despedida de forma ilícita” ,nunca poderia ser dado como provada, dado encerrar duas conclusões de direito que, só por si, resolviam as questões controvertidas fulcrais, ou seja, saber se a relação entre a A. e R. é qualificável como contrato subordinado e se houve um despedimento ilícito.
Para além disso, no que tange ao alegado despedimento, releva aqui também o que acima dissemos para desatender a pretendida alteração do facto provado 25.
Por conseguinte, improcede também a impugnação nesta parte em que pretende se considere provado o alegado nos artigos 6, 19 e 20 da PI.
Seguimos para a impugnação dirigida ao ponto provado 28.º, onde consta o seguinte:
28. A Ré não ministrou à Autora formação profissional.
Pretende a recorrente que se altere e se dê como provado que “A Ré ministrou à Autora formação profissional”, ou seja, que passe a constar o inverso do que foi dado como provado.
Ao dar como provado este ponto, o Tribunal a quo acolheu parte do conteúdo do art.º 17.ºda contestação da Ré, onde se lê, o seguinte:
-“Acresce que, a Ré durante o período em que a Autora prestou serviços para esta, promoveu formação profissional aos seus trabalhadores e não à Autora, pagou férias, subsídio de férias e de natal aos seus trabalhadores e não à Autora, conforme esta expressamente confessa nos artigos 50º a 53º da petição inicial”.
Atento o conteúdo integral da alegação do art.º 17.º, bem assim o seu enquadramento sistemático na contestação, resulta com a necessária segurança que a Ré usou esse argumento para procurar evidenciar que a autora exerceu as suas funções prestando-lhe serviços, diferenciando-a dos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho, a quem “promoveu formação profissional [..] e pagou férias, subsídio de férias e de natal [..]». Por conseguinte, a Ré está a referir-se à formação profissional que o empregador está obrigado a assegurar aos seus trabalhadores durante a pendência do contrato de trabalho, mais precisamente, à formação contínua, a que se referem os artigos 130º, 131.º e 132.º do CT.
Por outro lado, importa assinalar que o Tribunal a quo terá tido também em consideração que a autora, ao elencar os créditos que reclama da Ré, alegou na PI o seguinte:
[53] 90,39€ afeto a 35 horas de formação contínua (2,58€ hora, trabalhando em média 8 horas por dia e sendo o valor dia de 20,66€) devida à A. e não promovida pela Ré (Artigo 131º n.º2 e 132º CT);
A recorrente sustenta-se nos testemunhos de CC, DD e GG. Transcreve os extractos em que se suporta, dos quais se retira que as testemunhas referiram, no essencial o seguinte:
- CC: “Sim, tivemos uma formação de 1 semana. Lá no mesmo escritório, feita pelo diretor comercial”. “Olha, a formação era, pronto, primeiro, o primeiro dia começamos a falar sobre a água, já que trabalhamos com água. Começamos a falar sobre a água, ver umas coisas, uns vídeos, sobre a RTP” “Sim, foi das 10h até às 17h”; [Juíza: Sabe se a senhora AA também fez a formação?] “.
“Sim, fez. Sim, senhora”.
-DD: “ Sim, a gente passava por um treinamento quando a gente entrava na empresa e eles demonstrava exatamente como a gente deveria se comportar, se houvesse alguma oposição do cliente o que a gente deveria falar, tudo isso”.
- GG: “A formação portanto é dada, regra geral, pelo diretor comercial ou por um técnico com mais competência. Vai explicando precisamente o trabalho que nós vamos depois realizar junto com o cliente. Portanto, a minha área é testes à qualidade da água. São, é demonstrado como é que se faz o teste à qualidade da água, quais são as percentagens de reagentes que vamos usar pra cada teste. E como é que depois devemos abordar o cliente, tanto na entrada quanto na saída do cliente. Apresentar a solução e qual tipo de solução nós devemos apresentar quando, mais uma vez digo, não são todos os clientes, como é lógico, mas quando o cliente assim desejar e quando nós acharmos que poderíamos estar a falar de uma solução”. “Formação demora cerca de 3 dias, essencialmente”.
O tribunal a quo faz referência a estes testemunhos na fundamentação, mencionando que as testemunhas CC e GG disseram, respectivamente, que “Tiveram uma formação durante uma semana, entre as 10h e as 17h” e “Quando entrou teve formação com o Diretor Comercial durante 3 dias, entre as 14h e as 18h”.
Sucede, porém, que estas testemunhas estão a referir-se a uma formação inicial, ainda que em termos não totalmente coincidentes. CC referiu uma semana de formação, logo de início, das 10H00 às 17H00; DD mencionou apenas que passavam por um treinamento quando entravam; e, GG referiu três dias de formação entre as 14 H00 e as 18H00.
A testemunha CC disse que a A. fez [essa] formação, mas sem que resulte concretamente quando e durante quanto tempo.
Acresce, como referido acima, que o que está em causa no ponto provado não é uma formação inicial, mas antes a formação contínua.
Não é despiciendo sublinhar que a A. não alegou ter tido formação inicial. Como evidenciámos, alegou sim, ainda que singelamente, que a R. não promoveu a formação contínua a que teria direito, para reclamar o valor de 90,39€, correspondente ao crédito de horas de formação contínua não proporcionada.
Mais, nem tão pouco decorre da fundamentação da decisão recorrida que tenha feito alguma referência quer quanto a ter recebido formação inicial quer à falta de formação contínua. De resto, se assim tivesse acontecido, certamente a recorrente usaria esse argumento na impugnação deste ponto.
Neste quadro, não só não assiste fundamento para acolher a impugnação nesta parte, ou seja, para alterar o facto, passando a dar como provado o oposto do que nele consta, como para além disso é forçoso constatar que a autora ou esqueceu o que alegou no art.º 53.º da PI, ou está a fazer tábua rasa dessa alegação para criar uma situação equívoca e procurar ver fixado o facto em causa, numa conduta processual que não pode deixar de causar dúvidas quanto à sua lisura.
Improcede, pois, a impugnação dirigida ao ponto provado 28.
Prosseguindo, discorda a recorrente por não ter sido dado como provado o alegado no art.º 11.º da PI, onde consta:
- “Aos Sábados a Autora entrava às 10 horas e saia em média às 17 horas”.
Pretende que se passa a considerar provada essa alegação, para tanto invocando mais uma vez os testemunhos de BB e CC.
Nos extractos invocados disseram, no essencial, o seguinte:
i) BB - que entravam “às dez horas da manhã”; “Todos os dias. De segunda a sábado” e não tinha horário para sair.
ii) CC – que entravam às “10 horas da manhã”; “eram as mesmas regras pra toda gente. Toda gente tinha as mesmas condições [..].
A alegação que a A. pretende ver provada tem o sentido de que em todos os “sábados [..] entrava às 10 horas e saia em média às 17 horas.
Refira-se, desde já, que percorrida a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, dela não resulta que para além de BB, mais alguma testemunha tenha referido que trabalhavam aos sábados, muito menos que a Autora o fazia e entrava às 10 horas e saia em média às 17 horas. Note-se, também, que nem a testemunha CC se refere aos sábados.
Para além disso, cabe assinalar que o Tribunal a quo consignou na fundamentação que a autora, quanto a esta matéria, declarou o seguinte: “Trabalhava de 2ª a 6ª e alguns sábados. Às 2ªas feiras tinha que entrar às 10h: havia uma reunião. Nos outros dias entrava às 14h e não tinha que estar da parte da manhã”.
Note-se, que a autora não põe em causa o que foi consignado pelo Tribunal a quo na fundamentação.
Ora, se nem a própria autora afirmou em juízo que todos os “sábados [..] entrava às 10 horas e saia em média às 17 horas”, mal se percebe como vem aqui pretender que se dê como provado o alegado naquele artigo.
Assim, improcede a impugnação por não ter sido dado como provado o alegado no art.º 11.º da PI.
Seguimos para a impugnação em razão do tribunal a quo não ter dado como provado o artigo da petição inicial , onde consta, conforme indica a recorrente, que “Por esse motivo, em outubro de 2019, por sua iniciativa, a Autora adquiriu uma viatura para as suas deslocações, mas sempre que por algum motivo não tinha carro a Ré cedia a viatura.”
Como primeira nota, cabe para assinalar que a recorrente refere o art.º 39.º da Pi, mas o texto que reproduz – acima transcrito – respeita ao art.º 29. Trata-se, pois, de lapso manifesto.
Invoca os testemunhos de BB, CC DD. Refere que os extractos que invoca e transcreve, “[..] deixam pelo menos evidente que inicialmente a Autora utilizava um veículo cedido a todos os colaborados da Ré, que ter veículo próprio não era um critério de seleção para trabalhar com a Ré, que a A. apenas posteriormente adquiriu uma viatura e passou a receber ajudas de custo, utilizando contudo a viatura da Ré sempre que necessitava. Aliás, os próprios pontos 16º e 24º dados como provados na sentença conduzem a que este artigo seja também dado como provado, caso contrário teremos uma clara contradição”.
Faz-se notar decorrer logo das próprias palavras da recorrente que os meios de prova que invoca não são adequados a dar como provada a primeira parte do alegado no art.º 29.º da PI. Na verdade, vistos os extractos, nenhum deles fez qualquer afirmação que revelasse ter conhecimento do “motivo” que levou a autora a adquirir uma viatura.
Por outro lado, como a própria recorrente autora também reconhece, a segunda parte do alegado no art.º 29.º, da PI está já provada no facto 16 e, também - relacionado com a utilização que fazia de veículo da Ré para exercer a actividade - , no facto provado 24, que invoca, nos quais se lê o seguinte:
16. A Autora utilizava o seu próprio veículo, recebendo uma ajuda de custo mensal de 120€, mas também e, a seu pedido, utilizava um veículo, propriedade da Ré, o qual, por vezes era partilhado com outros colegas.
24. Numa das deslocações no veículo da Ré, a Autora sofreu um acidente de viação, tendo danificado o veículo, o que levou à instauração pela Ré de uma ação contra a Autora no Julgado de Paz.
Por conseguinte, não só é infundada a pretensão, por não haver prova sobre o motivo que levou a autora a adquirir veículo automóvel, como é inútil pretender que volte a dar como provado o que já consta provado, máxime, no ponto 16.
Assim, também nesta parte, improcede a impugnação.
Avançando, insurge-se a recorrente por não ter sido dado como provado o art.º o 14ºPI, alegou o seguinte:Houve uma violação culposa dos direitos da A. causadores de angústia e stress que fizeram com que começasse a dormir mal e sentisse grande preocupação e transtorno na fase final da gravidez, pela forma como foi tratada.”
Argumenta queSendo um facto quase assente e aceite pela sociedade que uma mulher na fase da gravidez está mais sensível e vulnerável, claramente que sendo despedida na fase final da gravidez tal causou angústia e stress à Autora, sem saber como obter rendimento para si e para o filho prestes a nascer, bem sabendo a Ré que o seu procedimento era errado e até mesmo imoral, motivos pelos quais o artigo em questão deve ser dado como provado”.
Com o devido respeito, esta tese não pode de todo ter acolhimento. Desde logo, a Recorrente não está ter em devida conta que a alegação é toda ela conclusiva. A aceitar-se a sua pretensão autora estar-se-ia a resolver com um único facto conclusivo as três questões fulcrais controvertidas na acção.
