Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
897/22.3T8PVZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
ACIDENTE DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
TRIBUNAIS DE TRABALHO
TRIBUNAIS JUDICIAIS
Nº do Documento: RP20230615897/22.3T8PVZ-A.P1
Data do Acordão: 06/15/2023
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os tribunais judiciais têm uma competência residual, nos termos do artigo 40º, da LOFT, apenas intervindo quando as causas não estejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
II - No caso de ser intentada ação para ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos pelo viúvo da vítima mortal de acidente de trabalho, ocorrido por causa de alegado mau funcionamento de elevador existente no local de trabalho, compete aos juízos de trabalho a competência material para conhecer do objeto do litigio, nos termos do artigo 126º nº 1 alínea c) da LOFT e visto ainda o disposto no artigo 18º da lei 98/2009 de 4/9.
III - É perante a alegação de factos constante da petição inicial constituinte do objeto do litígio e em face do pedido formulado que deve ser aferida a competência dos tribunais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 897/22.3T8PVZ-A.P1



Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)

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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


AA demandou A..., Lda., e B... Lda tendo formulado os seguintes pedidos:
“serem as Rés condenadas a pagar ao Autor:

i. A título de perda do direito à vida – € 90.000,00 (noventa mil euros)

ii. O dano sofrido pela vítima no período entre o acidente e o seu decesso (6 meses em estado de coma) – € 50.000 (cinquenta mil euros)
iii. Danos não patrimoniais sofridos pelo A., pela morte da lesada – € 40.000,00 (cinquenta Mil Euros);
iv. Acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal.

Fundamenta a ação, quanto à Ré A... Lda, na sua qualidade de viúvo de BB que faleceu quando se encontrava no local de trabalho a realizar a sua prestação laboral ao serviço e por ordens desta ré, o que fazia mediante retribuição.
Que a morte da infeliz BB sobreveio à sua queda no poço do elevador que se encontrava no referido local de trabalho e que ocorreu porquanto a mesma se dirigiu ao mesmo a fim de subir ao primeiro andar do edifício, tendo-se aquela aberto sem que a plataforma estivesse no piso.
Mais, invoca a falta de iluminação natural do local, a inexistência de dispositivo de encravamento da porta do elevador, que assegurasse o correto funcionamento do mesmo e inexistência de habitáculo, cabine, paredes ou teto, sendo que o ascensor era inicialmente tipo tesoura destinado a movimentar automóveis tendo sido adaptado a monta cargas.
No que respeita à B... Lda invoca que a mesma é a sociedade responsável pela instalação e manutenção do ascensor.
A ação foi contestada.

A seu tempo foi proferido despacho (ao que interessa ao recurso) com o seguinte teor:

O Autor(…) “ alegou em suma ser herdeiro da sua cônjuge, BB, falecida em 7 de Julho de 2021, em consequência de acidente de trabalho ocorrido quando prestava trabalho por conta e sob direcção da ré, a quem estava vinculada por contrato de trabalho. Tal acidente foi causado por inobservância de regras de segurança por parte da ré. Em consequência de tal acidente, para além da perda da vida da sua cônjuge, o autor sofreu danos não patrimoniais que melhor especificou.
Nos termos do art. 126.º, n.º 1, alínea c), da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais. Trata-se de redação idêntica ao anterior art. 85.º, alínea c), da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais.
Considerando a relação material controvertida nos termos configurados pelo autor, constata-se que a fonte da obrigação peticionada é precisamente um acidente de trabalho. Dada a amplitude da redação do preceito transcrito, a letra da lei aponta decisivamente para a competência dos juízos do trabalho. Esta asserção não tem sido pacífica na jurisprudência.
Em situações idênticas à presente foi decidido pela competência dos tribunais cíveis nos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 9/10/2012, proc. n.º 2796/10.2TBPRD.P1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/02/2008, proc. n.º 546/2008-7, e do Tribunal da Relação de Évora, de 22/01/2015, proc. n.º 1294/11.1TBTNV.E1.
(…)