Com efeito, a alegação do art.º 14.º da Pi, . tem como pressupostos implicitos que a relação contratual entre si e a Ré consubstancia um contrato de trabalho subordinado e que a sua cessação resultou de um despedimento ilícito por iniciativa desta. Segue-se a parte seguinte, estabelecendo um nexo causal entre o suposto despedimento ilícito e as alegadas consequências que fundamentam o pedido de danos não patrimoniais.
Valem aqui as considerações já deixadas sobre alegações conclusivas.
Assim, igualmente nesta parte improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.2.3 Prosseguimos com a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, agora por alegada insuficiência da matéria dada como provada.
Defende a recorrente que deverá ser dado como provado que “Sempre que a Ré encerrava, ou os seus colaboradores faltavam, era descontado sobre a remuneração mensal fixada, situações essas que não estavam previstas no contrato assinado entre as partes.” [conclusão CC].
Nas alegações refere que “Com as declarações de parte da Ré, ficou evidente que o mesmo pagava um valor remuneratório de 620,00€ como se tratasse de uma avença, mas quando a empresa encerrava ou os colaboradores faltavam, era descontado sobre esse valor como se de um salário se tratasse”.
Suporta-se no extracto das declarações de parte do representante legal da Ré que invoca e transcreve, cujo teor é o seguinte:
Sr. EE: Eu normalmente a descontar o valor do desconto do valor da comissão pronto…apesar de ter faltado eu não vou descontar naquilo que ele vendeu, agora se a pessoa não estiver lá a trabalhar não têm esse suporte, logicamente…”
Advogada: nesse contrato de prestação de serviços os Senhores assumem o pagamento de uma verba mensal de 620,00€ portanto Sr. já disse aqui, e utilizando um termo seu “logicamente” que quando não trabalhavam não teriam esse suporte. Portanto quando encerravam para férias, por exemplo, deduzia nos 620€ esse montante.
Sr. EE: o suporte era para as despesas, sim
Advogada: Mas diga-me uma coisa quando a D. AA ficou com o veículo próprio… o Sr. não lhe pagava mais 120€ para ajuda na utilização desse carro?
Sr. EE: sim e por vezes não eram só os 120,00€
Pois bem, remetendo mais uma vez para o que se deixou dito sobre factos conclusivos, logo se vê que a pretensão da recorrente não pode ser acolhida. Aa formulação que pretende ver provada encerra afirmações e conclusões de direito que se prendem com a relação matéria controvertida, nomeadamente, as seguintes: “ou os seus colaboradores faltavam”, o que pressupõe que estavam sujeitos ao dever de assiduidade; “remuneração mensal fixada”, pressupondo o pagamento de valor certo em contrapartida da prestação da actividade e, por isso, sujeita a descontos; “situações essas que não estavam previstas no contrato assinado entre as partes”, conclusão que só poderá retirar-se a jusante, na sentença, confrontando determinados factos com o estabelecido no contrato.
Assim, também aqui improcede a impugnação.
Segue a recorrente, defendendo que deverá dar-se como provado que “Além do valor remuneratório base previsto no contrato o trabalhador teria ainda direito a uma ajuda de custo, suplementar, caso utilizasse viatura própria.”
Como o devido respeito, para além de ser mais uma alegação conclusiva, é absolutamente inútil. O que releva aqui é o caso concreto da autora e dos factos provados, nomeadamente, do ponto 5, resulta já o que foi acordado pagar-lhe e em que termos, bem assim que [16] A Autora utilizava o seu próprio veículo, recebendo uma ajuda de custo mensal de 120€, [..]».
Improcede, pois, mais esta parte da impugnação.
Em seguida, pretende que se dê como provado que “A Ré facultava um veículo a todos os seus colaboradores que não tivessem veículo próprio, não sendo condição a existência de veículo próprio para a contratação.”
Vale aqui o que acabou de se dizer. Em suma, o que interessa aqui é a situação concreta da autora. Ora, já resulta dos factos provados que [16] A Autora utilizava o seu próprio veículo, recebendo uma ajuda de custo mensal de 120€, mas também e, a seu pedido, utilizava um veículo, propriedade da Ré, o qual, por vezes era partilhado com outros colegas., bem assim que [24] Numa das deslocações no veículo da Ré, a Autora sofreu um acidente de viação, tendo danificado o veículo, o que levou à instauração pela Ré de uma ação contra a Autora no Julgado de Paz.
Assim, também nesta parte improcede a impugnação.
Por último, pretende a recorrente que se dê como provado “que “Autora e os seus colegas não tinham autonomia, liberdade e independência na execução do trabalho de que eram incumbidos pela Ré, terminando o seu trabalho apenas quando a Ré autorizava.”
Pelas mesmas razões que já deixámos explicadas sobre a impossibilidade de se darem como provados factos conclusivos que se reportem às questões fulcrais controvertidas em discussão, que aqui têm plena aplicação e dispensam repetição, improcede mais este ponto.
Concluindo, improcede também esta derradeira parte da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

III. MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A recorrente insurge-se contra a sentença por alegado erro na aplicação do direito aos factos, pretendendo que seja “ anulada e revogada [..], dando-se como provada a existência de um contrato de trabalho entre a Autora e Ré, o despedimento ilícito da Autora e consequentemente ser a Ré condenada no pagamento correspondente a que cada uma das situações implica, tudo conforme peticionado na petição inicial” [conclusões HH a SS].
Começando por atentar na fundamentação da sentença, o Tribunal a quo após destrinçar entre contrato de prestação de serviços e contrato de trabalho e tecer considerações gerais sobre a presunção de laboralidade estabelecida no art.º 12.º do CT, passou a aplicar os princípios enunciados, pronunciando-se como segue:
Contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços?
[..]
O artigo 12º do Código do Trabalho dispõe que:
[..]
Assim, a lei não exige a verificação de todos estes factos para que a presunção funcione, limitando-se a exigir a ocorrência de alguns deles, referência que tem sido entendida como exigindo a ocorrência mínima de duas destas circunstâncias.
Tratando-se de uma presunção juris tantum, nada impede a parte contrária de a ilidir, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do nº 2 do artigo 350º do Código Civil.
Analisemos o caso sub judice.
A atividade era realizada essencialmente na casa dos clientes e previamente agendada pela Ré.
Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
A Autora não observava horas de início e de termo da prestação, determinadas pela Ré.
Efetivamente provou-se que a Autora se apresentava na empresa pelas 14h, mas não assinava o livro do ponto e não tinha horas de saída.
A Ré pagava mensalmente à Autora uma quantia certa e outra incerta como contrapartida da atividade.
A Autora não desempenhava funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
Não nos parece assim que se possa afirmar que ocorressem, no caso, duas das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 1 do citado artigo 12º de forma clara e plena, que conduzam à presunção de laboralidade.
Resultou provado que:
A Ré é uma empresa que se dedica, entre outras à importação e exportação de artigos para o lar e artigos de saúde, nomeadamente eletrodomésticos, sua manutenção e reparação; sistemas de tratamento de água; representação de marcas.
Autora e Ré subscreveram, a 17 de maio de 2019, Autora e Ré, o contrato de prestação de serviços junto aos autos, nos termos do qual foi acordado que a Autora desenvolveria as “tarefas necessárias à comercialização e ao cumprimento dos contratos de fornecimento de equipamentos e prestação de serviços de instalação e acompanhamento, as quais se traduzem nas seguintes ações:
Divulgação dos equipamentos de sistemas de tratamento de magnetoterapia, entre outros, no mercado nacional;
Apresentação e demonstração das funcionalidades dos diversos equipamentos, junto dos potenciais clientes;
Negociação direta com os potenciais clientes para a celebração dos contratos de Compra e Venda dos supracitados equipamentos”;
Formalização da venda;
Celebração de contratos de Fornecimento de Equipamentos e Prestação de Serviços”.
Foi também acordado entre Autora e Ré que a Autora não “se coloca numa situação de dependência ou subordinação. Este apenas se obriga a proporcionar à Primeira Outorgante o resultado do seu trabalho, a ele pertencendo sempre a liberdade de organizar de tomar as estratégias que entender necessárias para a prossecução do mesmo.”
E que a Autora receberia uma remuneração mensal fixa de 620,00€ acrescida de uma comissão, conforme o número de equipamentos vendidos e faturados nesse mês, como resulta da cláusula sétima do referido contrato: por cada equipamento vendido em cada mês, receberia 2,5% de comissão bruta na venda dos 1º e 2º equipamentos e 16,5% na venda do 3º equipamento e seguintes.
O trabalho desenvolvido pela Autora consistia em fazer atendimentos previamente agendados pela Ré, na casa dos clientes, para a realização de demonstrações de estações de tratamento de água com a finalidade da sua venda.
Quanto ao modo de execução do contrato provou-se que:
Todas as segundas feiras a Autora apresentava-se nas instalações da Ré pelas 10 horas, para repor o material e planificar o trabalho da semana.
De terça a sexta feira, a Autora apresentava-se nas instalações da Ré pelas 14h e daí partia para as casas dos clientes cujas demonstrações estavam agendadas e lhe eram distribuídas.
A Autora não tinha hora de saída, terminando o trabalho quando terminasse as demonstrações que lhe estavam distribuídas.
Por vezes as demonstrações terminavam à noite.
A Autora, entretanto, engravidou e comunicou à Ré a necessidade de alterar o seu horário para poder frequentar as aulas de preparação para o parto, passando a fazer as demonstrações da parte da manhã.
A Autora e os seus colegas eram livres de trocar, entre si, as demonstrações, substituindo-se, em caso de impossibilidade de cada um em as executar.
A Autora utilizava o seu próprio veículo, recebendo uma ajuda de custo mensal de 120€, mas também e, a seu pedido, utilizava um veículo, propriedade da Ré, o qual, por vezes era partilhado com outros colegas.
A Autora não recebia subsídio de férias, nem de Natal, nem subsídio de alimentação.
A Ré não efetuou descontos para a Segurança Social.
O equipamento, instrumentos e respetivos consumíveis necessários às demonstrações eram pertença da Ré.
A Autora emita recibos verdes contra os pagamentos que lhe eram feitos pela Ré, encontrando-se coletada nas Finanças como trabalhadora independente.
A Autora não assinava o “livro do ponto”.
A Autora nunca contestou, nem reclamou da forma e conteúdo do contrato de prestação de serviços.
Ora e, ainda que se considerasse verificada a presunção de laboralidade ínsita no citado artigo 12º, temos que, com os factos que se provaram, a Ré logrou ilidir tal presunção.
Com efeito, cremos que a forma como o contrato era executado aponta claramente para a existência dum contrato de prestação de serviços, tal como as partes assim o designaram no documento que assinaram.
Na verdade, a Autora apresentava-se pelas 14 horas na empresa, mas não resulta que fosse obrigada a fazê-lo, pois não assinava livro do ponto, nem tinha que justificar as suas ausências.
Normal é, contudo, como é do bom senso, que avisasse qualquer impossibilidade de atender determinado cliente, para que fosse possível providenciar por um substituto, sendo certo ainda que podia a Autora e os seus colegas livremente fazer-se substituir nos agendamentos feitos pela Ré.
A Autora, quando teve que receber aulas de preparação para o parto, trocou o período em que habitualmente prestava a sua atividade pelo período da manhã.
Cremos que esta forma de organização do trabalho apresenta um certo grau de autonomia que não é compatível com a existência dum contrato de trabalho subordinado, até porque a possibilidade de a Autora se substituir, põe em causa o princípio da pessoalidade da prestação e do seu carácter infungível, o que significa que as partes contrataram a produção dum resultado e não a sua atividade em si mesma.
Além disso, a desnecessidade de apresentar qualquer justificação quando faltasse ao serviço demonstra a ausência de poder disciplinar, cuja existência é fundamental no contrato de trabalho por decorrer diretamente do poder de direção do empregador.
Acresce que foi adotado, entre as partes, o regime fiscal definido para o trabalhador independente; a Ré nunca inscreveu a Autora na Segurança Social; nunca lhe pagou subsídio de férias, nem subsídio de Natal, nem de alimentação; a Autora nunca contestou, nem reclamou da forma e conteúdo do contrato de prestação de serviços.
Tudo isto significa que a vontade real das partes foi de celebrar um contrato de prestação de serviços, onde não existe subordinação jurídica, que, como tal foi de comum acordo executado.
Como tal, não tem a Autora direito aos créditos laborais que reclama, nem tão pouco à indemnização por despedimento, o qual, de resto, tão pouco se provou que tivesse acontecido.
Nenhum comportamento da Ré se provou também que tivesse porventura causado prejuízos à Autora, pelo que improcede o pedido de pagamento de danos morais.
Forçoso é pois concluir pela improcedência da ação».
Numa breve síntese dos argumentos em confronto, defende a recorrente que da sentença resulta estarem já provados os pressupostos das alíneas a), b), c) e d) do artigo 12º/1 do Código de trabalho, para que se presuma a existência de um contrato de trabalho. Tanto quando se percebe faz essa afirmação partindo da matéria fixada na sentença, ou seja, independentemente da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Contrapõe a recorrida que não ocorreram pelo menos duas circunstâncias previstas no n.º 1 do artigo 12º de forma clara e plena, como referiu e bem o Tribunal a quo, mas ainda que se considerasse verificada a presunção de laboralidade, com os factos que se provaram, logrou ilidir tal presunção.
Por seu turno, na perspectiva do Digno Procurador Geral Adjunto junto desta Relação, é “visível e patente a subordinação jurídica”, consideração que faz atendendo ao que consta provado, além do mais, nos pontos 13, 14 e 21.

III.1 Antes de passarmos à apreciação dos argumentos da recorrente, importa deixar as noções relevantes para estabelecer o enquadramento jurídico a considerar.
O contrato de trabalho tem a sua definição na lei. Segundo o artigo 1152.º do Código Civil, «Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta».
Esta noção era integralmente reproduzida no art.º 1.º da LCT.
A noção foi mantida no Código do Trabalho de 2003, ainda que ligeira alteração de redacção, lendo-se no art.º 10.º: ”Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, aprestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas”.
No actual CT/09, a noção de contrato de trabalho consta do art.º 11.º, agora com uma alteração mais significativa, sendo a seguinte: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade destas”.
A noção legal do contrato de trabalho permite identificar como elementos essenciais deste tipo de contrato, os seguintes: i) a actividade laboral; ii) a retribuição; iii) a colocação do trabalhador sob a autoridade e no âmbito da organização do empregador. O primeiro elemento consiste na natureza da prestação a que o trabalhador se obriga, isto é, a prestação de actividade, que se concretiza em fazer algo, como aplicação ou exteriorização da força de trabalho tornada disponível para a outra parte, através do negócio. O segundo consiste na contrapartida devida ao trabalhador em troca da disponibilidade da força de trabalho, sendo normalmente paga em dinheiro. O último corresponde ao que a doutrina e jurisprudência identificam habitualmente, e a partir da perspectiva do trabalhador, pela expressão “subordinação jurídica”, da sua verificação dependendo o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho [Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª ed., Almedina, pp. 127/137; e, Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, pp. 20 a 37].
A subordinação jurídica é usualmente definida como o dever legal do trabalhador acatar e cumprir as ordens e instruções que, em cada momento, lhe sejam dirigidas pelo empregador, emitidas por este no uso do seu poder de direcção da empresa, directivas essas que são vinculativas para aquele devido à obrigação de obediência consagrada na lei.
Segundo Monteiro Fernandes a subordinação jurídica consiste «(..) numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem (..)». Porém, como assinala o mesmo autor, «(..) a subordinação jurídica pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens directa e sistemáticas da entidade patronal; mas, a final, verifica-se que existe, na verdade, subordinação jurídica», que existirá sempre que relativamente à entidade patronal se verifique «(..) um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato)» não sendo necessário «(..) que essa dependência se manifeste ou explicite em actos de autoridade e direcção efectiva» [Op. cit, pp. 136/137].
A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho é, assim, o elemento típico deste contrato que permite distingui-lo quer do contrato de prestação de serviços, quer de outros contratos afins, como sejam o contrato de mandato, o contrato de sociedade, o contrato de comissão e outros, e decorre daquele poder de direcção que a lei confere à entidade empregadora [art.º 97.º CT/09] a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador [art.º 128.º / 1 al. e) e 2, CT/09].
Como elucida Maria do Rosário Palma Ramalho “O confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma actividade laborativa: enquanto o elemento da actividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas vários formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho” [Op. cit.pp.33].
Sendo consensual o entendimento sobre os elementos que caracterizam o contrato de trabalho e que na distinção com outros contratos releva a existência de subordinação jurídica, já no plano prático, a extrema variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de se recorrer a critérios acessórios, baseados na interpretação de indícios de subordinação [Cfr. Monteiro Fernandes, op.cit.,p. 148; Maria do Rosário Palma Ramalho, op. cit. pp. 40; e, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, Editorial Verbo, 2.ª Edição, 1999, p. 156].
Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos.
Para essas “zonas cinzentas”, na expressão de Bernardo Lobo Xavier, afirma este professor que «(..) é corrente aplicar-se o método de índices para testar a existência de uma situação de autonomia ou de subordinação», apontando como índices mais relevantes os seguintes:
- Organização do trabalho: se é do próprio que o desempenha, indicia-se trabalho autónomo, se é de outrem, trabalho subordinado.
- Resultado do trabalho: se o contrato tem em vista o resultado, indicia-se trabalho autónomo, se tem em vista a actividade em si mesma, indicia-se trabalho subordinado.
- Propriedade dos instrumentos de trabalho: se estes pertencem ao trabalhador, presume-se autonomia, se não, indicia-se subordinação.
- Lugar de Trabalho: se este pertence ao trabalhador, indicia-se autonomia, se não subordinação.
- Horário de Trabalho: a existência de um horário definido pela pessoa a quem se presta a actividade é um dos mais fortes indícios de subordinação.
- Retribuição: a existência de uma retribuição certa à hora, ao dia, à semana ou ao mês indicia trabalho subordinado, enquanto o pagamento à peça, à comissão ou por produto acabado indicia trabalho autónomo.
- Outros índices: a exclusividade ou não da prestação de serviço relativamente a um único empresário; existência ou não de ajudantes do prestador do serviço, por este pagos; incidência do risco da inutilização do produto [Op.cit. p. 156 e 157].
Mas como também assinala este autor, muitos outros elementos há ainda relevantes para estabelecer a distinção entre trabalho autónomo e trabalho subordinado. Assim, para além daqueles, a doutrina e a jurisprudência apontam, ainda, a designação dada ao contrato, o direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, inserção do trabalhador na organização produtiva, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização.
Cada um desses indícios tem naturalmente um valor muito relativo e, só por si, não são concludentes quanto à existência de subordinação jurídica, impondo-se um juízo de globalidade em resultado de uma valoração conjunta dos factos provados [Monteiro Fernandes, op. cit. p. 148].
A jurisprudência sobre esta problemática é vasta e tem seguido uma linha de entendimento uniforme. Precisamente por isso, a título meramente ilustrativo, deixa-se aqui o sumário do Acórdão do STJ de 04-05-2011, onde se lê o seguinte:
«I -O contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço distinguem-se, basicamente, pelo objecto e pelo tipo de relacionamento entre as partes: enquanto no primeiro se contrata a actividade subordinada, no segundo visa-se a prossecução de um determinado resultado, em regime de autonomia.
II - Sempre que a actividade desenvolvida seja de natureza eminentemente técnica, é mais no âmbito do relacionamento entre as partes que hão-de buscar-se os indícios reveladores da matriz que os diferencia, a subordinação jurídica típica da relação juslaboral.
III - Perante a dificuldade probatória na identificação dos elementos de facto que integram a subordinação jurídica – consubstanciada no poder de conformação da prestação, orientação, direcção e fiscalização da actividade laboral em si mesma, com o correspondente poder disciplinar – a distinção faz-se pelo método tipológico, deduzindo-se dos factos indiciários, em juízo de aproximação, a qualificação que se demanda.
IV - Incumbe ao trabalhador o ónus de alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque constitutivos do direito que vem exercitar (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
V - Na operação de apreciação e qualificação dos factos-índice é essencial averiguar qual a vontade das partes revelada quando procederam à definição dos termos do contrato.
VI - Na ponderação global dos indícios disponíveis, o convénio celebrado pelas partes, por escrito, titulado como “contrato de prestação de serviços”, não é susceptível de ser perspectivado como um contrato de trabalho quando, nos termos clausulados e na sua subsequente execução, se constata que o Autor era pago mediante uma prestação mensal variável, calculada em função do número de equipamentos assistidos, inexistindo qualquer retribuição fixa; era o Autor que escolhia fazer férias, quando e como, impondo-lhe a Ré apenas que se fizesse substituir por outro técnico, conquanto que avalizado por esta; as férias não eram remuneradas pela Ré, que também nunca entregou ao Autor qualquer quantia a título de subsídios de férias e de Natal; não se demonstrou que o Autor cumprisse efectivamente algum horário de trabalho; o Autor sempre emitiu os chamados “recibos verdes”, com eles titulando o recebimento das importâncias que lhe eram pagas pela Ré”.
[Proc.º n.º 3304/06.5TTLSB.S1, Conselheiro Fernandes da Silva, disponível em www.dgsi.pt/jstj]
Foi justamente com o propósito de procurar atender a essas realidades de fronteira - ou “zonas cinzentas”, na expressão de Bernardo Lobo Xavier - e facilitar a sua apreensão e qualificação, que o legislador do Código do Trabalho de 2003, introduziu uma nova norma, nomeadamente, o art.º12.º, com a epígrafe, “Presunção”, que se iniciava dizendo “presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que cumulativamente”, para depois enumerar um conjunto de situações, nas alíneas a) a e), que mais não eram do que a tradução de alguns dos indícios de subordinação acima referidos.
É sabido que a redacção da norma levou a sérias dificuldades de interpretação, senão mesmo de aplicação, dada a expressão “cumulativamente”, posto que dai resultava que a presunção legal só operava quando se verificassem “cumulativamente” todos aqueles indícios. Por um lado, verificando-se todos aqueles indícios era inútil a presunção; e, por outro, punha-se a questão de saber como decidir quando se verificavam indícios suficientes para qualificar o contrato como de trabalho subordinado, mas não estavam presentes todos aqueles [Cfr. Monteiro Fernandes, op. cit. p. 153/154].
Reconhecidas essas dificuldades pelo legislador, essa norma foi entretanto revogada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, passando o mesmo artigo a ter a redacção seguinte:
- «Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição».
Convenhamos que a solução não foi igualmente feliz. Com efeito, se o prestador está na “dependência e inserido na estrutura organizativa” do beneficiário da actividade, realizando a sua prestação “sob as ordens, direcção e fiscalização daquele beneficiário” e “mediante retribuição”, parece que nada há a presumir, antes se impondo concluir pela qualificação da relação como de contrato de trabalho subordinado. Como salienta Maria do Rosário Palma Ramalho, “(..) embora se tenha limitado os indícios de laboralidade (..) fez-se coincidir a maior parte desses indícios com os próprios elementos essenciais do contrato de trabalho, o que lhe retirou qualquer valor indiciário, para além de os continuar a conceber como indícios cumulativos, o que diminuía a sua operacionalidade” [Op. cit., pp. 51].