A corrente jurisprudencial maioritária vai no sentido de atribuir a competência às Secções de Trabalho em situações idênticas à dos autos. Neste sentido decidiram os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/06/2006, proc. n.º 741/2006-7, do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/12/2021, proc. n.º 401/21.0T8LRA.C1, de 16/12/2015, proc. n.º 835/15.0T8LRA.C1, de 27/03/2012, proc. n.º 1251/09.8TBFIG.C1, de 8/03/2006, proc. n.º 210/06, e de 12/06/2007, proc. n.º 966/03.9TBABL.C1, do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22/05/2014, proc. n.º 262/13.3TBAMR, do Tribunal da Relação de Évora de 19/12/2019, proc. n.º 435/19.5T8STR-A.E1, e sobretudo os dois únicos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça localizados a respeito desta questão, de 19/09/2006, proc. 06A2407, e de 10/02/2005, proc. n.º 04B4607.
A argumentação desta corrente regressa à letra da lei, e sustenta que as normas do regime dos acidentes de trabalho sobre a limitação de danos indemnizáveis, e que de resto prevêem expressamente a atendibilidade de danos não patrimoniais de familiares (cfr. art. 18.º, n.º 1, do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (RRADP), aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro), não são normas que tenham sequer a intenção indireta de regular a competência dos tribunais. Um pedido de indemnização por danos não patrimoniais resultantes de acidente de trabalho é sem dúvida uma questão emergente de acidente de trabalho.
Aderimos à corrente maioritária. Estando expressamente previsto no art. 18.º, n.º 1, do RRADP, a ressarcibilidade de danos não patrimoniais como os reclamados, julgamos um exercício um pouco forçado retirar de normas que limitam o âmbito da indemnização por acidentes de trabalho uma interpretação restritiva de um enunciado legal que aponta num sentido muito mais amplo.
A propositura da ação em tribunal comum implica a violação das regras de competência dos tribunais em razão da matéria e, em consequência, a incompetência absoluta do tribunal, nos termos do art. 96.º, alínea a), do CPC.
Trata-se de exceção dilatória que implica a absolvição da ré da instância, nos termos dos arts. 99.º, n.º 1, 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea a), também do CPC.
(…)

Pelo exposto decide-se: A) Julgar procedente a invocada incompetência absoluta deste tribunal, em razão da matéria, em relação à demanda da ré A..., Lda., e, em consequência, absolver esta ré da instância”;
(…)


APELOU O AUTOR TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:

I - AA veio propor a presente ação declarativa, com processo comum, nos termos do artigo 493º do CC, contra A..., Lda. e B... Lda., pedindo a condenação das Rés a pagar-lhe €180.000,00, acrescidos de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento. II- Para tanto alegou ser herdeiro da sua cônjuge, BB, falecida em 7 de Julho de 2021, em consequência de acidente de trabalho ocorrido quando prestava trabalho por conta e sob direção da ré, a quem estava vinculada por contrato de trabalho.
II - O Autor não alicerçou o seu petitório na violação das regras de segurança por parte da entidade patronal, mas sim no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, por factos ilícitos, no âmbito de uma atividade perigosa, no disposto no artigo 493º, 2, do Código Civil,
III - À data não tinha o Autor conhecimento se teria havido violação das regras de segurança por parte da entidade patronal, ou se se tratara de uma falha da entidade que instalara o elevador.
V - À presente data o processo laboral ainda não transitou em julgado, não havendo certezas quanto à violação das regras de segurança.
VI - Sendo a Ré A... absolvida da instância no presente processo, e provando-se no processo laboral que não houve violação das regras de segurança, o Autor não tem forma de ser ressarcido pelos danos não patrimoniais que aqui reclama. (?)
VII - Daí que tenha litigado contra ambas as rés, de modo a aferir quem tem responsabilidade e em que medida.
VIII- A absolvição da instância da Ré no despacho saneador foi prematura.

IX- Em consequência de tal acidente, para além da perda da vida da sua cônjuge, o autor sofreu danos morais que melhor especificou.
(…)

XIV- O Autor intentou a presente ação no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, por factos ilícitos, no âmbito de uma actividade perigosa, no disposto no artigo 493º, 2, do Código Civil, contra a entidade patronal da falecida, e contra a responsável pela montagem do elevador e pela sua inspeção, pedindo a condenação solidária das Rés numa indemnização por danos não patrimoniais, sendo:
- 90.000,00€, pela perda do direito à vida;
- 50.000,00 €, pelo dano sofrido pela vítima no período entre o acidente e o seu decesso (6 meses em cota);
- 40.000,00 €, pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A, com o falecimento da lesada;
(…)
XVI - De harmonia com o disposto no art. 126º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, compete aos tribunais de trabalho conhecer, em matéria cível:
(...) c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;