No mesmo sentido pronuncia-se Monteiro Fernandes, observando que a norma não “[..] oferecia uma presunção, mas uma definição (uma segunda definição) do contrato de trabalho. Continuava, pois, a não existir no CT uma verdadeira presunção da existência do contrato de trabalho” [Op. cit. 154].
No artigo 12.º do actual CT, mantendo a presunção de laboralidade, o legislador veio a conferir-lhe uma nova formulação com o propósito de ultrapassar as deficiências apontadas, para além do mais, passando a dispor o seguinte:
«1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2- (..)
3 - (..)
4 - (..)»
Assim, como vem sendo pacificamente entendido pela doutrina e jurisprudência, nos termos aí estabelecidos presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho.
Não estabelecendo a norma qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção, pode ser afastada se o empregador provar a autonomia do trabalhador ou a falta de outro elemento essencial do contrato [art.º 350.º n.º2, do CC]. Dito de outro modo, constatada a existência de alguns desses indícios opera a presunção, ficando o trabalhador dispensado de provar a existência do contrato de trabalho [n.º1, do art.º 350.º CC], passa a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação de trabalho autónoma ou por conta própria, para afastar a presunção [n.º2, do mesmo art.º 350.º do CC], prova que é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.
Esta Secção e Relação já se pronunciou em vários arestos afirmando esse entendimento, entre os quais, a título meramente exemplificativo, constam os seguintes [publicados em www.dgsi.pt]:
Ac. de 05-06-2023, Proc.º 6570/21.2T8VNG.P1 [Desembargador António Luís Carvalhão]
I - Não se podem confundir os elementos que estão na base da presunção de laboralidade prevista no art.º 12º do Código do Trabalho com os indícios a que, quer a doutrina quer a jurisprudência vêm recorrendo, na aplicação do referido método indiciário, sob pena de se alterar o regime de ónus da prova estabelecido pelo legislador.
II - A presunção de laboralidade parte da ideia de que o trabalho subordinado constitui a modalidade normal e amplamente maioritária do trabalho em proveito de outrem; nessa medida, provados certos elementos presume-se a sua existência, ficando o empregador na posição de provar que naquela situação se verifica a prestação de trabalho numa modalidade menos frequente, por exemplo prestação de serviços.
- Ac. de 28-11-2022, Proc.º 27347/18.7T8PRT.P1 [relatado pelo aqui relator e com intervenção do aqui excelentíssimo 1.º adjunto]
I - Nos termos estabelecidos no art.º 12.º do CT, presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho.
II - Não estabelecendo a norma qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção pode ser afastada [art.º 350.º n.º2, do CC], passando a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação de trabalho autónoma ou por conta própria, para afastar a presunção.
III – No caso concreto, basta atentar nos pontos que apontámos para se concluir que o Autor não estava sujeito a ordens ou instruções da Ré, nem ao seu poder disciplinar, antes dispondo de autonomia, prestando a sua actividade “do modo como entendia, conquanto o mesmo fosse orientado com vista à obtenção e apresentação do resultado final desejado e contratado”, em coerência com os termos acordados na celebração dos contratos, desde logo, no interesse e por vontade expressa daquele, que denominaram como de prestação de serviços.
IV - A Ré logrou provar, com factos seguros e mais do que suficientes, a existência de uma situação de trabalho autónoma, ilidindo a presunção legal do art.º 12.º1, do CT.
- Ac. de 14-03-2022, proc.º 368/20.9T8PNF.P1 [Desembargador Domingos Morais]
Se a presunção da existência de um contrato de trabalho deve assentar nas características concretas descritas no artigo 12.º n.º 1 do Código do Trabalho, também a ilisão dessa presunção – a prova em contrário – deve ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa e não em meras hipóteses ou informações genéricas, cabendo à empresa o ónus da prova dos concretos e reais factos que consubstanciem essa ilisão, por força do artigo 350.º do Código Civil.
- Ac. de 14-02-2022, proc.º 416/20.6T8VLG.P1 [Desembargador António Luís Carvalhão]
I - A quem quer ser reconhecido como “trabalhador” cabe alegar e fazer prova de, pelo menos, dois dos pressupostos de base de atuação da presunção previstos no nº 1 do art.º 12º do Código do Trabalho; e, provados tais pressupostos, há que presumir a existência de um contrato de trabalho, com a consequente inversão do ónus da prova.
II - Por via dessa inversão, caberá então ao empregador ilidir a presunção, através da prova do contrário (art.º 350º, nº 2, do Código Civil), sendo de que, para o efeito, não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido
- Ac. de 15-11-2021, Proc.º 4280/17.4T8MTS.P3 [relatado pelo aqui relator e com intervenção do aqui excelentíssimo 1.º adjunto]:
I - Nos termos estabelecidos no art.º 12.º do CT, presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho.
II - Não estabelecendo a norma qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção pode ser afastada [art.º 350.º n.º2, do CC], passando a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação de trabalho autónoma ou por conta própria, para afastar a presunção.
- Ac. de 18-11-2019, Proc.º 234/12.5TTPNF.P1 [Desembargador Nelson Fernandes]
- II - Impendendo sobre o autor que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do CC, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos do contrato, estabeleceu o legislador, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, atualmente prevista no artigo 12.º do CT/2009.
III - Tratando-se de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito), quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum –, o que significa que, ao invés do que resulta do regime geral da repartição do ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1, do CC), o trabalhador fica dispensado de provar outros elementos, afirmando-se a existência de um contrato de trabalho, por ilação, demonstrados que sejam aqueles (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do CC), caso a outra parte não prove factos tendentes a elidir aquela presunção de laboralidade (artigo 350.º, n.º 2, do CC).
IV - Integradas as circunstâncias previstas em mais do que uma das alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do CT, mostra-se preenchida a presunção da existência de contrato de trabalho na relação que vigorou entre o autor e o réu, cumprindo indagar, seguidamente, se este ilidiu aquela presunção, demonstrando que, apesar da verificação daquelas circunstâncias e da presunção das mesmas derivada, a relação existente não pode ser considerada como uma relação de trabalho subordinado.
- Ac. de 17-02-2020, proc.º 2604/19.9T8OAZ.P1 [Desembargadora Rita Romeira].
- [..]
VII - Atenta a presunção de laboralidade, estabelecida no art. 12º, do CT/2009, demonstrando o trabalhador pelo menos, duas das características enunciadas nas alíneas do seu nº 2, presume-se a existência de contrato de trabalho cabendo à, alegada, empregadora a prova do contrário (art. 350º, nº 2, do CC), não bastando, para o efeito, contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido, tendo de provar que não existiu a subordinação jurídica indiciada por aquelas e, nessa medida, um contrato de trabalho.
- Ac. de 14-12-2017, Proc.º 1694/16.0T8VLG.P1 [Desembargadora Paula Leal de Carvalho]
I - Para que a presunção de laboralidade constante do art. 12º, nº 1, do CT/2009 atue basta a verificação de, pelo menos, dois dos pressupostos previstos nas diversas alienas desse preceito.
II - A verificação de tal presunção transfere para o empregador o ónus de provar o contrário, ou seja, o ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho, prova esta que é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.
- Ac. de 22-10-2018, proc.º 890/14.0TTPRT.P1 [Desembargador Nelson Fernandes, aqui 1.º adjunto e com intervenção da 2.ª adjunta]
I - O núcleo diferenciador entre contrato de trabalho e de prestação de serviços assenta na existência ou não de trabalho subordinado, sendo de conferir, dentro dos indícios de subordinação, particular ênfase aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação.
II - Impendendo sobre o autor que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do CC, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos do contrato, estabeleceu o legislador, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, atualmente prevista no artigo 12.º do CT/2009.
III - Tratando-se de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito), quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum –, o que significa que, ao invés do que resulta do regime geral da repartição do ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1, do CC), o trabalhador fica dispensado de provar outros elementos, afirmando-se a existência de um contrato de trabalho, por ilação, demonstrados que sejam aqueles (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do CC), caso a outra parte não prove factos tendentes a elidir aquela presunção (artigo 350.º, n.º 2, do CC).
IV - Não obstante a factualidade permitir ter como integradas as circunstâncias previstas em mais do que uma das alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do CT, mostrando-se assim preenchida a presunção da existência de contrato de trabalho na relação que vigorou entre o autor e a ré, cumpre no entanto indagar, seguidamente, se esta última ilidiu aquela presunção, demonstrando que, apesar da verificação daquelas circunstâncias e da presunção das mesmas derivada, a relação existente não pode ser considerada como uma relação de trabalho subordinado.
V - Tendo a ré celebrado um contrato para a prestação de serviços de enfermeira comunicadora, através do qual lhe incumbia proceder ao atendimento das chamadas telefónicas efetuadas, à triagem, aconselhamento e encaminhamento dos utentes de acordo com as situações que lhe eram expostas telefonicamente, e que apelidaram de “contrato de prestação de serviço”, temos de conferir especial valor a tal qualificação contratual se se demonstra que isso correspondeu à real vontade das partes.
VI - Podendo os enfermeiros comunicadores trocar entre si os turnos que em concreto lhes eram atribuídos de acordo com as disponibilidades por eles manifestada, trocas acordadas sem qualquer intervenção da ré e que não careciam de qualquer autorização desta ou da apresentação de qualquer justificação para o efeito, estamos perante uma forma de organização do trabalho que apresenta um grau de autonomia que é incompatível com a existência dum contrato de trabalho subordinado, atento o seu carácter “intuitu personae” e a natureza infungível da prestação laboral.
VII - Do mesmo modo, demonstrando-se a desnecessidade de ser apresentada qualquer justificação por parte do prestador da atividade quando este faltasse ao serviço, tal evidencia a ausência de poder disciplinar, cuja existência é fundamental no contrato de trabalho, por decorrer diretamente do poder de direção do empregador.
- Ac. de 14-12-2017, Proc.º 1694/16.0T8VLG.P1 [Desembargadora Paula Leal de Carvalho]
I - Para que a presunção de laboralidade constante do art. 12º, nº 1, do CT/2009 atue basta a verificação de, pelo menos, dois dos pressupostos previstos nas diversas alienas desse preceito.
II - A verificação de tal presunção transfere para o empregador o ónus de provar o contrário, ou seja, o ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho, prova esta que é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.
No mesmo sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça em diversos arestos, de entre eles citando-se, também a título meramente exemplificativo, os que seguem [disponíveis em www.dgsi.pt]:
- Ac. de 08-10-2015, proc.º 292/13.5TTCLD.C1.S1 [Conselheira Ana Luísa Geraldes]
II – A existência do contrato de trabalho presume-se desde que se verifiquem algumas das circunstâncias – e bastam duas – elencadas no nº 1, do art. 12º, do Código de Trabalho de 2009. Presunção em benefício exclusivo do trabalhador, uma vez que, quem tem a seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz, por força do estatuído no nº 1 do art. 350º, do Código Civil.
III – Tratando-se, porém, de uma presunção iuris tantum admite prova em contrário, nos termos do nº 2, do art. 350º, do Código Civil. Prova a cargo do empregador, se pretender ilidir a presunção. Caso em que lhe caberá provar que a situação em causa não constitui um contrato de trabalho, antes reveste as características de um contrato de prestação de serviço, dada a autonomia com que é exercida.
- Ac. de 12-10-2017, proc.º 1333/14.4TTLSB.L2.S2 [Conselheiro Gonçalves Rocha]
I.O artigo 12º do Código do Trabalho de 2009, aplicável às relações constituídas a partir de 17/2/2009, consagra uma presunção de laboralidade baseada na ocorrência de duas das circunstâncias nele elencadas, fazendo a lei decorrer da prova destas duas realidades caracterizadoras da relação entre o prestador e o seu beneficiário a existência duma relação de trabalho subordinado.
II. Tratando-se de uma presunção juris tantum, nada impede a parte contrária de a ilidir, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do nº 2 do artigo 350º do CC.
III. Tendo a R celebrado um contrato para a prestação de serviços de enfermeira comunicadora, através do qual lhe incumbia proceder ao atendimento das chamadas telefónicas efectuadas para a Linha ..., à triagem, aconselhamento e encaminhamento dos utentes de acordo com as situações que lhe eram expostas telefonicamente, e que apelidaram de “contrato de prestação de serviço”, temos de conferir especial valor a tal qualificação contratual se se demonstra que isso correspondeu à real vontade das partes.
IV. Podendo os enfermeiros comunicadores da R trocar entre si os turnos que em concreto lhes eram atribuídos de acordo com as disponibilidades por aqueles manifestada, trocas acordadas sem qualquer intervenção da Ré e que não careciam de qualquer autorização desta ou da apresentação de qualquer justificação para o efeito, estamos perante uma forma de organização do trabalho que apresenta um grau de autonomia que é incompatível com a existência dum contrato de trabalho subordinado, atento o seu carácter “intuitu personae” e a natureza infungível da prestação laboral.
V. E demonstrando-se a desnecessidade de apresentar qualquer justificação quando o colaborador faltasse ao serviço, tal evidencia a ausência de poder disciplinar, cuja existência é fundamental no contrato de trabalho por decorrer directamente do poder de direcção do empregador.
- De 10-11-2021, proc.º 2608/19.1T8OAZ.P1.S1 [Conselheira Paula Sá Fernandes]
I- No contrato de trabalho está em causa a prestação da atividade do trabalhador que a entidade empregadora organiza e dirige no sentido de alcançar determinado resultado. Esta subordinação, que consiste na relação de dependência da conduta do trabalhador na execução da sua atividade às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem, tem sido considerada, pela doutrina e jurisprudência, como o elemento caracterizador do contrato de trabalho.
II- No caso, resultaram apurados factos suficientes para caracterizar a subordinação jurídica que caracterizou a execução da atividade da autora ao serviço da ré, dado ter resultado provada a verificação de diversos fatores indiciários que presumem a existência de um contrato de trabalho, nos termos do n.º1 do artigo 12.º do Código do Trabalho.
III- O facto de a Autora não auferir qualquer quantia a título de férias, subsídio de férias e de Natal, e de estar inscrita na autoridade tributária como trabalhadora independente configuram o incumprimento de obrigações da Ré no âmbito de uma relação laboral, que não se sobrepõem, nem infirmam os indícios que resultaram provados e de que a lei faz presumir a existência do contrato de trabalho, que no caso indiciam, claramente, a existência de uma relação jurídica de subordinação.
IV- Se a presunção da existência de um contrato de trabalho deve assentar nas características concretas descritas no artigo 12, n.º1 do Código do Trabalho, também a elisão dessa presunção – a prova em contrário – deve ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa e não em meras hipóteses ou informações genéricas, sem que, no caso, se tenham apurado os factos necessários para ilidir a referida presunção legal, cujo ónus da prova pertencia à Ré, por força do art.º 350 do Código Civil.

III.2 Sobre a verificação dos indícios de laboralidade previstos nas alíneas do n.º1, do art.º 12.º do CT, o Tribunal a quo concluiu o seguinte:
-«[..]
Analisemos o caso sub judice.
A atividade era realizada essencialmente na casa dos clientes e previamente agendada pela Ré.
Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
A Autora não observava horas de início e de termo da prestação, determinadas pela Ré.
Efetivamente provou-se que a Autora se apresentava na empresa pelas 14h, mas não assinava o livro do ponto e não tinha horas de saída.
A Ré pagava mensalmente à Autora uma quantia certa e outra incerta como contrapartida da atividade.
A Autora não desempenhava funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
Não nos parece assim que se possa afirmar que ocorressem, no caso, duas das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 1 do citado artigo 12º de forma clara e plena, que conduzam à presunção de laboralidade.”.
Na perspectiva da recorrente, contrariamente, estarão provados os indícios de laboralidade previstos nas alíneas a), b), c) e d) do artigo 12º/1 do CT.
Em síntese, o primeiro deles ocorre quando a actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; o segundo, quando os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; o terceiro quando o prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; e, o quarto, quando haja o pagamento, com determinada periodicidade, duma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma.
Quanto ao primeiro dos indícios de laboralidade [n.º1/al. a], invoca a recorrente o ponto provado 7, onde consta: “O trabalho desenvolvido pela Autora consistia em fazer atendimentos previamente agendados pela Ré de acordo com a disponibilidade dos vendedores, na casa dos clientes, para a realização de demonstrações de estações de tratamento de água com a finalidade da sua venda”.
Como refere o Tribunal a quo, do ponto provado retira-se que a actividade realizada pela autora - demonstrações de estações de tratamento de água com a finalidade da sua venda – era prestada essencialmente na casa dos clientes. Porém, salvo o devido respeito, com relevância para a indagação sobre a verificação deste indício, do ponto em causa resulta algo mais, bem assim da segunda parte do ponto provado 9, onde consta que a autora partia das instalações da Ré “para as casas dos clientes cujas demonstrações estavam agendadas e lhe estavam distribuídas”.
Em concreto, se os atendimentos eram previamente agendados pela Ré e por esta distribuídos à autora, em termos lógicos tal significa que a prestação da actividade na casa deste ou daquele cliente era determinada por aquela, ou seja, não era a autora que decidia segundo o seu critério que cliente visitar, mas sim aquela que lhe determinava o local aonde iria prestar diariamente a sua actividade.
Ora, o indício previsto na alínea a), do n.º1, do art.º 12.º, verifica-se igualmente quando a actividade seja realizada em local determinado pelo beneficiário, característica que pelas razões apontadas aqui está demonstrada.
Para defender a verificação do segundo indício [n.º1/al. b], a recorrente invoca os pontos provados 16 e 21, onde consta, respectivamente, o seguinte:
- A Autora utilizava o seu próprio veículo, recebendo uma ajuda de custo mensal de 120€, mas também e, a seu pedido, utilizava um veículo, propriedade da Ré, o qual, por vezes era partilhado com outros colegas.
- O equipamento, instrumentos e respetivos consumíveis necessários às demonstrações eram pertença da Ré.
O tribunal a quo menciona este último facto, mas depois não concretiza se considera verificado, ou não, este indício, visto dizer genericamente “Não nos parece assim que se possa afirmar que ocorressem, no caso, duas das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 1 do citado artigo 12º de forma clara e plena [..]”.
Discordando, não cremos que aqui haja motivo para gerar alguma dúvida. O facto da autora usar, entenda-se, com maior regularidade, o seu próprio veículo, recebendo uma ajuda de custo mensal de 120€, não é suficiente para afastar a verificação desde indício, tanto mais que “também e, a seu pedido, utilizava um veículo, propriedade da Ré”. De resto, bastaria o segundo facto - O equipamento, instrumentos e respetivos consumíveis necessários às demonstrações eram pertença da Ré – para se mostrar preenchida a previsão do n.º1. al. c), do art.º 12/CT.
Diga-se, ainda, que pelas razões que acima explicámos, também não se logra perceber o que foi entendido pelo Tribunal a quo quanto a este indício.
No que concerne ao terceiro dos indícios [art.º 12/1/al.c)], a recorrente invoca os pontos provados 8, 9, 10, 11, 13, onde consta, respectivamente, o seguinte:
- Todas as segundas feiras a Autora apresentava-se nas instalações da Ré pelas 10 horas, para repor o material e planificar o trabalho da semana.
- De terça a sexta feira, a Autora apresentava-se nas instalações da Ré pelas 14h e daí partia para as casas dos clientes cujas demonstrações estavam agendadas e lhe estavam distribuídas.
- A Autora não tinha hora de saída, terminando o trabalho quando terminasse as demonstrações que lhe estavam distribuídas.
- Por vezes as demonstrações terminavam à noite.
- A Autora comunicou à Ré a necessidade de alterar o seu horário para poder frequentar as aulas de preparação para o parto, passando a fazer as demonstrações da parte da manhã.
Refere o Tribunal a quo que “A Autora não observava horas de início e de termo da prestação, determinadas pela Ré. Efetivamente provou-se que a Autora se apresentava na empresa pelas 14h, mas não assinava o livro do ponto e não tinha horas de saída”. Embora a fundamentação não seja clara, depreende-se que a Senhora Juíza entendeu não se verificar este indício.
Pois bem, também aqui não concordamos. O facto da A. não assinar o livro de ponto é irrelevante, não pondo em causa que às segundas-feiras a autora apresentava-se nas instalações da Ré pelas 10; e, de terça a sexta-feira, pelas 14h, daí partindo para as casas dos clientes. Por outro lado, é certo que a autora não tinha uma hora de saída certa, mas isso não significa que pudesse sair quando bem entendesse, pois só concluía a prestação da sua actividade “quando terminasse as demonstrações que lhe estavam distribuídas”, que “Por vezes [..] terminavam à noite”.
Segundo a noção legal, entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal (art.º 200.º/1 do CT). Numa explicação mais elaborada, Monteiro Fernandes escreve o seguinte:
- “O horário de trabalho é um esquema respeitante a cada trabalhador, no qual se fixa a distribuição das horas do período normal de trabalho – número de horas diárias e semanais que o trabalhador está contratualmente obrigado a prestar – ao longo do dia e da semana: horas de entrada e de saída, intervalos de descanso, dia de descanso semanal” [Op. Cit, pp. 352].
Como bem se percebe, a alínea c), do n.º1, do art.º 12.º, do CT, procura enquadrar-se dentro daquela noção, o que vale por dizer que este indício verifica-se quando possa concluir-se que o prestador da actividade está sujeito a um horário de trabalho - observando horas de início e termo da prestação -, em cumprimento de determinação emanada pela entidade empregadora, tal com acontece tipicamente nas relações de trabalho subordinado.
No caso, constata-se que a prestação da actividade diária pela autora ocorria dentro de determinados limites temporais: o inicial fixo e constante; o final, dependente da conclusão das demonstrações, logo, variável, mas sendo o termo determinável face ao preenchimento desta condição. Decorre ainda, que a prestação da actividade, nesses termos, ocorria de segunda-feira a sexta-feira.
Cremos, assim, que deve ser dado por demonstrada a verificação desse indício de laboralidade, por resultar claro que a autora desempenhava a sua actividade dentro de limites temporais de início e termo estabelecidos pela Ré.
Por fim, quanto ao indício previsto na alínea d) do n.º1, do art.º 12.º, invoca a recorrente os factos provados 5 e 16 onde consta, respectivamente, o seguinte:
- Como contrapartida a Autora receberia uma remuneração mensal fixa de 620,00€ acrescida de uma comissão, conforme o número de equipamentos vendidos e faturados nesse mês, como resulta da cláusula sétima do referido contrato: por cada equipamento vendido em cada mês, receberia 2,5% de comissão bruta na venda dos 1º e 2º equipamentos e 16,5% na venda do 3º equipamento e seguintes.