XVII - (…) no que para aqui interessa, há que atentar no regime excecional previsto no art. 18º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro sob a epígrafe “Atuação culposa do empregador”: “1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
XVIII- Contudo, este preceito não afastará a aplicação das regras de responsabilidade civil subjetiva. Como refere Pedro Romano Martinez, estando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, não está vedado ao trabalhador a possibilidade de ser ressarcido nos termos gerais, designadamente quanto aos danos não cobertos pela Lei dos Acidentes de trabalho (p. ex., lucros cessantes).
(…)

XXII - No caso em apreço, o Autor intentou a presente ação assentando a causa de pedir e o pedido por si formulado nos termos gerais da responsabilidade civil subjetiva – imputando a existência de culpa a cada uma das duas rés – B... e A... (sendo que, apenas a última constitui entidade patronal da falecida), alegando que cada uma dela terá responsabilidade distinta sobre a morte da falecida, pretende a sua responsabilização solidária exclusivamente pelos danos não patrimoniais decorrentes do falecimento da sinistrada, sua cônjuge.
XXIV - Antes de mais atentar-se-á em que, e ainda que o tribunal de trabalho fosse competente para apreciar da responsabilidade da entidade empregadora na eventualidade de se encontrar em causa “a reparação por danos emergentes de acidente de trabalho”, nunca o seria para o pedido de condenação solidária formulado contra a Ré B....
XXV - Em tal processo, apenas poderão ser demandados a entidade patronal e a sua seguradora, para quem aquela tenha transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, sem prejuízo do exercício dos direitos do trabalhador contra terceiros, nos termos da lei geral e a exercer junto dos tribunais comuns.
XXVII - Não abrangendo a presente ação qualquer “questão emergente de acidente de trabalho”, encontrando-nos perante uma normal ação de responsabilidade civil com fundamento na prática de atos ilícitos por cada uma das rés, a competência para a sua apreciação e julgamento residirá nos tribunais comuns.
XXVIII - Não poderia a Ré A... Lda., ser absolvida da instância
Deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido e em consequência ser substituído por outro que admita a Ré A..., seguindo-se os demais termos Respondeu a Ré A... sustentando que:
Face a todo o exposto, dúvidas não existem de que a presente ação de pedido de indemnização por danos não patrimoniais emergiu de um acidente de trabalho pelo que o Tribunal a quo é incompetente, nos termos do art. 96.º, alínea a) do CPC.
II. Os tribunais do trabalho são os competentes para conhecer do litígio entre trabalhadora e empregadora fundado na ocorrência de acidente de trabalho, de que aquela tenha sido vítima, e decorrente indemnização, também por danos não patrimoniais causados pelo acidente, no caso de estar alegada responsabilidade agravada da entidade empregadora em virtude de incumprimento causal das normas de segurança no trabalho Tanto mais que tal pedido indemnizatório, atenta a natureza e grandeza dos danos não patrimoniais invocados resultam única e exclusivamente do acidente de trabalho e lesões dele decorrentes.
IV. Em suma, o objeto da causa é representado por direitos emergentes de acidente de trabalho, havendo um irrecusável nexo de causalidade, no âmbito alegado pelo A./Recorrente, entre os danos invocados (consequência) – cuja reparação se pretende – e o descrito acidente de trabalho (causa).
V. E não é o facto de ser pedida indemnização por danos não patrimoniais que faz desvirtuar esta caraterização e a estabelecida causalidade. Os danos morais peticionados na ação também decorrem do acidente, sendo jurisprudência maioritária de que quando é invocada responsabilidade agravada da entidade empregadora – alegação, in casu, de que o acidente ocorreu por falta de observância (logo, incumprimento) das normas de segurança no trabalho – a responsabilidade por danos não patrimoniais, emergentes de acidente de trabalho, supondo a culpa da entidade patronal, deve ser determinada ao abrigo do Código Civil, mas sendo competentes os tribunais de trabalho, em razão da matéria, para conhecer dessa responsabilidade.
VI. A competência destes tribunais não está confinada ao arbitramento da reparação por danos patrimoniais de acordo com a Lei dos Acidentes de Trabalho, sendo, porém, indesmentível que é a Jurisdição Laboral a que está vocacionada para conhecer dos acidentes de trabalho e das indemnizações por danos daí decorrentes.
VII. Termos em que não pode triunfar a argumentação do Recorrente, devendo improceder a apelação, cabendo, como bem decidido, a competência material aos tribunais do trabalho, com a decorrente incompetência do Tribunal a quo.
Nada obsta ao mérito.

O OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Em consonância e atentas as conclusões do recorrente a única questão a decidir é a de saber se o juízo cível goza de competência material para conhecer do objeto desta ação, quanto à Ré A... Lda.


O MÉRITO DO RECURSO: FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação de facto supra. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

I

O objeto do recurso consiste em dar resposta à questão de saber se a competência material para conhecer do direito à indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo autor mercê da morte da sua mulher quando se encontrava ao serviço da sua entidade patronal no horário e local de trabalho compete aos tribunais de trabalho como fixou a decisão recorrida ou antes cabe na jurisdição comum, como vem defender o recorrente.
Vejamos:

“A competência dos tribunais em geral é a medida da sua jurisdição, o modo como entre eles se fraciona e reparte o poder jurisdicional, que tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais, cfr Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 88 e 89.
“Desta definição, podemos passar para uma classificação de competência, a qual em sentido abstrato ou quantitativo, será a medida da sua jurisdição, ou seja a fração do poder jurisdicional que lhe é atribuída, ou, a determinação das causas que lhe cabem; em sentido concreto ou qualitativo, será a suscetibilidade de exercício pelo tribunal da sua jurisdição para a apreciação de uma certa causa” Manuel de Andrade, ibidem e Miguel Teixeira de Sousa, A Competência e Incompetência dos Tribunais Comuns, (apud acórdão do stj de 30/4/2019 (Ana Paula Boularot) 100/18.0.T8MLG.-A.G1.S1, citado pelo recorrido, cuja jurisprudência aqui seguiremos de perto, porquanto é conforme a orientação maioritária dos tribunais superiores nesta matéria, como exemplificativamente nos dá conta o despacho recorrido.
Assim, a incompetência será a «insusceptibilidade de um tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a medida da jurisdição suficiente para essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição do tribunal arbitral.», cfr Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 128. ibidem.
Dispõe o normativo inserto no artigo 64° do CPCivil (em consonância com o artigo 211º da CRP «Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.») «São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.», acrescentando o artigo 65° «As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada.».
A competência do Tribunal, como pressuposto processual que é, determina-se pelos termos em que o autor estruturou o pedido e a causa de pedir, Manuel de Andrade, ibidem, 90/91; Acórdãos do STJ de 18 de Novembro de 2004 (Relator Salvador da Costa), 7 de Abril de 2005 (Relator Araújo de Barros), 28 de Fevereiro de 2008 (Relator Fonseca Ramos), 13 de Março de 2008 (Relator Sebastião Póvoas), 12 de Fevereiro de 2009 (Relator Paulo Sá), in www.dgsi.pt. ibidem.
II

Preceitua o artigo 126º da Lei 62/2013, de 26 de Agostos (LOFT), no que respeita à competência cível dos tribunais de trabalho:
«1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: (…)
c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;».

Por definição, um acidente de trabalho é aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho, produzindo lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho, ou de ganho, ou a morte, tendo o trabalhador direito à reparação dos danos daí emergentes nos termos do nº 1, do artigo 283º, do CTrabalho, (citado acórdão do STJ).
No caso dos acidentes de trabalho a Lei 98/2009, de 4 de setembro tem plasmada a regulamentação do regime de reparação dos acidentes de trabalho e de doenças profissionais , encontrando-se impresso no artigo 18º que: 1 -Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
III