- A Autora utilizava o seu próprio veículo, recebendo uma ajuda de custo mensal de 120€, [..].
O tribunal a quo refere que “A Ré pagava mensalmente à Autora uma quantia certa e outra incerta como contrapartida da atividade”, percebendo-se que se reporta ao ponto provado 5. Mas não concretiza se entendeu como demonstrado, ou não, este indício, nem se logra perceber qual foi o juízo feito, dada a afirmação genérica e, até, enigmática, já apontada, nomeadamente, dizendo “Não nos parece assim que se possa afirmar que ocorressem, no caso, duas das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 1 do citado artigo 12º de forma clara e plena [..]”.
Não vislumbramos que possa haver fundamento para duvidar do preenchimento desde indicio, dado ser seguro que em contrapartida da prestação da actividade pela autora, a Ré pagava-lhe “ uma remuneração mensal fixa de 620,00€”, ou seja, como refere o tribunal a quo uma parte certa, para além disso com periodicidade mensal.
Por conseguinte, diversamente do entendido pelo Tribunal a quo, concluímos estarem preenchidos 4 dos indícios de laboralidade previstos no art.º 12.º/1, do CT. Parafraseando o acórdão desta Relação de 05-06-2023, acima citado “Não se podem confundir os elementos que estão na base da presunção de laboralidade prevista no art.º 12º do Código do Trabalho com os indícios a que, quer a doutrina quer a jurisprudência vêm recorrendo, na aplicação do referido método indiciário, sob pena de se alterar o regime de ónus da prova estabelecido pelo legislador”.
Neste quadro, a presunção opera e, logo, como ponto de partida presume-se estar-se perante uma relação de trabalho subordinado.

III.3 No entanto, como ficou explicado, a prova de dois ou mais dos indícios indicados no art.º 12.º n.º1, não demonstra sempre a existência de uma relação de trabalho subordinado. Não estabelecendo a norma, qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção pode ser afastada [art.º 350.º n.º2, do CC], passando a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação que não se reconduza à de trabalho subordinado.
Após ter afirmado “Não nos parece assim que se possa afirmar que ocorressem, no caso, duas das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 1 do citado artigo 12º de forma clara e plena”, procedendo à indagação e valorização dos indícios presentes, num e noutro sentido, , o Tribunal a quo entendeu o seguinte:
[..]
Resultou provado que:
A Ré é uma empresa que se dedica, entre outras à importação e exportação de artigos para o lar e artigos de saúde, nomeadamente eletrodomésticos, sua manutenção e reparação; sistemas de tratamento de água; representação de marcas.
Autora e Ré subscreveram, a 17 de maio de 2019, Autora e Ré, o contrato de prestação de serviços junto aos autos, nos termos do qual foi acordado que a Autora desenvolveria as “tarefas necessárias à comercialização e ao cumprimento dos contratos de fornecimento de equipamentos e prestação de serviços de instalação e acompanhamento, as quais se traduzem nas seguintes ações:
Divulgação dos equipamentos de sistemas de tratamento de magnetoterapia, entre outros, no mercado nacional;
Apresentação e demonstração das funcionalidades dos diversos equipamentos, junto dos potenciais clientes;
Negociação direta com os potenciais clientes para a celebração dos contratos de Compra e Venda dos supracitados equipamentos”;
Formalização da venda;
Celebração de contratos de Fornecimento de Equipamentos e Prestação de Serviços”.
Foi também acordado entre Autora e Ré que a Autora não “se coloca numa situação de dependência ou subordinação. Este apenas se obriga a proporcionar à Primeira Outorgante o resultado do seu trabalho, a ele pertencendo sempre a liberdade de organizar de tomar as estratégias que entender necessárias para a prossecução do mesmo.”
E que a Autora receberia uma remuneração mensal fixa de 620,00€ acrescida de uma comissão, conforme o número de equipamentos vendidos e faturados nesse mês, como resulta da cláusula sétima do referido contrato: por cada equipamento vendido em cada mês, receberia 2,5% de comissão bruta na venda dos 1º e 2º equipamentos e 16,5% na venda do 3º equipamento e seguintes.
O trabalho desenvolvido pela Autora consistia em fazer atendimentos previamente agendados pela Ré, na casa dos clientes, para a realização de demonstrações de estações de tratamento de água com a finalidade da sua venda.
Quanto ao modo de execução do contrato provou-se que:
Todas as segundas feiras a Autora apresentava-se nas instalações da Ré pelas 10 horas, para repor o material e planificar o trabalho da semana.
De terça a sexta feira, a Autora apresentava-se nas instalações da Ré pelas 14h e daí partia para as casas dos clientes cujas demonstrações estavam agendadas e lhe eram distribuídas.
A Autora não tinha hora de saída, terminando o trabalho quando terminasse as demonstrações que lhe estavam distribuídas.
Por vezes as demonstrações terminavam à noite.
A Autora, entretanto, engravidou e comunicou à Ré a necessidade de alterar o seu horário para poder frequentar as aulas de preparação para o parto, passando a fazer as demonstrações da parte da manhã.
A Autora e os seus colegas eram livres de trocar, entre si, as demonstrações, substituindo-se, em caso de impossibilidade de cada um em as executar.
A Autora utilizava o seu próprio veículo, recebendo uma ajuda de custo mensal de 120€, mas também e, a seu pedido, utilizava um veículo, propriedade da Ré, o qual, por vezes era partilhado com outros colegas.
A Autora não recebia subsídio de férias, nem de Natal, nem subsídio de alimentação.
A Ré não efetuou descontos para a Segurança Social.
O equipamento, instrumentos e respetivos consumíveis necessários às demonstrações eram pertença da Ré.
A Autora emita recibos verdes contra os pagamentos que lhe eram feitos pela Ré, encontrando-se coletada nas Finanças como trabalhadora independente.
A Autora não assinava o “livro do ponto”.
A Autora nunca contestou, nem reclamou da forma e conteúdo do contrato de prestação de serviços.
Ora e, ainda que se considerasse verificada a presunção de laboralidade ínsita no citado artigo 12º, temos que, com os factos que se provaram, a Ré logrou ilidir tal presunção.
Com efeito, cremos que a forma como o contrato era executado aponta claramente para a existência dum contrato de prestação de serviços, tal como as partes assim o designaram no documento que assinaram.
Na verdade, a Autora apresentava-se pelas 14 horas na empresa, mas não resulta que fosse obrigada a fazê-lo, pois não assinava livro do ponto, nem tinha que justificar as suas ausências.
Normal é, contudo, como é do bom senso, que avisasse qualquer impossibilidade de atender determinado cliente, para que fosse possível providenciar por um substituto, sendo certo ainda que podia a Autora e os seus colegas livremente fazer-se substituir nos agendamentos feitos pela Ré.
A Autora, quando teve que receber aulas de preparação para o parto, trocou o período em que habitualmente prestava a sua atividade pelo período da manhã.
Cremos que esta forma de organização do trabalho apresenta um certo grau de autonomia que não é compatível com a existência dum contrato de trabalho subordinado, até porque a possibilidade de a Autora se substituir, põe em causa o princípio da pessoalidade da prestação e do seu carácter infungível, o que significa que as partes contrataram a produção dum resultado e não a sua atividade em si mesma.
Além disso, a desnecessidade de apresentar qualquer justificação quando faltasse ao serviço demonstra a ausência de poder disciplinar, cuja existência é fundamental no contrato de trabalho por decorrer diretamente do poder de direção do empregador.
Acresce que foi adotado, entre as partes, o regime fiscal definido para o trabalhador independente; a Ré nunca inscreveu a Autora na Segurança Social; nunca lhe pagou subsídio de férias, nem subsídio de Natal, nem de alimentação; a Autora nunca contestou, nem reclamou da forma e conteúdo do contrato de prestação de serviços.
Tudo isto significa que a vontade real das partes foi de celebrar um contrato de prestação de serviços, onde não existe subordinação jurídica, que, como tal foi de comum acordo executado».
Em linha com esse entendimento, a recorrida Ré na resposta ao recurso contrapõe, no essencial, o seguinte:
- A forma como o contrato era executado aponta claramente para a existência dum contrato de prestação de serviços, tal como as partes assim o designaram no documento que assinaram.
- A forma de organização do trabalho apresenta um certo grau de autonomia que não é compatível com a existência dum contrato de trabalho subordinado, até porque a possibilidade de a Autora se substituir, põe em causa o princípio da pessoalidade da prestação e do seu carácter infungível, o que significa que as partes contrataram a produção dum resultado e não a sua atividade em si mesma.
- A desnecessidade de apresentar qualquer justificação quando faltasse ao serviço demonstra a ausência de poder disciplinar, cuja existência é fundamental no contrato de trabalho por decorrer diretamente do poder de direção do empregador.
- Foi adotado, entre as partes, o regime fiscal definido para o trabalhador independente; a Ré nunca inscreveu a Autora na Segurança Social; nunca lhe pagou subsídio de férias, nem subsídio de Natal, nem de alimentação; a Autora nunca contestou, nem reclamou da forma e conteúdo do contrato de prestação de serviços.
Diversa é a leitura do Digno Procurador Geral Adjunto junto desta Relação, para quem é “visível e patente a subordinação jurídica”, consideração que faz atendendo, além do mais, ao que consta provado nos pontos 13, 14 e 21, referindo resultar da matéria provada o seguinte:
- Era a entidade empregadora que marcava as reuniões com os clientes para demonstrações, e quando foi necessário alterar este procedimento teve a Autora de pedir autorização à Ré – ponto 13 dos factos provados.
- Não tendo horário de saída, tinha a Autora/recorrente horário de entrada.
- Era paga ao mês sendo a retribuição composta por uma quantia fixa e uma parte variável, em função das vendas e demonstrações.
- Sendo prestadora de serviços não devia ser-lhe descontada a quantia de comissões como aconteceu.
- A autora/recorrente utilizava veículos da Ré na execução do trabalho e quando utilizava o seu veículo recebia uma ajuda de custo, mais típico do contrato de trabalho.
- O equipamento, instrumentos e respetivos consumíveis necessários às demonstrações eram pertença da Ré – ponto 21 dos factos provados.
- Tudo era orientado, organizado e seguido pela Ré/recorrida.
Como observa Bernardo da Gama Lobo Xavier [Manual de Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Verbo, 2014, p. 376], «[..] a parte contrária pode trazer ao processo factos e contra-indícios que permitam uma descaracterização e desde logo demonstrar a inexistência de outras características indicadas nas várias alíneas. [..]. Como também pode provar a existência de características de autonomia que levem a afastar a “presunção de contrato de trabalho” assente na demonstração das características elencadas, ou pode ainda trazer ao processo factos que roubem qualquer significado presuntivo às características elencadas no art. 12.º, 1».
Cabe, pois, proceder a uma apreciação da globalidade dos indícios que se mostrem relevantes, inclusive procedendo à interpretação e valoração dos 4 indícios de laboralidade que se verificou estarem demonstrados, aferindo a sua relevância na dinâmica global da relação contratual.
Está provado que as partes celebraram entre si um contrato por escrito, que denominaram de “prestação de serviços, bem assim que a cláusula 2ª do contrato dispõe que “O Segundo Outorgante não se coloca numa situação de dependência ou subordinação. Este apenas se obriga a proporcionar à Primeira Outorgante o resultado do seu trabalho, a ele pertencendo sempre a liberdade de organizar de tomar as estratégias que entender necessárias para a prossecução do mesmo.
Parece, pois, ter sido propósito das partes afastar a qualificação do contrato como de trabalho subordinado, para afirmarem a celebração livre de um contrato de prestação de serviços.
Porém, com bem assinala o Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer, pese embora a designação atribuída ao contrato e o conteúdo da aludida cláusula, “o que interessa, é o que na realidade se passa”. Dito de outro modo, a qualificação jurídica do contrato não decorre da designação que lhe é dada pelas partes, antes se aferindo face à realidade da sua execução prática.
Refere o Tribunal a quo que a autora “apresentava-se pelas 14 horas na empresa, mas não resulta que fosse obrigada a fazê-lo, pois não assinava livro do ponto, nem tinha que justificar as suas ausências”, acrescentando, ainda, “Normal é, contudo, como é do bom senso, que avisasse qualquer impossibilidade de atender determinado cliente, para que fosse possível providenciar por um substituto, sendo certo ainda que podia a Autora e os seus colegas livremente fazer-se substituir nos agendamentos feitos pela Ré”.
Em primeiro lugar, sublinha-se ter-se já concluído que a autora cumpria um horário de trabalho, sendo irrelevante, por não obstar a essa conclusão, o facto de não assinar livro de ponto. Como é do conhecimento geral, há uma pluralidade de trabalhadores que está vinculado ao cumprimento de um horário, sem que o empregador lhe imponha a regra de assinar livro de ponto, pois tal prática não é imprescindível para o controle de assiduidade.
Em segundo lugar, é certo que não decorre da matéria provada que a autora tinha que justificar as suas ausências, mas daí não pode extrair-se o oposto, ou seja, que “nem tinha que justificar as suas ausências”, como parece ter sido entendido pelo tribunal a quo. Só poderia fazer-se esta afirmação se o facto estivesse provado, mas como se retira do elenco da matéria provada tal não se verifica.
Mais se diga, que não vislumbramos qual a base factual que permite ao Tribunal a quo afirmar, sugerindo que este seria o procedimento seguido pela A. ao invés de ter que “justificar as suas ausências” , que “Normal é, contudo, como é do bom senso, que avisasse qualquer impossibilidade de atender determinado cliente, para que fosse possível providenciar por um substituto”. Na verdade, percorrendo a matéria de facto provada não encontramos fixado qualquer facto que permita retirar essa ideia.
É certo estar provado que [15] “A Autora e os seus colegas eram livres de trocar, entre si, as demonstrações, substituindo-se, em caso de impossibilidade de as executar”, mas também este facto não permite extrair aquela conclusão. Mais do que isso, no rigor das coisas, a formulação desse facto nem sequer esclarece com clareza e suficiência o que deve ser entendido pela expressão “em caso de impossibilidade de as executar”, dado que tanto pode abranger uma situação de indisponibilidade para prestar a actividade num determinado dia, ou a limitação ou inconveniência de a executar em determinado local ou em certo cliente (p. ex., em razão da distância, ou por ser previsível uma maior necessidade de tempo), que são realidades distintas. Para além disso, e não menos relevante, não está sequer provado se a A. usou dessa faculdade, e caso a tenha usado, quantas vezes e quais as razões subjacentes.
Assinala o Tribunal a quo em seguida, que “A Autora, quando teve que receber aulas de preparação para o parto, trocou o período em que habitualmente prestava a sua atividade pelo período da manhã”. Ou seja, mais rigorosamente, consta provado que [13] “A Autora comunicou à Ré a necessidade de alterar o seu horário para poder frequentar as aulas de preparação para o parto, passando a fazer as demonstrações da parte da manhã”.
Reportando-se àquelas anteriores afirmações, bem assim a esta última, afirma o Tribunal a quo o entendimento de «(..) que esta forma de organização do trabalho apresenta um certo grau de autonomia que não é compatível com a existência dum contrato de trabalho subordinado, até porque a possibilidade de a Autora se substituir, põe em causa o princípio da pessoalidade da prestação e do seu carácter infungível, o que significa que as partes contrataram a produção dum resultado e não a sua atividade em si mesma”.
Com o devido respeito, não acompanhamos esta asserção. Em acréscimo às considerações que já deixámos, acrescentamos agora que importa atender à atividade contratada, decorrendo dos pontos provados 3, 5, 7, 8, 9, 10 e 11, o seguinte:
- [3] Nos termos do referido documento consta que a Autora desenvolveria as “tarefas necessárias à comercialização e ao cumprimento dos contratos de fornecimento de equipamentos e prestação de serviços de instalação e acompanhamento, as quais se traduzem nas seguintes ações:
a) Divulgação dos equipamentos de sistemas de tratamento de magnetoterapia, entre outros, no mercado nacional;
b) Apresentação e demonstração das funcionalidades dos diversos equipamentos, junto dos potenciais clientes;
c) Negociação direta com os potenciais clientes para a celebração dos contratos de Compra e Venda dos supracitados equipamentos”;
d) Formalização da venda;
e) Celebração de contratos de Fornecimento de Equipamentos e Prestação de Serviços” - cfr. cláusula 1ª do contrato.
-[5] Como contrapartida a Autora receberia uma remuneração mensal fixa de 620,00€ acrescida de uma comissão, conforme o número de equipamentos vendidos e faturados nesse mês, como resulta da cláusula sétima do referido contrato: por cada equipamento vendido em cada mês, receberia 2,5% de comissão bruta na venda dos 1º e 2º equipamentos e 16,5% na venda do 3º equipamento e seguintes.
-[7] “O trabalho desenvolvido pela Autora consistia em fazer atendimentos previamente agendados pela Ré de acordo com a disponibilidade dos vendedores, na casa dos clientes, para a realização de demonstrações de estações de tratamento de água com a finalidade da sua venda”.
-[8] Todas as segundas feiras a Autora apresentava-se nas instalações da Ré pelas 10 horas, para repor o material e planificar o trabalho da semana.
-[9] De terça a sexta feira, a Autora apresentava-se nas instalações da Ré pelas 14h e daí partia para as casas dos clientes cujas demonstrações estavam agendadas e lhe estavam distribuídas.
[10] A Autora não tinha hora de saída, terminando o trabalho quando terminasse as demonstrações que lhe estavam distribuídas.
[11] Por vezes as demonstrações terminavam à noite.
Como decorre do ponto 7, os atendimentos que a Autora realizava na casa dos clientes eram “agendados pela Ré de acordo com a disponibilidade dos vendedores”. Pese embora não se saber se a autora usou dela, é certo que a possibilidade de se substituir revela alguma autonomia, mas reduzida e relativa, pois em contraponto não tinha a possibilidade, leia-se “autonomia”, para fazer os agendamentos por si conforme lhe fosse mais conveniente, estando dependente do agendamento feito pela Ré e, para além disso, como já se concluiu, sujeita ao cumprimento de um horário de trabalho. Acresce, que nem tão pouco podia por sua iniciativa, por exemplo, procurar alargar o número de clientes contactados com vista aumentar as suas vendas e, logo, a obter um valor superior de comissões.
Neste quadro, o facto de ter comunicado “ à Ré a necessidade de alterar o seu horário para poder frequentar as aulas de preparação para o parto, passando a fazer as demonstrações da parte da manhã”, não assume relevância significativa. A entidade empregadora e o trabalhador podem entre si acordar alteração ao horário de trabalho e, no caso concreto, do teor do facto não pode extrair-se que a Ré tenha ficado simplesmente sujeita a aceitá-la. Para além disso, não resulta do facto provado que em virtude dessa alteração tenha havido uma redução nas horas prestadas pela autora na realização da actividade contratada, nem que de algum modo tenham ficado comprometidos os agendamentos que a Ré pretendia atribuir à autora.
Em seguida, o Tribunal a quo refere que “Além disso, a desnecessidade de apresentar qualquer justificação quando faltasse ao serviço demonstra a ausência de poder disciplinar, cuja existência é fundamental no contrato de trabalho por decorrer diretamente do poder de direção do empregador”.
Sempre com o maior respeito, não acolhemos este juízo. Desde logo, como já referimos, não está provado que a autora precisasse de justificar as ausências, mas também não está provado o contrário, nem pode assumir-se que assim seja por mera decorrência lógica de não estar provado que tal lhe fosse exigível. De resto, em concreto, nem se sabe se a Autora não prestou a actividade prevista em algum período. Cremos, assim, não haver uma base de facto real para permitir ao tribunal a quo afirmar “a desnecessidade de apresentar qualquer justificação quando faltasse ao serviço”, nesse pressuposto concluindo estar demonstrada “a ausência de poder disciplinar”.
Por outro lado, não há prova de que tenha sido exercido poder disciplinar relativamente à autora, mas também não há prova de que não estivesse sujeita, nem mesmo da verificação de alguma conduta que de acordo com as regras da experiência comum tornasse expectável o exercício desse poder, não tendo sido exercido pela Ré.
Por último, assinala o Tribunal a quo que “ foi adotado, entre as partes, o regime fiscal definido para o trabalhador independente; a Ré nunca inscreveu a Autora na Segurança Social; nunca lhe pagou subsídio de férias, nem subsídio de Natal, nem de alimentação; a Autora nunca contestou, nem reclamou da forma e conteúdo do contrato de prestação de serviços”.
Aqui concorda-se com o Tribunal a quo, pois assim resulta claramente dos pontos provados 19, 20, 22 e 27, sendo de facto indícios que apontam no sentido do contrato de prestação de serviços.
Mas ao fim deste percurso, sendo esses os únicos indícios típicos de um contrato de prestação de serviços que se mostram demonstrado, cremos ser forçoso concluir que os mesmos são insuficientes para ilidir a presunção a presunção da existência de um contrato de trabalho que se considerou ter operado, em razão de estar demonstrado:
i) que a A. desenvolvia a actividade contratada em locais determinados pela Ré [na casa dos clientes, por agendamento desta];
ii) que o equipamento, instrumentos e respetivos consumíveis necessários às demonstrações, utilizados pela A. eram pertença da Ré;
iii) que a autora desempenhava a sua actividade dentro de limites temporais de início e termo estabelecidos pela Ré;
iv) e, que em contrapartida da prestação da actividade pela autora, a Ré pagava-lhe “uma remuneração mensal fixa de 620,00€”, ou seja, uma parte certa, para além disso com periodicidade mensal.
Acresce, como bem refere o Digno Magistrado do Ministério Público, que dos factos provados resultam ainda outros indícios típicos de uma relação de trabalho subordinado relevantes e necessariamente a considerar no âmbito desta apreciação global.
Em primeiro lugar, da conjugação dos factos que se reportam ao modo de execução da actividade pela autora, retira-se que nos traços essenciais a mesma era organizada pela Ré, desde logo, por ser esta quem agendava as reuniões com os clientes para a realização de demonstrações de estações de tratamento de água com a finalidade da sua venda e as atribuía à autora [facto 7], consubstanciando um forte indício de trabalho subordinado e excluindo a autonomia na organização do trabalho que é característica dos contratos de prestação de serviços.
Em segundo lugar, o pagamento de uma quantia certa independentemente das vendas efectuadas, indicia a prestação de uma actividade, com prevalência relativamente ao resultado. É certo que concomitantemente a A. auferia comissões em função das vendas efectuadas, mas essa estrutura remuneratória também se verifica em múltiplos caso de relações de trabalho subordinado, por exemplo de vendedor de determinados produtos. Note-se que embora a finalidade fosse a venda das estações de tratamento de água, este resultado poderia nem ser obtido – e seguramente não o era em múltiplos casos – mas previamente sempre tinha que ser realizada a demonstração.