A responsabilidade subjetiva funda-se na culpa que corresponde à imputação do facto danoso ao lesante, a título de dolo ou negligência por violação de uma regra destinada a proteger o direito de outrem.
O recorrente reconhece nas alegações de recurso, que o fundamento da presente ação, reside na responsabilidade civil subjetiva ( cls XXII), o que está em linha com as alegações constantes da petição inicial articulado no qual a factualidade subjacente a este tipo de responsabilidade está alegada nomeadamente dos artigos 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, a 32 e ainda 76, e em termos de direito nos artigo 82 e ss.
E como ficou supramencionado é perante esta alegação de factos na petição inicial que constituindo o objeto do litígio, e em face do pedido formulado que deve ser aferida a competência dos tribunais, já que a competência do tribunal em razão da matéria afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida, tal como definida pelo autor no que se refere aos termos em que propõe a resolução do litígio, a natureza dos sujeitos processuais, a causa de pedir e o pedido.
Tanto a factualidade alegada como o pedido de condenação com que o autor finaliza o seu articulado inicial traduz a nosso ver e sem dúvida, que o direito reclamado pelo autor se constituiu a partir do sinistro ocorrido no âmbito de uma relação de trabalho e por causas alegadamente imputáveis a título de culpa à ré, A....
Como de resto vem enfatizado no citado aresto e é pacífico entre nós nos termos do artigo 40º, da LOFT, os tribunais judiciais têm uma competência residual, apenas intervindo quando as causas não estejam atribuídas a outra ordem jurisdicional e a situação dos autos está expressamente afeta à jurisdição laboral, ex vi do artigo 126º, nº1, alínea c) do mesmo diploma, tendo em atenção o pedido e a causa de pedir em tela, encontrando-se prevista no CPTrabalho não só a tramitação do processo relativo ao acidente laboral, como também, todos os procedimentos destinados a ultimar a extinção e/ou a efetivação de direitos de terceiro conexos com o acidente de trabalho, prevendo que essas ações corram por apenso ao processo resultante do acidente, caso o haja, artigo 154º do CPTrabalho, no qual se predispõe «1 - O processo destinado à efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho sofrido por outrem segue os termos do processo comum, por apenso ao processo resultante do acidente, se o houver. 2 - As decisões transitadas em julgado que tenham por objeto a qualificação do sinistro como acidente de trabalho ou a determinação da entidade responsável têm valor de caso julgado para estes processos. (…) Consagra-se, assim, o princípio da absorção das competências, o que equivale a dizer que tendo os Tribunais de trabalho a competência exclusiva para a apreciação das problemáticas decorrentes dos acidentes de trabalho, a eles competirá, mutatis mutandis, igualmente, o conhecimento de todas as questões cíveis relacionadas com aqueles que prestem apoio ou reparação aos respetivos sinistrados, já que, o cerne da discussão se concentra na ocorrência do sinistro e eventual violação por banda da entidade empregadora das regras de segurança».
Logo, nos termos expostos a competência material para conhecer do mérito da causa, no que à Ré A... Lda respeita, compete ao Juízos do Trabalho, nos termos conjugados dos artigos 18º da lei 98/2009 de 4/9 e alínea c) do n.º 1 do art. 126º, da LOSJ.
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Nem obsta à decisão de incompetência absoluta o facto de ter sido demandada outra Ré, a B... L.da, com fundamento na responsabilidade decorrente de ser a responsável pela instalação, manutenção do ascensor. Na verdade, como resulta do despacho saneador proferido, os autos prosseguiram para apuramento da responsabilidade civil no que a esta outra Ré respeita.

SEGUE DELIBERAÇÃO.

NÃO PROVIDO O RECURSO. CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA.

Custas pelo Recorrente

Porto, 15 de junho de 2023
Isoleta de Almeida Costa
Ernesto Nascimento (Vencido, conforme declaração de voto, infra) [DECLARAÇÃO DE VOTO: É consabido que é pela caracterização dada pelo autor na petição inicial – através da causa de pedir e do pedido - que se determina a competência do Tribunal.
O Autor intentou a presente acção no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, por factos ilícitos, no âmbito de uma actividade perigosa, no disposto no artigo 493.º/2 CCivil, contra a entidade patronal da falecida, e contra a responsável pela montagem do elevador e pela sua inspecção, pedindo a condenação solidária das Rés numa indemnização por danos não patrimoniais, sendo:
- 90.000,00€, pela perda do direito à vida;
- 50.000,00 €, pelo dano sofrido pela vítima no período entre o acidente e o seu decesso (6 meses em cota);
- 40.000,00 €, pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A, com o falecimento da lesada.
É certo que o artigo 18º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro sob a epígrafe “actuação culposa do empregador”, dispõe que,
“1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido.”
O que daqui resulta é que este regime não tem a virtualidade de afastar a aplicação das regras de responsabilidade civil extra-contratual, por factos ilícitos.
Não pode é receber indemnizações em duplicado.
A autora não alicerçou os seus pedidos em nenhuma das situações previstas, excecionalmente, no aludido artigo 18.º.
Até porque, como refere, não tinha conhecimento se teria havido violação das regras de segurança por parte da entidade patronal, ou se se tratara de uma falha da entidade que instalara o elevador.
Assim, não estaremos no âmbito do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, que refere que compete aos tribunais de trabalho conhecer, em matéria cível, alínea c), das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Donde, concederia provimento ao recurso.]
Deolinda Varão