Aqui chegados, acompanhando-se o acórdão desta Relação de 14-03-2022, também acima citado, importa ter presente que “Se a presunção da existência de um contrato de trabalho deve assentar nas características concretas descritas no artigo 12.º n.º 1 do Código do Trabalho, também a ilisão dessa presunção – a prova em contrário – deve ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa e não em meras hipóteses ou informações genéricas, cabendo à empresa o ónus da prova dos concretos e reais factos que consubstanciem essa ilisão, por força do artigo 350.º do Código Civil”.
Ora, pelas razões que viemos expondo ao longo desta apreciação, feita a ponderação global dos factos provados pela Ré, cremos só poder concluir-se que esta não logrou ilidir a presunção da existência de um contrato de um contrato de trabalho que se entendeu ter operado.
Concluindo, quanto a esta questão fulcral procede o recurso, devendo revogar-se a sentença para se reconhecer a existência de um contrato de trabalho subordinado entre A e Ré.
III.4 Cabe, pois, extrair os efeitos desse reconhecimento.
A Autora formulou os pedidos seguintes:
Ser declarada a existência do vínculo contratual entre Autora e Ré;
E em consequência,
II Ser declaro ilícito o despedimento da Autora e em consequência ser a Ré condenada no pagamento de uma indeminização no valor de 929,70€;
III Ser a RR condenada a pagar à AA o montante em singelo de 2.068,37€, fruto das remunerações não pagas, subsídio de férias e de Natal, proporcionais e crédito de horas de formação não realizadas, tudo conforme referido supra na presente e cujos fundamentos e sustentação, por economia processual, se dá aqui por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
IV Ser a Ré condenada no pagamento de 2.200€ a título de danos não patrimoniais atento os fundamentos supre expostos.
V Ser a Ré condenada a pagar à Autora a importância relativa aos juros legais, à taxa supletiva de 4% ao ano, sobre as supra identificadas quantias, desde a data da propositura da ação até efetivo e integral pagamento.
VI Ser a RR condenada no pagamento das custas, procuradoria e demais encargos legais.
Sem prescindir,
VII Requer-se ainda que seja feita a devida comunicação à Segurança Social no sentido de serem repostas as contribuições da trabalhadora com efeitos retroativos desde a data da contratação até ao fim do vínculo laboral, ou seja, desde 17 maio de 2019 até 28 fevereiro de 2020».
Quanto à cessação do contrato de trabalho apenas resultou provado o seguinte:
6. A Autora prestou a sua atividade à Ré desde 17 maio de 2019 até 28 fevereiro de 2020
25. Em data indeterminada de finais de fevereiro/princípios de março de 2020, a Autora e o seu marido tiveram uma reunião com o legal representante da Ré, EE, em que esteve presente o Diretor Comercial da Ré FF, durante a qual foi abordada, em termos não concretamente apurados, a cessação dos seus contratos.
26. A partir dessa data, nem a Autora, nem o seu marido prestaram serviço à Ré.
Por conseguinte, não há qualquer prova do alegado despedimento ilícito. A matéria provada apenas permite concluir que o contrato de trabalho entre a A. e R. cessou em 28 de Fevereiro de 2020. Logo, necessariamente sucumbe o pedido da declaração nesse sentido e de condenação da Ré em indemnização.
O pedido de condenação da Ré em indemnização no valor de € 2 200, por danos não patrimoniais, assentava também no pressuposto da declaração da ilicitude do despedimento, alegando a Autora, no essencial, que “Tendo a Ré violado os direitos da A., de forma grave, consciente e dolosa, tanto que sabia que a A. estava grávida e necessitava não só do dinheiro como da calma e tranquilidade necessárias ao estado de graça, deve indemnizar a A. pelos danos não patrimoniais decorrentes (Art. 389º n.º1al.a)”.
Assim, não se tendo provado o alegado despedimento ilícito, necessariamente soçobra também este pedido.
Pede a Autora que “seja feita a devida comunicação à Segurança Social no sentido de serem repostas as contribuições da trabalhadora com efeitos retroativos desde a data da contratação até ao fim do vínculo laboral, ou seja, desde 17 maio de 2019 até 28 fevereiro de 2020”.
Conforme elucida o Acórdão desta Relação de 14-12-2017 [Proc.º 21041/15.8T8PRT-A.P1, Desembargadora Teresa Sá Lopes, disponível em www.dgsi.pt], reafirmando entendimento pacífico, “A obrigação de liquidar e pagar as contribuições devidas à Segurança Social não decorre diretamente da violação do contrato de trabalho mas sim da violação de um dever de contributo/tributário. O Tribunal do Trabalho é incompetente em razão da matéria para conhecer dos pedidos de condenação da entidade patronal no pagamento de tais contribuições».
O Tribunal a quo não se pronunciou quanto a esta questão na fase de saneamento, quando, com o devido respeito, o deveria ter feito. No entanto, pese embora aí se tenha declarado competente em razão da matéria, essa afirmação tabelar não firma caso julgado, dado não ter havido pronúncia concreta, nada obstando a que este Tribunal ad quem se declare, desde já, e sem necessidade de outras considerações, incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido em causa.
Quanto ao pedido formulado na alínea III, alegou a autora o seguinte:
33 Posto isto,
A Ré encerrou para férias de Verão a 10/08/2019 e retornou a 19/08/2019 e pagou apenas 520,00€ do salário base.
34 Em dezembro encerrou a 22/12/2019 e reabriu a 02/01/2021tendo pago apenas 523,86€.
35 Assim sendo, a Ré não só não pagou 100,00€ de agosto e 96,14€ de dezembro de 2019, como despediu a Autora não pagou a remuneração fixa do mês de fevereiro no valor de 620,00€, nem as comissões no valor de 562,32€ no valor total de 1.378,46€.
[..]
47 Atendo ao supra exposto, deve a Ré o valor remuneratório do mês de fevereiro de 2020, assim como as comissões das três vendas por si efetuadas de acordo com o artigo 7º do contrato, tudo no total de 1.182,32€.
48 Deve ainda 100,00€ da remuneração de agosto 2019
49 E 96,14€ da remuneração de dezembro de 2019.
50 Deve a Ré ainda as seguintes quantias:
51 497,88€ subsídio de férias;
52 101,64€ proporcionais de subsídio de Natal;
53 90,39€ afeto a 35 horas de formação contínua (2,58€ hora, trabalhando em média 8 horas por dia e sendo o valor dia de 20,66€) devida à A. e não promovida pela Ré (Artigo 131º n.º2 e 132º CT);
54 Assim sendo, a este título deve a Ré a quantia de 2.068,37€ a ser pagos à Autora.
Com relevância para a apreciação destes pedidos, está provado o seguinte:
17. A Ré não pagou à Autora a remuneração do mês de fevereiro de 2020, nem qualquer importância a título de comissão.
18. Em 06.01.2020 a Ré pagou à Autora, relativamente ao mês de dezembro, a quantia de 523,86€.
19. A Autora não recebia subsídio de férias, nem de Natal, [..].
28. A Ré não ministrou à Autora formação profissional.
Importa ter também presente que percorrida a contestação da Ré, não se encontra nela qualquer impugnação especificada, nomeadamente, alegando ter pago a remuneração do mês de Fevereiro e as comissões, nem sequer pondo em causa os valores liquidados pela autora. O mesmo sucede relativamente à diferença reclamada relativamente ao mês de Dezembro.
A retribuição é a contrapartida devida pelo empregador ao trabalhador, pela prestação por este da actividade contratada ou pela disponibilidade para esse efeito, recaindo sobre aquele a obrigação de proceder pontualmente ao seu pagamento [art.ºs 11º, 127 n.º1,al. b) e 278.º n.º 4, do CT]. O não cumprimento pontual dessa obrigação constitui o empregador em mora [art.º 278.º 5, CT].
Estando demonstrado o que consta nos pontos 17 e 18 e não tendo a Ré impugnado os valores reclamados e liquidados, inclusive a título de comissões, devem estes créditos ser atendidos:
- diferença de 96,14€ /dezembro de 2019;
- remuneração fixa do mês de fevereiro no valor de 620,00€;
- comissões no valor de 562,32€;
- perfazendo o valor de 1 278, 76 € [€ 96,14€ +620,00€ +562,32€].
No que concerne ao valor reclamado relativamente a Agosto, não consta provado que a Ré encerrou para férias e não tenha pago o período em que esteve nessa situação, não podendo ser atendida essa parte do pedido.
Quanto aos subsídios de férias e de Natal, está provado que a Autora não os recebia. Porém, reconhecendo-se que entre as partes existiu uma relação de trabalho subordinado que perdurou entre 17 Maio de 2019 e 28 Fevereiro de 2020, assiste à autora o direito a esses subsídios, sendo o respectivo valor determinado na proporção do tempo de serviço prestado [art.s 264.º n.º2 e 263.º 1 e 2 al. b)]. Diga-se que o valor liquidado pela autora é inferior ao que lhe seria devido, mas tendo o contrato de trabalho cessado o direito em causa passou a ser disponível e, logo, este Tribunal ad quem não pode condenar além do pedido [art.º 615.º n.º 1, al. e) do CPC].
Assim, a esse título é de reconhecer à autora o direito a 497,88€ subsídio de férias e 101,64€ proporcionais de subsídio de Natal, nos termos reclamados.
No que concerne à formação contínua, nos termos dos artigos art.ºs 131.º n.º2 e 134.º do CT, cessado o contrato de trabalho sem que a Ré empregadora a tenha facultado à autora, assiste-lhe o direito ao valor correspondente às horas que eram devidas para esse efeito. Segundo os nossos cálculos o valor reclamado também é inferior ao que seria devido, mas pelas precisas razões que deixámos acima explicadas, também aqui caberá atender ao limite do pedido formulado, ou seja, “90,39€ afeto a 35 horas de formação contínua”.
Perfazem os créditos indicados o valor total de 1 968,37 € [mil novecentos e sessenta e oito euros e trinta e sete cêntimos]
Por último, deve também ser atendido o pedido de condenação da Ré no pagamento dos juros legais de mora - não desde as datas em que eram devidos os créditos laborais em causa, pelas mesmas razões do princípio da limitação do pedido -, mas “desde a data da propositura da ação até efetivo e integral pagamento”, conforme a pretensão da aurora.

IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação o seguinte:

a) Em declarar este Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido [VII] “seja feita a devida comunicação à Segurança Social no sentido de serem repostas as contribuições da trabalhadora com efeitos retroativos desde a data da contratação até ao fim do vínculo laboral, ou seja, desde 17 maio de 2019 até 28 fevereiro de 2020”.
b) Em julgar improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
c) Em julgar o recurso parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida e, em substituição, declarando-se que entre A. e Ré existiu um contrato de trabalho subordinado que vigorou entre 17 Maio de 2019 e 28 Fevereiro de 2020;
d) Em consequência, condena-se a Ré a pagar à autora os créditos acima reconhecidos, no valor total de 1 968,37 € [mil novecentos e sessenta e oito euros e trinta e sete cêntimos].
e) Mais vai a Ré condenada no pagamento dos juros legais de mora vencidos desde a data da propositura da acção e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Custas do recurso a cargo da recorrente e da recorrida, na proporção do decaimento (art.º 527.º CPC).


Porto, 26 de Junho de 2023
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Teresa Sá Lopes